segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

ERA UMA VEZ EM COXILÂNDIA



Era uma vez um país chamado Coxilândia.

Seus habitantes eram chamados de coxinhas.

O símbolo Nacional de Coxilândia era um cachorro vira-lata.

Na verdade, os coxinhas preferiam o tucano, mas por serem muito complexados se identificavam mais com os vira-latas.

Achavam que nada em seu país prestava e sonhavam viver nos Estados Unidos.

A moeda nacional de Coxilândia era o dólar, muito usada nas férias em Miami, Las Vegas ou nas viagens para Disneylândia.

Em Coxilândia havia muita e muita terra agriculturável que não produzia nada útil, mas a posse dessas terras era de poucas pessoas.

Havia também muita e muita gente sem terra para plantar, a quem era oferecido trabalho semiescravo nas terras que já tinham dono.

O uso coletivo da terra, também chamado de Reforma Agrária, faria bem para todos os habitantes de Coxilândia. A comida seria mais barata, haveria menos gente em situação de miséria, diminuiria a violência do campo. Mas, os coxinhas, principalmente aqueles que não tinham terra nenhuma, eram contra a Reforma Agrária.

Existia liberdade religiosa, mas predominavam os católicos que nunca iam nas Igrejas.

Tinha samba, carnaval e futebol, festas populares, porém controladas por contraventores e corruptos que realmente se divertiam.

Muitas outras forças e energias eram adoradas pelos coxinhas.

A imprensa, por exemplo estava num patamar de divindade. Tudo o que era dito na mídia, imediatamente virava dogma.

As novelas televisivas criavam moda, mitos e alienados.

Liam a Revista “Óia” e se achavam bem informados.

Os coxinhas formavam uma sociedade estratificada, dividida oficialmente em: doutores (aquém o coxinha adorava beijar a mão), a classe média, por sua vez subdividida em: os que achavam que um dia seriam doutores e os que desconfiavam que jamais seriam doutores, mas, adoravam puxar o saco deles.

E tinha milhões de outras pessoas que não se enquadravam nesses grupos e eram denominados pelos coxinhas de comunistas, pobres e vagabundos.

Os coxinhas odiavam ver pobre de carro, adquirindo bens, viajando de avião e ver filhos de pobres estudando nos mesmos colégios que os coxinhazinhas estudavam.

Adotavam rótulos onde os pobres, comunistas e vagabundos falavam errado e eram ignorantes sem perceber que era a sua a maior ignorância.

Havia eleições em três turnos em Coxilândia.

No primeiro turno e segundo turnos deviam ser eleitos os candidatos dos doutores e seus amigos. O terceiro turno era para derrubar os candidatos dos comunistas, pobres e vagabundos que ousassem ser eleitos.

A culinária do país era riquíssima.

Além da comida nacional, a coxinha, também eram muito apreciadas as comidas finas, pelos doutores que as comiam e pelos puxa sacos que não comiam, mas, sentiam prazer em saber que os doutores comiam.

O governo era uma república que os coxinhas definiam como “republiqueta”, quando perdiam. Entretanto, a ditadura era um ideal dos que não tinham ideais.

Em Coxilândia 70% dos presos eram negros, menos de 20% dos estudantes nas faculdades eram negros, mas não havia racismo.

Mulheres recebiam salários menores que os homens, eram violentadas e agredidas na proporção de uma a cada 20 minutos, mas não existia machismo.

Homossexuais era agredidos e assassinados nas ruas e na saída de espetáculos, demitidos de seus empregos e não aceitos em certas igrejas, mas não havia homofobia.

Fascista se autodenominava intervencionista.

9% da população concentrava 55% da riqueza, mas se dizia que o país era de absoluta igualdade social e econômica.

Ricos e filhos de ricos que roubavam, violentavam e dirigiam bêbados ou drogados, não iam para a cadeia, mas se dizia que todos eram iguais perante a Lei.

Professores ganhavam uma miséria e eram agredidos pela polícia quando reclamavam enquanto os juízes recebiam até auxílio moradia.

Diziam que Deus era Coxinha e que povo que elegia candidato da mídia era o mais politizado do país.

No próximo texto vamos falar do folclore de Coxilândia. 



Prof. Péricles


sábado, 23 de janeiro de 2016

HORIZONTE CONFUSO


A geopolítica internacional frequentemente é comparada a uma partida de xadrez, onde as nações buscam a melhor posição no complexo cenário das relações internacionais.

E o tabuleiro atual nos mostra um quadro de forte tensão.

Os principais movimentos que levaram ao quadro atual foram:

01. Crise econômica atinge a China, e a china, hoje, é um gigantesco elefante que tentamos guardar dentro de casa. É incompreensível, toma todos os espaços, mas gostamos de pensar que a entendemos. O ano de 2015 apresentou a menor taxa de crescimento desse país em muitos anos seguidos de aceleração.

02. A entrada da Rússia de forma direta no conflito da Síria: as ações de um exército poderoso na região, uma espécie de estranho no ninho, ameaça diretamente os interesses dos Estados Unidos e Israel que sempre apostaram na queda de Bashar AL-Assad e na posse de um governo fantoche, ou, pelo menos, amigo.

03. Aos planos prejudicados no Oriente Médio por Putin, acrescente-se a insatisfação em Israel com a assinatura de um acordo entre Irã e Estados Unidos que reabilita o governo de Teerã e permite que esse país cresça substancialmente de importância na região que, normalmente, Israel considera seu quintal.

04. A decisão da Arábia Saudita de atingir diretamente a economia de seu arqui-inimigo, o Irã, produzindo petróleo em uma quantidade acima do consumo e dessa forma, força a queda do produto. Além do seu alvo, o Irã, essa política da Arábia Saudita provoca instabilidade e desconforto no mundo inteiro.

05. A intenção de Vladimir Putin de negociar o petróleo que vende, aceitando como pagamento ouro em vez do petrodólar ameaça jogar os Estados Unidos numa crise inimaginável, que certamente, puxará junto a Europa. Se a Duma (Parlamento Soviético) autorizar Putin a seguir em frente, estaremos diante de uma situação que transformar dramaticamente toda a “cara” do mundo moderno, pois é com o petrodólar que os Estados Unidos têm mantido sua hegemonia apesar de todas as crises políticas e econômicas recentes..

Quais serão os próximos movimentos no tabuleiro?

O melhor de todos os caminhos, sem dúvida, seria uma tentativa séria e global para a solução do problema da Síria, organizada pela ONU. Apertando Bashar AL-Assad e os grupos rebeldes, é possível isolar o EI, reconciliar o país e afastar Estados Unidos, Israel e OEA. . A pacificação da Síria é hoje o caminho mais seguro para a manutenção da paz internacional.

Mas, infelizmente o caminho da retaliação não está descartado.

É provável uma intervenção militar de Israel no oriente Médio. Seria uma tentativa de criar constrangimento à presença da Rússia. Os efeitos colaterais é que são imprevisíveis.

Mas, talvez o que mais deva nos preocupar é que, em ano eleitoral, os estados Unidos podem tentar uma jogada de mestre para escapar do cheque mate russo e, como sabemos, estratégias arriscadas trazem os riscos de consequências inesperadas.


Prof. Péricles



quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

O ASSASSINATO DE DONA CREMILDA


Por Laerte Braga


Cremilda Fernandes, 72 anos, professora no Espírito Santo, morreu ao término de uma manifestação contra toda a sorte de trapaças de governantes. Era, como muitos brasileiros, a imensa maioria, uma das vítimas da insensibilidade de monstros que governam na nossa democracia. Um infarto fulminante.

Momentos antes de sua morte havia dito a vários dos presentes à manifestação que queria participar do ato, panfletar e ouvira do motorista de táxi que a levara até o local que, finalmente, ele havia entendido que o ex-governador Paulo Hartung é apenas um chefe de quadrilha de assaltantes de cofres públicos.

Cremilda Fernandes aos 72 anos estava buscando, indignada e corajosa, os seus direitos. Receber um precatório que lhe era devido e a professores no Espírito Santo.

Precatórios existem em todos os estados e não são pagos a despeito de ações judiciais com trânsito em julgado, enquanto atitudes não são tomadas e atitudes nunca são tomadas.

Bandidos ficam impunes com a cumplicidade de um Judiciário corrupto e/ou leniente.

Professores são sempre o bode expiatório de governos insensíveis e governantes sem qualquer respeito pelo ser humano, como pela classe trabalhadora no seu todo.

Governantes são construídos a partir de interesses das elites, da classe dominante, num espetáculo gerado por especialistas e pela mídia de mercado, na crença que eleições de tempos em tempos significam democracia.

A professora Cremilda Fernandes, pouco antes de morrer, havia declarado que “espero há anos por manifestações assim”.

Um país com Roberto (Gaveta) Gurgel como Procurador Geral da República e Gilmar (Dantas) Mendes no Supremo Tribunal Federal não pode esperar seriedade ou avanços democráticos. No máximo novos escaninhos para esconder os mal feitos ou tapetes para varrê-los para baixo e fazer parecer que a sala está limpa.

“Informado” pela imprensa-de-mercado-de-repeticão (Grupo GAFE, Globo, Abril, Folha, Estadão), as mídias regionais como RBS, ou estaduais como Estado de Minas (MG), Rede Gazeta (ES), etc., um povo não pode adquirir consciência da realidade e se permite massacrar pelos que, de fato, governam – banqueiros, latifundiários e o capital internacional.

Não cumprir o tal preceito que todo cidadão é igual perante a lei, ou transformá-lo em ficção jurídica/constitucional, negar direitos básicos, tem sido uma constante de governos. 

Avanços paliativos não levam às mudanças estruturais que o Brasil necessita e pouco a pouco vamos nos transformando num entreposto do capital internacional, vamos virando parte do plano “Grande Colômbia” concebido pelos senhores do mundo, EUA e Israel.

A morte da professora Cremilda Fernandes tem essa dimensão; causa esse impacto vivo na lição de luta que deixa. Uma brasileira do Espírito Santo, 72 anos, indo às ruas por direitos que a tal lei lhe assegura.

A professora Cremilda é, ela sim, um símbolo, como todos os trabalhadores, que indignar-se é ir à luta e a luta é nas ruas, é o caminho. Fora dos clubes fechados dos amigos e inimigos cordiais que dominam o Estado-instituição.

É necessário entender também que a corrupção é inerente, parte inseparável do capitalismo, aqui ou em qualquer lugar do mundo.




Laerte Braga é jornalista de Juiz de Fora/MG

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

PODE SIM, DONA DESIDÉRIA!


Por José Ribamar Bessa Freire


Ninguém o chamava pelo seu sonoro nome de batismo: Rodolfo Dias. Para todos os efeitos era o Dasaguão, apelido proveniente do Departamento Das Águas, onde labutava como encanador na Estação do Bombeamento, lá na Ponta do Ismael.

Morava em Aparecida, bairro de Manaus no qual se vive um tempo mítico.

Já disse, mas como ninguém me escuta, repito: tudo o que acontece e ainda vai acontecer no planeta já ocorreu nas quinze ruas ou nos treze becos do bairro, como o que agora te conto, que pode ajudar a entender a atual violência nos Estados Unidos.

O filho primogênito do encanador – o Dasaguinha – era menino problemático, encrenqueiro, brigava diariamente, vivia todo esfulepado, cheio de cicatrizes adquiridas nas guerras travadas nas trincheiras dos becos.

Foi expulso em 1955 do Grupo Escolar Cônego Azevedo porque aos oito anos, com uma baladeira, atirou um arrebite quebrando a cabeça do Geraldo Pimbinha, que desmaiou, mas foi socorrido a tempo no SAMDU que ficava ali na Joaquim Nabuco.

Dona Desidéria, sua mãe, magérrima e anoréxica, ficou horrorizada:

– Não sei de onde esse menino tirou tanta agressividade – disse a mãe em depoimento à Polícia, no velho Casarão da Mal. Deodoro.

Ela não sabia? Santa Desidéria! Não relacionou o comportamento do filho com o do pai, que dias antes, com uma chave inglesa, causara lesão grave no Fernando Gogó.

Desaguão era devoto da cachacinha produzida no Beco da Bosta (o que motivou a mudança do nome daquela artéria – artéria é ótimo – para Beco da Indústria). Quando ficava de porre – e ficava um dia sim e o outro também – virava uma fera. Deixava de ser o cidadão cordial e prestativo que consertava torneiras dos vizinhos. Cheio do chá, esquecia canos, tubos, redes hidráulicas e saía pra porrada com Deus e o mundo.

Eis o que eu queria dizer. O Bairro de Aparecida é um retrato da sociedade americana, com uma diferença. Seus 6.996 moradores vivem em 2.222 casas, mas nenhum deles pode comprar armas legalmente, ao contrário da pacata cidadezinha de White Pine, no Tennessee, cujos 2.196 habitantes guardam armas nos 828 domicílios aonde residem.

No sábado (3/10), a população diminuiu. Um menino de 11 anos matou a tiros a vizinha de 8 anos, McKayla Dyer porque ela não o deixou brincar com seu cachorro de estimação. Alienado e perplexo, o xerife W. McCoig declarou:

– O menino é normal, não tem qualquer problema mental. Espero que nunca mais ocorra esse tipo de violência.

Espera sentado, porque vai ocorrer. Está ocorrendo. Todos os dias. O menino é normal, a sociedade onde ele vive é que não é.

O assassinato de uma criança por outra chocou o mundo, mas não é fato isolado. Recentemente foram vários massacres.

Christopher, 26 anos, matou nove pessoas numa escola de Oregon. Dylann Roof, 21 anos, assassinou outras nove numa igreja na Carolina do Sul. Adam Lanza, 20 anos, invadiu uma escola primária em Sandy Hook, disparou mais de 100 tiros e matou 28 pessoas, entre as quais 20 crianças entre seis e sete anos de idade.

Nos últimos mil dias, nos Estados Unidos, foram 994 ataques como esses, que mataram 1.260 pessoas e feriram mais de três mil, numa assustadora banalização da morte.

Na Nothern Arizona University, Steven Jones, 18 anos, matou um colega e feriu três; em Houston, o campus da Texas Southern University foi interditado, após tiroteio que deixou um morto e um ferido. Tiroteios em Denver, no Colorado e em Gret Falls, Montana. Tudo isso nessa sexta.

– É uma situação muito triste que ninguém pode explicar – disse o xerife do Tennessee.

Pode sim, dona Desidéria! Basta relacionar o fato de Tennessee com outro ocorrido no próprio sábado (3/10), na mesma hora, na cidade de Kunduz, no Afeganistão, quando ataque aéreo americano bombardeou um hospital mantido pela ONG humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF), matou 22 pessoas e feriu 37: médicos, enfermeiras e pacientes, entre os quais três crianças.

– A decisão do ataque aéreo foi nossa, da cadeia de comando americano, mas atingiu o hospital por um erro. Lamento profundamente a perda de vidas inocentes. Nunca atacaríamos intencionalmente uma instalação médica protegida – declarou o general John F. Campbell, comandante das tropas da OTAN no Afeganistão.

O fipilhopó - Traduzindo na língua do “p”, o general é um fipilhopó da putapá. Premeditou o ataque. Achava que havia talibãs malocados no hospital e decidiu demoli-lo com bombas, “o que é um crime de guerra e exige investigação independente”, declarou a médica Joanne Liu, presidente da MSF.

O general Campbell, que pratica terrorismo de Estado, é um Desaguão? A Pátria dá mau exemplo ao Desaguinha do Tennessee? Parece que o cidadão comum acaba se espelhando na máquina de matar montada pelo complexo industrial-militar.

O presidente Obama confessou sua impotência diante da Associação Nacional de Rifles (NRA), que controla a bancada da bala no Congresso, tem quase 5 milhões de membros pagantes e impede qualquer regulamento de posse e uso de armas nos Estados Unidos.

Se o Geraldo Pimbinha fosse Gerald Little Cock, em vez de um arrebite de baladeira, teria pegado um tiro nos cornos. Welcome to city of White Pine.



José Ribamar Bessa Freire, professor da Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-Rio).

sábado, 16 de janeiro de 2016

SUPLÍCIO DE TÂNTALO

“Como pode” dizia a tiazinha na fila do caixa do supermercado, falando com a “vizinha” da frente, “como pode gente tão rica roubar tanto?”

“Verdade” diz a “vizinha”, já ganham tanto pra trabalhar tão pouco e querem mais e mais... “senador, deputado, governador, empresário... o que mais eles querem”?

Para responder as tiazinhas talvez o melhor fosse contar a história de Tântalo.

Tântalo era um rei da Lídia (ou Corinto). Filho de Zeus com uma princesa terrena, não era imortal.

Mas, por ser filho de Zeus, além de justo e leal com seu povo, tornou-se o preferido dos deuses e o único mortal a ser admitido à mesa dos olímpicos, onde desfrutava de todas as frutas, do néctar e da ambrosia.

Os deuses não escondiam sua predileção e isso foi parindo no íntimo de Tântalo, uma vaidade que não parou mais de crescer, sufocando as suas virtudes sem que ele percebesse.

Cego pela soberba, passou a se imaginar um igual entre os deuses.

Resolveu confirmar sua superioridade, enganando os próprios deuses.

Convidou a todos do Panteão para um banquete em seu palácio e, pondo em teste a onisciência divina, lhes ofereceu o alimento terrestre sob sua forma mais abjeta: a carne humana, de seu próprio filho, Pélops.

Mas os deuses, são sim oniscientes e reconheceram a blasfêmia jogando pra longe seus pratos. 

Apenas a Deméter (deusa da agricultura) perturbada pelo recente desaparecimento de sua filha Perséfone, estava tão desatenta que ingeriu um pedacinho da carne.

Furioso, Zeus ressuscitou Pélops, que retornou à vida faltando apenas um pequeno pedaço no ombro, reconstituído com mármore (marca), que passará a ser a marca do pecado da vaidade (tal qual o pecado original de Adão e Eva).

Como castigo Tântalo foi lançado ao Tártaro, onde, num vale abundante em vegetação e água, foi sentenciado pela eternidade a não poder saciar sua fome e sede, visto que, ao aproximar-se da água esta escoava e ao erguer-se para colher os frutos das árvores, os ramos moviam-se para longe.

Sabiam os deuses que muito dói estar tão próximo e ao mesmo tempo tão distante e que as vezes só a dor faz germinar a humilde.

O mito aborda o eterna inconformidade com o que é possível e o eterno desejo de ser maior e de como isso pode ser destruidor.

A cobiça incoerente de quem já tem tanto e mesmo assim corrompe-se.

O ser humano busca a felicidade suprema, não a felicidade possível. 

Quer o máximo, podendo esse máximo estar o Olimpo, o nirvana, o céu, ou um simples copo d’agua.

Sempre se considera merecedor, sem perceber que esse “merecimento” é um mito que cria sobre si mesmo e com valores próprios à sua psique, não necessariamente reais a quem está ao lado.

Conforme o mito, talvez muitos personagens envolvidos na corrupção grotesca de nossos dias possam até fugir da condenação da frágil justiça brasileira, mas, de um jeito ou de outro, nos dizem os gregos, não fugirão do seu Suplício de Tântalo.

Afinal, para esses, tudo é vaidade.




Prof. Péricles



quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

POLACAS ETERNAS

Por Moisés Rabinovici

As polacas estão ressuscitando.

Párias em vida, abandonadas por 30 anos no gueto em que se enterraram judias, em Cubatão, elas começam a renascer dos túmulos restaurados até junho pela Sociedade Cemitério Israelita de São Paulo, já personagens de quatro livros; estrelas de três projetos teatrais; tema de monografia, tese e conferências.

As polacas do “povo da Bíblia” estavam confinadas ao Deuteronômio: “Não haverá dentre as filhas de Israel quem se prostitua no serviço do templo, nem dentre os filhos de Israel haverá quem o faça” (23:17).

Um “aluvião de Messalinas” invadiu o Rio de Janeiro em 1872. “A horda de judias russas, alemãs e austríacas começou a aparecer na roda cortesã, nos teatros de última classe, nas ruas mais concorridas, mulheres de ademanes desembaraçados, rostos formosos, trajando com luxo e levando presa no olhar a atenção dos transeuntes que as observavam”, como registrou Os Cáftens, um folheto de Clímaco dos Reis.

Elas “paravam nas esquinas, nos corredores e jardins dos teatros, em toda parte e, com uma desenvoltura até então desconhecida, distribuíam bilhetes com seus nomes e moradias…” O Estado de 25 de julho de 1879.

A Província de São Paulo, publicou a notícia de que “duas alegres raparigas deliberaram dar algumas voltas na cidade em um elegante carrinho particular de passeio, tirado por um cavallo, e guiado por uma dellas, de nacionalidade russa, ao que ouvimos contar, e entendida naquellas façanhas hyppicas”.

Nas ruas da Liberdade (“ironias do acaso!”), as duas foram presas e levadas ao chefe da polícia, que as libertou “provando que aqui no Brazil, como na Rússia, é permitido à mulher guiar um carro particular”.

“Abre-se a porta e aparece a mulher, vestindo camisa de cores berrantes”, ele continua. “O freguês que foi despachado passa sem lhe dizer palavra; e o próximo entra, a porta se fecha.” Atônito, conclui: “Tão incrível é o número de fregueses recebidos num único dia que, antes de o revelar, necessário se faz dizer que ele foi confirmado pelas autoridades, pela sociedade judaica de socorros Ezras Noshim e pelos investigadores da Liga das Nações.”

Historiadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Margareth Rago “morreu de medo” ao penetrar no mundo misterioso das polacas e de seus rufiões para o livro Os Prazeres da Noite: Prostituição e Códigos da Sexualidade Feminina em São Paulo, 1890-1930 (Paz e Terra, 1991).

“Fui assustada por gente da comunidade judaica que não queria desenterrar o assunto.” Perguntavam-lhe: “Mas por que você quer mexer com isso?”

Ao saber agora das obras de restauro no cemitério de Cubatão, ela se mostra curiosa e irônica: “Redenção?”

Seguindo o rastro deixado há 50 anos no livro Le Chemin (O Caminho) de Buenos Aires, pelo poeta e famoso repórter Albert Londres, queimado como um arquivo num suspeito incêndio de um navio em 1932, ela identifica no Brasil os tentáculos dos poderosos “maquereaux”, os gigolôs franceses, e dos “polaks”, traficantes de judias das aldeias pobres do Leste Europeu.

Quando perseguidos na Argentina, os rufiones refugiavam-se nas filiais paulista ou carioca, onde mantinham até “escolas de prostituição”.

As máfias francesa e polaca importariam para a América do Sul cerca de 1.200 mulheres por ano, embarcadas nos portos de Gênova, Marselha, Anvers e Hamburgo.

Mas “dificilmente saberemos quantas vieram por vontade própria, ou iludidas com promessas de casamento e perspectivas estimulantes de enriquecimento”

Nos bordéis distinguiam-se as estrangeiras, “embora as raras estatísticas disponíveis registrem uma porcentagem superior de brasileiras”.

Madame O, de 80 anos, testemunhou a belle époque paulista como costureira francesa. E nunca encontrava brasileiras nos bordéis.

“Por quê?”, perguntou-lhe Rago, numa entrevista em 1989. “Porque elas não eram disso no meu tempo”, respondeu. “Quando cheguei ao Brasil, não havia mulheres (brasileiras) não… tudo francesas e polacas, muitas.”

Os judeus brasileiros não queimaram as “curves” (prostitutas, em iídiche) de Santos, do Rio e de São Paulo. Mas lhes reservaram, “impuras”, o mesmo chão dos suicidas que ousam findar a vida dada, e então só tirada por Deus: junto aos muros dos cemitérios.

“Die linke”, esquerdistas, marginalizadas, ou “as outras”, na tradução do jornalista Alberto Dines, as “curves” abriram seus próprios cemitérios, rezaram em sinagogas próprias e congregaram-se em sociedades de assistência mútua. Viveram e morreram judias. Mais do que esquecidas, expiaram. Abolidas, perpetuaram-se.

Eternas polacas.


OBS. Para saber mais sobre o assunto leia o texto "POLACAS" de março/2015, aqui no Blog.



Moisés Rabinovici, jornalista e grande repórter, correspondente durante muitos anos do Estadão em Israel, redator da Agência Estado, diretor dez anos do Diário do Comércio de São Paulo, até o fechamento da edição papel do jornal pela Associação Comercial de São Paulo.