sexta-feira, 18 de dezembro de 2015
O REI BONZINHO E A MULHERADA DO MAL
Pálido, suando embaixo de seu turbante, o Grã-Mufti (autoridade religiosa máxima) bradou “é como abrir as portas ao mal”.
O religioso se referia às eleições para conselhos locais, realizados no sábado (12/12), e que, pela primeira vez contou com o voto e a candidatura de mulheres.
Na Arábia Saudita as mulheres não podem dirigir, e o “guardião” de uma mulher, que pode ser o pai, o marido, irmão ou mesmo o filho, pode impedi-la de viajar para o exterior, se casar, trabalhar, estudar e fazer certas cirurgias estéticas.
Aliás, foi com extrema irritação que as autoridades do país reconheceram, recentemente, um fenômeno noturno: o grande número de mulheres que dirigiam (um crime) automóveis durante a madrugada, indo para lugar nenhum, apenas, para satisfazer o desejo de motorista.
A Arábia Saudita é o maior produtor de petróleo do mundo. Terra em que nasceu e viveu o profeta Maomé e onde está a cidade sagrada de Meca. É governada pela família real Al Saud como uma monarquia de forte conotação absolutista.
A democracia não tem permissão para existir e os direitos humanos são rotineiramente desprezados, mas, ao contrário de outros governos locais que foram atacados pelos defensores da liberdade, OTAN/Estados Unidos, a família Saud dorme em berço esplêndido, dá as cartas e joga de mão, já que é a maior aliada dos Estados Unidos no Oriente Médio.
Seu governo é constantemente apontado pelos palestinos e iranianos como responsável pela desunião de seus povos na região, e, inclusive, de apoio a Israel nos intermináveis conflitos militares.
As eleições de sábado, com a participação feminina, ocorreram por vontade e “bondade” do rei Abdullah que as anunciara em 2011, e aconteceram mesmo com a morte do rei em janeiro desse ano (2015).
Além das mulheres poderem votar a magnificência do rei Abdullah ainda incentivou para que mais algumas vagas nas universidades sejam abertas para as mulheres, tadinhas.
Embora a mulherada tenha participado com grande afinco nas eleições (e isso é mais do que compreensível) elas foram muito chatas. Isso porque não existem partidos políticos no país (o rei é o partido único) e as leis impedem debates públicos sobre política e restringem importantes temas locais de interesse da população.
Dá para entender porque apenas 1,48 milhão dos 20 milhões de sauditas se registraram para votar nesta eleição, incluindo 131 mil mulheres.
Na terra do petróleo que enriquece meia dúzia de famílias, mas que mantém na miséria grande parte da população, não se discute política nas ruas nem se estuda nas escolas.
E agradeça a Alá que elas existam além, claro, da clemência e modernidade de seu rei, o amigo número um dos Estados Unidos.
Prof. Péricles
quarta-feira, 16 de dezembro de 2015
A FOME COM A VONTADE DE COMER DEMAIS
No mundo existem 7 bilhões de pessoas.
Mais da metade, 4 bilhões, possuem problemas
alimentares.
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), 2
bilhões são subnutridas devido a pobreza, enquanto outros 2 bilhões são obesos
devido ao pouco saudável estilo de vida que levam.
Milhões morrem anualmente de fome.
Estima-se que 2,5 milhões de pessoas morreram no
último ano vítimas dos efeitos da obesidade. Geralmente os piores efeitos são
doenças cardiovasculares, diabetes e diversos tipos de câncer.
A OMS anda firmando convicção que a obesidade anda
matando mais do que a fome.
Atualmente, países como o Brasil, México e China,
conseguiram reduções importantes no mapa da fome, mas, ao mesmo tempo, houve um
aumento do número de pessoas obesas.
Já nos países ricos a fome não é problema de
massas, mas, é justamente nesses países que se registra maior a presença da
obesidade mórbida
De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde, um
terço da população dos EUA, por exemplo, está extremamente acima do peso. Na
Europa, dependendo do país, essa proporção é de um quinto ou um quarto.
Enquanto a fome é uma característica da pobreza, a
obesidade é consequência da pobreza do nível educacional para a alimentação.
Ao mesmo tempo que a obesidade se destaca na
paisagem humana a fome em sua face não percebida, a “fome crônica” quando as
pessoas se acostumam com a deficiência alimentar e disfarçam seus efeitos
nutrindo-se de paliativos (como o pirão nordestino), permanece oculta e
silenciosa.
Thomas Malthus (1766-1834), economista britânico
que anunciou a teoria de um futuro sombrio quando o planeta não conseguiria
alimentar a população sempre crescente deve estar se revirando na sepultura.
Afinal, os números mostram que, a causa da fome não
é a insuficiente produção planetária, mas sim, a desigualdade social, a miséria
e a ignorância, em todos os seus níveis.
Prof. Péricles
segunda-feira, 14 de dezembro de 2015
ARACNE, FHC E A INVEJA
Ninguém
propala sua inveja em relação a outro aos quatro cantos.
Ao contrário,
com exceção dos ataques agudos de inveja, o invejoso disfarça como pode, pois, teme
que sua inveja sirva como um atestado de inferioridade.
Por isso, o
invejoso nega sua própria inveja.
Mas, algumas
invejas são tão intensas que nem o porão mais escondido na alma consegue
disfarçar.
É o caso da
deusa Atena em relação à Aracne.
Aracne era uma
tecelã talentosa. Todos admiravam sua habilidade.
Fiava com mãos
mágicas e os elogios que recebia eram sempre intensos e verdadeiros.
Certo dia, ao
buscar sua encomenda, um rico homem de negócios de passagem por aquelas bandas
ficou tão encantado com o trabalho de Aracne que comentou “só Atena seria capaz
de criar algo mais bonito que isso”.
Sabe como são
as tecelãs... Aracne ficou indignada com a observação e disse que se pudesse
desafiava Atena para um duelo de tecelagem para ver mesmo, ora bolas, quem era
a melhor.
Todos tentaram
tirar isso da cabeça da guria, pois, as deusas gregas eram conhecidas pela sua
irritabilidade e falta de espírito esportivo, quando perdiam, claro.
Mas, as
palavras chegaram aos ouvidos da poderosa deusa que de repente, apareceu
trazendo consigo dois teares para enfrentar o desafio.
Amigos de Aracne
suaram frio, pois sabiam que aquilo não iria terminar bem. Mas Aracne, com a
confiança que só a vaidade dá, permaneceu desafiadora.
As duas
começaram a trabalhar dando o máximo possível no que faziam.
Muitas horas
depois Atena olhou o que a rival fazia e teve que reconhecer que o talento da
mortal era extraordinário e maior que o seu.
Mas, bem capaz
que Atena aceitaria sair daquilo derrotada.
Mulheres... ou
melhor, Deusas...
Bem, a esperta
divindade passou a bajular a rival. Reconheceu que ela até tecia bem e poderia
vir a ser muito boa mesmo.
“Amiga, tenho
uma proposta pra te fazer”.
E propôs que
as duas acabassem agora o desafio já que ela, Atena, era uma deusa muito
ocupada e tinha compromissos urgentes no Olimpo, mas, que se a moça aceitasse
deixar pra lá, no zero a zero, ela a transformaria na maior tecelã de todos os
tempos, e que seria incomparável a qualquer outra.
Aracne,
ingênua, aceitou e a temida deusa a transformou numa aranha (de onde vem aracnídeo).
É o caso
também de FHC.
FHC que no
tempo da ditadura era considerado uma estrela da esquerda, lá no conforto
distante das lutas, e que sempre foi reconhecido como um intelectual, governou
o Brasil por oito anos.
Seu governo
foi frágil.
Seguindo a
receita neoliberal, privatizou empresas públicas, e privatizou mal, sem nenhuma
vantagem concreta ao país.
A inflação
chegou a 70%, os salários congelaram (dos funcionários públicos literalmente
congelaram) e a distância entre ricos e pobres só aumentou, como sabemos ser
consequência das políticas neoliberais.
Não se criou
nenhuma faculdade, nenhuma reforma estrutural no país em nenhum setor
estratégico.
O pobre
continuou pobre, e até mais pobre e essa população não guarda nenhuma saudade
do “príncipe dos sociólogos”.
Quem elogia
FHC e acredita nas suas explicações são seus correligionários e a mídia, mas
FHC é vaidoso. O que ele queria mesmo era a admiração do povo.
Lula tem apenas
o ensino fundamental.
Líder sindical
sempre foi desdenhado por supostos erros de concordância e completa falta de
lustro intelectual.
Lula também
ficou oito anos no governo, mas, nesses oito anos promoveu políticas sociais de
intensa repercussão entre os mais pobres.
O Fome Zero, o
Bolsa Família, Luz Para Todos e os programas na área de ensino fazem de Lula um
ídolo entre os miseráveis até de fora do Brasil.
FHC como bom
invejoso não fala isso, nem jamais falará, mas lá dentro, caramba como deve
doer a inveja!
Ele sabe quais
serão os comentários nos livros futuros de história quando a mídia amiga não
mais poder defende-lo. Sabe que, inevitavelmente os dois governos serão comparados.
Ele sabe, e isso dói no intelectual vaidoso, mais até do que no político.
Se pudesse,
ele faria como Atena, proporia pra Lula deixar pra lá as disputas e se tivesse
poderes da grande deusa, transformaria Lula num sapo barbudo.
Mas, não pode.
Por isso,
silenciosamente, está por trás de toda a sanha golpista dos últimos meses.
Não é por
ideologia ou por motivos conceituais.
Porque assim como Atena, FHC também não sabe perder.
Pura
inveja.
Prof. Péricles
sábado, 12 de dezembro de 2015
ORFEU, NÃO OLHE PARA TRÁS
Orfeu e Eurídice |
Era uma vez um jovem chamado Orfeu.
Filho da musa Calíope, inspiradora dos poetas e do rei Eagro da Trácia, numa versão, ou, do próprio deus Apolo, em outra versão.
Era músico e o maior e mais inspirado poeta que o mundo já conheceu.
Sua arte era tão poderosa que, foi capaz de silenciar as sereias usando apenas o seu próprio canto.
Diziam que quando Orfeu tocava sua lira, que ganhou de Apolo, silenciava até o murmúrio dos ventos, das águas e o canto dos pássaros.
Já Eurídice era uma ninfa. Linda. Maravilhosa. Quando era vista, nua ou quase nua por algum mortal, embasbacava o pobre coitado.
Era desejada por deuses e criaturas mágicas. Por homens e mulheres.
Orfeu conheceu e se apaixonou profundamente por Eurídice.
Por sua vez, Eurídice se apaixonou por aquele artista maravilhoso.
A relação entre eles era harmoniosa e sob a inspiração do poeta e de sua música faziam amor nos campos sem fim do mundo mitológico grego.
Himeneu, o deus das paixões e dos matrimônios abençoou os dois quando resolveram casar.
Porém, a tragédia iria se abater sobre o casal apaixonado.
Na véspera do casamento, outro filho de Apolo, Aristeu, tentou seduzir Eurídice.
Tentando fugir de suas armadilhas inconvenientes, a ninfa acabou pisando numa serpente venenosa que a picou, provocando sua morte.
Orfeu enlouqueceu de dor.
Sua poesia calou, seus dias escureceram e tudo em sua volta ficou mais triste.
Inconformado e cego de dor, levando apenas sua Lira, empreendeu uma perigosíssima viagem ao Mundo dos Mortos para trazer de volta sua amada.
Movido pelo amor e transtornado pela dor percorreu vales sombrios e campos inteiros sem nenhum sinal de vida.
Não havia flores e frutos nas árvores, nem peixes nos rios.
Mas, Orfeu não recuou obcecado para rever a mulher da sua vida, dona de seu coração.
Na solidão do mundo dos mortos Orfeu toca sua Lira e canta para espantar a dor.
E é seu canto mavioso que amolece o mais duro dos corações, o coração de Caronte, barqueiro condutor das almas pelo rio Estige, que a princípio negava-se a transportar vivos no reino dos mortos.
O som de sua Lira faz dormir Cérbero, o terrível cão de três cabeças que guardava os portões do reino dos mortos.
Além disso, enquanto avança, o som de sua música maravilhosa aliviava os tormentos e angústias das almas condenadas ao sofrimento.
E, finalmente, Orfeu se vê diante do trono de Hades, o deus dos mortos, tendo ao lado sua esposa, Perséfone.
O poeta não resiste ao acúmulo de suas dores e chora como criança pedindo clemência à Hades para que possa levar Eurídice para o reino dos vivos. Seu choro é pungente, vindo do fundo do coração e comove a todos em sua volta, menos a Hades.
Porém, Perséfone, sensibilizada, implora ao marido que dê uma chance a Orfeu.
O senhor dos mortos acaba cedendo, Eurídice poderia voltar com Orfeu ao mundo dos vivos, mas impõem uma condição: Orfeu não pode olhar pra sua amada até que a luz do sol atinja os dois.
Eufórico Orfeu agradece muito à Perséfone e parte de volta para casa. Vai na frente segurando Eurídice pela mão e sem voltar o rosto. Toca músicas de alegria, numa verdadeira euforia contagiante. Nunca o mundo dos mortos viveu momentos tão alegres.
Algum tempo depois, perto da saída, ocorre o que não poderia ocorrer.
Segundo alguns por não aguentar as saudades, por outros, pelo medo de ter sido enganado por Hades, não se sabe bem, mas a verdade é que Orfeu vira-se para olhar Eurídice.
Por alguns instantes ele a vê, mas em seguida sua imagem começa a desaparecer lentamente.
Ambos choram, Orfeu caí de joelhos, mas o desaparecimento não cessa e em pouco tempo ele se vê sozinho novamente, segurando sua lira e não contendo a dor em seu coração.
A triste história de Orfeu e Eurídice nos lembra de que tudo começa com um desejo, mas que todo desejo possuí suas condições, seus limites, facilmente ultrapassados pela nossa invigilância e impulsividade.
Muitas vezes o que mais ansiamos é ter uma nova oportunidade, mas, geralmente, não estamos preparados para ela, pois mantemos os hábitos mais antigos.
Temos que confiar que seguindo o caminho encontraremos as respostas que amenizem nossas dores apenas quando atingirmos a luz do sol da consciência.
Devemos confiar mais no futuro e não olhando para trás, para o que já passou.
O futuro, sem dúvida é mais radioso e iluminado, é só acreditar.
Quanto a Orfeu, diziam os gregos nas conversas de fim de noite, nunca mais recuperou a paz e a felicidade, tornando-se um artista preso à sua dor e a seu arrependimento.
Sua arte ficou triste, seu semblante nunca mais recuperou o brilho.
Passou a aconselhar as pessoas, especialmente nos assuntos de amor e isso deu origem à expressão “orfismo”, uma ação em que o conselheiro resolve os problemas de todos, menos os seus.
Orfeu nunca mais quis saber de outra mulher, embora fosse constantemente assediado, especialmente pelas Mênades (furiosas) que eram mulheres adoradoras do culto a Dionísio.
Lascivas, incoerentes, perigosas, faziam o sexo mais enlouquecido e descompromissado que se possa imaginar. Sedução, embriaguez, violência, ligadas as forças mais primitivas da natureza, as tornavam temidas até pelos deuses.
Desprezadas, coisa que não podiam suportar, faz Mênades, acabaram num surto de desejo reprimido, num contraste de amor e ódio, matando Orfeu.
As nove musas, incluindo sua mãe, Calíope, sepultaram seu corpo no Monte Olimpo.
As assassinas foram punidas sendo transformadas em silenciosos carvalhos.
Não há lágrimas para esse final, pois, segundo os gregos, finalmente, no mundo dos mortos, Orfeu e Eurídice puderam se reencontrar, que era o que mais queriam.
Prof. Péricles
Já Eurídice era uma ninfa. Linda. Maravilhosa. Quando era vista, nua ou quase nua por algum mortal, embasbacava o pobre coitado.
Era desejada por deuses e criaturas mágicas. Por homens e mulheres.
Orfeu conheceu e se apaixonou profundamente por Eurídice.
Por sua vez, Eurídice se apaixonou por aquele artista maravilhoso.
A relação entre eles era harmoniosa e sob a inspiração do poeta e de sua música faziam amor nos campos sem fim do mundo mitológico grego.
Himeneu, o deus das paixões e dos matrimônios abençoou os dois quando resolveram casar.
Porém, a tragédia iria se abater sobre o casal apaixonado.
Na véspera do casamento, outro filho de Apolo, Aristeu, tentou seduzir Eurídice.
Tentando fugir de suas armadilhas inconvenientes, a ninfa acabou pisando numa serpente venenosa que a picou, provocando sua morte.
Orfeu enlouqueceu de dor.
Sua poesia calou, seus dias escureceram e tudo em sua volta ficou mais triste.
Inconformado e cego de dor, levando apenas sua Lira, empreendeu uma perigosíssima viagem ao Mundo dos Mortos para trazer de volta sua amada.
Movido pelo amor e transtornado pela dor percorreu vales sombrios e campos inteiros sem nenhum sinal de vida.
Não havia flores e frutos nas árvores, nem peixes nos rios.
Mas, Orfeu não recuou obcecado para rever a mulher da sua vida, dona de seu coração.
Na solidão do mundo dos mortos Orfeu toca sua Lira e canta para espantar a dor.
E é seu canto mavioso que amolece o mais duro dos corações, o coração de Caronte, barqueiro condutor das almas pelo rio Estige, que a princípio negava-se a transportar vivos no reino dos mortos.
O som de sua Lira faz dormir Cérbero, o terrível cão de três cabeças que guardava os portões do reino dos mortos.
Além disso, enquanto avança, o som de sua música maravilhosa aliviava os tormentos e angústias das almas condenadas ao sofrimento.
E, finalmente, Orfeu se vê diante do trono de Hades, o deus dos mortos, tendo ao lado sua esposa, Perséfone.
O poeta não resiste ao acúmulo de suas dores e chora como criança pedindo clemência à Hades para que possa levar Eurídice para o reino dos vivos. Seu choro é pungente, vindo do fundo do coração e comove a todos em sua volta, menos a Hades.
Porém, Perséfone, sensibilizada, implora ao marido que dê uma chance a Orfeu.
O senhor dos mortos acaba cedendo, Eurídice poderia voltar com Orfeu ao mundo dos vivos, mas impõem uma condição: Orfeu não pode olhar pra sua amada até que a luz do sol atinja os dois.
Eufórico Orfeu agradece muito à Perséfone e parte de volta para casa. Vai na frente segurando Eurídice pela mão e sem voltar o rosto. Toca músicas de alegria, numa verdadeira euforia contagiante. Nunca o mundo dos mortos viveu momentos tão alegres.
Algum tempo depois, perto da saída, ocorre o que não poderia ocorrer.
Segundo alguns por não aguentar as saudades, por outros, pelo medo de ter sido enganado por Hades, não se sabe bem, mas a verdade é que Orfeu vira-se para olhar Eurídice.
Por alguns instantes ele a vê, mas em seguida sua imagem começa a desaparecer lentamente.
Ambos choram, Orfeu caí de joelhos, mas o desaparecimento não cessa e em pouco tempo ele se vê sozinho novamente, segurando sua lira e não contendo a dor em seu coração.
A triste história de Orfeu e Eurídice nos lembra de que tudo começa com um desejo, mas que todo desejo possuí suas condições, seus limites, facilmente ultrapassados pela nossa invigilância e impulsividade.
Muitas vezes o que mais ansiamos é ter uma nova oportunidade, mas, geralmente, não estamos preparados para ela, pois mantemos os hábitos mais antigos.
Temos que confiar que seguindo o caminho encontraremos as respostas que amenizem nossas dores apenas quando atingirmos a luz do sol da consciência.
Devemos confiar mais no futuro e não olhando para trás, para o que já passou.
O futuro, sem dúvida é mais radioso e iluminado, é só acreditar.
Quanto a Orfeu, diziam os gregos nas conversas de fim de noite, nunca mais recuperou a paz e a felicidade, tornando-se um artista preso à sua dor e a seu arrependimento.
Sua arte ficou triste, seu semblante nunca mais recuperou o brilho.
Passou a aconselhar as pessoas, especialmente nos assuntos de amor e isso deu origem à expressão “orfismo”, uma ação em que o conselheiro resolve os problemas de todos, menos os seus.
Orfeu nunca mais quis saber de outra mulher, embora fosse constantemente assediado, especialmente pelas Mênades (furiosas) que eram mulheres adoradoras do culto a Dionísio.
Lascivas, incoerentes, perigosas, faziam o sexo mais enlouquecido e descompromissado que se possa imaginar. Sedução, embriaguez, violência, ligadas as forças mais primitivas da natureza, as tornavam temidas até pelos deuses.
Desprezadas, coisa que não podiam suportar, faz Mênades, acabaram num surto de desejo reprimido, num contraste de amor e ódio, matando Orfeu.
As nove musas, incluindo sua mãe, Calíope, sepultaram seu corpo no Monte Olimpo.
As assassinas foram punidas sendo transformadas em silenciosos carvalhos.
Não há lágrimas para esse final, pois, segundo os gregos, finalmente, no mundo dos mortos, Orfeu e Eurídice puderam se reencontrar, que era o que mais queriam.
Prof. Péricles
quinta-feira, 10 de dezembro de 2015
TRISTE APRENDIZAGEM
Nesses tempos complicados que estamos
vivendo, de uma coisa a gente não pode se queixar: a falta de aprendizagem.
Poucos momentos foram tão pródigos em
lições e descobertas.
Por exemplo, juro que não sabia que o
cargo mais poderoso do Brasil fosse o de Presidente da Câmara de Deputados.
Imaginava que o Presidente fosse o agente político mais poderoso, ou o vice talvez, mas nunca imaginei que presidente da câmara fosse
o único a manter os poderes absolutistas que eu até julgava que não existissem
mais.
O presidente da câmara faz o que bem
quer. Bota em votação, tira de votação, decide como se vota, quem vota, mexe na
fila de espera, prende e arrebenta.
Grande surpresa! O presidente cheio de
limitações aos seus poderes e o Presidente da Câmara dá as cartas e joga de
mão.
Outra coisa que eu não imaginava: um
processo de impeachment pode ser aberto
contra a autoridade sem nenhuma acusação real.
Eu sempre pensei que o presidente respondesse
ao “impedimento” se houvesse indícios fortes e concretos de prática de algo
ilícito ou improbo. Afinal, a CPI do PC Farias somente incluiu a figura do
presidente Fernando Color quando apareceu um cheque que o ligava diretamente a um carro Fiat Elba envolvido em fato corrupto. Só aí, com o fato
concreto, Color passou foi “impitchmado”.
Agora aprendemos que não precisa.
Basta que o Presidente da Câmara, aquele cara mais poderoso do Brasil queira e
pronto, está iniciado o processo.
Isso é assustador pois todos nós
sabemos que o simples fato de responder a uma coisa dessas tráz desgaste à honra
do acusado, independente de culpabilidade.
É como se eu ou você respondêssemos por
roubo ou furto sem absolutamente nada indicar a nossa autoria. Mesmo inocentes o “peso” jamais sairá da nossa história.
Tudo bem, talvez eu seja mesmo
ingênuo, mas também não imaginava que a mídia pudesse criar as notícias, ou,
pelo menos, mascará-las dando ênfase a umas e ignorando outras.
Na minha santa ignorância eu
acreditava que, por ser uma concessão, a mídia estivesse obrigada por algum
código legal a transmitir todas as notícias.
Descobrimos que a mídia, que já foi
chamada de “quarto poder”, no Brasil, é o primeiro poder.
Finalmente. Eu não sabia que dignidade
e vergonha na cara pudessem ser “administradas” de acordo com as simpatias e
interesses das pessoas.
Explico melhor. Eu não sabia que gente
que se diz de bem e honrada pudesse apoiar um bandido, reconhecida e
comprovadamente bandido, desde que ele ameace alguém que não é de sua simpatia. Tipo, apoiar o traficante do bairro se esse for inimigo do teu desafeto.
Onde será que essa gente de bem guarda sua ética.
Estúpido que eu sou. Acreditava nas gentes de bem.
Tempos tristes. Tempos tensos e de
decepções.
Mas, definitivamente, tempos de
descobertas.
Prof. Péricles
terça-feira, 8 de dezembro de 2015
A NOITE EM QUE O BRASIL SIFU
POR EQUIPE CORREIO DO BRASIL
“Em que momento o Peru tinha se f…?”, pergunta Mario Vargas Llosa na abertura de “Conversa na Catedral”. Talvez a indagação seja mais fácil de responder no caso do Brasil: foi em 25 de abril de 1984.
Era uma noite úmida e estávamos na Praça da Sé, esperando o País renascer. A Câmara Federal apreciava a Emenda Dante de Oliveira e um gigantesco placar fora erguido para permitir o acompanhamento voto a voto.
Antes, ouvimos discursos e mensagens augurando vitória. Depois, foi a derrota que se desenhou aos poucos, enquanto a garoa aumentava.
Por fim, o longo caminho de volta para casa. Uns poucos exaltados e querendo briga, os outros cabisbaixos, sem ânimo para mais nada.
Fazia 11 dias que minha primeira filha nascera. Não lhe legaria o Brasil de meus sonhos. As músicas, as passeatas, as concentrações-monstro na Sé e no Anhangabaú, o amarelo que usávamos nas roupas para simbolizar a adesão às diretas-já… tudo em vão. Algumas centenas de deputados haviam permanecido alheias à vontade nacional.
Sairíamos da ditadura pela porta dos fundos, como parece ser nossa sina. Do descobrimento do que já se sabia existir à independência para inglês ver, todos os momentos solenes da nossa História têm um quê de farsa e bufonaria. Mas, por Deus, daquela vez quase todos fizeram sua parte!
No rescaldo da derrota entraram em cena os profissionais — conforme anunciou Tancredo Neves, aludindo a si próprio e a seus iguais. E, se poucos votos faltaram para o restabelecimento imediato das eleições diretas, muitos apareceram para ungir, por via indireta, o candidato da Aliança Democrática.
É claro que, no primeiro caso, os congressistas eram convidados a abrir mão de seu próprio cacife; e a segunda ocasião significava a hora das recompensas. Que foram prodigamente distribuídas.
Não entrarei no mérito do Governo Sarney e da lenta agonia que consome até hoje a democracia brasileira, como se o nascimento espúrio tivesse lançado uma sombra sobre o seu futuro.
Mas, quero deixar registrada — mesmo que tanto tempo depois — minha indignação com o aborto de uma esperança.
São raros os momentos em que há real interesse da população em influir nos destinos do País. E, cada vez que se ensaia um tímido despertar, surgem profissionais para conduzir os acontecimentos no sentido de um eterno retorno.
Nossa elite é sui generis: incapaz de formular um projeto nacional e de se unir em torno dele, alcança invejável coesão quando se trata de resistir às pressões que vêm de baixo. De empresários a políticos, passando por sindicalistas e acadêmicos, todos têm em comum a obstinação em não deixar a peteca escapar-lhes das mãos.
Daí o desencanto e o nilismo que grassam entre nosso povo. Quem ouve a voz das ruas sabe que o cidadão comum não confia verdadeiramente em nenhuma força do espectro político. Nenhuma.
E isto se deve, dentre outros motivos, ao balde de água fria sempre atirado no ânimo da multidão, como a garoa a nos castigar naquela noite em que acompanhamos mais uma traição à promessa de um futuro altaneiro, e voltei para casa sem palavras de amor para minha mulher nem paciência para ninar a criancinha, pois trazia a certeza, e os eventos posteriores só viriam confirmá-lo, de que naquele momento o Brasil tinha se f…
Era uma noite úmida e estávamos na Praça da Sé, esperando o País renascer. A Câmara Federal apreciava a Emenda Dante de Oliveira e um gigantesco placar fora erguido para permitir o acompanhamento voto a voto.
Antes, ouvimos discursos e mensagens augurando vitória. Depois, foi a derrota que se desenhou aos poucos, enquanto a garoa aumentava.
Por fim, o longo caminho de volta para casa. Uns poucos exaltados e querendo briga, os outros cabisbaixos, sem ânimo para mais nada.
Fazia 11 dias que minha primeira filha nascera. Não lhe legaria o Brasil de meus sonhos. As músicas, as passeatas, as concentrações-monstro na Sé e no Anhangabaú, o amarelo que usávamos nas roupas para simbolizar a adesão às diretas-já… tudo em vão. Algumas centenas de deputados haviam permanecido alheias à vontade nacional.
Sairíamos da ditadura pela porta dos fundos, como parece ser nossa sina. Do descobrimento do que já se sabia existir à independência para inglês ver, todos os momentos solenes da nossa História têm um quê de farsa e bufonaria. Mas, por Deus, daquela vez quase todos fizeram sua parte!
No rescaldo da derrota entraram em cena os profissionais — conforme anunciou Tancredo Neves, aludindo a si próprio e a seus iguais. E, se poucos votos faltaram para o restabelecimento imediato das eleições diretas, muitos apareceram para ungir, por via indireta, o candidato da Aliança Democrática.
É claro que, no primeiro caso, os congressistas eram convidados a abrir mão de seu próprio cacife; e a segunda ocasião significava a hora das recompensas. Que foram prodigamente distribuídas.
Não entrarei no mérito do Governo Sarney e da lenta agonia que consome até hoje a democracia brasileira, como se o nascimento espúrio tivesse lançado uma sombra sobre o seu futuro.
Mas, quero deixar registrada — mesmo que tanto tempo depois — minha indignação com o aborto de uma esperança.
São raros os momentos em que há real interesse da população em influir nos destinos do País. E, cada vez que se ensaia um tímido despertar, surgem profissionais para conduzir os acontecimentos no sentido de um eterno retorno.
Nossa elite é sui generis: incapaz de formular um projeto nacional e de se unir em torno dele, alcança invejável coesão quando se trata de resistir às pressões que vêm de baixo. De empresários a políticos, passando por sindicalistas e acadêmicos, todos têm em comum a obstinação em não deixar a peteca escapar-lhes das mãos.
Daí o desencanto e o nilismo que grassam entre nosso povo. Quem ouve a voz das ruas sabe que o cidadão comum não confia verdadeiramente em nenhuma força do espectro político. Nenhuma.
E isto se deve, dentre outros motivos, ao balde de água fria sempre atirado no ânimo da multidão, como a garoa a nos castigar naquela noite em que acompanhamos mais uma traição à promessa de um futuro altaneiro, e voltei para casa sem palavras de amor para minha mulher nem paciência para ninar a criancinha, pois trazia a certeza, e os eventos posteriores só viriam confirmá-lo, de que naquele momento o Brasil tinha se f…
Assinar:
Postagens (Atom)