quarta-feira, 16 de setembro de 2015
ÍNDIO NÃO É GENTE OU É INVISÍVEL?
Por José Ribamar Bessa Freire
“When a dog bites a man that is not news,
but when a man bites a dog that is news”.
(Charles A. Dana, jornalista americano)
Foi isso que aprendemos no Curso de Jornalismo da UFRJ, assim mesmo, em inglês.
Se um cachorro morde um homem, isso não é notícia, acontece sempre, mas se um homem morde um cachorro, aí sim, é notícia. Notícia é a novidade, o inusitado.
Tal lição importada dos Estados Unidos era ensinada, em 1966, pelo nosso professor Danton Jobim, autor do Espírito do Jornalismo, um espírito de porco que continua baixando ainda hoje nas redações, especialmente se o mordido for um índio e não o filho do dono do jornal.
No domingo vasculhei os dois jornais que assino – um do Rio, outro de São Paulo – para confirmar a notícia dos disparos feitos no sábado (29/8) por pistoleiros pagos que mataram o guarani-kaiowá Simeão Vilhalva, 24 anos, e feriram dez outros índios, incluindo crianças da Terra Indígena Ñande Ru Marangatu (MS).
Nada encontrei. “Não houve tempo hábil de noticiar” – pensei, já que a edição dominical dos jornais fecha cedo no sábado e o corpo de Semião foi encontrado por volta das 15h, no córrego Estrelinha, onde foi atingido na cabeça quando bebia água.
Esperei a segunda-feira e passei um pente fino nos dois jornais. Inútil. Sequer uma notinha. O velório com as rezas de despedida, o caixão sobre banco de madeira ao lado de um galpão, o choro dolorido do filho e da esposa Janaína só apareceram nas redes sociais. A mídia nacional ignorou olimpicamente as mordidas dos “cães raivosos” do agrobanditismo, considerando, afinal, que aquilo não era novidade. Novidade seria se um índio mordesse um desses “cachorros”.
Se índios são assassinados sistematicamente nos últimos cinco séculos, isso é tão corriqueiro que deixou de ser notícia, assim como não é notícia o motivo pelo qual se mata: disputa por terra. No caso, esta área indígena demarcada e homologada pelo presidente Lula, em 2005, teve a homologação suspensa pelo ministro do STF Gilmar Mendes a pedido dos fazendeiros que a ocuparam ilegalmente. Permanece engavetada até hoje, alimentando o conflito, que é silenciado pela grande mídia, mas que bombou nas redes sociais em compartilhamentos indignados.
Os dois jornais de circulação nacional não deram uma vírgula ao longo da semana sobre os desdobramentos do crime: velório, enterro, protestos, ação policial e ministerial. Na terça, negaram aos seus leitores a notícia sobre o enterro. Lá poderiam entrevistar a professora guarani-kaiowá Inaye Gomes Lopes, testemunha do crime: “Houve massacres em dois lugares. Um na fazenda de Roseli, presidente do Sindicato Rural e o outro na fazenda de Dácio Queiroz, onde ocorreu a morte. Os fazendeiros com os pistoleiros deles chegaram atirando”.
Quarta-feira, nas redes sociais circularam notas de protestos de várias entidades, entre outras a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), a Articulação de Povos Indígenas do Brasil (APIB), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), além de uma Carta Aberta dos Servidores da Funai de Campo Grande/MS, mas os dois jornais de circulação nacional nem seu souza.
Se a morte de Semião não foi noticiada, como publicar notas exigindo a punição dos assassinos?
As notas lembraram outros líderes assassinados como Marçal de Souza e Dorvalino Rocha, condenaram a ação planejada dos ruralistas em ataque paramilitar premeditado, denunciaram o uso de munição própria das forças de segurança pública e exigiram o julgamento dos mandantes e dos executores, além da regularização da terra. O líder guarani Anastácio Peralta disse que Mato Grosso do Sul virou “o maior faroeste, o país perdeu a soberania, quem manda lá é pistoleiro e fazendeiro.
Um boi vale mais que uma criança. Eles matam nós como animais”.
Comparando as redes sociais com o silêncio da mídia, fica claro que noticia, na realidade, é aquilo que os jornais não publicam, o resto é propaganda, matéria paga.
Desconfio que não vou renovar minha assinatura dos dois jornais, transformados em panfletões dos donos da grana.
Eles contribuem para a invisibilidade dos índios no cenário nacional. A publicação dos fatos certamente evitaria outros crimes.
Diante do silêncio “se faz um nó na garganta e se espalha em vários nós por todo o corpo” – como sinaliza Graciela Chamorro, que conclama:
– Em nome de A Bondade de Nosso Pai, quem escreve, escreva; quem canta, cante; quem toca, toque; quem pinta, pinte; quem reza e ora, reze e ore; quem prega, pregue; que os operadores do direito operem com justiça para que a impunidade dos crimes cometidos contra indígenas tenha um ponto final.
José Ribamar Bessa Freire, professor da Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-Rio), onde orienta pesquisas de doutorado e mestrado e da Faculdade de Educação da UERJ, coordena o Programa de Estudos dos Povos Indigenas (UERJ), pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Memória Social (UNIRIO) e edita o site-blog Taqui Pra Ti.
segunda-feira, 14 de setembro de 2015
NALEDI ENTERRAVA SUAS CRIANÇAS
Essa é para os meus alunos que dizem não gostar de história porque é um campo do conhecimento que apenas trabalha com velhas e enfadonhas certezas.
Uma equipe internacional de arqueólogos e paleontólogos trabalhavam despretensiosamente num sistema de cavernas na África do Sul que havia sido descoberto por dois espeleólogos (exploradores de cavernas) em 2013 a cerca de 50 quilômetros de Johanesburgo, capital da África do Sul.
Com certeza nenhum dos 60 membros da equipe estava preparado para as surpresas que viriam. Coisas tão inesperadas para o historiador como seria a descoberta de um novo planeta no sistema solar para o astrônomo.
Foram encontrados mais de 1500 ossos e fragmentos, além de 140 dentes de indivíduos diferentes que incluem homens, mulheres, crianças, adultos e jovens.
Tal quantidade de vestígios num mesmo sítio já seria de espantar, mas surpresas maiores ainda seriam reveladas.
A espécie encontrada é completamente nova, sem nenhum registro entre hominídeos já conhecidos.
Além disso, pode ser a mais primitiva do gênero humano, datando, presumivelmente de 3 milhões de anos.
Já batizado como “Momo Naledi” (pronuncia-se Nalédi), suas características físicas deixam os especialistas perplexos.
Enquanto o crânio, as mãos, os dentes não deixem dúvida sobre ser da espécie hominídeos, e os pés incrivelmente semelhantes aos do Homo Sapiens, sua pelve e ombros são, aparentemente igual de macacos que viveram a 4 milhões de anos atrás.
Aliás, os pés sugerem uma espécie que viviam no solo e percorria distâncias, mas mãos são mais apropriadas para viver nas árvores.
Essa mistura de características de hominídeos modernos e antigos é de deixar qualquer historiador sem saber direito o que dizer.
Mas as perplexidades são ainda maiores.
O grande número de ossos encontrados em um só local, não havendo evidências de que tenham sido depositados ali pelas chuvas, e ainda não existindo marcas que sugiram terem sido carregados por predadores, revelam ser possível que os corpos tenham sido deliberadamente deixados no sistema de cavernas, o que, por sua vez, indicaria terem sido enterrados numa espécie de ritual funerário.
Enterrar seus mortos é algo muito além do instintivo, tanto que nenhum animal além do homem tem essa prática.
Exige que se acredite haver uma necessidade para que isso seja feito, e ainda sentimentos de respeito pelo indivíduo morto, o que exige que haja algum tipo de raciocínio, crença e valor.
Historicamente se acredita que as primeiras espécies suficientemente evoluídas para tudo isso só haviam procedido com algum tipo de funeral a 136 mil anos atrás, aproximadamente.
Como entender que isso fosse feito por uma espécie tão mais antiga (3 milhões de anos) do que os primeiros cemitérios encontrados? E uma espécie cujo cérebro não deveria ser maior do que uma laranja?
Teria a natureza testado o surgimento do homem em épocas diferentes e por diferentes caminhos evolutivos?
De onde veio o Homo Naledi? O que ele ainda tem para nos revelar?
Por tudo isso, a descoberta nas cavernas da África do Sul, pode revolucionar todo o conhecimento que consideramos sólidos e definitivos sobre nós mesmos.
E, para aqueles alunos que limitam o conhecimento histórico como algo acabado e desinteressante sobra o velho refrão: “há mais mistérios entre o céu e a terra do que nossa vã filosofia possa imaginar”.
Prof. Péricles
Fonte: Hype Science
sábado, 12 de setembro de 2015
AS DESNUDAS DE NOVA YORK
Por José Inácio Werneck
Afinal as mulheres podem ou não mostrar seus seios na Times Square?
O prefeito de Nova York, Bill de Blasio, acaba de perder uma boa ocasião de ficar calado.
Ele declarou aos jornais que vai por fim às atividades das “desnudas” em Times Square e formou uma Comissão para estudar o assunto. Quer uma providência até o dia 1 de outubro.
Há diversas bobagens na atitude do prefeito, misturadas com uma esperteza climática.
Primeiro, vamos às “desnudas” – conhecidas assim mesmo, pela alcunha em espanhol.
Elas são moças que posam com os seios nus e pintados em Times Square, ao lado de turistas, e esperam receber uma gratificação em troca.
Primeiro, a bobagem do prefeito: é legalmente permitido expor os seios em Nova York, sem medo de multa ou prisão.
Na verdade, a lei em Nova York não faz diferença entre um homem com o torso nu e uma mulher na mesma condição.
Seios não são considerados órgãos sexuais e, portanto, quem os exibe não está cometendo atentado ao pudor.
Aliás há diversas interpretações legais, em muitos países, sobretudo na Europa, que mesmo a exibição de órgãos sexuais não constitui atentado ao pudor, desde que não haja intuito pornográfico por parte do homem nu ou da mulher nua.
Assim é que, em muitas praias europeias, há quem tire totalmente a roupa, mesmo fora das áreas de “naturismo”, sem despertar escândalo dos circunstantes nem repressão policial.
Em Nova York ninguém chegou a tal ponto, mas diversas mulheres já puseram à prova, com sucesso, o direito de andarem nas ruas e até viajarem no “subway” com o torso nu.
O prefeito Bill de Blasio está lidando apenas com seios e mesmo assim chegou a ameaçar com medidas extremas, como a de transformar a Times Square em um parque, eliminando as zonas onde pedestres podem transitar ou sentar-se.
O bom senso indicaria que o prefeito não se metesse no assunto, ou que apenas interferisse no caso das “desnudas” serem agenciadas por exploradores que exijam pagamento dos turistas de forma agressiva.
Mas para isto já existem medidas legais. O “panhandling”, como é conhecida a solicitação de esmolas ou gorjetas, é proibido quando feito agressivamente.
Tenho a impressão de que o prefeito, ao mesmo tempo em que ameaça tomar “medidas drásticas”, está jogando com uma “esperteza climática”, ao pedir soluções para o dia 1 de outubro.
É fácil entender a razão. Em outubro já estaremos em pleno outono no Hemisfério Norte e a cidade de Nova York entrará na estação de temperaturas baixas até pelo menos maio do ano que vem.
Ninguém, nem homem nem mulher, se sentirá atraído pela perspectiva de andar com o torso nu nas ruas da cidade.
E o prefeito espera que reação negativa passe e no ano que vem as jovens possam ser aceitas com mais naturalidade.
José Inácio Werneck, jornalista e escritor, trabalhou no Jornal do Brasil e na BBC, em Londres. Colaborou com jornais brasileiros e estrangeiros. Cobriu Jogos Olímpicos e Copas do Mundo no exterior.
terça-feira, 8 de setembro de 2015
ROUPINHA DE PASSEIO
Você recebe um convite de aniversário de criança, comparece ao aniversário de criança, parece aniversário de criança, mas só encontra adultos tomando cerveja e discutindo futebol.
Convoca-se reunião de condomínio, você leva sua listinha de problemas do prédio, mas chega lá e só ouve discussões de ódios pessoais e fofocas entre vizinhos.
Tem coisas que parecem, mas não são.
Como aquele mico que te mata de vergonha em que bateu no ombro do velho amigo acompanhado de “aí bixona” e ao se virar... não era o seu amigo, e sim um estranho.
A gente fica sem jeito, não é mesmo?
São coisas que estão além das aparências, mas confundem e provocam constrangimentos.
Como aquela velha foto que em contraste à sua pose de galã hollywoodiano aparece ao fundo um tiozinho brincando com a dentadura.
Ou aquela do menino na praia da Turquia, Aylan Kurdy.
A foto de uma criança numa posição em que crianças costumam dormir depois de exaustas. Roupa nova e bonitinha, daquelas que se vestem nossos filhos quando saímos de casa pra ir na casa da tia.
Você sorri ligeiramente achando que o danadinho deve ter aprontado todas e dormido na beira da praia, mas... ao ler a notícia percebe o engodo.
E seu coração vai ficando apertado a cada novo parágrafo.
Aylan não está dormindo depois de mil peraltices.
Aylan está morto. Afogado. E seu corpo sem vida está sendo recolhido por um oficial da Guarda Costeira.
Então, te passa pela cabeça qual teria sido seu último pensamento...
Crianças de três anos não tem últimos pensamentos pois todos eles são primeiros numa vida que apenas inicia.
Teria tido tempo de sentir medo? Chamar pelo pai?
Então, percebe-se que nem tudo que parece é, e que as imagens, definitivamente enganam.
Doeria menos se usasse turbante e não uma roupinha de passeio?
Não. Não é uma criança síria que está morta, exposta na foto.
É a própria humanidade.
A minha e a sua humanidade. A humanidade de nossos sonhos e mesmo de nossas conquistas.
A humanidade morre um pouco nas praias turcas e gregas, nas favelas cariocas e paulistas, nos asfaltos das grandes cidades cobertas pelo silêncio cúmplice das janelas envidraçadas de todo mundo ou nas matas brasileiras onde crianças Kaioás são queimadas vivas por madeireiros.
A humanidade morre vítima de nossa incompetência de criar um mundo mais justo e fraterno.
Mata-se crianças nas discussões vazias eivadas de preconceitos que insistem em não serem enterrados e até mesmo com o ódio que se espalha pelas comunidades virtuais.
E no silêncio pesado da leitura, sob o impacto da imagem dolorosa, restam as lágrimas, grossas e esguias, que nos lembram que o luto é nosso também.
Prof. Péricles
segunda-feira, 7 de setembro de 2015
CADÊ O BRASIL?
Por Tarcísio Lage
Depois de dois meses perambulando pelo Brasil, voltei ao meu recanto em Hilversum, na Holanda, de onde costumo observar o mundo com o binóculo da internet.
Liguei a televisão para ouvir o noticiário das 20 horas no canal 1 da televisão pública. No noticiário internacional, um tiquinho da Grécia, mas sobre o Brasil nem um pingo, como de resto nos jornais da Holanda.
Em outros países europeus mais chegados ao Brasil, como Portugal e Espanha, e nos maiores – Alemanha, França e Itália – a imprensa dedica bem mais espaço à crise brasileira, mas raramente apresenta o clima de catástrofe e de fim de mundo estampado diariamente nas manchetes dos jornalões, nos editoriais, artigos e, mais ainda, no furor dos telejornais.
Esse quase desinteresse decorre, provavelmente, do desprezo que a “comunidade Internacional” (termo que começou a ser empregado com furor pela ex-Secretária de Estado Madeleine Albrigt no fim do século passado) dedica ao Sul do Planeta.
Do ponto de vista estratégico, o Brasil é ainda visto como um elefante branco: não tem poder nuclear e as Forças Armadas mal dão para o gasto numa região relativamente de poucos conflitos.
Durante o governo Lula, quando se tentou uma política externa mais atuante, não foram poucas as críticas, para não dizer esculhambações, internas e externas, do tipo “vira-lata se metendo em briga de cachorro grande”. Não esqueçamos da arrogância do porta-voz do Ministério do Exterior de Israel, Yigal Palmor, reagindo a uma nota do Itamaraty condenando o excesso de força empregada na Faixa de Gaza no ano passado.
Disse ele ao Jerusalém Post: “Essa é uma demonstração lamentável por que o Brasil, um gigante econômico e cultural, continua a ser um anão diplomático.” Evidetemente, o Sr. Palmor está redondamente enganado.
O Brasil, ainda que seja a sétima economia do mundo, signatário do Tratado de não Proliferação de Armas Nucleares, continuou por muito tempo completamente desprezado pela “comunidade internacional”.
É nessa conjuntura que o Brasil tenta, durante o governo Lula, quiçá pela primeira vez, meter o bedelho na briga dos cachorros grandes da “comunidade internacional”. Mas o Brasil não entra só nessa briga, mas com o respaldo dos países dos BRICS, sendo dois eles detentores de arsenais nucleares que, juntos, quase se comparam aos dos Estados Unidos.
O confronto doravante vai ser cada vez mais intenso entre a “comunidade internacional” e os “BRICS” na linha de frente do “Sul” do Planeta, tão menosprezado.
O pouco caso de Israel pelo Brasil pode ser um engano estratégico. Afinal, ainda que seja um cão de pouco porte (do ponto de vista de armamentos), faz parte de uma matilha que abriga a segunda (ou talvez já a primeira) potência econômica do mundo junto com a herdeira do arsenal nuclear da antiga União Soviética. Pode até ser que mesmo os holandeses, enfurnados com seus pequenos problemas, prestem mais atenção no Brasil.
Há, contudo, um grande perigo: que os países dos BRICS acabem fascinados pelo canto da sereia capitalista e formem com a “comunidade internacional” uma aliança maldita para continuar explorando ainda mais as nações pobres do Planeta.
Tarcísio Lage, jornalista, escritor. Exilado no Chile no final de 1969, trabalhou, em seguida, em três emissoras internacionais: BBC de Londres, Rádio Suiça, em Berna, e Rádio Nederland, em Hilversum, na Holanda, onde vive atualmente. As Tranças do Poder é seu último livro.
Depois de dois meses perambulando pelo Brasil, voltei ao meu recanto em Hilversum, na Holanda, de onde costumo observar o mundo com o binóculo da internet.
Liguei a televisão para ouvir o noticiário das 20 horas no canal 1 da televisão pública. No noticiário internacional, um tiquinho da Grécia, mas sobre o Brasil nem um pingo, como de resto nos jornais da Holanda.
Em outros países europeus mais chegados ao Brasil, como Portugal e Espanha, e nos maiores – Alemanha, França e Itália – a imprensa dedica bem mais espaço à crise brasileira, mas raramente apresenta o clima de catástrofe e de fim de mundo estampado diariamente nas manchetes dos jornalões, nos editoriais, artigos e, mais ainda, no furor dos telejornais.
Esse quase desinteresse decorre, provavelmente, do desprezo que a “comunidade Internacional” (termo que começou a ser empregado com furor pela ex-Secretária de Estado Madeleine Albrigt no fim do século passado) dedica ao Sul do Planeta.
Do ponto de vista estratégico, o Brasil é ainda visto como um elefante branco: não tem poder nuclear e as Forças Armadas mal dão para o gasto numa região relativamente de poucos conflitos.
Durante o governo Lula, quando se tentou uma política externa mais atuante, não foram poucas as críticas, para não dizer esculhambações, internas e externas, do tipo “vira-lata se metendo em briga de cachorro grande”. Não esqueçamos da arrogância do porta-voz do Ministério do Exterior de Israel, Yigal Palmor, reagindo a uma nota do Itamaraty condenando o excesso de força empregada na Faixa de Gaza no ano passado.
Disse ele ao Jerusalém Post: “Essa é uma demonstração lamentável por que o Brasil, um gigante econômico e cultural, continua a ser um anão diplomático.” Evidetemente, o Sr. Palmor está redondamente enganado.
O Brasil, ainda que seja a sétima economia do mundo, signatário do Tratado de não Proliferação de Armas Nucleares, continuou por muito tempo completamente desprezado pela “comunidade internacional”.
É nessa conjuntura que o Brasil tenta, durante o governo Lula, quiçá pela primeira vez, meter o bedelho na briga dos cachorros grandes da “comunidade internacional”. Mas o Brasil não entra só nessa briga, mas com o respaldo dos países dos BRICS, sendo dois eles detentores de arsenais nucleares que, juntos, quase se comparam aos dos Estados Unidos.
O confronto doravante vai ser cada vez mais intenso entre a “comunidade internacional” e os “BRICS” na linha de frente do “Sul” do Planeta, tão menosprezado.
O pouco caso de Israel pelo Brasil pode ser um engano estratégico. Afinal, ainda que seja um cão de pouco porte (do ponto de vista de armamentos), faz parte de uma matilha que abriga a segunda (ou talvez já a primeira) potência econômica do mundo junto com a herdeira do arsenal nuclear da antiga União Soviética. Pode até ser que mesmo os holandeses, enfurnados com seus pequenos problemas, prestem mais atenção no Brasil.
Há, contudo, um grande perigo: que os países dos BRICS acabem fascinados pelo canto da sereia capitalista e formem com a “comunidade internacional” uma aliança maldita para continuar explorando ainda mais as nações pobres do Planeta.
Tarcísio Lage, jornalista, escritor. Exilado no Chile no final de 1969, trabalhou, em seguida, em três emissoras internacionais: BBC de Londres, Rádio Suiça, em Berna, e Rádio Nederland, em Hilversum, na Holanda, onde vive atualmente. As Tranças do Poder é seu último livro.
sábado, 5 de setembro de 2015
COM A FARTURA NASCE A MISÉRIA
Até aproximadamente 12 mil anos atrás os agrupamentos humanos viviam da coleta e da caça.
Além da insegurança causada pela necessidade de encontrar a caça a cada novo dia havia a tensão dele próprio não ser o caçado.
Entre 12 e 10 mil anos, surgiu algo que iria mudar profundamente a vida de nossos antepassados: a agricultura.
E o homem, de mero caçador e coletor como milhares de outros animais, transformou-se num produtor, o único animal capaz de produzir seu próprio alimento.
Inicialmente, a agricultura abasteceu os grupos com o necessário à sua sobrevivência.
Porém, em algum tempo a produção foi além do necessário, e surge o excedente.
Esse excedente passou a ser trocado por outros excedentes de outros grupos. A troca de produtos marcava o início do comércio.
Era necessário organizar a semeadura e a colheita, além do transporte do essencial e do excedente e assim nasce o que chamamos de governo. Outros grupos poderiam querer roubar a comida e sendo vital protege-la surge o exército.
Para ter reconhecida sua autoridade que não mais se justifica por sua coragem e perícia para à caça, o governante se alia aos que se dedicam a entender a natureza que os cerca e a qual temem, e dessa aliança nasce a religião e o rei teocrático. Mais que um rei, um deus.
As populações, com a certeza da sobrevivência, cresciam cada vez mais e as relações se tornavam mais complexas.
A extração dos minérios e da comida das entranhas da terra somado as diferenças entre as atividades exercidas fazem surgir as classes sociais.
Em pouco tempo se reconhece o acúmulo e as diferenças se tornam maiores.
O excedente da produção, gerou o comércio, o governo e o exército a propriedade e até mesmo o crescimento populacional.
Agora havia riqueza e propriedade privada que, entretanto, não estava distribuída do mesmo jeito entre todos. Estavam inventados o rico e o pobre.
Nas sociedades paleolíticas, enquanto caçadores e coletores e mesmo nos primeiros tempos da agricultura, a natureza organizou a sociedade humana pela divisão de tarefas por sexo e idade. O fruto de seu trabalho dessas sociedades “primitivas” era distribuído de igual maneira entre todos da tribo.
Havia as tarefas dos homens mais jovens, dos mais velhos, e das crianças e mulheres, que, aliás, contavam com uma grande importância dentro do grupo.
A riqueza trouxe a diferenciação e a exploração do trabalho alheio e também a diminuição da importância da mulher.
Se a segurança da produção em relação a insegurança da caça-coleta foi um grande progresso, o próprio progresso trouxe os gérmens da exclusão.
Na origem de nossa civilização, portanto, está o egoísmo tomando o lugar do coletivo.
É o individualismo que dá forma às sociedades ditas civilizadas e não a fraternidade.
Com a fartura da produção coletiva nasce a miséria individual.
Os persas, que habitavam o atual território do Irã, formaram no século VII a.C. o primeiro grande império a partir de conquistas militares.
Seu plano de expansão, após conquistar o oriente, objetivava diretamente a distante Grécia, em especial o porto de Atenas graças... a seu intenso comércio.
E assim tivemos as Guerras Médicas no século V a.C. como tivemos inumeráveis guerras posteriores baseadas no desejo de alguns de acumular indiscriminadamente a riqueza que nunca foi de todos.
O Império Romano foi o apogeu dessa ideia de ambições e sua queda em 476 mudou o mundo, mas não mudou a fome por excedentes.
Durante os dez séculos que se seguiram a sua queda, período que chamamos de Idade Média, o comércio se encolheu, se tornou local, mas a ambição continuou fomentando o acúmulo de riqueza, agora baseada na posse da terra, e a Igreja se destacaria como a mais rica, poderosa e insaciável entre todas as forças da terra.
(Continua)
Prof. Péricles
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