terça-feira, 23 de dezembro de 2014

PAPAI NOEL E A COCA-COLA


Em meados do século IV, quando a Igreja começava a ficar realmente poderosa, uma coisa irritava profundamente seus líderes. A teimosia do povo em não abandonar as sacrílegas festas pagãs. Logo a Igreja percebeu que não adiantava nadar contra a maré. O povo curtia suas festas e ponto final. Era algo como o governo hoje querer acabar com o carnaval.

Foi então que os homens da Igreja tiveram uma idéia. Ao invés de combater as festas mundanas por que não trazê-las para a própria Igreja, alterando suas tendências heréticas e dessa forma, controlar melhor o alarido do populacho?

Alguém teve a idéia de aproveitar a farra do “Natalis Solis Invicti”.

“O Nascimento do Sol Invencível” era uma festa animada, em que se comemorava desde tempos imemoriais a chegada do solstício de inverno no hemisfério norte. Muito popular caía sempre entre os dias 21 a 25 de dezembro.

O evento escolhido pela Igreja para ser comemorado nessa época foi o nascimento de Jesus, e o dia, que deveria ser fixo, o 25 de dezembro.

Pronto, nascia assim o natal, que se transformaria com o tempo na maior festa religiosa cristã.

O primeiro natal foi comemorado no ano 354 em Roma.

Cinco séculos depois os alemães introduziram a árvore natalina como uma das atrações do natal. Já o hábito da troca de cartões de natal nasceu na Inglaterra por volta do século XIX.

Já a lenda do Papai Noel, teve origem na Turquia, no mesmo século da introdução da festa em Roma. Nessa cidade vivia um homem da fé cristã, Nicolau Taumaturgo, que, pelo que diz a lenda, costumava doar parte de sua fortuna pessoal aos necessitados, geralmente, de forma anônima. Para a Igreja Católica, um santo, São Nicolau.

Papai Noel, você sabe, vive no Pólo Norte com Mamãe Noel. Fabrica brinquedos o ano todo em sua fábrica mágica auxiliado por inúmeros elfos e na noite de natal sobrevoa o mundo num trenó voador puxado por renas fantásticas.

Mas, a lenda não surgiu pronta. Ela foi se transformando com o tempo e muito do Papai Noel de hoje em dia devemos a Coca-Cola.

Antigamente, Papai Noel era representado com um semblante triste, mas propício a um santo do que aquele velhinho alegre que ri “ho-ho-ho”. Suas vestes eram escuras, próprias para alguém que vive na neve, geralmente verde-escuro.

Quem teve a idéia, pela primeira vez de um Papai Noel mais light e sorridente foi um cartunista alemão chamado Nast que, em 1886 desenhou papai Noel vestindo roupas vermelhas com detalhes brancos, cinta e botas pretas.

Pois, em 1931 a Coca-Cola utilizou a coincidência das cores do Papai Noel com sua própria logomarca e espalhou cartazes e outdoors com Papai Noel de Vermelho e tomando Coca-cola. Foi um enorme sucesso que atravessou fronteiras e mudaria para sempre a imagem do bom velhinho.

Até hoje Papai Noel anda por aí fantasiado de Coca-Cola.

Ainda hoje as crianças se encantam com a lenda. Adultos se esforçam para mante-la viva, todos se recordam de seu tempo, e poucos recordam daquele que, teoricamente deveria ser o mais lembrado, Jesus.

Talvez o marketing da Coca-Cola seja mais forte que o marketing da figura meiga de Jesus, afinal, em tempos de consumo onde faturar é lei, Papai Noel vende, Jesus não vende.

Provavelmente haveria espaço para a alegria infantil e para a reflexão necessária se houvesse entre as pessoas, essa vontade.

Refletir sobre a imortal filosofia de Jesus e sua moral revolucionária.

Não, ninguém quer estragar seus festejos, justos e merecidos que coroam um ano de trabalho que se encerra.

Nem se quer que entre o consumo de perus e castanhas se recorde que 12,9 milhões de crianças morrem a cada ano no Brasil, antes dos 5 anos de idade. Nem que 40% da população mundial vivem em situação de extrema pobreza e que 9% das crianças do mundo inteiro morrem de fome ou de doenças ligadas a miséria.

Isso talvez faça mal à digestão.

Mas, lembrando aquele aquém a festa deveria ser oferecida, reserve um espaço, um cantinho que seja, do seu tempo, para pensar sobre os abandonados da sorte, os entulhos do capitalismo.

Não se resolverá o problema das injustiças sociais e da miséria, mas, combatendo o “nem to aí” e domando seu egoísmo comprometendo-se a um ano de 2015 mais fraterno e comprometido, sua ceia ficará, com certeza, mais gostosa.

Não existe, nem existirá, tempero mais gostoso do que a solidariedade.

FELIZ NATAL!


Prof. Péricles


domingo, 21 de dezembro de 2014

CUBA ANTES DE FIDEL


O general e presidente do México, José de la Cruz Porfírio Diaz, certa vez disse, “Pobre México. Tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos".

Essa afirmação que hoje em dia é dito popular naquele país, cabe muito bem a Cuba.

A distância geográfica entre Cuba e a Flórida (EUA) é de cerca de 90 quilômetros, algo como a distância entre Poro Alegre e Osório, ou, uma freeway, como dizem os gaúchos.

A grande nação do norte sempre esteve muito íntima da história cubana e dela foi protagonista.

Cuba foi descoberta por Cristóvão Colombo, em 1492. Localiza-se no mar do Caribe, na América Central. Possui algo em torno de 111 mil km2, pouco mais que o tamanho de Santa Catarina e Pernambuco.

Desse pequeno território, apenas 27,63% é agriculturável.

Por 400 anos foi uma colônia espanhola. E teve uma complicada conquista de independência, que contou ao longo dos anos, com muitos heróis.

Em 1868 o rico latifundiário criolo (nativo filho de espanhóis), Carlos Manuel Céspedes, liderou a primeira Guerra de independência. Contando com apenas 200 homens, Céspedes obteve algumas vitórias iniciais e anunciou a liberdade de todos os escravos que se unissem ao exército revolucionário. Num segundo seu exército passou a contar com 12 mil homens.

Entretanto, a libertação dos escravos prejudicava os interesses dos outros latifundiários. Como sabemos a classe dominante não tem nenhum patriotismo quando seus interesses são atingidos e o heróico Céspedes acabou traído e derrotado na guerra que durou até 1878.

Outro herói cubano foi José Marti, um menino que com apenas 16 anos foi preso por fundar um jornal revolucionário, o “La Patria Libre”. Deportado, viveu em vários países e fundou um Partido para angariar recursos para promover uma nova luta pela independência.

Retornou a Cuba e deu início a segunda guerra de independência (1895-1898). José Marti morreu logo no primeiro mês do conflito.

No final da Guerra, considerando forte a possibilidade de não conseguir derrotar os espanhóis, os cubanos aceitaram o auxilio dos Estados Unidos, que, na época, se esforçavam para expulsar do continente os resquícios coloniais europeus que prejudicavam sua expansão imperialista.

Os Estados Unidos declararam guerra contra a Espanha originando a chamada “Guerra Hispano-Americana”.

Em 1898, a decadente Espanha é derrotada e abandona suas últimas colônias do continente (Cuba, Poro Rico) e os Estados Unidos ocupam Cuba de onde só se retiraram em 1902, depois que a Constituição Cubana é aprovada contendo a “Emenda Platt”, instrumento que reconhecia o direito dos Estados Unidos invadirem Cuba se seus interesses fossem ameaçados, de ditarem normas que considerassem de segurança nacional e ainda, reconhecia a posse de áreas cubanas como foi o caso da Base Militar de Guantánamo, que existe até hoje.

E a Emenda Platt será usada sem pudor como ficou evidente dez anos depois, em 1912, quando os Estados Unidos invadiram a ilha para derrotar negros e pobres que se rebelavam contra as oligarquias e lutavam por um país mais justo.

Era apenas o início de uma longa história em que os Estados Unidos sempre considerarão Cuba uma espécie de seu "quintal".

Esse maquiavélico instrumento valerá até a Constituição liberal cubana de 1940, mas, antes, terá a garantia de proteção de seus interesses em um governo corrupto e aliado estabelecido no poder desde 1933, com o presidente Fulgêncio Batista.

Porém, Cuba já estava reduzida a um anexo de seu vizinho americano. As propriedades mais produtivas, as belas mansões de praia e praticamente todas as indústrias, pertenciam a cidadãos norte-americanos.

O inglês predominava sobre o espanhol e Cuba era chamada de “colônia de férias” pelos ricos e pela classe média dos Estados Unidos.

Diante da exploração de seu país de forma tão opressora em perfeita sintonia com um governo cooptado, a revolta não parava de crescer entre os nacionalistas cubanos, especialmente, entre a juventude, e dessa maneira a revolução socialista começou no movimento estudantil.

Um brilhante estudante de Direito chamado Fidel Alejandro Castro Ruiz, iria liderar esse movimento patriótico de rebeldia, e, da Serra Maestra, fazer nascer uma Cuba realmente livre e dos cubanos.

Mas isso... já é outra história.


Prof. Péricles
Texto dedicado a minha prima Silvia Gagliardi Rocha

sábado, 13 de dezembro de 2014

MEU BRASIL VARONIL


Ao longo da nossa história, o Brasil assistiu os mais horrendos massacres de brasileiros.

O crime dessa gente? Ser pobre e pretender uma vida mais digna dentro do seu próprio país.

O Brasil adora matar brasileiros e seu exército, se especializou em eliminar o “inimigo interno” da nação.

Entenda-se como “nação” a ordem dominante dos privilegiados. Das classes mais ricas e que detinham o poder econômico e político.

A Cabanagem, por exemplo, foi um movimento que aconteceu no Pará, entre 1835 e 1840. Foi uma típica revolta de pobre contra a sua própria miséria.

O nome do movimento vem dos seus protagonistas, gente miserável que habitava cabanas de palafitas, a beira dos rios e igarapés. O sentimento de abandono dos mestiços e índios foi o combustível que levou a tragédia.

Em meio ao abandono surge a idéia de independência de um país que não os enxergavam.

No início, os cabanos chegaram a tomar Belém e colocar um dos seus na presidência da província. Mas, o analfabetismo era um problema só superado pela desinformação e, aqueles brasileiros esfarrapados não sabiam o que fazer com o poder.

Contra a ousadia de gente tão “poderosa” o governo brasileiro usou a perícia de seu exército combinada até com forças mercenárias. O massacre foi imenso. Cerca de 40 mil mortos numa população de 100 mil habitantes, muitos, executados com as mãos amarradas.

A “paz” se impôs pelo sangue e pelo terror e o Brasil superou essa “grave ameaça” a sua integralidade territorial. A vida dos sobreviventes voltou à realidade das cabanas, da miséria e da malária.

Já em 1838 começava no Maranhão a “Balaiada”. Outro movimento de miseráveis revoltados contra o abandono do governo de seu país.

Seus líderes eram fazedores de balaios, artesão de mãos vazias e de estômagos famintos, Raimundo Jutaí, bandoleiro analfabeto e seus homens, Cosme Bento e um ex-escravo que comandava outros ex-escravos e escravos fugidos.

O maior crime dessa gente era ser contra o monopólio político de um pequeno grupo de fazendeiros que agiam como se fossem donos da província e das pessoas.

O governo brasileiros uniu o exército do Maranhão com exércitos de outras províncias sob o comando do heróico Luís Alves de Lima e Silva “o pacificador” que traria a paz dos cemitérios para a região.

A “guerra” terminaria em 1841 com mais de 12 mil sertanejos e escravos mortos, a morte de seus sonhos e mais uma vitória do glorioso exército brasileiro e da elite local por ele protegida.

Os massacres de brasileiros parece não perturbar a consciência nacional. Heróis são tratados como criminosos e bandidos como heróis.

A alegação de que o que aconteceu nos anos de chumbo da Ditadura Militar foi uma guerra é, técnica, moral e politicamente, insustentável diante da lógica dos fatos.

Numa guerra se enfrentam dois exércitos profissionais cujo ofício último é a preparação de seus componentes para a guerra. Tais exércitos são mantidos pelos impostos pagos pelos contribuintes, dispõem de toda a informação e a mobilidade oficial de um órgão do estado.

Nada sequer semelhante se aplica aos grupos guerrilheiros que lutaram contras as forças repressivas civis e militares da ditadura.

Dizer que o que houve foi uma guerra é a mesma coisa que chamar os massacres da Cabanagem e a Balaiada de guerra.

O Brasil é um país que confunde sua elite com nação, pobres com inimigos e massacres com guerras.

Uma juventude inteira que ousou lutar contra o fascismo hoje, é lembrada pelos que jamais tiveram coragem para sair as tocas, como bandidos e assaltantes de bancos.

Falta apenas transformar torturadores em nome de rua.

Assim caminha a covardia nacional.



Prof. Péricles

EDUCAÇÃO DE SUPERMERCADO


Por Antonio Carlos Vieira

Quando ainda era estudante, a estrutura da educação pública e particular era muito diferente do que existe nos dias atuais. Naquela época só existia o chamado Ensino Regular alias, nem se usava esse nome, já que era o único modelo existente. Da época que era aluno, até o dia atual foram aparecendo algumas mudanças interessantes.

No início, quando algum aluno não estava no mesmos nível que os demais colegas da mesma série, como por exemplo: enquanto a maioria já sabia ler sem soletrar as palavras e algum aluno estava fora deste padrão, ele era aconselhado a fazer banca e ter uma atenção maior dos professores, para que no final do ano ele passasse a ler sem a necessidade de soletrar as palavras. É claro que naquela época não existia tantos alunos por sala de aula e os professores tinham tempo de corrigir individualmente cada atividade dos alunos.

Com o passar do tempo, a profissão do professor passou a ser desvalorizada (o mesmo teve que passar a ter dois empregos para obter o sustento da família) e na maioria das vezes, houve um aumento no número de alunos por sala de aula. Isso impossibilitou a correção e a tomadas de lições individualizadas dos alunos. Como conseqüência, o número de alunos reprovados começaram a aumentar e ficarem atrasados e estudarem com idades consideradas fora do limites padrões para cada série escolar. Esta pequena mudança nesta falta de ajustamento dos alunos, fez surgir um exercito de alunos com idades um pouco elevadas para as série que estavam estudando. A escola passou a trabalhar como uma fábrica, se ensina determinado assunto, o aluno que aprendeu e acompanhou o desenvolvimento é aprovado para o ano letivo seguinte e os que não, eram reprovados e ficavam marcando passo na mesma série. O nome que dei a esse procedimento foi "Educação de Olaria". Você tem uma forma e sai batendo o barro para fazer o tijolo, os que saem torto (o aluno que não consegue acompanhar o assunto) é reciclado como um novo bolo de barro (reprovado) e é jogado na forma mais uma vez (repete a série) até que o tijolo saia na forma correta. Com o decorrer do tempo, os tijolos tortos passaram a aumentar de número e alguns passaram a não frequentar a escola.

Como fazer para que esses alunos passassem para a frente e desocupassem as salas de aulas para a chegadas de novos alunos? Muito simples, é só aplicar a dinâmica dos Supermercados. Quando uma mercadoria está encalhada é só fazer uma promoção, ou seja, foram criados os chamados pacotes (EJA, Acelera, Se liga, etc, “pague um semestre e leve dois”, ou seja, você estuda um semestre e está aprovado no correspondente a um ano letivo. Agora você tem garantido uma série anual pagando somente um semestre de estudo (antes para ser aprovado em uma série se estudava um ano). É claro que a idéia é fazer com que os alunos passem pelos bancos escolares o mais rápido possível para deixarem vagas para os novos alunos!

Atualmente, criou-se a chamada Avaliação de Desempenho. Só que uma Avaliação pode ser usada com várias finalidades e por motivos diversos. Sem falar que tem muita gente confundindo avaliação com normas de procedimentos e se criou uma tabela de normas (Tabela de preços existentes nos supermercados). Por quinze minutos de leitura em cada aula, o professor tem direito a um ponto, para cada debate em sala de aula, o professor tem direito a mais um ponto e assim vai. Dependendo como o professor cumpra as normas existentes nesta tabela, será considerado insuficiente ou não. Só que neste caso eles inverteram uma das regras do supermercado para incentivar os professores.

Nos supermercados, quando um funcionário é considerado bom, ele tem sua foto colocada em destaque dentro da instituição como colaborador do mês (isso para incentivar outros funcionários a trabalhar melhor) e no caso dos professores, será colocado em destaque os professores e alunos considerados insuficientes (ruins) e ficando as expostas e desmoralizados perante a instituição e comunidade freqüentadora da mesma, ou seja, em vez de criarem incentivos estão tentando desmoralizar os professores.

Para o futuro, está transitando no congresso, um projeto que amplia o número de 200 dias letivos para 220 dias! Quando resolveram que os supermercados iriam abrir aos domingos usaram de vários argumentos de melhoria (não consultaram os funcionários) e que os trabalhadores não seriam prejudicados e que seriam criados novos postos de trabalhos. Os trabalhadores passaram a trabalhar aos domingos sem terem um centavo a mais nos seus salários, as folgas estão sendo tiradas nos dias da semana (o chefe escolhe o dia), e não se tem notícia de se ter criado um único posto de trabalho por tal iniciativa. Os dias letivos serão aumentados em vinte dias, mas, os salários dos professores continuaram os mesmos!

O inconveniente, é que outrora foi aumentado os números de dias letivos e mesmo assim não houve melhoria de qualidade de ensino, pelos simples motivo: a educação só irá melhorar quando se mudarem a maneira, organização e estrutura, esquecerem que escola não é fábrica ou supermercado e houver os investimentos necessários para tal fim.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

O PESCOÇO DO BRASIL


por: Saul Leblon

Negros desarmados mortos por policiais brancos compõem um postal da identidade norte-americana. São standarts, como as freeways, a CIA, a Coca-cola de uma sociedade plasmada pelo capitalismo mais exitoso do planeta. Nela, o condutor de um carro velho recebe, por definição, o carimbo de ‘looser’ (perdedor). Pela mesma razão que um negro pobre é suspeito e passível de ação policial, até prova em contrário.

O negro Eric Garner, vendedor ambulante em Nova Iorque, asmático, 43 anos, não teve tempo, nem ar, na semana passada, para provar quem era. Garner avisou ao policial que comprimia seu pescoço com uma chave de braço, que não estava conseguindo respirar. Fez isso 11 vezes. Até morrer.

Negros formam 13% da população norte-americana; representam mais de 40% da massa carcerária; algo como um milhão em um total de 2,5 milhões.

Prisões em massa e mortes, nada disso é novidade para eles nos EUA. A novidade diante da rotina são os protestos que ela vem provocando exatamente quando a recuperação econômica faz de 2014 ‘o melhor ano em termos de criação de empregos desde 1999’, garante o Wall Sreet Journal, desta 2ª feira.
Por que raios, então, Garner vendia cigarros ilegalmente nas ruas, como suspeitou a batida policial que o levou à morte?

Seis anos após o colapso de 2008, a lucratividade dos bancos norte-americanos registra recordes sobre recordes, trimestre após o outro. Em contrapartida, a subutilização da força de trabalho –indicador que soma emprego parcial e desistência de buscar vaga, como deve ter sido o caso de Garner - atinge assustadores 13%.

Na maior economia capitalista da terra, metade das vagas criadas no pós-crise é de tempo parcial, com salários depreciados.

O fato de os EUA terem um salário mínimo congelado há 15 anos, diz muito sobre a natureza dessa chave de pescoço econômica, que joga milhões de Garners para o submundo dos loosers.

O conjunto sugere que a presidenta Dilma terá que analisar detidamente cada medida de aperto fiscal que lhe for apresentada pela nova equipe econômica.

Os sinais de alarme desta 2ª feira justificam a prontidão.

As exportações chinesas cresceram a metade do esperado em novembro (4,7% contra 8%); o PIB do Japão caiu mais que previsto no 2º trimestre e a possante máquina germânica rasteja tendo registrado uma expansão de apenas 0,2% em outubro. Tudo isso explica que o barril de petróleo custe hoje 40% menos e que as cotações das commodities agrícolas exportadas pelo Brasil valham, em média, 13% abaixo do patamar de 2013.

A sabedoria dos especialistas é insuficiente para conduzir um país a salvo por esse desfiladeiro emparedado entre a queda das cotações das commodities, de um lado, e a sinalização de alta dos juros, do outro.

O cerco conservador agora reflete o faro da matilha para um novo ciclo de vulnerabilidade da presa.

O caminho das pedras terá que ser modulado e ordenado pela mobilização e o engajamento dos principais interessados na preservação do rumo mais equitativo seguido até aqui: os sindicatos, os movimentos sociais e os partidos do campo progressista.

O Brasil tem forças sociais estruturadas.

Suas centrais sindicais que, finalmente, se reuniram com a Presidenta Dilma, nesta 2ª feira, preservam certa capilaridade.

Nos últimos doze anos, o país foi dotado de sólidas políticas sociais, ademais de estruturas de Estado para ampliá-las.

O conjunto permite à Presidenta Dilma negociar rumos e metas do desenvolvimento com a sociedade, preservando-se o mercado de massa, mesmo em um intermezzo de reacomodação fiscal.

Há um requisito, porém: o timming das iniciativas de governo – de qualquer governo – faz enorme diferença.

Uma crise tem um tempo certo para ser derrotada, ou derrotará o governo, a produção, o emprego e os atores que vacilarem diante dela.

Nisso, sobretudo nisso, Franklin Roosevelt revelou-se o estadista cuja habilidade ainda tem lições a oferecer aos seus contemporâneos.

Em apenas uma semana após a sua posse, em 1933, ele tomou algumas decisões que não exorcizaram todos os demônios, mas foram afrontá-los em seu próprio campo.

Os tempos são outros; as agendas precisam ser renovadas, mas nada justifica ofuscar o componente de coragem do passado para dissimular a tibieza no presente.

A calibragem fina entre a barbárie e a emancipação de uma sociedade não está prevista nos manuais de economia.

Se não dilatar o espaço da política na condução da economia no seu segundo mandato, a presidenta Dilma corre o risco de acordar um dia com uma chave de braço atada ao pescoço do país.

E perder o que já tem.

Sem obter o que a ortodoxia lhe promete entregar.

Texto original: CARTA MAIOR

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

CONSUMINDO SUA ALMA




Quando surgiu, o capitalismo representava esperança.

Depois deuma vida miserável que se contam aos séculos, os pobres do período feudal viram nas mudanças que o comércio poderia trazer a grande chance de uma vida melhor.

Junto com a esperança, entre os séculos XII e XIV o mundo passou pelas dores do parto de um novo mundo.

As Cruzadas e seus absurdos desumanos, as infindáveis guerras feudais. A Inquisição assassina. A peste Negra. A fome.

Às dores do parto seguiu-se a alegria da infância do capitalismo, representada pela volta do comércio a longa distância, o surgimento dos bancos e seguradoras. As Letras de câmbios. Os cheques. E o Renascimento.

Ah! O renascimento! A ideia de um mundo mais humano, feito por humanos, fazendo renascer a crença no homem e na possibilidade de construir o seu destino.

Tudo indicava estar o mundo trilhando novos caminhos de paz e de felicidade. O trabalho servil foi abolido, o Rei unificou o estado e centralizou a promessa de prover o bem comum. Martinho Lutero e outros homens notáveis repensaram os velhos paradigmas de uma igreja coberta de corrupção. E finalmente, o ápice da fé num mundo novo: As grandes Navegações.

O mundo “cresceu em tamanho” como nunca. Novas terras. Novos continentes, culturas... riquezas.

Não se sabe ao certo quando a esperança desapareceu. Talvez tenha sido numa caravela que afundou em alguma tempestade noturna. Ou morreu náufraga em uma ilha perdida. O certo é que a esperança deu lugar à cobiça. As novas culturas foram esmagadas pelos interesses de exploração econômica. O holocausto indígena nas Américas foi o maior suplício já perpetrado racionalmente pelo homem.

Num último suspiro, a esperança ainda tentou voltar através das luzes dos iluministas. Mas, definitivamente morreu na Revolução francesa que fez nascer, não o mundo dos iguais, mas o mundo dos burgueses, que, definitivamente, já não eram tão iguais assim, ao trabalhador.

Este, o trabalhador, perdeu não só a esperança, mas também as ferramentas e o conhecimento do que produzia a partir da revolução industrial, que desarmou o artífice e o transformou em uma massa disforme que só servia ao trabalho duro, sujo e desesperado, talvez mais desesperado que o trabalho servil.

E a fraternidade foi guilhotinada, como Graco Babeuf e sua “Conspiração dos Iguais”.

As classificações pessoais não mais se davam por nascimento e propriedade de terra, mas por classes sociais, onde o “ter”, muito mais do que o “ser” era balizador das diferenças.

Ao longo de 9 séculos o capitalismo trouxe promessas e forjou engodos.

O próprio conceito de democracia foi uma fraude, anunciando um governo de todos que jamais aconteceu, pois, na prática sempre representou os interesses econômicos dos poderosos, seus verdadeiros sócios no poder.

A independência misturada com livre iniciativa econômica. A igualdade social substituída pela concorrência. Liberdade confundida com liberal.

Se é verdade que foi a concorrência que impulsionou as transformações técnicas e científicas, não é menos verdade que ela se cristalizou nas almas das criaturas criando um mundo baseado na concorrência e nas aparências, pois no mundo onde ter vale mais do que ser, se representa e se vive de aparências.

O lucro tornou-se o Deus onipotente em todas as relações humanas e seu altar, algo etéreo definido como “mercado”, que pode ser uma rua ou mesmo o mundo inteiro. O Japão, ou teu próprio coração.

No gênese do capitalismo, a propriedade privada foi feita no primeiro dia e é o sopro de toda vida. Privatiza-se o lucro e socializa-se a dor.

E tudo se tornou consumo. O homem que a tudo consome e pelo consumo é consumido, gasta-se nos dias no trabalho árduo que não o enriquece, mas enriquece a quem detém os meios de produzir o lucro. E trabalhando não vê as pequenas coisas em sua volta que são grandes, como o sorriso do filho que não viu crescer porque estava trabalhando.

Todas as guerras se tornaram mercantis. Se antes se usava o nome de Deus para estimular os guerreiros à morte, agora se usa conceitos como pátria e nação.

O mundo progrediu materialmente como nunca antes na história humana.

A eletricidade iluminou o planeta. Os meios de transportes o tornaram menor. Os de comunicação nos aproximaram com a velocidade de um clic.

Somos hoje 7 bilhões de pessoas. Nunca fomos tão rapidamente informados. Nunca tivemos tantas ofertas tecnológicas.

Já fomos à lua, chegamos a Marte. Transplantamos órgãos e a expectativa da vida orgânica não para de crescer.

Mas a vida da alma não para de secar. E nunca, nem mesmo nos vazios desertos do período escravagista, ou nos perdidos feudos do senhor, nunca estivemos tão sós.

Mais de 15% da população mundial é dependente de alguma droga química. Mais de 20% sofre de depressão. Nunca o suicídio foi tão recorrente. Mas, no mundo do capital, tudo é produto, e tudo isso gera milhões em antidepressivos e em outras bengalas.
Guetos e favelas multiplicam-se, e a fome, a mais antiga das tragédias, ainda mata aos milhões.

Em vez de suprir as necessidades humanas, criam-se novas, todos os dias, porque a toda necessidade segue-se um produto a ser vendido e gerar lucros.

O capitalismo criou mercados. Diversificou produtos. Iluminou. Iludiu. Ruiu na crise de 1929 na Bolsa de Nova York mas se reergueu na Segunda Guerra Mundial, porque essa é sua lógica e seu segredo.

Lamenta-se as experiências de Mengele mas se usa o resultado de sua morbidez. Lamenta-se Yroshima e Nagasaki, mas graças a ela investiu-se milhões de bilhões em armamentos.

O capitalismo é o sistema que matou o feudalismo, prometeu paz e prosperidade, criou milagres, mas, em momento algum de nossa história foi capaz de criar uma sociedade justa.

E a quem duvida, basta abrir a janela, ou seus olhos, se necessário, o coração. Ouça as vozes dos miseráveis. Não se repugne com crianças remelentas debarriga inchada devermes e condenadas a morte, ou do corpo ou do espírito pelo abandono.

Não se assuste. Também se morre de solidão, talvez mais do que de câncer.

O capitalismo trouxe tudo, mas não trouxe nada.

E nós que consumimos tudo, nos consumimos aos poucos, perdemos tudo, ou perdemos nada, porque, na verdade, nunca tivemos.


Prof. Péricles
Para minha amiga Prof. Maria Alice