sábado, 4 de outubro de 2014

ESSA TERRA TEM DONO


(Continuação de “Terra de Ninguém”)

Na metade do século XVIII a bagunça sobre a posse das terras era tamanha, que um novo Tratado devia ser, urgentemente, negociado.
Entre 1580 e 1640 a Coroa portuguesa estivera sobre a cabeça de reis espanhóis (Filipe II, Filipe III e Filipe IV) e a linha demarcatória de Tordesilhas perdera seu sentido. Em busca do ouro e de sua exploração, cidades surgiram em quantidade, fundada e povoada por luso-brasileiros onde hoje é a região sudeste e centro-oeste.

Portugueses eram expulsos, mas sempre retornavam a Colônia de Sacramento (Uruguai) enquanto jesuítas de fala espanhola habitavam o noroeste do então chamado “Continente do Rio Grande”. Guerras e escaramuças eram constantes assim como a perda de dinheiro.
Era preciso criar alguma ordem no caos.

Então, foi assinado entre portugueses e espanhóis, o Tratado de Madri, em 13 de janeiro de 1750.

Com a Espanha convalescendo de duas derrotas militares seguidas na Europa, o Tratado de Madri foi muito generoso aos portugueses.
As terras da mineração, Minas Gerais e Mato Grosso, e mesmo as do extremo norte como o Amazonas, foram reconhecidas como terras da colônia brasileira e, acabariam dando praticamente, a configuração que o Brasil tem hoje.

O maior foco de discussão residia no extremo sul, onde a bacia do Prata onde a Espanha não abria mão de seu domínio.

Dessa forma, a Colônia de Sacramento foi reconhecida como território espanhol e intimada a retirada imediata de todos os portugueses da região.

Por outro lado, os Sete Povos das Missões e áreas adjacentes, eram reconhecidos como de Portugal.

O Marques do Pombal, ministro e a cabeça pensante do rei português, esfregou as mãos. Há muito tempo destilava rancor em relação aos jesuítas e suas misteriosas missões. Para Pombal, era certo que os padres queriam fundar uma república independente no sul da América e seu maior desejo era anular essa pretensão. Sendo agora, a região reconhecida como lusitana, ele imediatamente determinou a expulsão dos jesuítas.

Para os índios Guaranis isso era algo parecido com o Armageddon. Haviam aprendido muito com os jesuítas, sentiam-se protegidos e a expulsão deles lhes deixavam expostos diante dos seus maiores temores.

O próprio Pombal havia assinado Lei que proibia definitivamente a escravidão indígena, mas, leis eram coisas que os índios não compreendiam e por isso temiam serem caçados como escravos.

Assim que chegaram as ordens de translado, os indígenas tentaram negociar, mas claro que não foram ouvidos.

Em fevereiro de 1753 foram enviadas, pelos ibéricos, comissões demarcadoras para o território missioneiro, para delimitar as novas fronteiras. Para enorme surpresa de seus membros foram recebidos por um grupo de indígenas em São Miguel, liderados por um homem alto e forte, de expressão determinada, que entenderam se chamar Sepé Tiaraju.

Embora os índios não compreendessem a posse da terra, achando que ninguém podia ser proprietário de algo que Tupã dera para todos, haviam aprendido com os jesuítas o quanto isso era significativo para os europeus.

Diante desse novo conhecimento, Sepé Tiarajú teria proferido a frase que até hoje faz parte da mitologia gaúcha – “Essa Terra Tem Dono”.

Pela primeira vez, índios se declaravam proprietários de terras que habitavam.

Estava começando um dos acontecimentos históricos mais dramáticos do sul da América, “As Guerras Guaraníticas”.

(Continua)
Prof. Péricles

domingo, 28 de setembro de 2014

REI MIDAS E A AMBIÇÃO


Quando bebê, aquele que viria ser o rei da Frigia, Midas, deu um grande susto em sua ama. Ao recolher o menino que tinha sido deixado ao sol, tomando sol, a pobre ama percebeu que havia um formigueiro subindo pelas pernas do bebê, carregando, cada formiga, um dourado grão de trigo. Uma a uma, cada formiga metia um grão dourado na boca do bebê, e depois voltava a descer pelo corpinho dele abaixo.

O pai de Midas ao saber do fato disse trata-se de um bom augúrio e consultar os adivinhos para eles decifrassem o que aquilo significava.

Os videntes, que conseguiam ver o futuro, concordaram com o pai de Midas. Era, de fato, um bom sinal. Trigo dourado queria dizer que vinha aí ouro verdadeiro. Um dia, Midas seria um homem muito rico.

Bem mais tarde, quando Midas já era adulto, encontrou Sileno, grande amigo do deus Dionísio, caído em seu jardim. Dionísio tinha feito daquelas suas festas terríveis, onde rolava muito sexo, droga e rock and roll Sileno bebera tanto que caira no jardim de Midas e não fora encontrado pelos amigos. Midas tratou de encaminhar o bebum, são e salvo, para a terra do Deus do vinho.

Dionísio ficou tão agradecido que se ofereceu para lhe conceder um desejo.

O rei pensou bastante e lembrou do presságio dos grão dourados de trigo.

Tomado pela ambição pediu para que tudo aquilo que ele tocasse se transformasse em ouro.

-Sorrindo francamente, Dionísio com enorme bafo de vinho perguntou se Midas tinha certeza do seu desejo, ao qual o rei respondeu que sim, sem pestanejar.

- Então, esta concedido - disse Dioniso.

Midas abaixou-se e agarrou num pequeno ramo. Mal as pontas dos seus dedos tocaram na madeira, ei-la transformada em ouro maciço. Depois experimentou com uma folha, um torrão de relva... uma maçã. Estava maravilhado.

Ao chegar ao palácio, tocou nas colunas de mármore e também elas se transformaram em ouro.

Maravilhado com a riqueza que seu toque produzia e por não precisar pagar imposto de renda, determinou que se fizesse um grande banquete para comemorar. Entretanto, o banquete se tornou uma crise de fome, pois sempre que tocava em qualquer alimento este se transformava em ouro e não tinha como comer uma peça fria do metal.

Até o vinho ao contato dos lábios se transformava em ouro maciço.
Pressionado pela fome e pelo mau humor, Midas passou a caminhar de um lado a outro pensando na situação. Nesse exato momento sua filha mais nova entrou correndo na sala e jogou-se aos seus braços.

Enorme pavor, a pobre criança imediatamente se tornou uma estátua de ouro!

Midas prostou-se ao solo, em lágrimas, gritou ao deus que o liberta-se da maldição.

- Imploro Dionísio, imploro que perdoe minha ambição desmedida!

O mais debochado dos deuses se materializou a sua frente, com um jeito de quem já estava mais pra lá do que pra cá, soltando uma sonora gargalhada.

-Muito bem – não deveria te ajudar, mas terei piedade de sua ingenuidade.

Seguindo as instruções do deus, Midas foi até a nascente do rio Pactolo - que brota das rochas e lavou as mãos.

E, de imediato, aconteceram duas coisas: libertou-se da maldição do seu toque dourada e as areias do leito do rio Pactolo ficaram de um lindo dourada e é por isso que ainda hoje são dessa cor.

Ao longo da história do Brasil, as classes dominantes acostumaram-se às políticas propícias a seus lucros. Como num toque de Midas todas as riquezas naturais do país sempre se transformaram em lucro, o seu lucro.

Até Getúlio Vargas até mesmo a água era bem a ser explorado pelo capital e não reconhecido como direito natural de todos.

O Petróleo só foi estatizado com a criação da Petrobrás depois de uma luta insana contra os defensores da exploração dessa riqueza pelo capital privado internacional.

Por isso a percepção de que a imensa fortuna que poderia brotar das profundezas do pré-sal lhe estão sendo negadas, provoca nos patrícios tupiniquins e seus sócios de outras fronteiras, dor maior que um formigueiro subindo pelas pernas.

Onde está Dionísio que não emerge do sono embriagado para sustentar os desejos de uma burguesia birrenta que não deseja o bem do país, mas apenas do seu próprio?

De certa forma, a perda da quarta eleição presidencial sucessiva, se configure como as águas do rio Pactolo escorrendo sobre os seus dedos, fazendo escapar por entre eles, o poder antigo, dos tempos em que suas mais infantis ambições eram atendidas.

Seria bom que, assim como o Rei Midas teve que abandonar sua ambição pela paz e sua filha, nossos bem nascidos abandonassem suas desmedidas ambições em nome do Brasil.


Prof. Péricles


sexta-feira, 26 de setembro de 2014

CHOVE SOBRE SANTIAGO


Salvador Allende Gossens era médico.

E também, um visionário.

Aos 62 anos foi o primeiro socialista-marxista eleito democraticamente, presidente de um país, o Chile, pelo partido de que foi um dos fundadores, o Partido Socialista.

O fato de um socialista chegar ao poder de forma democrática, pelas urnas, trouxe esperanças para todos que acreditavam na construção de sociedades mais justas, sem recorrer à violência dos embates revolucionários.

Mas, Allende não se iludia, e mesmo antes da posse alertava seus seguidores “A história, disse ele, já nos mostrou que os grupos ultra-revolucionários não desistem do poder e lutam para conquistá-lo, de todas as formas e, se necessário, sem escrúpulos”.

Tinha razão.

Nos dois anos, 8 meses e 23 dias que governou o Chile, empreendeu medidas que buscaram a inclusão dos mais pobres, acesso a terra e relações de trabalho mais humanas.

As empresas estrangeiras, especialmente norte-americanas e seus aliados não se conformavam com as medidas que dificultavam a remessa dos lucros para o país de origem. A CIA traçou os planos para o golpe militar.

Allende foi traído pelo chefe das Forças Armadas, Augusto Pinochet, em quem confiava como um amigo leal.

Ele que acreditava ser possível transformar o mundo de forma pacífica, sem violência,
foi morto defendendo seu governo sob bombardeio intenso ao Palácio La Moneda no dia 11 de setembro de 1973.

Em 4 de setembro de 1972 denunciou na ONU a ingerência norte-americana que buscava criar um caos político no país, além de fazer de tudo para desestabilizar sua economia. A ONU não o ouviu e a ordem democrática definhou entre o dia 4 e o fatídico 11 de setembro.

A organização de extrema-direita “País e Liberdade” empreendeu uma onda de violência. Isolado pelos americanos, faltava comida. Os caminhoneiros, financiados pela CIA, pararam o país.

Poucos minutos depois das 9 horas da fria manhã de 11 de Setembro de 1973, o presidente anunciou em cadeia de rádio, para todo o país, que não aceitava as pressões para que renunciasse ao cargo.

“(.) Trabalhadores de minha Pátria, tenho fé no Chile e no seu destino. Outros homens hão-de superar este momento cinza e amargo em que a tradição pretende impor-se. Prossigam vocês, sabendo que, bem antes que o previsto, de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor. Viva o Chile! Viva o Povo! Viva os Trabalhadores! Estas são minhas últimas palavras e tenho a certeza que o meu sacrifício não será em vão. Tenho a certeza que, pelo menos, será uma lição moral que castigará a deslealdade, a covardia e a traição."

Minutos depois as comunicações de rádio dos militares anunciavam que “chove sobre Santiago”. Era a senha para o golpe assassino.

As dramáticas cenas do bombardeio ao Palácio Presidencial podem ser vistas pelo yotube, e ainda hoje, impressionam pela violência desatinada.

Allende e todos os seus colaboradores morreram resistindo ao ataque.

Liderada por Augusto Pinochet iniciava-se a mais sangrenta ditadura militar daqueles anos de chumbo e horror na América Latina.

Trinta mil pessoas foram assassinadas e mais de cem mil pessoas presas e torturadas. Até mesmo o estádio nacional de futebol de Santiago foi usado como imenso presídio e muitos foram vistos ali pela última vez.

As embaixadas de inúmeros países lotaram de gente desesperada buscando escapar da sanha assassina (inclusive refugiados brasileiros da ditadura militar).

Até o prédio da Cruz Vermelha foi usado como amparo para os perseguidos.

Foram 17 longos anos que durou a ditadura de Pinochet. A reforma agrária foi abandonada e o Chile voltou a ser servil aos interesses dos Estados Unidos e seu capital.

Pinochet? Morreu em Dezembro de 2006 sem nunca ter sido julgado pelos seus crimes. Mas dizem que é visto frequentemente, no inferno.


Prof. Péricles

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

TERRA DE NINGUÉM


O início da história do Rio Grande do Sul foi cheia de anomalias, abandonos e guerras. Nada por aqui lembrava nem mesmo a tênue civilidade do nordeste açucareiro. Tudo parecia disperso e mal resolvido.

Aqui nessa terra cortada por ventos personalistas que têm nomes próprios, as habitações eram tão poucas que as distâncias pareciam maiores. Espaços sem fim de gramíneas que gostam do clima frio e do terreno plano, de pequenas ondulações, era a própria materialização da solidão.

Os portugueses não investiam na região porque estava a oeste da linha imaginária de Tordesilhas o que, oficialmente a tornava espanhola. Os espanhóis não a povoavam porque não tinham gente e dinheiro suficiente pra povoar todas as suas terras da América e por isso concentravam-se apenas onde era mais interessante economicamente, como nas terras cheias de ouro do México e a prata do Peru, ou em áreas estratégicas como a entrada da Bacia do Prata, onde fundaram Buenos Aires e Montevideo.

Definitivamente, o “Continente do Rio Grande” não era uma prioridade.

No início do século XVII um grupo anômalo se interessa em vir pra cá. Os Jesuítas. Não aqueles jesuítas identificados com Anchieta e Manoel da Nóbrega, que falavam português e fundavam colégios. Não, eram jesuítas que falavam espanhol e que vinham do centro da América, da região onde hoje está o Paraguai. Apesar do idioma, não eram subalternos ao rei de Espanha e seus planos tão secretos que se perderam na história.

Aqui, nessa terra abandonada e sem dono iniciaram a construção de reduções, entraram em contato com os índios locais e propuseram a política do “aceite”. “Aceite (índio) a minha religião, minha fé e meu Deus e terá minha proteção.” Introduziram o gado e as pequenas culturas.

Foram atacados e expulsos por seus inimigos mortais, os bandeirantes, em 1637, mas retornaram em 1680 iniciando a construção das Missões, um notável conjunto arquitetônico de morada e defesa. Ao longo de 70 anos construíram 7 povoamentos missioneiros a leste do Rio Uruguai, os “Sete Povos” que se interligavam e se comunicavam entre si e com outras 30 espalhadas pelas terras que atualmente formam o norte da Argentina e o Paraguai.

Outros estranhos esbarravam-se com os jesuítas.

Bandeirantes paulistas, refugiados, aventureiros castelhanos, portugueses e bandidos e salteadores de outras línguas.

A terra era de ninguém, o Minuano soprava trazendo o frio dos Andes e viver aqui era verdadeira loucura. Quase não havia mulheres e quase não havia esperança.
Como nada é tão ruim que não possa ficar pior, em 1680 os portugueses resolvem que a Linha de Tordesilhas não existe mais, ultrapassam os limites e no coração do atual Uruguai fundam a Colônia de Sacramento.

Os espanhóis sentiram a fundação de uma colônia portuguesa no seu lado de Tordesilhas como um espinho encravado na carne e imediatamente deram início a guerras que se estenderiam por mais de 100 anos.
(Continua)


Prof. Péricles

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

MAUS MODOS



Por Luis Fernando Veríssimo


Se fossem os índios que tivessem desembarcado em Portugal e ficado, pode-se imaginar o que estaria acontecendo por lá hoje, 500 anos depois. A irritação dos portugueses com os visitantes teria chegado ao máximo, e ninguém disfarçaria seu descontentamento. “Mas esses gajos não vão embora?” Passados 500 anos, e não havendo mais dúvidas de que os visitantes não eram turistas, só a boa educação explicaria que a visita se prolongasse sem protestos, sem nenhuma indireta.

Foi a boa educação dos nativos daqui que permitiu aos portugueses e outros europeus se estabelecerem no Brasil. Houve revoltas esparsas, é verdade, mas foram exceções. Em geral, os índios foram amáveis com os visitantes. Gostaram dos brancos e até comeram alguns, no que podem ser descritas como provas de afeição extrema. É possível que a tolerância com os “descobridores” se devesse a, mais do que bons modos, um mal-entendido. Haveria a expectativa entre os nativos de que os portugueses cedo ou tarde iriam embora. Quem fica na terra dos outros durante tanto tempo sem ser convidado?

O mal-entendido e os bons modos atravessaram a história da conquista do Novo Mundo, que só era novo para os conquistadores, pois estava aqui, e habitado, há séculos. Roubo, genocídio, catequese forçada, tudo teria sido tolerado com o pressuposto de que era temporário. Afinal, por pior que uma visita se comporte em sua casa, existem os deveres da hospitalidade. Vá que a visita se sinta ofendida por alguma reação impensada e decida ficar ainda mais tempo.

Finalmente, 500 e tantos anos depois, não parece haver mais dúvida de que não era apenas uma visita e os invasores não eram turistas. Acabou o mal-entendido e acabaram os bons modos. A nova insubmissão às mentiras da História oficial é uma insubmissão a todas as versões oficiais de todas as histórias de subjugação e exploração neste lado do mundo e serve como padrão para a revolta contra qualquer tipo de “bullshit”, ou bosta de touro, vigente, como a da nossa velha e conveniente cordialidade e nossa harmonia racial.

Negros brasileiros – para pegar apenas um exemplo de maus modos – se revoltam contra antigos estereótipos, levantam a voz contra uma história decididamente malcontada e pedem justiça mesmo que tardia.

Já os índios, se pudessem, proporiam aos portugueses devolver os espelhinhos e as miçangas e receber de volta o Brasil. Mas isso seria, literalmente, pedir demais.


domingo, 21 de setembro de 2014

VOTO OBRIGATÓRIO



Muitos brasileiros associam democracia com eleições. Cidadania com direito ao voto.

Essa idéia extremamente inibidora do conceito de democracia não sobrevive a um raciocínio rápido sobre o que seja o voto e sua história no Brasil.

O voto obrigatório, por exemplo, é uma das heranças mais arcaicas do autoritarismo ainda em vigor no nosso país.

O voto obrigatório é uma bizarrice, mas não a única.

No período colonial quando o voto se restringia à escolha dos “homens bons” que formavam as câmaras municipais, o analfabeto, imensa maioria nessas terras votava através do “voto cochichado”, isso é, uma pessoa, geralmente funcionário do rei, ouvia em quem os que não sabiam escrever desejavam votar.

No período Monárquico, tivemos o voto censitário, definido na Constituição de 1824 e em vigor durante todo o período (1822-1889).
Esse tipo de voto só permitia que fosse eleitor aquele que comprovasse uma renda mínima anual (100 contos de réis).
Por incrível que pareça, o voto censitário era considerado democrático, pois, seus defensores argumentavam que era um estímulo ao trabalho e à riqueza do não eleitor que desejasse votar nas eleições seguintes.

Os analfabetos continuaram votando durante o Império, pois o “voto cochichado” sobreviveu, mas, em 1881 perderam esse direito graças a promulgação da Lei Saraiva (Decreto 3029 de 9 de janeiro de 1881) que instituiu o chamado “voto literário” proposto por Rui Barbosa que exigia que o eleitor soubesse ler e escrever corretamente.

Na primeira república brasileira, o voto foi definido pela Constituição de 1891. Não era mais censitário e sim universal.

Poderiam votar todos os cidadãos brasileiros, menos, e isso é muito importante, menos, mulheres, analfabetos e alguns postos religiosos e militares. Em outras palavras, era universal, mas excluía a maioria.

Além disso, o voto da República Velha, não era secreto, e sim, a descoberto, não havia justiça eleitoral e as eleições eram fiscalizadas pela Comissão Verificadora, um órgão do próprio governo.

Com a criação do Código Eleitoral e da Justiça Eleitoral no país em 1932, começa nova batalha dos analfabetos para reconquistar o exercício do voto. No entanto, sucederam-se governos e regimes, vieram novas Constituições (1937, 1946, 1967) e o voto permaneceu proibido às pessoas analfabetas.

O voto de nossa atualidade está estabelecido no seu artigo 14 “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos”. Estabelece a obrigatoriedade do voto a partir dos 18 anos no inciso I do parágrafo primeiro, e facultativo para os maiores de 16 e menores de 18, e ainda para os acima de 70 anos no seu inciso II.

A reforma política proposta pela Presidenta Dilma através de uma constituinte específica, deverá, necessariamente discutir a obrigatoriedade do voto.

Afinal, se o voto por si mesmo define a democracia, indubitavelmente que melhor seria que ele fosse totalmente facultativo, visto que preserva o direito de quem não quer votar e ainda, permite que o índice de abstenção, seja reconhecido também, como a expressão do povo em relação à satisfação com os políticos que o representam.

Se temos hoje, muitas conquistas a comemorar, o voto obrigatório ainda é um atraso a ser superado.


Prof. Péricles