quinta-feira, 29 de agosto de 2013

DE BRAÇOS ABERTOS




Por Mário Maestri,


A insurreição de associações profissionais e de milhares de médicos e estudantes de medicina contra a chegada dos colegas cubanos tem registrado despudoradamente o abismal nível de desumanização produzido pela mercantilização da saúde no Brasil. Os milhões de brasileiros desassistidos surgem como referências imateriais na retórica cínica que defende qualidade do serviço médico que a população brasileira desconhece, seja na área pública e, comumente, igualmente na privada.

No frigir dos ovos, defendem apenas a restrição do número de médicos, em prol da manipulação safada das leis do livre-mercado. Com menos médicos, melhores negócios! E a população que se lixe! Sob a escusa da excelência da formação e das prestações médicas, defendia-se, ontem, a restrição do número de universidades de medicina e, hoje, o monopólio corporativo do ato médico e o embargo à chegada de profissionais do exterior, com destaque para os cubanos, socialistas e, horror dos horrores, não poucos negros!

(...) Entretanto, não é menos certo que os médicos cubanos e estrangeiros salvarão a vida e mitigarão as penas urgentes de milhões de desassistidos, mesmo quando eventualmente não dispuserem das instalações condizentes, como também denunciado. Instalações que certamente serão por eles reivindicadas. Tudo isso enquanto se discute, produtiva ou improdutivamente, com boas intenções ou malevolamente, sobre as soluções estruturais futuras, de longo fôlego.

Os médicos estrangeiros enviados para os cafundós sociais e geográficos do Brasil atenderão brasileiros desconhecedores de serviços médicos mínimos, aos quais têm direito constitucional. Ampliarão a consciência desses brasileiros sobre o valor e a necessária luta por serviço público universal de qualidade. Certamente outros dois motivos da oposição visceral da indústria, de associações e de profissionais da saúde que se locupletam com sua mercantilização.

Por tudo isso e por muito mais, os médicos cubanos – e de outras nacionalidades – devem ser recebidos com festa, com fogos de artifício e braços abertos! Mas atenção. Nosso abraço deve ser o da população agradecida e não o do urso aproveitador!

Os médicos cubanos não são mercenários da medicina, apenas preocupados com a remuneração material. Não são igualmente missionários que se alimentam de princípios morais e políticos – se é que existe tal gente. São trabalhadores especializados que exercerão suas atividades no Brasil. Portanto, encontram-se necessariamente submetidos e protegidos pelas leis trabalhistas nacionais – mesmo que elas sejam pernetas e limitadas.

Os cubanos devem receber a mesma remuneração que os demais estrangeiros. É reivindicação dos trabalhadores, consagrada pela legislação atual, que ao “mesmo trabalho” cabe a “mesma remuneração”. Não importando as diferenças de sexo, raça, idade e nacionalidade. Nenhum casuísmo justifica o desrespeito desse princípio. Pouco importa o que recebem seus companheiros em Cuba, já que eles viverão e trabalharão no Brasil, e não na ilha do Caribe. Aos médicos cubanos cabe a bolsa de dez mil reais, paga diretamente pelo governo brasileiro.

Se aceitarmos o princípio da missão estrangeira, teríamos que concordar com que governos africanos enviassem trabalhadores contratados, recebendo por eles seus salários das autoridades brasileiras, e pagando-os abaixo do estipulado pela legislação nacional. Não impugna a terrível analogia o fato de que ela tenha sido proposta por interessados em sabotar a vinda dos médicos cubanos, e não em defender seus direitos.

Mas é igualmente indiscutível o direito do Estado cubano de ser remunerado pelos médicos que formou, enquanto trabalham no Brasil, ou caso queiram aqui permanecer. Qualquer coisa diversa seria explorar a esfera pública da sociedade cubana. Essa indenização deve recair totalmente sobre o Estado brasileiro, que se negou a financiar a formação dos trabalhadores da saúde que necessitamos dramaticamente. E não sobre os médicos cubanos. (...)

Mário Maestri é historiador e professor do PPGH da UPF

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

O MITO DO POVO JUDEU


Por Miguel Urbano Rodrigues - O Diário, Portugal

Uma chuva de insultos fustigou em Israel Shlomo Sand quando publicou um livro cujo título- «Como foi inventado o povo judeu * - desmonta mitos bíblicos que são cimento do Estado sionista de Israel.

O mito étnico contribuiu poderosamente para o imaginário cívico. As suas raízes mergulham na Bíblia, fonte do monoteísmo hebraico. Tal como a Ilíada, o Antigo Testamento não é obra de um único autor. Sand define a Bíblia como «biblioteca extraordinária» que terá sido escrita entre os séculos VI e II antes da Nossa Era. O mito principia com a invenção do «povo sagrado» a quem foi anunciada a terra prometida de Canaã.

Carecem de qualquer fundamento histórico a interminavel viagem de Moisés e do seu povo rumo à Terra Santa e a sua conquista posterior. Cabe lembrar que o atual território da Palestina era então parte integrante do Egipto faraónico.

A mitologia dos sucessivos exílios, difundida através dos séculos, acabou por ganhar a aparência de verdade histórica. Mas foi forjada a partir da Bíblia e ampliada pelos pioneiros do sionismo.

Os desmentidos da arqueologia perturbaram os historiadores Ficou provado que Jericó era pouco mais do que uma aldeia sem as poderosas muralhas que a Bíblia cita. As revelações sobre as cidades de Canaã alarmaram também os rabinos. A arqueologia moderna sepultou o discurso da antropologia social religiosa.

O desenvolvimento da tecnologia do carbono 14 permitiu uma conclusão. Os grandes edifícios da região Norte não foram construídos na época de Salomão, mas no período do reino de Israel.

«Não existe na realidade nenhum vestígio - escreve Shlomo Sand-da existência desse rei lendário cuja riqueza é descrita pela Bíblia em termos que fazem dele quase o equivalente dos poderosos reis da Babilonia e da Pérsia». «Se uma entidade política existiu na Judeia do seculo X antes da Nossa Era, acrescenta o historiador, somente poderia ser uma microrealeza tribal e Jerusalém apenas uma pequena cidade fortificada».

É também significativo que nenhum documento egípcio refira a «conquista» pelos judeus de Canaã, território que então pertencia ao faraó.

A historiografia oficial israelense, ao erigir em dogma a pureza da raça, atribue a sucessivas diásporas a formação das comunidades judaicas em dezenas de países.

A Declaração de Independência de Israel afirma que , obrigados ao exilio , os judeus esforçaram-se ao longo dos seculos por regressar ao país dos seus antepassados. Trata-se de uma mentira que falsifica grosseiramente a Historia.

A grande diáspora é ficcional, como as demais. Apos a destruição de Jerusalém e a construção de Aelia Capitolina somente uma pequena minoria da população foi expulsa. A esmagadora maioria permaneceu no país.

Qual a origem então dos antepassados de uns 12 milhões de judeus hoje existentes fora de Israel?

Uma abundante documentação reunida por historiadores de prestígio mundial revela que nos primeiros seculos na Nossa Era houve maciças conversões ao judaísmo na Europa, na Asia e na Africa.

No Imperio Romano, o judaísmo também criou raízes,mesmo na Italia. O tema mereceu a atenção do historiador Cassius e do poeta Juvenal .

Na Cirenaica, a revolta dos judeus da cidade de Cirene exigiu a mobilização de várias legiões para a combater.

Mas foi sobretudo no extremo ocidental da Africa que houve conversões em massa à religião rabínica. Uma parcela ponderável das populações berberes aderiu ao judaísmo e a elas se deve a sua introdução no Al Andalus.

Nos passaportes do Estado Judaico de Israel não é aceita a nacionalidade israelense. Os cidadãos de pleno direito escrevem «judeu». Os palestinos devem escrever «árabe», nacionalidade inexistente.

Ser cristão, budista, mazdeista, muçulmano, ou hindu resulta de uma opção religiosa, não é nacionalidade. O judaísmo também não é uma nacionalidade.

Em Israel não há casamento civil. Para os judeus, é obrigatório o casamento religioso, mesmo que sejam ateus.

O livro de Shlalom Sand sobre a invenção do Povo Judeu é, além de um lucido ensaio histórico, um ato de coragem.

Aconselho a sua leitura a todos aqueles para quem o traçado da fronteira da opção de esquerda passa hoje pela solidariedade com o povo mártir da Palestina e a condenação do sionismo.





sábado, 24 de agosto de 2013

VAMPIROS


Todos conhecem as estórias de vampiros, imortalizadas na literatura fantástica e nos filmes de Hollywood. Certamente você não acredita que esses seres noturnos, imortais enquanto se alimentarem de sangue humano existam ou um dia existiram não é?

Pois saiba que no leste europeu essas criaturas são muito fortes no imaginário popular e de grande interesse histórico.

No mês passado, julho/2013, para a construção de uma estrada na cidade polonesa de Gliwice, foi removido um daqueles cemitérios seculares que só a Europa tem. Logicamente, com toda a preocupação histórica que também só a Europa tem, uma equipe de arqueólogos, antropólogos e historiadores acompanharam os trabalhos.

Foram desenterrados 43 esqueletos presumivelmente dos séculos XV ou XVI e com eles um mistério: 17 dos esqueletos tinham as cabeças separadas do corpo e colocadas entre as pernas e as mãos do falecido. Junto à cabeça algumas pedras empilhadas.

Na Polônia, outros sepultamentos idênticos já foram localizados antes e significam práticas comuns daquela época de enterrar vampiros e impedir que retornassem à vida. O inédito da situação é a quantidade. Nunca tantos “vampiros” enterrados num mesmo cemitério.

O assunto chamou atenção da mídia europeia e fez renascer velhos medos na região, como, por exemplo, evitar transitar em certas estradas durante a noite.

A descoberta do cemitério de Gliwice, entretanto, não é a primeira descoberta desse tipo.

Só na Bulgária, descobriram-se até ao ano passado mais de 100 sepulturas de presumíveis "vampiros", a maior parte em regiões rurais. Em Sozopol, uma das cidades turísticas búlgaras mais famosas do Mar Negro, foram encontrados dois esqueletos que tinham sido perfurados com estacas de ferro, prática anti-vampírica que os arqueólogos dizem ter sido comum até ao início do século XX, especialmente nos países do Leste, nos Balcãs e eslavos.

Embora a maior parte destas ossadas esteja datada entre os séculos XI e XVI, a explicação para o fenômeno da fobia aos vampiros, relaciona-se com a cristianização destes territórios ocorrida entre os séculos XI e XII. Bruxas, espíritos malignos, entre outros seres que representariam a antítese de Cristo e que serviam igualmente como bodes expiatórios para as epidemias que atacavam as comunidades, eram assim alvo de suspeita, sendo muitos executados e "presos às sepulturas".

O Brasil não tem tradição de casos vampirescos, mas, analisando nossa história levamos alguns bons sustos.

Teríamos que decepar a cabeça ao sepultar muitos coronéis dos tempos da República Velha. Conspiradores notórios contra a ordem democrática também deveriam ser presos aos ataúdes. E o que dizer de alguns mortos fardados, e outros não fardados, responsáveis por prisões e sequestros, torturas e desaparecimentos?

Poderíamos ter certeza que esses vampiros não retornariam à vida política do país, senão no mesmo corpo, nas velhas idéias fascistas e nos privilégios que defenderam e nos poderes que representaram?

Sem dúvida, não temos os mesmos medos, as mesmas fobias dos europeus do leste, e não encontraremos corpos decepados em nossos cemitérios, mas, temos muitos esqueletos ainda no armário da memória. Variam os tipos de vampiros, desde os que sugam sangue até os que sugam sonhos. Há os que temem crucifíxos e os que temem reconhecer de que lado estavam. Dos que só morrem com estacas no peito até os que só morrerão quando seus crimes forem devidamente julgados.

Não temos Gliwice, mas temos Araguaias e Rio-centros. Não temos Dráculas, mas temos Fleurys.

Enquanto o Brasil não enterrar seus mortos seus vampiros continuarão perambulando nas sombras de sua história.

Prof. Péricles

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

ACRE, O PREÇO DE UM CAVALO


No final do século XIX havia grande confusão acerca dos limites entre Brasil, Bolívia e Peru. Segundo se sabe, as demarcações, muitas vezes, eram feitas por cartógrafos que nunca sequer haviam estado na região. Terra quente e chuvosa onde predominava a floresta densa, habitada por índios de várias tribos e um e outro branco, as vezes boliviano, as vezes brasileiro.

Entretanto, o advento da indústria automobilística trouxe a necessidade da borracha para fazer os pneus e, como ainda não havia sido inventada a borracha sintética, o produto natural, vindo das seringueiras, tornou-se, em pouco tempo, um produto valioso e cobiçado.

Milhares de brasileiros vindos, especialmente do nordeste em busca de uma vida melhor, invadiram a região do atual acreana.

Segundo o próprio governo brasileiro, o Acre pertencia à Bolívia, mas, se fez de cego e surdo diante da crescente invasão.

Quando o governo boliviano percebeu a grana que estava em jogo, tentou marcar presença. Pobre e fragilizado por uma guerra, a Guerra do Chaco, contra o Paraguai pôde apenas fazer um péssimo negócio, trazendo um consórcio de empresas de capital inglês e americano para extrair a borracha, além de instalar uma base militar.

Porém, em todos aqueles anos de abandono por parte do governo da Bolívia, a região já “falava português” e os movimentos seguintes foram de instabilidade e troca de tiros em 1902, na chamada “questão acreana” em que os brasileiros foram liderados pelo gaúcho Plácido de Castro e os bolivianos levaram evidente desvantagem.

Foram então abertas negociações que terminariam com a assinatura do Tratado de Petrópolis em 1903.

Muito menor que o Brasil, e muito mais pobre, a Bolívia foi prejudicada nesse Tratado. Por ele o Acre foi incorporado ao território brasileiro em troca de 2 milhões de libras (hoje seria algo em torno de 400 milhões de reais), algumas terras no Mato Grosso e a promessa da construção de uma estrada de ferro que auxiliaria o transporte de produtos bolivianos (a Bolívia não tem saída direta para o mar). O Brasil ainda pagou uma indenização de 110 mil libras esterlinas pela rescisão do contrato aos gringos do consórcio Bolivian Syndicate.

O presidente boliviano Evo Morales, costuma dizer que seu país deu o Acre, uma região 3 vezes maior que a Suíça, ao Brasil em troca de um cavalo. Realmente, ao final das negociações foi dado um belo cavalo brasileiro ao presidente Aniceto Arce. Comenta-se que preso ao lado inferior da sela, havia um maço de dinheiro ao nobre presidente, num evidente ato de corrupção.

O Tratado de Petrópolis teve seus documentos oficiais classificados como de segredo de estado, e mesmo hoje, 110 anos após sua assinatura, ainda é vedado aos historiadores e demais interessados.

Seria, segundo muitos, um dos motivos pelo qual o Itamarati é visceralmente contrário a Lei que atualmente tramita no Congresso, que acaba com o “sigilo eterno” dos documentos oficiais.

Certamente, neles poderíamos entender melhor as cláusulas não escritas que levaram a um dos negócios mais escusos da América Latina, e quanto, afinal “custou” aquele cavalo.

Prof. Péricles

domingo, 18 de agosto de 2013

O DIA QUE O MUNDO ACABOU


Os norte-americanos adorariam que a vida toda fosse como foram os anos 20 para eles. Enquanto a Europa saía alquebrada da I Guerra Mundial (1914-1918) com sua agricultura arrasada, sua indústria em frangalhos e dívidas externas (inclusive com os EUA) imensas, os Estados Unidos saíram dela vencedores e sem marcas debatalhas em seu território e com a economiasmais pujante do que nunca.

Nesse período, especialmente entre 1924 a 1929, conhecido como “Big Business” prédios antigos foram substituídos por arranha-céus e o mundo invejou profundamente a nação do norte, surgindo, inclusive a expressão “American Way of Life” para designar o modo americano de viver e progredir.

Consumiam de tudo, do útil ou supérfluo, boates lotadas todas as noites, sucessos imortais no cinema, o blues e o Jazz acompanhado de letras mais do que otimistas. Aliás, o otimismo era tamanho, que até se tentou acabar com uma doença, o alcoolismo, através de uma Leia, a “Lei Seca”.

Essa nação parecia representar a vitória definitiva da economia liberal (aquela que o governo interfere o mínimo na economia e por isso atua também o mínimo nas questões sociais).

Acreditasse que a catástrofe começou alguns anos antes de 1929, mas ninguém percebeu. Tanto que em 3 de setembro, o jornal The New York Times” anunciava um não recorde na Bolsa de Valores que havia virado paixão nacional, com investidores de todos os tamanhos.

Na semana que começou na segunda 21 de outubro, observadores notaram um número um pouco maior de ações postas à venda, mas ninguém deu muita importância, acreditando ser apenas uma flutuação natural.

Foi então que o mundo financeiroyankeacabou.

Na quinta-feira, dia 24 de outubro de 1929, o pregão da Bolsa já abriu num clima tenso. Uma enxurrada de ações começaram a ser postas à venda. Logo atingiu 6.091.870 títulos. Esse volume imenso puxou pra baixo as ações em geral (lei da oferta e da procura), desesperados, investidores colocavam suas ações a venda por preços cada vez menores, numa espiral enlouquecida que se auto-alimentava e acelerava cada vez mais.

Às 11:30 daquele dia, milhares de pessoas aglomeravam-se nas proximidades de Wall Street numa imensa nuvem de desesperados. Corria a notícia de boca em boca (notícia verdadeira) que onze conhecidos especuladores haviam se suicidado. Ao meio dia, finalmente, alguém tomou uma atitude e mandou fechar as portas da Bolsa de Nova York para evitar uma invasão iminente e uma tragédia humana de grande dimensão.

Claro que o governo deveria ter intervido para evitar o pior. Mas a economia era liberal, lembra? Governo jamais interferia na economia, etc. etc.

Na noite daquele dia que entrou para a história com o nome de “quinta-feira Negra” 3bancos estavam quebrados.

Ainda viria a segunda-feira negra (28 de outubro) e a terça-feira negra (29 de outubro) que concretizaria o colapso de todo o sistema financeiro do paí,saté então, uma ilha de progresso e prosperidade invejada pelo mundo inteiro. Iniciava-se um período chamado de “A Grande Depressão Econômica” que só seria realmente resolvida com o início da segunda guerra mundial em 1939.

Nesse período, milhares de pessoas que antes dispunham de excelente salário, foram para a fila do sopão doado pelo governo. Centenas de pessoas cometeram suicídio forçando o governo a implantar uma campanha de valorização e preservação da vida. Nos filmes de Chaplin, os bacanas tiram o lugar de Carlitos na fila dos desempregados. Os E.U.A. conheceram investidores, antes poderosos perambulando a esmo pelas ruas e até um caso trágico de um desses se jogando no rio Hudson, não sem antes comover e fazer chorar a todos que estavam próximos.

O mundo inteiro sentiu esse abalo.

Na Alemanha começa o caos econômico que levaria o Partido de Hitler a ganhar as eleições de 1933. No Brasil o café apodreceria nos portos à espera dos antigos compradores que não mais comprariam favorecendo as articulações que levaram à Revolução de 30.

As causas da catástrofe geram polêmicas até hoje. Resumidamente, para nosso maior entendimento poderíamos dizer que o que houve foi que, pelo completo afastamentodo Estado na economia, ocorreu uma superprodução de capitais. Uma superprodução de papel e ações. A vida ensinou que até riqueza quando produzida em excesso, gera problemas e tragédias.

Prof. Péricles

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

É O CRESCIMENTO DA RENDA, ESTÚPIDO



Uma economia que fez a renda média da sociedade dobrar em 17 anos não pode estar à beira do abismo

Embora tenha durado apenas o tempo de uma flor de manacá, a exposição do aumento dos índices de IDHM dos municípios do Brasil na mídia precisa ser recuperada. Talvez tenha sido a notícia mais importante do ano para os analistas que procuram olhar o Brasil sob a ótica das mudanças estruturais de nossa sociedade.

Os números são impressionantes e mostram um país que passa de uma posição vergonhosa no campo de desenvolvimento social para a companhia de sociedades mais justas e ricas. Mas essas informações entram em choque com o clima de que estamos próximos de um desastre e que tomou conta de boa parte dos agentes econômicos --empresários e financistas-- nos últimos meses.

Não é possível que uma economia que fez com que a renda média real da sociedade dobrasse em 17 anos esteja à beira do abismo, mesmo que os resultados nos últimos três anos sejam decepcionantes.

Em 1993, a renda média anual do brasileiro era --a valores reais de 2012-- de R$ 5.016,00, equivalentes ao câmbio também de 2012 a US$ 2.500. Em 2010, 17 anos depois, esse número atingiu R$ 10.884,00, ou seja, próximo de US$ 5.500. Um aumento de mais de 100% no período, o que corresponde a uma taxa anual composta de 4,7%.

Mesmo se tomarmos como base a renda média de 1994, início do período do real, os números chamam a nossa atenção. Nesses 16 anos, entre o início do período de estabilidade de nossa moeda e o fim do ciclo de crescimento em 2010, o aumento real da renda média do brasileiro chegou a 64%, ou seja, cresceu a uma taxa anual de 3,14%.

Todo economista sabe --ou deveria saber-- que o fator mais importante por trás das mudanças sociais é o crescimento econômico por um prazo longo. Importa menos a taxa anual de crescimento e mais a duração do período em que esse crescimento se sustenta.

Uma segunda verdade em que acredito é a que nos diz que o principal --e mais difícil-- fator por trás do crescimento econômico sustentado é o aumento da renda real das famílias. Isso é verdade principalmente em uma sociedade de cigarras como a nossa, em que o consumo representa mais de 2/3 do PIB (Produto Interno Bruto).

Por isso, os dados do Pnud da ONU, publicados recentemente, não surpreenderam a equipe de economistas da Quest Investimentos. Afinal, o quadro inicial das apresentações institucionais aos nossos clientes, desde 2007, apresenta um gráfico da renda real calculada pelo IBGE entre 1978 e 2013 e mostra, por meio de uma linha de tendência, seu comportamento nesse período.

Em 1979, último ano do milagre econômico dos militares, a renda real anual era de R$ 7.464,00. Em 1993, fim do período em que tivemos uma hiperinflação histórica, o brasileiro médio ganhava anualmente apenas R$ 5.016,00. Ou seja, uma queda de mais 30% em 14 anos. Podemos contar essa mesma terrível história dizendo que, nesse período negro, o brasileiro empobreceu em média mais de 2% ao ano.

A mais importante conseqüência desse longo período de crescimento que tivemos depois do Plano Real pode ser vista --a olho nu-- em uma fotografia da sociedade brasileira dividida em classes de renda. Ela também faz parte, desde 2006, das apresentações da Quest como um de seus pontos centrais.

Para chegar a ela, dividimos os brasileiros em apenas duas classes de renda: na primeira estão aqueles que estão inseridos na economia de mercado, ou seja, têm carteira de trabalho assinada, acesso a crédito bancário e no comércio e estão protegidos por programas sociais como aposentadoria, seguro-desemprego e outros que não o Bolsa Família.

Na outra classe, estão os brasileiros que vivem na informalidade e não têm acesso às instituições do mundo formal.

Em 1993, os brasileiros da classe formal representavam um terço da população, ficando o grupo informal com os outros dois terços. Hoje temos a situação oposta, ou seja, dois terços vivem no mundo formal e o outro terço no informal. Uma mudança extraordinária e muito difícil de ser encontrada na história das nações emergentes como a nossa.

Peço agora ao leitor que volte ao título desta coluna.



LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 70, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso). Consultor de economia para grandes grupos empresariais. Escreve às sextas-feiras, a cada 14 dias coluna na Folha de S. Paulo