sábado, 1 de junho de 2013

MEDUSA



Em janeiro de 2011 diversos casos de abuso sexual em mulheres, na Universidade de Toronto, no Canadá, deixaram a cidade universitária em pânico.

Irritado por não obter qualquer indício que levasse aos responsáveis, o policial Michael Sanguinetti fez uma observação que, as mulheres deveriam evitar vestirem-se como vadias (sluts, no inglês) para não serem vítimas dos ataques".

Isso provocou a indignação das mulheres que, criaram a primeira “Marcha das Vadias” em 03 de abril de 2011, naquela cidade, e que depois adquiriu ares de movimento mundial contra a crença de que, são as mulheres, pelas roupas de “vadias” que usam as verdadeiras culpadas dos estupros que sofrem.

Essa visão deturpada sobre mulheres culpadas pelos estupros que sofrem é bem antiga e talvez represente o medo do homem diante de sua própria fraqueza, ou o seu medo de impotência diante de uma mulher que mexe com ele e suas paixões descontroladas.

Os gregos, muitos séculos atrás observaram esse comportamento e o associaram a tragédia. A desgraça da beleza diante da covardia, da inveja e da força do destino.

Vejamos, por exemplo, o mito da Medusa:

Eram três irmãs, Euríale, Esteno e Medusa, filhas de Fórcis e Ceto, criaturas mitológicas marinhas.

Eram mulheres extraordinariamente belas, estonteantemente lindas. Capazes de provocar paixões até nos deuses.

Isso, como era comum, irritava as deusas.

A versão mais comum (existem várias) do mito da medusa, diz que ela escolheu ser sacerdotisa da deusa Atena e, dessa forma, fez voto de castidade eterno. Nem por isso a beleza da medusa diminuiu. Um dos deuses, em especial, era fascinado por ela, Poseidon, o deus dos oceanos e... comprometido com Atena. Cego de paixão o garanhão dos sete mares não resistiu e tomado de desejo a estuprou Medusa no próprio templo de Atena.

A fúria da deusa foi imensa. Contra Poseidon, certo? Não, contra Medusa. Pois, foi ela que provocou o estupro sendo tão linda e dessa forma agrediu Atena duas vezes: ao transar no próprio templo sagrado e ao enlouquecer de desejo o noivinho celestial.

A vingança da deusa, como costumavam ser a vingança das deusas, foi extremamente cruel.

Primeiro roubou a beleza e a juventude de sua ex-sacerdotisa. A Medusa não só deixou de ser bela como se tornou um ser repulsivo. Pele ressecada, olhos esbugalhados, rosto murcho e seco como os campos nas estiagens. Transformou seus belos dentes em presas de javalis, e fez com que seus pés e mãos macias se tornassem em bronze frio e sinistro.

Depois seus cabelos lisos, loiros e macios se transformaram em cobras vivas e venenosas.

Finalmente, Medusa foi isolada numa terra distante, completamente afastada de qualquer ser vivo, pois todo aquele que olhasse em seus olhos tinha morte instantânea, pois virava pedra. Além de privada da beleza, a Medusa tornava-se o ser mais solitário e maldito de toda a Hélade.

Atena ainda amaldiçoou as demais irmãs, e as três a partir de então passaram a ser chamadas de górgonas.

A Medusa aparece em inúmeros contos mitológicos da Grécia antiga, até ser morta pelo herói Perseu, que utilizou o reflexo inofensivo em seu escudo para poder matar Medusa e dar fim ao mito e ao seu sofrimento.

Há relatos de que todos na Grécia antiga, contavam seus contos e morriam de medo de encontrar a medusa em suas caminhadas. Era o bicho papão das crianças dos séculos VIII a IV a.C.

Um dos mais fascinantes contos mitológicos, a história de Medusa nos fala sobre a beleza como origem de tragédias, inveja sem questionamentos quando vinda dos poderosos, deuses machistas e violadores, pesadelos, solidão, e, para a fúria das meninas canadenses, de “vadias” que provocam a agressão. Extraordinariamente atual como costumam ser os mitos desse povo único.

Numa inversão perversa, Medusa de vítima torna-se criminosa, sendo que, na verdade, seu único crime era ser mulher.

A “Marcha das Vadias” poderia ser a “Marcha da Medusa”. A Marcha de toda as mulheres pois todas são lindas e se você discorda é porque está olhando errado. Que as lágrimas e a coragem de todas as vadias, filhas de Medusa, sirvam para amolecer a pedra da qual corações empedernidos, como esse do policial Michael Sanguinetti é feito, matéria-prima de todos os preconceitos.

Prof. Péricles

quinta-feira, 30 de maio de 2013

DEPOIMENTO DE BETE MENDES



BETE MENDES
Depoimento a ELEONORA DE LUCENA

Presa e torturada em 1970, a atriz Bete Mendes encontrou o coronel Brilhante Ustra numa viagem ao Uruguai em 1985. Ela era deputada federal, e ele atuava na embaixada em Montevidéu. Na volta, ela denunciou Ustra ao presidente Sarney. Aos 64, a atriz diz não temer retrocessos, mas pede atenção aos movimentos contra a democracia.

Fui presa duas vezes. Na primeira, não fui torturada fisicamente. Na segunda, foi total. Fui torturada [em 1970] e denunciei [o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra]. Isso me marcou profundamente. Não desejo isso para ninguém --nem para meus inimigos. A tortura física é a pior perversidade da raça humana; a psicológica, idem.

Não dá para ter raiva [de quem me torturou]. A gente é tão humilhado, seviciado, vilipendiado que o que se quer é sobreviver e bem. Estou muito feliz, sobrevivi e bem.

E não quero mais falar desse assunto.

Superei isso com tratamento psicológico e com trabalho. Agradeço à família, à classe artística, aos amigos que foram meu alicerce.

Carlos Zara me convidou para fazer a novela "O Meu Pé de Laranja Lima", e isso me salvou. Continuei o trabalho artístico, fui fundadora do PT, fui deputada federal duas vezes e secretária da Cultura de São Paulo.

Comecei a fazer teatro e cantar com seis anos de idade. Com oito já participava de manifestações de alunos. Era do grêmio do colégio, depois fui para o diretório da faculdade. Em bibliotecas públicas ou pegando livros emprestados lia tudo: Rousseau, Marx, Mao, Lênin, Gorki, Aristóteles. Depois, adotei o codinome de Rosa em homenagem a Rosa Luxemburgo.

Na adolescência escrevi textos de peças de teatro. Quando fui presa, eles levaram esses textos. Achavam que eles eram prova de crime, que depunham contra mim. Nunca mais os recuperei. Era coisa tão pouca, boba, pessoal.

Quando fecharam as portas à democracia, me senti usurpada, revoltada, aprisionada. Achei que a única saída era entrar numa organização revolucionária contra a ditadura militar. Entrei na VAR-Palmares. Fizemos aquela opção. Foi certa, errada? É difícil julgar hoje.

A minha visão era a revolução socialista: tirar poder dos militares, dos opressores, do capitalismo selvagem. Deixar a gente governar para o bem de todos, com todos participando.

Eu tinha 18, 19 anos, e achava que podia fazer tudo. Não tinha consciência do risco imenso que estava correndo. Era atriz de uma novela que explodia no Brasil, "Beto Rockfeller", estudava ciências sociais na Universidade de São Paulo e participava de uma organização clandestina revolucionária. Aí deu zebra.

O medo era a pior coisa que a gente sentia na época. Historicamente tem que se reconhecer que nós entramos numa ditadura muito mais pesada do que foi dito no passado. Isso vai sendo desdito atualmente pela Comissão da Verdade.

Hoje não tenho medo de retrocesso, mas é preciso prestar atenção em manifestações como de movimentos nazistas em vários países e no Brasil. Por exemplo? O coronel Brilhante Ustra faz parte desse movimento. Ele tem um site. Há jovens fazendo movimento nazista.
É um receio. É preciso ser cauteloso em relação a movimentos que podem ser prejudiciais ao avanço democrático. Mas impedir jamais, porque a gente legitima a manifestação de todos, de opiniões diversas. É preciso cuidar da democracia para que esses movimentos não cresçam.

Sou política como qualquer cidadão. Sou cidadã, atriz, socialista. O socialismo se constrói todo dia. Não temos o modelo socialista do passado, mas a gente constrói um novo. Quero continuar trabalhando como atriz e viajar mais. Poder viver essa democracia até morrer. Sonho político? Que o trabalho escravo acabe no Brasil.

Estou aqui viva e feliz. Minha vida é muito efervescente. Emendei três trabalhos na televisão. Faço o que eu gosto: ser atriz. Não vamos ficar presos no passado. O que eu tinha que dizer disse com todas as letras na época. "Revival" não tem sentido. Meu assunto hoje é [a novela] "Flor do Caribe".

Problema de audição? Tenho. É que eu fui tor-tu- rada. [Fica com os olhos marejados].

terça-feira, 28 de maio de 2013

MEDÉIA



Até onde pode chegar o desejo de vingança?
Qual o limite do ódio? Estará ele ligado por uma tênue linha ao amor, como alguns supõem?
Haverá fúria maior do que o de uma mulher traída?
Em tempos de crianças jogadas em esgotos, encontradas em sacolas nas águas de lagoas ou esquecidas em carros superaquecidos, talvez seja interessante buscar o pensamento helênico sobre o assunto..

Descrita na peça “Medea” de Eurípedes, Medéia era uma mulher mortal, filha de rei e neta do deus Hélio, o deus do sol. Alguns mitos afirmam que era ligada, de alguma forma, à deusa Hécade, deusa da bruxaria e das encruzilhadas.

Ela morava num lugar chamado Cólquida, e seu drama inicia quando o herói Jasão chega a sua terra. Medéia apaixona-se profundamente pelo bonitão e para conquista-lo promete auxilia-lo numa enrascada que era obter a lã de ouro do carneiro alado Crisómalo, única maneira dele, Jasão, recuperar o trono que já fora dele de Tessália.

Juntos enfrentaram touros gigantes, dragões e um exército, e Medéia sobressaiu-se na luta com sua astúcia e suas bruxarias, até a vitória de seu amado Jasão.

Jasão se apodera da lã de ouro e vai embora com Medéia, conforme o combinado.

A bordo da nau Argos os dois pombinhos enfrentam inúmeras aventuras, cantadas em verso e prosa pelos gregos, inclusive ressaltando que entre tantas guerras tiveram tempo de ter filhos. Até que, finalmente chegam à pólis de Corinto. Lá a tragédia os esperava.

Jasão se apaixona por Gláucia, a linda e famosa filha do Rei.

Jasão e Medeia discutem a relação, ele com o argumento da paixão sem controle, que pode acontecer a qualquer homem e que não poderia deixar de casar com uma princesa enquanto que ela, Medéia, era apenas uma mulher rude e bárbara. Ela, por sua vez, argumenta que abandonou a sua família por ele, sua ilha, sua casa, tudo o que tinha, para segui-lo e que muitas vezes havia lhe salvado a vida. Ele propõe que ela seja sua amante, uma boa proposta masculina, mas ela rejeita completamente.

Medéia terá que partir. Mas antes disso, resolve se vingar.

Com todo amor e carinho envia para Gláucia um lindo vestido (nenhuma mulher resiste a um lindo vestido) e uma pequena coroa envenenados, o que resulta na morte da princesa e de seu pai, o rei de Corinto que tenta socorrer a filha.

Mas, o pior vem agora. Enlouquecida de dor, humilhada e desprezada, Medéia decide matar seus filhos com Jasão, para fazê-lo sofrer toda a dor que um pai pode sentir ao perder seus rebentos.

Jasão corre para vingar-se, mas vê Medeia à distância, em uma carruagem dourada enviada por seu avô, Hélio, deus do Sol, a dizer, mais ou menos o seguinte:
“nem mesmo os corpos dos nossos filhos eu te deixarei para lembrar de mim. Para vós, que me fizeste sofrer tanto deixo apenas meu desprezo."

Medéia ainda aparecerá em vários mitos gregos posteriores sem que nenhum deles relate qualquer castigo pela morte de seus filhos e morrerá em Cólquida, livre, porém, abandonada.

Na psicologia e em outros ramos, denomina-se “Complexo de Medéia” o assassinato dos próprios filhos com objetivo de causar dor ao companheiro conjugal.

Prof. Péricles

domingo, 26 de maio de 2013

FILHO DESSA RAÇA NÃO DEVE NASCER



Rendo minhas homenagens à memória de meu pai, Paulo Fonteles, advogado de posseiros no Sul do Pará, assassinado pelo latifúndio em 1987 e a minha mãe, Hecilda Veiga, a pessoa mais íntegra que conheço nesta vida e que, com o destemor de ter me feito nascer, em meio ao Pelotão de Investigações Criminais, em fevereiro de 1972, revelou inexorável bravura ao ponto de um agente da repressão política, dentro da Polícia Federal, cunhar a frase: “Filho dessa raça não deve nascer”.

No dia de meu nascimento, em 20 de fevereiro de 1972, minha mãe asseverou:
“(…) levaram-me ao Hospital da Guarnição em Brasília, onde fiquei até o nascimento do Paulo. Nesse dia, para apressar as coisas, o médico, irritadíssimo, induziu o parto e fez o corte sem anestesia. Foi uma experiência muito difícil, mas fiquei firme e não chorei (…)”.

Minha mãe, Hecilda, afirma ainda que o tal médico disse-lhe que ela não gostava do filho, simplesmente porque não sofria.

Uma das lembranças mais antigas que tenho sobre mim mesmo está no fato de ter nascido na prisão e de ser filho de comunistas. Minha avó, Cordolina Fonteles de Lima, contava que os agentes da repressão atrasaram minha entrega para a família, por horas, porque simplesmente não haviam encontrado algemas que dessem em meus pulsos de recém-nascido, eles deviam me achar bastante perigoso!

Não tenho dúvidas que herdamos de nossos pais, seus destemores e convicções. A canção de Belchior, cantada pela mais bela voz feminina em todos os tempos de civilização brasileira, a de Elis Regina, está prenhe de verdade quando afirma que “ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”. Neste caso, Paulo e Hecilda, por seus valores fraternais devem sempre ser seguidos pelos filhos, o que nos dá a régua e o compasso.

Se este é meu depoimento, vou falar de um tempo em que, menino, testemunhei a retomada de meus pais na luta do povo, meu pai no campo e minha mãe na cidade. Poderiam ter se acomodado, poderiam ter cuidado de suas próprias vidas, o que seria justo diante das memórias do cárcere. Mas não, retomaram às posições de combate!

E ali estávamos nós, crescendo como crescem as árvores. As histórias da carochinha contadas eram sempre de guerrilheiras tartaruguinhas contra um jacaré de fardas que viviam no Araguaia.

Debruçado na defesa dos camponeses pobres e procurando reunir informações sobre a heroica luta rebelde araguaiana, meu pai, Paulo Fonteles, mais uma vez passou a sofrer a carga da reação, de famigerados como o Major Curió, do Centro de Inteligência do Exército (CIE) e do grande latifúndio, aliados incontestes na espoliação da Amazônia, sempre em benefício dos poderosos, sejam eles nacionais ou estrangeiros.

Moramos em Conceição do Araguaia e tínhamos o imenso rio dos karajá em nosso quintal. Por aqueles dias já convivíamos com os lavradores e os filhos destes, como é o caso dos filhos de Amaro Lins e de Neuza, Vladimir, Carlos e Mauricio, além de Helenira, amigos para todo o sempre.

Por conta de uma atuação radicalmente vinculada à luta dos lavradores conheceu, mais uma vez, as ameaças contra sua própria vida e a vileza dos donos do poder de então. Foi eleito deputado estadual em 1982 sob a consigna de “Terra, Trabalho, Liberdade e Independência Nacional”.

Foi assassinado à mando da União Democrática Ruralista (UDR), quando se votava o Capítulo da Terra. O intermediário de tamanha covardia foi James Sylvio de Vita Lopes, da OBAN e do SNI, que, nos auspícios do regime moribundo, foi organizar milícias da grande propriedade rural na Amazônia.

Naqueles dias eu tinha 15 anos e para não enlouquecer decidi ingressar nas fileiras do Partido Comunista do Brasil. Era minha saída e a forma de me organizar para enfrentar o futuro.

É preciso que as Comissões de Verdade façam as ligações na perspectiva de traçar um paralelo comum entre essas vivências de filhos de presos políticos e dos inúmeros centros de detenção de menores, criados durante a ditadura como a FEBEM e que na vida democrática não mudou seus métodos e, como é o caso de São Paulo, onde a tortura se esconde travestida pelo pomposo nome de “Fundação Casa”.

Apenas agora nos debruçamos sobre a infância na ditadura militar e há um caminho extenso a percorrer. Tal caminho seguramente irá nos levar aos filhos de camponeses e crianças indígenas, além dos casos de filhos de militantes políticos, já bastante relatados.

Há dois anos conheci o Sebastião, ex-motorista do Incra durante a Guerrilha do Araguaia, na cidade de Marabá. Tal pessoa relatou-me sua revolta em lembrar, de que na Base da Bacaba, que havia uma ala de tortura apenas para crianças e jovens, filhos dos sertões naquele país profundo e desigual. Naquelas condições é que as filhas de Adalgisa e Alfredo, amigos dos combatentes, de São Domingos do Araguaia, foram seguidamente estupradas quando trabalhavam em regime de escravidão naquela terrível base militar. Isso sem falar na mocidade indígena, aikewara, que apenas agora começa a relatar as barbaridades sofridas. Todos eles têm direito a reparações.

Aqui termino com o registro poético de meu pai que assim relatou meu nascimento em Força e Arte:

“A criança nasceu.
A mãe passa bem.
Apesar de todas as proibições
bebamos vinhos até a embriaguês!
Quem é que pode com povo?”

Paulo Fonteles Filho
Depoimento na Comissão da Verdade

sexta-feira, 24 de maio de 2013

INFÂNCIA ROUBADA



em www.redebrasilatual.com.br/politica

Cecília Capistrano, neta do militante Davi Capistrano e sobrinha do ex-prefeito de Santos Davi Capistrano da Costa Filho, chorou muito e emocionou o público com seu depoimento na 36ª audiência pública da Comissão da Verdade de São Paulo, que iniciou o seminário "Verdade e Infância Roubada", com testemunhos de pessoas que, durante o período da ditadura no Brasil (1964-1985), eram crianças e sofreram a brutalidade da repressão, física ou psicologicamente.

A fala de Cecília, nascida em 1975, dividiu-se entre a memória do avô e a luta da própria mãe, Maria Cristina Capistrano, torturada no DOI-Codi. Sua mãe, militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), foi presa em 1971 junto com seu filho mais velho e irmão de Cecília, então com quatro anos. A criança ficou sob a custódia de policiais. David Capistrano, segundo se apurou, foi levado para a chamada Casa da Morte, em Petrópolis (RJ), e nunca mais foi visto.

O avô de Cecília foi seqüestrado em 16 de março de 1974, em algum lugar entre Uruguaiana (RS) e São Paulo, para onde se dirigia para ver a família. “O que a gente sofre é uma coisa invisível, a gente fica procurando onde afetou”, disse Cecília. “Não queremos revanche, vingança, mas justiça. Queremos saber quem são os que fizeram aquilo, as pessoas têm nome.”

Rosana Momente, filha do operário Orlando Momente, desaparecido em dezembro de 1973, aos 41 anos, no Araguaia, contou que só soube o que ocorreu com o pai aos 15 anos, por meio de uma prima. Rosana morou por quatro anos em um orfanato católico e com os avós, em Rio Claro (SP). Os acontecimentos decorrentes da repressão, entre os quais jamais ter tido uma residência fixa ou uma família estável, provocaram profundas cicatrizes psicológicas.

“A gente sabe o que é a depressão já na infância”, disse Rosana. Seu pai, militante do PCB e depois do PCdoB, saiu de casa e, embora visitasse a família periodicamente, não voltou a vê-la a partir de 1969. Antes de desaparecer, ele viveu no norte de Goiás e posteriormente no sul do Pará. Em 1974, meses depois de seu sumiço, uma amiga de Orlando na região do Araguaia e esposa de um camponês também desaparecido, Joana de Almeida, encontrou um corpo em decomposição em seu sítio, onde era proibida de ir pelo Exército. Um chapéu de couro de curtido teria dado a Joana a certeza de que aquela era a ossada de Orlando Momente.

“O que me deixa triste é que as pessoas tentavam ajudar as outras e acabavam presas, torturadas e mortas”, contou Rosana na Assembléia. “Minha mãe era trabalhadora doméstica, então eu ficava nas casas cheias de coisas caras e pássaros empalhados.”

Paulo Fontelles Filho nasceu na prisão. Sua mãe, Hecilda Fonteles Veiga, era estudante de Ciências Sociais quando foi presa, em 1971, em Brasília, com cinco meses de gravidez. Num depoimento reproduzido na audiência pública, a mãe de Paulo contou: “Quando fui presa, minha barriga de cinco meses de gravidez já estava bem visível. Fui levada à delegacia da Polícia Federal, onde, diante da minha recusa em dar informações a respeito de meu marido, Paulo Fontelles, comecei a ouvir, entre sob socos e pontapés: ‘Filho dessa raça não deve nascer”’.

Segundo Hecilda, hoje com 64 anos, ela foi colocada na chamada “cadeira do dragão”, apanhou no rosto, pescoço e pernas e foi submetida à “tortura cientifica”. “Da cadeira em que sentávamos saíam uns fios, que subiam pelas pernas e eram amarrados nos seios. As sensações que aquilo provocava eram indescritíveis: calor, frio, asfixia”.

O parto de seu filho Paulo, segundo o relato, foi feito por cesariana sem anestesia, “para apressar as coisas”.

Na abertura da audiência pública no Auditório Teotônio Vilela da Assembléia Legislativa, foi exibido o documentário “Os 15 filhos (1996)”. Dirigido por Maria de Oliveira Soares e Marta Nehring, o filme, de 20 minutos, reúne depoimentos de filhos de militantes políticos que sofreram as conseqüências dos “anos de chumbo”.

As diretoras produziram a película para fazer parte do seminário Revolução Impossível, de 25 a 28 de março de 1996, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em homenagem às vítimas do regime. A temática é a mesma abordada pela audiência pública realizada pela Comissão da Verdade de São Paulo.

sábado, 18 de maio de 2013

A CAIXA DE PANDORA



As mulheres são seres iluminados, mas complicadas, complexas, imprevisíveis, instáveis.

Diferem do homem de forma emocional e cultural, além da própria tradição e mitos criados em torno de si.

Sabemos muito do cosmos, das relações físicas, do fundo do mar, mas sabemos pouco desse misterioso ser.

Em suas variantes como filha, mulher, mãe, namorada, etc ela continua, como antes, a ser a protagonista maior das nossas melhores e das nossas piores cenas.

Entender uma mulher é algo que poucos conseguem.

O significado do “nada” dito por uma mulher ou “não estou te acusando” permanecem a desafiar nossa compreensão.

Sacerdotes budistas e eremitas após anos e anos de reflexão dizem conseguir entendê-las, mas é um conhecimento inútil, pois já não há mais utilidade prática.

Selvagens e submissas, conservadoras e revolucionárias, piedosas e cruéis, sedutoras e vingativas, tudo isso num só ser é demais para nossas humildes cabeças masculinas.

Um povo, porém, parece ter compreendido a mulher como nenhum outro, os gregos.

Poucos como eles expuseram as mais íntimas características desse estranho ser.

E isso, fizeram com grande talento, nos contando as coisas a partir de seus mitos, como, por exemplo, na fascinante narração da Caixa de Pandora.

Essa história foi contada pelo poeta grego Hesíodo, um homem do século VIII AC.

Era um homem sábio que dizia “sem mulher, a vida do homem é impraticável, e com mulher impossível”. É ele que nos relata:

O titã Prometeu roubou o fogo do Olimpo e o revelou aos homens. Zeus, o Deus dos deuses” ficou indignado, pois esse segredo deveria ser vedado aos homens. E quando Zeus se indignava praticava o passatempo preferido dos deuses, a vingança. E a vingança de Zeus era implacável.

Prometeu foi amarrado a um rochedo e tinha seu fígado devorado por uma águia. Durante a noite um novo fígado crescia e no dia seguinte a águia retornava e o martírio se repetia. Nem o DOPS bolou um sofrimento tão grande.

Mas Zeus queria se vingar dos homens também e para isso elaborou um plano. Um plano ardiloso.

Criou a primeira mulher, extremamente linda, a quem chamou de Pandora. Antes, porém, convocou os deuses para uma reunião e determinou que cada um colocasse uma desgraça dentro de uma caixa. Apenas um único dom, a esperança misturou-se as maldições.
Em seguida deu essa caixa, na verdade um jarro, à Pandora (a primeira mulher, lembra?) e ordenou que fosse viver com os homens.

Detalhe importante para entender o maquiavelismo de Zeus: não revelou a Pandora o que havia dentro da caixa e ordenou que ela não a abrisse, sob nenhuma hipótese.

Zeus conhecia muito bem sua criação e sabia que nenhuma mulher conseguiria suportar tamanha curiosidade.

Como sabemos bem, Zeus estava certo. Pandora resistiu por dias, mas, finalmente disse a si mesma que não faria mal nenhum dar apenas uma olhadinha. Então abriu a Caixa para ver o que tinha dentro e zás todas as desgraças como orgulho, ódio, doenças, medo, egoísmo etc. escaparam da caixa. Assustada Pandora ainda tentou fecha-la, mas, conseguiu reter apenas a esperança.

A partir desse dia todas as desgraças passaram a conviver com o homem, além de Pandora e suas descendentes, como essa mesma que você agora tem a seu lado.

O que estariam nos dizendo os gregos sobre a mulher?

Primeiro nos alertam sobre a curiosidade feminina, que, convenhamos,longe de ser um defeito, é uma das melhores características do pensamento humano. Se é verdade que a ciência tornou nossas melhores vidas, também é verdade que foi a curiosidade que criou a ciência.

Se a falta de controle sobre a curiosidade foi à responsável pelo surgimento de todas as desgraças humanas é fato que o que nos faz evoluir são as dificuldades que as desgraças nos trazem o que provoca a busca da superação dessas dificuldades. Não houvessem desafios a serem superados o homem, provavelmente permaneceria inerte perante a vida.

Nos chamam a atenção de que apesar de todos os desafios e de todos os sofrimentos, o homem segue em frente porque é movido pela força invencível da esperança, e essa, a esperança é o dom que Pandora mantém e com a qual irá buscar se reabilitar perante os homens. A mulher, muito mais do que o homem, acalanta a esperança renovadora e fiel.

Hesíodo sabia muito de mulher. Eis aí um cara que valeria a pena conhecer e conversar, numa roda de cerveja (um modo bem melhor de comprometer o fígado do que o de Prometeu). Com certeza rindo muito de Zeus, que pensando nos estar sacaneando, nos presenteou com a mais maravilhosa de suas criações.

Prof. Péricles