sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

CAMINHOS PERIGOSOS



Um artigo de Wladimir Pomar

À medida que o tempo passa, vão ficando evidentes contradições mais agudas na situação política brasileira. Por um lado, o ex-presidente Lula e a presidenta Dilma aparecem como favoritos para as eleições presidenciais de 2014. Por outro, na economia, na sociedade e na política se acumulam evidências de que os detentores do poder econômico, dos meios de comunicação e do aparato de Estado estão manobrando com o propósito de reverter a situação em que se encontram.

A queda, mesmo insignificante, da taxa de juros; o aumento, mesmo incompleto, do emprego formal; a redução, mesmo leve, das taxas de eletricidade; o esforço, mesmo parcial, para reduzir os custos das obras públicas; a decisão, mais firme, de combater a corrupção política, através da extinção do financiamento privado das campanhas eleitorais, tudo isso parece haver acendido a luz vermelha nos círculos ideológicos mais influentes daqueles reais detentores do poder, fazendo-os procurar caminhos que lhes permitam acabar com a experiência, mesmo apenas levemente reformista, de governos centrais dirigidos pelo petismo.

O primeiro e mais relevante desses caminhos, consiste naquilo que alguns autores estão chamando de judicialização da política, e eu prefiro chamar de criminalização da política e da ação dos partidos. A política e os partidos passam a ser julgados não mais pelo povo, mas por juízes que, no chamado processo do mensalão, se arrogaram o direito de mudar a natureza do crime cometido, desdenhar provas, atropelar a Constituição e os procedimentos legais instituídos e se colocar acima dos demais poderes republicanos. E se alguém pensa que o STF se contentará em dar um exemplo apenas com esse julgamento, talvez se engane redondamente. Tudo indica que o poder judiciário, sob a tutela da alta corte, se empenhará em substituir o Congresso com normas e leis que intensifiquem a criminalização da política e a paralisia do governo dirigido pelo PT, através do levantamento de novos casos de corrupção, reais ou forjados, que envolvam o ex-presidente Lula, a presidenta Dilma e o PT.

O segundo caminho vem consistindo na multiplicação das derrotas do governo na Câmara e no Senado, derrotas infligidas principalmente por parcelas dos partidos que constituem a base do próprio governo, a exemplo do Código Florestal e da divisão dos royalties do pré-sal. Com a assunção do PMDB à presidência das duas casas do Congresso, cresce a possibilidade de que tais derrotas se intensifiquem, a não ser que Dilma se curve às exigências dos aliados, a exemplo do que já vem ocorrendo na aceitação passiva e na assimilação de que há uma nova classe média no país, que merece atenção prioritária do governo.

O terceiro caminho consiste na paralisia ou redução significativa dos investimentos privados, a pretexto da crise internacional, do alto custo dos salários, da alta carga de impostos, ou de outros motivos secundários, nenhum deles sendo relacionados à redução dos lucros máximos que o poder de monopólio garantia para as grandes corporações financeiras, industriais, agrícolas e comerciais. Como a elevação dos investimentos, especialmente na infraestrutura, indústria e agricultura de alimentos, é a chave para o crescimento e para a geração de empregos, embora alguns setores do governo não deem a atenção devida a isso, as previsões de crescimento de 3% a 4%, em 2013, podem ser frustradas.

O quarto caminho parece consistir em revigorar a insegurança pública, através de chacinas descontroladas, quase certamente realizadas como ação diversionista para ocultar disputas internas nas polícias locais, associação com milícias e traficantes e outras correntes da criminalidade. O que traz à tona a contradição entre as taxas de desemprego oficiais e a grande massa populacional, sem acesso à educação e à qualificação profissional, incapaz de procurar emprego e cuja única opção consiste em servir como soldados do tráfico e do crime. Os casos de explosão de insegurança pública em São Paulo e em Santa Catarina talvez não sejam os únicos, nem os últimos.

Esses caminhos parecem desligados ou disparatados. No entanto, quem se der ao trabalho de acompanhar a pauta do Partido da Grande Mídia pode concluir que eles estão intimamente relacionados, na perspectiva de corroer pelas beiras, e também por dentro, a experiência de governo do PT, de modo a fazer que ele desabe por seus próprios erros. Talvez não seja por acaso que, nos últimos tempos, tenham se multiplicado as publicações da A Arte da Guerra, de Sun Zi, o mestre dessa arte de vencer a guerra induzindo o inimigo a cair em armadilhas, desgastar-se e ser levado à derrota, sem necessidade de travar qualquer batalha decisiva.

Nesse sentido, os promotores da criminalização da política estão provocando o PT a cair na armadilha de realizar uma defesa aberta dos réus julgados pelo STF, de modo a associá-lo umbilicalmente à suposta compra de votos de parlamentares e abrir canais para envolver o ex-presidente Lula e o partido, como um todo, na mesma teia que lhes permitiu julgar e condenar vários dirigentes do partido e aliados. Na verdade, talvez a melhor defesa dos condenados consista numa tática de ataque aberto, público, constante e intenso ao sistema eleitoral de financiamento privado das campanhas eleitorais, no qual o caixa dois é recorrente e não há qualquer indício de repúdio efetivo a ele pela Justiça.

Nessas condições, o PT se encontra numa encruzilhada. Ou sai da defensiva com uma tática correta, ou se arrisca a soçobrar. O mesmo diz respeito a ele e ao governo Dilma quanto à economia e à conjuntura política. O PT e seus membros no governo precisam discutir, em conjunto, os problemas estruturais que emperram o desenvolvimento econômico e social no ritmo que a maior parte da sociedade necessita, a exemplo do poder de monopólio de um grupo de corporações empresariais sobre o conjunto da economia, dos gargalos que impedem o crescimento dos investimentos e dos empregos da grande massa da população que está fora do mercado de trabalho e dos aspectos macroeconômicos que incidem negativamente sobre a economia. Ou não terão nada a dizer para as camadas populares e médias da população, nem para mobilizá-las para as mudanças, mesmo as capitalistas, que só serão realizadas se a burguesia sentir que PT e governo possuem um apoio social firme e explícito, e que este apoio pretende avançar nas reformas democráticas e populares.

Quando se confirmou a vitória de Dilma, em 2010, todos sabíamos que seu governo seria, ao mesmo tempo, continuidade do governo e com novas mudanças baseadas no que havia sido conquistado. Os caminhos para essa mudanças estão se tornando cada vez mais perigosos, mas o maior perigo consiste em não enfrentá-los.

Por Wladimir Pomar, no Correio da Cidadania

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

PRESSA, MUITA PRESSA



Dizem que o mundo feudal era lento e rural e que o capitalismo trouxe a dinâmica.

Então a Revolução industrial trouxe a pressa.

Temos pressa, talvez esse devesse ser o epitáfio de todos nós.

Temos pressa de crescer, de casar, de se formar na faculdade, de ganhar dinheiro.

Pressa de tudo e na correria da vida massificamos as coisas pra facilitar.

A isso chamamos rotina.

Rotina de marido/esposa, rotina de profissional, rotina de visitar os amigos e parentes.

Rotina de amar. Ama-se com pressa e com rotina até que o amor acabe, e nem ao menos percebemos quando.

De tanto viver em rotina, a vida se torna rotineira. As coisas sempre as mesmas, os horários sempre iguais.

A pressa de viver não nos permite olhar a paisagem e diante da chuva enxergamos apenas as gotas d1agua, pois não há tempo para entender sua essência.

Se o vento sopra na noite, pensamos na roupa para usar amanhã no trabalho. Não ouvimos sua poesia e não entendemos suas palavras. Certamente você sabe que o vento fala, não é?

Lembramos de tudo, do horário do ônibus, dos compromissos, da agenda. Só não lembramos de viver.

Na ânsia rotineira engolimos fins de semana com pressa e quase nos engasgamos esperando a segunda-feira.

Gastamos nossos dias jovens, nossos sonhos, nossos ideais até que nada sobre além do que a rotina permite ser.

Um bebê de 10 meses morreu, após ser esquecido pelo pai em um carro, no bairro de Água Limpa, em Volta Redonda, no interior do Rio de Janeiro.

O pai, gerente de vendas Clóvis Mantila, deveria ter levado a filha Manuela para uma creche, mas esqueceu a criança no banco traseiro do carro, que ficou estacionado.

Ele chegou a ser detido, mas foi liberado após pagamento de fiança. A menina Manuella Mantila Sueth foi levada para o hospital, mas já chegou sem vida, com sinais de asfixia.

O pai contou na delegacia que se esqueceu da filha porque não tinha o hábito de levá-la à creche. Ele disse que só lembrou que havia esquecido do bebê no carro quando a mãe telefonou questionando a ausência de Manuella na creche.

O que aconteceu então foi uma quebra da rotina. Algo que não era rotineiro não foi registrado por Clóvis e sua mente simplesmente esqueceu a filha enquanto se ocupava do trabalho rotineiro. E trabalhou como sempre enquanto a filha morria.

Clóvis foi indiciado por homicídio culposo, mas, com certeza não haverá pena suficientemente dolorosa para provocar maior dor do que a que ele já deve estar sentindo e que carregará pelo resto de sua vida, pela morte causada por ele mesmo, da pequena Manuella.

Manuella morreu de pressa. Manuella foi vítima da rotina. Foi enterrada no cemitério Portal da Saudade.

Talvez esse seja o nome correto para nossa própria mortalha, porque, no fundo, no fundo, em algum lugar de alguma dobra da alma, entre horários de pico e bater de ponto, devemos ter saudade de nós mesmos, do tempo em que banho de chuva era um compromisso e pisar com pés descalços na terra era um prazer.

De um tempo pra não fazer nada e quando não havia pressa.

Prof. Péricles

sábado, 1 de dezembro de 2012

HISTORIADORES


A recente aprovação do projeto de regulamentação da profissão de historiador no Senado Federal, no último dia 7, tem gerado algumas controvérsias que, do nosso ponto de vista, derivam de certas incompreensões e até mesmo do desconhecimento do texto do projeto.

Alguns têm alegado que a regulamentação conduzirá ao cerceamento da liberdade de expressão daqueles que, mesmo não sendo historiadores de formação, escrevem sobre o passado. Neste sentido, citam, inclusive, nomes de grandes intelectuais que produziram e continuam produzindo verdadeiros clássicos da historiografia brasileira.

Outros afirmam que a necessidade de formação específica levará à falta de professores de história no ensino fundamental, já que hoje muitos ministrantes desta disciplina realizaram outros cursos de graduação, como pedagogia, ciências sociais e filosofia.

Sobre o primeiro argumento contra o projeto, ele só é manifestado por quem não conhece o seu teor. Em nenhum momento foi proposto que historiadores profissionais tenham exclusividade na formulação e divulgação de narrativas históricas.

Jornalistas, cientistas sociais, diplomatas, juristas, economistas e todos os cidadãos poderão continuar a produzir conhecimento histórico - e esperamos que isso aconteça, pois só a partir de perspectivas diferentes e multidisciplinares conseguiremos fazer avançar a historiografia brasileira que, por sinal, é bastante consistente e tem grande reconhecimento internacional.

Além disso, advogar esta exclusividade aos historiadores profissionais seria atentar contra as liberdades democráticas, o que não é o caso aqui. Prova disso é que o projeto foi apoiado por todas as lideranças partidárias do Senado, demonstrando que ele não tem um viés político-partidário específico.

Quanto ao segundo argumento, defendemos sim que os professores de história realizem alguma etapa de sua formação em história (na graduação ou na pós-graduação), já que acreditamos que nossos alunos do ensino básico devem ter o direito de aprender com docentes qualificados e possuidores de conhecimentos e habilidades específicas nas áreas que lecionam.

Isso não é desmerecer professores de outras disciplinas, mas reconhecer que cada campo disciplinar implica a aquisição de saberes específicos, mesmo que em diálogo com outros âmbitos de conhecimento. (No caso dos professores de história, por exemplo, a atenção às múltiplas temporalidades, a crítica e a interpretação dos documentos, a atualização historiográfica, a atenção às relações entre história acadêmica e história ensinada etc.).

De qualquer forma, esta especialização do corpo docente não se dará de uma hora para outra. Afinal, a própria Lei das Diretrizes e Bases da Educação prevê que, quando não há professores formados nas disciplinas específicas, devem ser aproveitados professores com outras formações e só, em último caso, professor sem nenhuma formação.

Isso não impede, contudo, que, a médio e longo prazo, continuemos lutando pela qualificação e especialização de nossos professores, sem deixar de estimular, é claro, o saudável diálogo interdisciplinar.

Ou seja, o projeto não veda a ninguém o direito de escrever sobre história nem pretende impor de uma hora para outra a especialização a todos os docentes. Apenas quer assegurar a presença de historiadores profissionais em espaços dedicados ao ensino e à pesquisa científica em história, para que esses possam, em colaboração com outros estudiosos, contribuir para o avanço da área.

Paulo Paim é senador pelo PT-RS, presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado e autor do projeto de lei citado no artigo.
Fonte: Jornal da Ciência


quinta-feira, 29 de novembro de 2012

PERIGOS DA URNA ELETRÔNICA


“Quem vota não decide coisa alguma. Quem conta os votos decide tudo”
Joseph Stalin

Se Stalin disse ou não disse, não posso garantir. A frase virou folclore. Para que alguma eleição signifique alguma coisa, os que contam os votos têm de ter mais respeito pela integridade da democracia, do que ânsia de poder.

Dos tempos de Stalin até hoje, a tecnologia mudou. Com máquinas de votar eletrônicas, que não deixam marcas impressas e são programadas por programas proprietários, o resultado de uma eleição pode ser decidido de véspera. Os que controlam o programa podem programar as máquinas para elegerem (as máquinas, não os eleitores) o candidato que o programador deseje eleger. As máquinas eletrônicas de votar não são transparentes. Quando se vota em máquina eletrônica, não se sabe em quem se está votando: só a máquina sabe.

Os mesmos que podem roubar a eleição podem facilmente meter “especialistas” nas televisões, que se porão a explicar que a divergência entre as pesquisas de boca de urna e os votos contados está “na margem de erro”, ou “não tem significado estatístico” ou, então, aconteceu porque as pesquisas de boca de urna ouviram mais (ou menos) mulheres, ou mais (ou menos) uma ou outra minoria racial ou mais (ou menos) membros de um ou do outro partido.

Em artigo fascinante para Harper’s Magazine (26/10/2012), Victoria Collier observa que, com o advento da moderna tecnologia “emergiu todo um bravo novo mundo de falcatruas eleitorais”.

A velha fraude de urnas era localizada e de curto alcance. As máquinas eletrônicas, hoje, permitem fraudar eleições em escala estadual e nacional. Além disso, em votações eletrônicas não há urnas cheias de votos a serem encontradas em fundos de quintal na Louisiana. Com programas proprietários, os proprietários dos programas decidem: a contagem dos votos indicará o número previsto no programa proprietário.

As duas primeiras eleições presidenciais nos EUA no século 21 têm história vergonhosa. A vitória de George W. Bush sobre Al Gore foi decidida pelos Republicanos na Suprema Corte dos EUA, que mandaram suspender a recontagem de votos na Florida.

Em 2004, George W. Bush venceu na contagem de votos, embora as pesquisas de boca de urna indicassem vitória de John Kerry.

A era do roubo eletrônico de votos, diz Collier, “começou com Chuck Hagel, milionário desconhecido que concorreu a uma cadeira no Senado, por Nebraska, em 1996. Hegel começou muito atrás, na disputa com o popular governador Democrata, eleito dois anos antes por uma avalanche de votos. Três dias antes das eleições, contudo, o jornal Omaha World-Herald mostrou eleição apertadíssima, com 47% dos eleitores preferindo cada um dos candidatos. David Moore, então editor-gerente do Instituto Gallup, disse ao jornal que Não é possível prever o resultado”.

A vitória de Hagel na eleição geral, sempre referida como “uma reviravolta”, garantiu a cadeira no Senado aos Republicanos, pela primeira vez em 18 anos.

Poucos norte-americanos sabiam, até poucos dias antes das eleições, que Hagel fora presidente da empresa fornecedora das urnas eletrônicas que, a seguir, estariam contando votos para ele mesmo: a Election Systems & Software (então chamada American Information Systems). Hagel deixou a empresa duas semanas antes de declarar-se candidato. Mas não se desfez de milhões de dólares em ações do McCarthy Group, grupo proprietário da empresa ES&S. E Michael McCarthy, fundador da empresa parceira, trabalhava como tesoureiro de campanha de Hagel.

Quando a Suprema Corte Republicana impediu a recontagem de votos na Florida e decidiu a eleição entre George W. Bush e Al Gore nas eleições presidenciais em 2000, a resposta dos Democratas foi não protestar, para não abalar a confiança dos norte-americanos na democracia. John Kerry também aceitou e calou em 2004, apesar da vasta diferença entre as pesquisas de boca de urna e os votos acumulados em meio eletrônico. Mas como os norte-americanos poderemos confiar na democracia, se nem há votos para ver e contar e a eleição não é transparente?

Vejam só! Por todo o planeta, transações de trilhões de dólares acontecem diariamente, e raramente há algum problema. Se se pode contar dinheiro onlineaté os centavos, claro que se podem contar votos online. O único problema é que há interesses políticos gigantescos “programados” em cada urna ou máquina de votar eletrônica.

Em 2005, a Comissão Federal para Reforma Eleitoral não partidária, concluiu que a integridade das eleições estava comprometida pela ação de quem controlou a programação. A propriedade privada da tecnologia de votação é absolutamente incompatível com eleições transparentes.

País sem eleições transparentes é país sem democracia.


Paul Craig Roberts – Institute for Political Economy
“U.S. Elections: Will the Dead Vote and Voting Machines be Hacked?”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

domingo, 25 de novembro de 2012

EDUCARE


Faz-se grande confusão entre educação e conhecimento formal.

Talvez a maioria das pessoas quando fala em educação pense apenas no professor, no giz, quadro negro, horários, etc.

Nada mais confuso do que essa visão.

Educação é muito mais do que rotinas estudantis.

O filósofo Sócrates falava em “educare”, termo que deu origem à “educação”, num sentido bem diferente do tradicional.

Educare queria dizer “tirar de si, fazer brotar”. Ou seja, a educação se realiza através de um processo que tem incentivadores, mas que vem de dentro do educando e não de fora pra dentro.

Aquela imagem do professor que despeja seu enorme saber num depósito vazio que é a cabeça dos alunos é uma imagem tosca e distante do verdadeiro educare.

Nesse contexto a família é o principal fator da promoção da educação. Os parentes, amigos, a escola, a sociedade, a vida. Tudo é educação. Uma piada, uma frase, um exemplo, tudo promove a formação da pessoa. Tudo conspira para sua construção como indivíduo.

Aqui no Rio Grande do Sul, uma importante rede de televisão está promovendo uma campanha em que questiona o porquê de termos uma educação de tão baixa qualidade, classificada como a 88ª no cenário de todos os países. Questiona como se estivesse de fora, apenas transmitindo dúvidas das pessoas, e apontando o dedo inquisidor numa completa impessoalidade.

É importante campanhas assim, sem dúvida, mas seria mais interessante se o próprio veículo de comunicação iniciasse questionando a si mesmo, a qualidade de sua programação o comprometimento dela no processo educativo.

Qualquer professor seria capaz de escrever um livro sobre a influência da televisão sobre seus alunos.

Muitas vezes, todo um trabalho sobre, por exemplo, combate à intolerância é destruído em questão de segundos numa piada ou num bordão.

Aulas inteiras contra posturas de valor reprovável, bulling, homofobia, são arrasadas por um filme ou uma cena de novela.

Faz apenas algumas semanas, num programa televisivo noturno de final de domingo desenvolveu-se uma série de informações sobre como ampliar os efeitos do crack absolutamente inútil e contraproducente.

Educar é fazer brotar qualidades e valores que já existem na pessoa. É favorecer o encaminhamento dessas qualidades e desses valores na construção da cidadania, da liberdade e da felicidade da pessoa.

O conhecimento formal faz parte, mas que não é de forma isolada, a educação. É um complemento.

Ao professor de história, por exemplo, que pretenda também ser um educador interessa muito mais favorecer o despertar no aluno o gosto pela realidade dos fenômenos que compõem a história da humanidade e de seu país, do que, simplesmente avaliar sua capacidade de memória para guardar informações sobre o conteúdo.

Somos todos educadores e somos todos discípulos.

Não são apenas os professores os chamados a esse desafio. Somos todos nós.

E você, está fazendo algo pela educação?


Prof. Péricles

sábado, 24 de novembro de 2012

PINTORES DA NOITE

Ela olhou pra mim como quem está prestes a fazer uma grande revelação e disse “sabe, eu nunca te contei, mas, detesto cachorros”.

Comecei a rir baixinho distraído. Mas o riso foi crescendo e ela, escorando a cabeça no meu ombro foi me acompanhando, e quando vimos as gargalhadas já não podiam ser contidas.

Ergui os olhos pras estrelas e perguntei pra uma delas: mas do que mesmo estou rindo?

Do fato de estar pendurado no alto de um poste numa dessas madrugadas de Porto Alegre?

Ou da escada velha que rangia e que ainda por cima, teve que ser inclinada entre o muro da calçada e o poste por dentro do terreno?

Talvez fosse dos dois cachorros furiosos que babavam de ódio por não poder nos alcançar e que ansiavam por nossa queda?

Ou do jeito de madame daquela guria com tinta nos ombros e na testa me sussurrando ter medo de cachorros?

Até hoje não sei.

Eram tantas coisas que precisavam de respostas e tantas respostas que não valiam à pena naqueles tempos.

Só sei que nossas gargalhadas calaram os cachorros como se nem eles entendessem, afinal, qual era a graça da situação grotesca.

Quando paramos de sacolejar de tanto rir, a escada diminuiu seu rangido, e continuamos a gloriosa tarefa de prender no poste, com arame pouco resistente, mais uma placa pintada à mão com a sigla de nosso partido.

Não só uma sigla, não senhor! Muito mais que isso. Um sentimento de resistência materializado na forma de três letras recém pintadas no quintal da casa de algum companheiro de sonhos.

Descemos altivos diante da indignação dos cachorros e recolhemos o material restante, pois era preciso ter pressa, pois outros postes nos esperavam, outros cachorros talvez, e com certeza, o sol, não demoraria.

A polícia odeia a hora entre o fim da madrugada e o início da manhã, e chamávamos esse momento de, a hora boa.

Os cachorros odeiam escadas e ela odiava cachorros. E eu achava graça. Uma graça que carecia de argumentos mas que transbordava de dor e de energia.

Que nos importam os vadios da madrugada que vagueiam embriagados?

Não estavam, com certeza, mais embriagados do que nós, em nossos desatinos.

Lá, em cima do poste, vendo a cidade “do alto” a gente desafiava a repressão, os medos, os ventos do inverno, os cachorros e o destino.

As vezes, virávamos artistas e pintávamos muros.

Muros estreitos e largos. Inteiros e lascados. Muros simpáticos e carrancudos. De casas, de cemitérios, de colégios. Muros de ruela e de avenidas.

Tinta vermelha de cheiro forte, artesanal, feita por nós mesmos, em balde que abraçávamos para que não derramasse enquanto a velha kombi sacudia sobre as ruas de uma Porto Alegre adormecida. "Cuidado gente, a tinta é cara"...

Pintávamos palavras de ordem. Pintávamos ultimatos. Pintávamos desafios de forma altiva, e imaginávamos Picasso pintando Guernica.

Ela, como ninguém desenhava nossos símbolos.

Ao contrário de Picasso, não podíamos assinar nossas obras. Mas no outro dia... ah no outro dia ninguém podia impedir o orgulho que sentíamos ao ver expostas nos muro da cidade em cores fortes com a tinta que ainda nos fedia, o nosso trabalho noturno. Depressa, dizia em silêncio ao mundo, leiam antes que eles apaguem.

Talvez seja assim mesmo.

Quando nos tiram os livros inventamos arte.

Quando nos tiram as montanhas, escalamos escadas que rangem.

Quando nos tiram oportunidades descobrimos talentos, e somos Picassos que pintam Guernicas com tinta barata em muros estreitos.

Quando nos tiram a graça rimos de nós, rimos a sós, e rimos das dores.

Mas nunca... nunca jamais, deixamos de rir, pois, muitas vezes, em nosso riso, mais do que em mil manifestos, está a força de nossa resistência.

Prof. Péricles