quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O PODER ABSOLUTISTA DOS PAPAS


A crise da Igreja-instituicão-hierarquia se radica na absoluta concentração de poder na pessoa do papa, poder exercido de forma absolutista e distanciado de qualquer participação dos cristãos e criando obstáculos praticamente intransponíveis para o diálogo ecumênico com as outras Igrejas.

Não foi assim no começo.

A Igreja era uma comunidade fraternal. Não havia ainda a figura do papa. Quem comandava na Igreja era o imperador, pois ele era o sumo pontífice (ponntifex maximus) e não o bispo de Roma ou de Constantinopla, as duas capitais do Império.

Assim o imperador Constantino convocou o primeiro concílio ecumênico, em Nicéia (325), para decidir a questão da divindade de Cristo. Ainda no século 6 o imperador Justiniano, que refez a união das duas partes do império, a do Ocidente e a do Oriente, reclamou para si o primado de direito e não o do bispo de Roma. No entanto, pelo fato de em Roma estarem as sepulturas de Pedro e de Paulo, a Igreja romana gozava de especial prestígio, bem como o seu bispo, que diante dos outros tinha a “presidência no amor” e o “exercia a serviço de Pedro” — o de “confirmar na fé” e não a supremacia de Pedro no mando.

Tudo mudou com o papa Leão I (440-461), grande jurista e homem de Estado. Ele copiou a forma romana de poder, que é o absolutismo e o autoritarismo do imperador. Começou a interpretar em termos estritamente jurídicos os três textos do Novo Testamento atinentes a Pedro — Pedro como pedra sobre a qual se construiria a Igreja (Mt 16,18), Pedro, o confirmador da fé (Lc 22,32) e Pedro como pastor que deve tomar conta das ovelhas (Jo 21,15). O sentido bíblico e jesuânico vai numa linha totalmente contrária: do amor, do serviço e da renúncia a toda honraria. Mas predominou a leitura do direito romano absolutista. Conseqüentemente, Leão I assumiu o título de sumo pontífice e de papa em sentido próprio. Logo após, os demais papas começaram a usar as insígnias e a indumentária imperial (a púrpura), a mitra, o trono dourado, o báculo, as estolas, o pálio, a cobertura de ombros (mozeta), a formação dos palácios com sua corte e a introdução de hábitos palacianos, que perduram até os dias de hoje nos cardeais e nos bispos, coisa que escandaliza não poucos cristãos que lêem nos Evangelhos que Jesus era um operário pobre e sem aparato. Então, começou a ficar claro que os hierarcas estão mais próximos do palácio de Herodes do que da gruta de Belém.

Mas há um fenômeno para nós de difícil compreensão: no afã de legitimar esta transformação e de garantir o poder absoluto do papa, forjou-se uma série de documentos falsos. Primeiro, uma pretensa carta do papa Clemente (+96), sucessor de Pedro em Roma, dirigida a Tiago, irmão do Senhor, o grande pastor de Jerusalém, na qual ele dizia que Pedro, antes de morrer, determinara que ele, Clemente, seria o único e legítimo sucessor. E evidentemente os demais que viriam depois. Falsificação maior foi ainda a famosa Doação de Constantino, um documento forjado na época de Leão I, segundo o qual Constantino teria dado ao papa de Roma como doação todo o império romano. Mais tarde, nas disputas com os reis francos, se criou outra grande falsificação: as Pseudodecretais de Isidoro, que reuniam falsos documentos e cartas como se viessem dos primeiros séculos que reforçavam o primado jurídico do papa de Roma. E tudo culminou com o Código de Graciano, no século 13, tido como base do direito canônico, mas que se embasava em falsificações de leis e normas que reforçavam o poder central de Roma, além de cânones verdadeiros que circulavam pelas igrejas. Logicamente, tudo isso foi desmascarado mais tarde, sem qualquer modificação no absolutismo dos papas. Mas é lamentável, e um cristão adulto deve saber os ardis usados e forjados para gestar um poder que está na contramão dos ideais de Jesus e que obscurece o fascínio pela mensagem cristã, portadora de um novo tipo de exercício do poder, serviçal e participativo.

Verificou-se posteriormente um crescendo no poder dos papas: Gregório VII (+1085), em seu Dictatus papae (“a ditadura do papa”), se autoproclamou senhor absoluto da Igreja e do mundo; Inocêncio III (+1216) se anunciou como vigário representante de Cristo e, por fim, Inocêncio IV(+1254) se arvorou em representante de Deus. Como tal, sob Pio IX, em 1870, o papa foi proclamado infalível em campo de doutrina e moral.

Curiosamente, nunca nenhum destes excessos foi retratado e corrigido pela Igreja hierárquica. Esses excessos continuam valendo para escândalo dos que ainda crêem no Nazareno pobre, humilde artesão e camponês mediterrâneo, perseguido, executado na cruz e ressuscitado para se insurgir contra toda busca de poder e mais poder, mesmo dentro da Igreja.

Essa compreensão comete um esquecimento imperdoável: os verdadeiros vigários representantes de Cristo, segundo o Evangelho (Mt 25,45), são os pobres, os sedentos e os famintos.



*Leonardo Boff, teólogo, é filósofo e escritor

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

NOTÍCIA MUITO TRISTE


LONDRES - Eric Hobsbawm, considerado um dos mais maiores historiadores do século XX, morreu aos 95 anos de idade, informou a filha Julia Hobsbawm nesta segunda-feira. Segundo Julia, seu pai morreu durante a noite em um hospital de Londres. Ele vinha sofrendo de pneumonia.

O intelectual marxista é considerado um dos maiores historiadores do século XX e escreveu "A Era das Revoluções", "A Era do Capital", "A Era dos Impérios", "Era dos Extremos", "História Social do Jazz", entre outras obras.

Hobsbawm nasceu em uma família judia, na Alexandria, no Egito, em 1917, mas cresceu em Viena e em Berlim, mudando-se para Londres em 1933, ano em que o nazista Adolf Hitler chegou ao poder na Alemanha. Sua experiência como um estudante na Alemanha na década de 1930 consolidou suas visões de esquerda. Ele entrou para o Partido Comunista, na Inglaterra, em 1936 e foi membro por décadas, até 1989, e manteve a militância apesar da invasão soviética na Hungria, em 1956, e de sua desilusão com a URSS.

- Tínhamos a ilusão de que inclusive o sistema brutal, experimental (soviético) ia ser melhor que o ocidental, que era isto ou nada - disse uma vez o intelectual, afirmando que nunca quis minimizar os abusos da antiga União Soviética.

Considerado um dos maiores intelectuais do século XX, Hobsbawm se tornou o historiador mais respeitado do Reino Unido, admirado pela esquerda e pela direita e um dos poucos a desfrutar de reconhecimento nacional e internacional.

Crítico árduo do Partido Trabalhista, Hobsbawm foi determinante na reformulação da legenda, apesar de mais tarde ter revelado em público sua decepção com o ex-premier britânico Tony Blair.

Em 1962, Hobsbawm publicou o primeiro de três volumes cobrindo o "longo século XIX", que abrange o período 1789-1914. Um volume mais tarde, "Era dos Extremos", cobriu o período até 1991. Seu último livro, "Como Mudar o Mundo", lançado em 2011, é uma defesa do uso das ideias marxistas para analisar a crise atual do mundo.

Ele estudou na Escola de Gramática de Marylebone e em Kings College, em Cambridge, antes de ser nomeado, em 1947, professor na Universidade de Birkbeckem, de onde virou reitor mais tarde. Em 1978, entrou para a Academia Britânica. O historiador deixa a mulher, três filhos, sete netos e um bisneto.

domingo, 30 de setembro de 2012

O PAÍS TRAÍDO


Leio: uma residência particular é assaltada a cada hora, o roubo de carros multiplica-se nos estacionamentos dos shopping centers em São Paulo. Entre parênteses, recantos deslumbrantes, alguns são os mais imponentes e ricos do mundo. Que se curva. Um jornalão, na prática samaritana do serviço aos leitores, fornece um receituário destinado a abrandar o risco. Reforce as fechaduras, instale um sistema de alarme etc. etc.

Em vão esperemos por algo mais, a reflexão séria de algum órgão midiático, ou de um solitário editorialista, colunista, articulista, a respeito das enésimas provas da inexorável progressão da criminalidade. Diga-se que uma análise honesta não exige esforço desumano, muito pelo contrário.

Enquanto as metrópoles nacionais figuram entre as mais violentas do mundo, acima de 50 mil brasileiros são assassinados anualmente, e um relatório divulgado esta semana pelas Nações Unidas coloca o Brasil em quarto lugar na classificação dos mais desiguais da América Latina, precedido por Guatemala, Honduras e Colômbia. O documento informa que 28% da população brasileira mora em favelas, sem contar quem vive nos inúmeros grotões do País.

Vale acrescentar que mais de 60% do nosso território não é alcançado pelo saneamento básico. Ou sublinhar a precariedade da saúde pública e do nosso ensino em geral. Dispomos de uma cornucópia maligna de dados terrificantes. Em contrapartida, capitais brasileiros refugiados em paraísos fiscais somam uma extravasante importância que coloca os graúdos nativos em quarto lugar entre os maiores evasores globais.

É do conhecimento até do mundo mineral que o desequilíbrio social é o maior problema do País. Dele decorrem os demais. Entrave fatal para o exercício de um capitalismo razoavelmente saudável. E evitemos tocar na tecla do desenvolvimento democrático. Mas quantos não se conformam? Não serão, decerto, os ricos em bilhões, e a turma dos aspirantes, cada vez mais ostensivos na exibição de seu poder de compra e de seu mau gosto. Não serão os profissionais da política, sempre que não soe a hora da retórica. Não será a mídia, concentrada no ataque a tudo que se faça em odor de PT, ou em nome da igualdade e da justiça.

Exemplo recentíssimo. Há quem lamente os resultados relativamente medíocres dos atletas brasileiros nas Olimpíadas de Londres. Parece-me, porém, que ninguém se perguntou por que um povo tão miscigenado, a contar nas competições esportivas inclusive com a potência e a flexibilidade da fibra longa da raça negra, não consegue os mesmos resultados alcançados em primeiro lugar pelos Estados Unidos. Ou pela Jamaica. Responder a este por que é tão simples quanto a tudo o mais. O Brasil não é o que merece ser, e está muito longe de ser, por causa de tanto descaso, de tanto egoísmo, de tanta ferocidade. De tanta incompetência dos senhores da casa-grande. Carregamos a infelicidade da maioria como a bola de ferro atada aos pés do convicto.

Mesmo o remediado não se incomoda se um mercado persa se estabelece em cada esquina. Basta erguer os vidros do carro e travar as portas. Outros nem precisam disso, sua carruagem relampejante é blindada. Ou dispõem de helicóptero. Impávidos, levantam seus prédios como torres de castelos medievais e das alturas contemplam impassíveis os casebres dos servos da gleba espalhados abaixo. A dita classe média acostumou-se com os panoramas da miséria, com a inestimável contribuição da mídia e das suas invenções, omissões, mentiras. E silêncios.

Às vezes me ocorre a possibilidade, condescendente, de que a insensibilidade seja o fruto carnudo da burrice.


Mino Carta

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

SELEÇÃO DE PRESIDENTES


Os alunos do Pré-vestibular estão sempre pedindo dicas e formas de lembrar pontos importantes do conteúdo de história.

Atendendo um desses pedidos, vamos fazer uma seleção de futebol, observando as características das funções de cada posição num time de futebol, seus estereótipos, e os presidentes do Brasil que poderiam “exercer essas funções”.

Goleiro: dizem que um bom goleiro tem que ser meio (ou bastante) louco. Ter algo de irresponsável e, geralmente, adorar aparecer. Nosso goleiro seria então, Jânio Quadros (1961). Um fenômeno eleitoral, eleito em cima de um carisma populista fantástico, mas que, no poder, entrou em contradição, governando com medidas conservadoras, mas com uma política externa progressista, chegando a condecorar o guerrilheiro Ernesto “Che” Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul. Se sentiu só, e renunciou sem nunca ter esclarecido os motivos da renúncia.

Zagueiros: devem ser pessoas sérias, de preferência mal humorados, que não tenham piedade e inspirem respeito aos atacantes. Hermes da Fonseca (1910-1914) que após eleito mostrou enorme disposição à vingança, perseguindo um a um os aliados que apoiaram a oposição e Prudente de Moraes (1894-1898) o homem que arrasou Canudos sem deixar sobreviventes, seriam nossos zagueiros cruéis.

Os laterais são jogadores que defendem e atacam com a mesma freqüência, mas que geralmente não estão no lugar certo porque estavam fazendo outra coisa. Ou seja, laterais deveriam ser atacantes, mas não são exatamente atacantes e defensores que não são exatamente defensores. Nossos laterais seriam Tancredo Neves (1985) e Rodrigues Alves (1918) dos presidentes eleitos que deveriam governar, mas jamais governaram, pois tiveram a péssima idéia de morrer; Rodrigues Alves de Gripe Espanhola e Tancredo de Diverticulite.

O volante, o clássico número 5, é o cara que defende todos os lados, substitui os zagueiros e marcam como cães de guarda, protegendo a grande área. Floriano Peixoto (1891-1894) o “marechal de Ferro” foi um obstinado que não deu importância nem mesmo para a elite do país, seria o nosso volante.

Os meias da nossa seleção, serão dois meias criativos e articuladores, o 8 e o 10 do nosso time. Devem ser jogadores que criem, que tragam mudanças, que tentem articular o ataque. Na nossa seleção seria Juscelino Kubtschek (1956-1960), o homem que prometeu 50 anos de desenvolvimento em 5 de governo e Getúlio Vargas (1930-1945 e 1951-1954), trabalhista e defensor de políticas estatizantes e pioneiras (como a CSN e a Petrobras). Ambos foram criativos e adeptos de medidas inéditas em seu tempo.

O centro-avante é aquele cara imprevisível, que faz o inesperado, que surpreende até a quem não esperava nada. Tem que ter carisma (como o goleiro) e quase sempre ser polêmico. Nosso centro-avante será Lula (2003-2010). Certamente ninguém esperava que Lula conseguisse tirar tanta gente da pobreza e fazer crescer a classe média, assim como uma política externa tão atuante e criativa.

O ponteiro direito (sim, nosso time tem ponteiro) é o cara que cruza para o centro-avante e outros para marcar o gol. Embora seja fundamental no jogo às vezes desaparece ante o brilho do centro-avante. É cassado pela marcação e, mas impõem terror aos adversários. Nosso ponteiro-direito será João Goulart, o Jango (1961-1964) que cresceu a partir de Getúlio, foi vice e chegou inesperadamente à Presidência e foi tido a vida toda como comunista, sem ser.

O ponteiro esquerdo se junta ao meio de campo, faz um trabalho de formiguinha e quase sempre é esquecido na grande jogada, embora todo o mérito tenha sido seu. Nosso ponteiro-esquerto será Itamar Franco (1992-1994) autor do Plano Cruzado embora quase ninguém saiba disso, e pense que tenha sido FHC.

O banco de reservas será composto pelos generais militares. Aqueles que sempre sonharam com a titularidade e seriam capazes de virar a mesa para conquistá-la.

O treinador é sujeito que desejaria, na verdade, ser o jogador, mas que, por motivo de lesão nunca pode mostrar seu futebol. O treinador será Leonel Brizola, aquele que certamente seria presidente se não fosse a virada de mesa.

E aí, gostou da minha seleção?

Como toda seleção essa também causará descontentamentos e discussões, então, faça você a sua, talvez seja justamente o que precisa para resolver uma ou outra questão da prova.

Boa sorte.



Prof. Péricles






terça-feira, 25 de setembro de 2012

CARTA ABERTA À FHC


Meu caro Fernando,

Vejo-me na obrigação de responder a carta aberta que você dirigiu ao Lula, em nome de uma velha polêmica que você e o José Serra iniciaram em 1978 contra o Rui Mauro Marini, eu, André Gunder Frank e Vânia Bambirra, rompendo com um esforço teórico comum que iniciamos no Chile na segunda metade dos nos 1960.

A discussão agora não é entre os cientistas sociais e sim a partir de uma experiência política que reflete contudo este debate teórico. Esta carta assinada por você como ex-presidente é uma defesa muito frágil teórica e politicamente de sua gestão. Quem a lê não pode compreender porque você saiu do governo com 23% de aprovação enquanto Lula deixa o seu governo com 96% de aprovação. Já discutimos em várias oportunidades os mitos que se criaram em torno dos chamados êxitos do seu governo. Já no seu governo vários estudiosos discutimos, o inevitável caminho de seu fracasso junto à maioria da população.

(...) Os dados mostram que até 1993 a economia mundial vivia uma hiperinflação na qual todas as economias apresentavam inflações superiores a 10%. A partir de 1994, Todas as economias do mundo apresentaram uma queda da inflação para menos de 10%. Claro que em cada pais apareceram os “gênios” locais que se apresentaram como os autores desta queda. Mas isto é falso: tratava-se de um movimento planetário. No caso brasileiro, a nossa inflação girou, durante todo seu governo, próxima dos 10% mais altos.

(...) E aqui chegamos no outro mito incrível. Segundo você e seus seguidores (e até setores de oposição ao seu governo que acreditam neste mito) sua política econômica assegurou a transformação do real numa moeda forte. Ora Fernando, sejamos cordatos: chamar uma moeda que começou em 1994 valendo 0,85 centavos por dólar e mantendo um valor falso até 1998, quando o próprio FMI exigia uma desvalorização de pelo menos uns 40% e o seu ministro da economia recusou-se a realizá-la “pelo menos até as eleições”, indicando assim a época em que esta desvalorização viria e quando os capitais estrangeiros deveriam sair do país antes de sua desvalorização, O fato é que quando você flexibilizou o cambio o real se desvalorizou chegando até a 4,00 reais por dólar. E não venha por a culpa da “ameaça petista” pois esta desvalorização ocorreu muito antes da “ameaça Lula”.

O plano Real não derrubou a inflação e sim uma deflação mundial que fez cair as inflações no mundo inteiro. A inflação brasileira continuou sendo uma das maiores do mundo durante o seu governo. O real foi uma moeda drasticamente debilitada. Isto é evidente: quando nossa inflação esteve acima da inflação mundial por vários anos, nossa moeda tinha que ser altamente desvalorizada. De maneira suicida ela foi mantida artificialmente com um alto valor que levou à crise brutal de 1999.

Segundo mito – Segundo você, o seu governo foi um exemplo de rigor fiscal. Meu Deus: um governo que elevou a dívida pública do Brasil de uns 60 bilhões de reais em 1994 para mais de 850 bilhões de dólares quando entregou o governo ao Lula, oito anos depois, é um exemplo de rigor fiscal? Gostaria de saber que economista poderia sustentar esta tese. Isto é um dos casos mais sérios de irresponsabilidade fiscal em toda a história da humanidade.

(...) Terceiro mito – Segundo você, o Brasil tinha dificuldade de pagar sua dívida externa por causa da ameaça de um caos econômico que se esperava do governo Lula. Fernando, não brinca com a compreensão das pessoas. Em 1999 o Brasil tinha chegado à drástica situação de ter perdido TODAS AS SUAS DIVISAS. Você teve que pedir ajuda ao seu amigo Clinton que colocou à sua disposição os 20 bilhões de dólares do tesouro dos Estados Unidos e mais uns 25 BILHÕES DE DÓLARES DO FMI, Banco Mundial e BID.
A loucura do endividamento interno colossal. A impossibilidade de realizar inversões públicas apesar dos enormes recursos obtidos com a venda de uns 100 bilhões de dólares de empresas brasileiras.

(...) Gostaria de destacar a qualidade do seu governo em algum campo mas não posso fazê-lo nem no campo cultural para o qual foi chamado o nosso querido Francisco Weffort (neste então secretário geral do PT) e não criou um só museu, uma só campanha significativa. Que vergonha foi a comemoração dos 500 anos da “descoberta do Brasil”. E no plano educacional onde você não criou uma só universidade e entrou em choque com a maioria dos professores universitários sucateados em seus salários e em seu prestígio profissional.

Não Fernando, não posso reconhecer nada que não pudesse ser feito por um medíocre presidente.Lamento muito o destino do Serra. Se ele não ganhar esta eleição vai ficar sem mandato, mas esta é a política. Vocês vão ter que revisar profundamente esta tentativa de encerrar a Era Vargas com a qual se identifica tão fortemente nosso povo. E terão que pensar que o capitalismo dependente que São Paulo construiu não é o que o povo brasileiro quer. E por mais que vocês tenham alcançado o domínio da imprensa brasileira, devido suas alianças internacionais e nacionais, está claro que isto não poderia assegurar ao PSDB um governo querido pelo nosso povo.

Vocês vão ficar na nossa história com um episódio de reação contra o verdadeiro progresso que Dilma nos promete aprofundar. Ela nos disse que a luta contra a desigualdade é o verdadeiro fundamento de uma política progressista. E dessa política vocês estão fora. Apesar de tudo isto, me dá pena colocar em choque tão radical uma velha amizade. Apesar deste caminho tão equivocado, eu ainda gosto de vocês (e tenho a melhor recordação de Ruth) mas quero vocês longe do poder no Brasil. Como a grande maioria do povo brasileiro. Poderemos bater um papo inocente em algum congresso internacional se é que vocês algum dia voltarão a frequentar este mundo dos intelectuais afastados das lides do poder.

Com a melhor disposição possível, mas com amor à verdade, me despeço.

Theotonio dos Santos

Theotonio dos Santos, economista, cientista político e um dos formuladores da Teoria da Dependência. Hoje é um dos principais expoentes da Teoria do Sistema Mundo. Mestre em Ciência Política pela UnB e doutor “notório saber” pela UFMG e pela UFF. Coordenador da cátedra e rede UNU-UNESCO de Economia Global e Desenvolvimento sustentável – REGGEN.

domingo, 23 de setembro de 2012

VERDADES E MENTIRAS



O estado não existe.

As fronteiras são mentiras criadas pela burguesia para racionalizar seus respectivos “mercados”. Pergunte a qualquer astronauta que já saiu de órbita se ele enxergou lá de cima, olhando a terra, os traçados das fronteiras...

Somos todos um só povo.

Os diferentes idiomas são riquezas a serem somadas e não empecilhos para a união.

Vivemos dentro de um grande sofisma que prega a diferença entre as nações e entre os povos como uma realidade.

Esse é o golpe de mestre, a obra-prima da sociedade burguesa. Fazer crer nas diferenças. Incentivar a divergência. Separar o trigo do trigo.

A mentira foi tão bem contada. O cantinela tão bem declamada, que ainda tem gente que acredita até que sua “raça” é superior.

Guerras se fizeram aos montes em nome dessa suposta superioridade.

E, apesar da genética colocar a última pá de cal sobre o conceito “raça” ainda persiste a xenofobia no mundo.

O estado moderno, o estado burguês nasceu de conceitos pré-concebidos que estabeleciam a demarcação de um território, uma pseudo unidade cultural e um governo que centralizasse a administração e aplicação das Leis.

A isso se chamou pátria e em seu nome foram cometidas as maiores atrocidades.

E se conceituou soberania e segurança nacional. E se armaram exércitos, mais e mais treinados para defendera a tal de pátria.

E o povo acreditou!

Acreditou porque precisava acreditar.

Acreditou porque aquelas vozes que sempre clamaram pela união de todos formando uma só nação, sempre foram sufocadas pela força da violência.

Acreditou porque sua antiga forma de organização, o feudalismo, estava superada pelas pestes, pelas guerras de seus senhores e pela fome, só que sua superação não deu lugar a uma organização mais justa.

O Estado burguês estimula a individualidade, a concorrência, o maior salário, o maior consumo.

Como aqueles cães que correm atrás de um filé estrategicamente colocado a frente para fazer correr, corremos em busca da mentira que é ficar “bem de vida” que é bem diferente de ficar “bem com a vida”.

De que vale a riqueza se não houver a miséria? De que vale a beleza se não houver a feiúra?

Nossa própria vida é uma contradição.

Assim como se constrói vencedores massifica-se “perdedores” porque os perdedores são necessários tanto quanto os vencedores.

O capitalismo, incentivando a individualidade construiu uma sociedade egoísta, endeusando a concorrência forjou uma sociedade de solitários e supervalorizando o consumo fez uma sociedade fria e desumana que despreza aquele que ficou no meio do caminho.

A evolução tecnológica é apontada como fruto da concorrência burguesa, mas quem pode garantir que essa mesma evolução não se daria numa sociedade mais fraterna?

Se hoje se investe milhões para a produção de novos antigripais, se investe de menos nas pesquisas para combater o Mal de Alzheimer, isso porque enquanto todos consomem antigripais, poucos gastam em medicação para uma camada quase rara portadora de senilidade, embora os males do Alzheimer sejam infinitamente mais dolorosos e degradantes do que os efeitos de uma gripe.

Se essa é a lógica do capital, não é a lógica da solidariedade.

Será mesmo que a evolução tecnológica não se daria se fosse menos contabilística?

O estado não existe. As fronteiras foram criadas. O vencedor é uma falácia. A compaixão uma fraqueza e a caridade só se implicar em isenção de impostos.

O ser humano fica esquecido na balança comercial.

Impossível não rir quando te chamam de utópico.

Quem afinal é mais utópico: os que acreditam numa sociedade humanizada, mesmo que distante ou os que acreditam e vivem sem questionar as mentiras criadas por cartéis?

Ando desconfiado que a utopia seja a realidade e a realidade existente uma mentira real.

Prof. Péricles