sábado, 5 de julho de 2014
O DONO DA VERDADE
Ser o dono geralmente representa, ter poder.
Alguns donos fazem parte inesquecível de nossas vidas... Por exemplo, o dono da bola no tempo em que, crianças, desejávamos passar o dia todo jogando futebol. Pois, o dono da bola era alguém poderoso. Às vezes sua chegada era precedida de uma espera torturante, quem sabe, deliberadamente provocada, pois não basta ter o poder, é necessário demonstrá-lo diante dos que não tem. A tortura podia ser longa até sua chegada, dele não, da bola que o trazia a reboque.
Não sei por que maldita tradição, geralmente o dono da bola era péssimo jogador, mas, sua titularidade no time era inquestionável. A bola, ou melhor, a posse dela, lhe conferia poder indiscutível. Isso, porém, não lhe assegurava popularidade, pois, apesar de garantir um lugar no time, não garantia, necessariamente, amigos.
O dono das mais difíceis figurinhas também.
Sempre havia aquele sortudo (aquele cujos pais podiam comprar quantidades maiores de envelopes) que tinha no bolso das calças as mais difíceis figuras para completar o álbum. O dono das figurinhas difíceis foi, para muitos, o primeiro exercício de diplomacia na vida, pois exigia negociação e alianças. Geralmente o dono das figurinhas difíceis compreendia que, o que para ele, era excedente, para outros era o essencial, e disso fazia um macabro jogo de poder. Talvez a maioria dos especuladores financeiros de hoje foram donos de figurinhas difíceis no passado.
E o dono do carro?
Quando jovens um carro e a maturidade era quase a mesma coisa. A turma ansiava sair à noite e mostrar sua incondicional rebeldia e independência, e nisso, nada mais decisivo e impactante na cabeça das meninas (ao menos no imaginário dos meninos) do que sair de carro. Disse sair e não exatamente ter um carro.
Quem tinha o carro, era quase uma lenda, por isso mesmo, tinha uma coleção de amigos que o capitalismo pode cooptar.
Mas, o mais indesejável dos donos, atravessa os tempos e pode estar ao seu lado a qualquer momento do dia. É o dono da verdade.
Sabe aquela pessoa que tem todas as respostas corretas? Que esteve em todos os lugares, falou com todas as pessoas e que nunca, jamais, de maneira alguma tem dúvidas? Aquela que não ouve sua argumentação, pois enquanto você fala está apenas pensando no que dirá em seguida para arrasar seja lá o que você estiver dizendo?
Pois é, o dono da verdade, sempre acompanhado de certezas inflexíveis.
Muitas vezes certezas nascidas no que disseram na televisão ou no “dizem por aí”.
O dono da verdade pode ser uma pessoa inteligente e articulada tornando às vezes incompreensível como possa ser tão obtuso.
A presunção, na maioria das vezes é a causa maior de suas convicções, mas, existem outras causas.
O fanatismo, por exemplo.
Quando em 1578 o rei português D. Sebastião, determinou a organização de uma expedição militar para invadir o norte da África e de lá expulsar os infiéis muçulmanos, não faltaram por parte de seus comandantes bons argumentos de que a missão estava condenada ao fracasso, visto ser o exército português inexperiente e frágil perante os exércitos inimigos.
Como D. Sebastião era o dono da verdade e de convicções nascidas do fanatismo religioso, mesmo sendo um homem culto e bem informado, empreendeu a fatídica expedição, totalmente destruída na batalha de Alcácer-quibir. Ele e todos os seus soldados perderam a vida e Portugal a independência.
Fanatismo produz arrogâncias, autoritarismos e donos da verdade, não necessariamente nessa ordem.
Destruidor de qualquer rodinha de amigos desconhece, o dono da verdade que, muitas vezes, é melhor estar com a paz do que estar com a razão, que, aliás, não precisa se impor pois a humildade da verdade se impõe por si.
E, como diria o sábio grego, melhor seria não esquecer que a gente só sabe, com relativa certeza, que nada sabe.
Prof. Péricles
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