domingo, 14 de julho de 2013

SOMOS TODOS VIGIADOS


Por Ignacio Ramonet | Tradução Cauê Ameni

Nós já temíamos. Tanto a literatura de (1984, de George Orwell), como o cinema (Minority Report, de Steven Spielberg) haviam avisado: com o progresso da tecnologia da comunicação, todos acabaríamos sendo vigiados. Presumimos que essa violação de nossa privacidade seria exercida por um Estado neototalitário. Aí nos equivocamos. Porque as revelações inéditas do ex-agente Edward Snowden sobre a vigilância orwelliana acusam diretamente os Estados Unidos, país considerado como “pátria da liberdade”.

Aparentemente, desde a promulgação, em 2001, da lei Patriot Act (2), isso ficou no passado. O próprio presidente Barack Obama acaba de admitir: “Não se pode ter 100% de segurança e 100% de privacidade”. Bem-vindos, portanto a era do “Grande Irmão”…

O que revelou Snowden? Este antigo assistente técnico da CIA, de 29 anos, que trabalhava para uma empresa privada – a Booz Allen Hamilton – subcontratada pela Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA, sua sigla em inglês), vazou para os jornais The Guardian e Washington Post, a existência de programas secretos que tornam o governo dos Estados Unidos capaz de vigiar a comunicação de milhões de cidadãos.

Um primeiro programa entrou em operação em 2006. Consiste em espiar todas as chamadas telefônicas feitas pela companhia Verizon, dentro dos Estados Unidos, e as que se fazem de lá ao exterior. Outro programa, chamado PRISM, foi posto em marcha em 2008. Coleta todos os dados enviados, pela internet (e-mails, fotos, vídeos, chats, redes sociais, cartões de crédito), por (a princípio…), estrangeiros que moram fora do território norte-americano. Ambos os programas foram aprovados em segredo pelo Congresso norte-americano, que teria sido, segundo Barack Obama, “constantemente informado” sobre seu desenvolvimento.

Sobre a dimensão da incrível violação dos nossos direitos civis e nossas comunicações, a imprensa deu detalhes escabrosos. Em 5 de junho, por exemplo, o Guardian publicou a ordem emitida pelo Tribunal de Supervisão de Inteligência Externa, que exigia à companhia telefônica Verizon entregar à NSA os registros de milhões de chamada de seus clientes. O mandato não autoriza, aparentemente, saber o conteúdo das comunicações, nem os titulares dos números de telefone, mas permite o controle da duração e destino dessas chamadas. No dia seguinte, o Guardian e o Washington Post revelaram a realidade do programa secreto de vigilância PRISM, que autoriza a NSA e o FBI a acessar os servidores das nove principais empresas da internet (com a notável exceção do Twitter): Microsoft, Yahoo, Google, Facebook, PalTalk, AOL, Skype, YouTube e Apple.

Por meio dessa violação, o governo estadunidense pode acessar arquivos, áudios, vídeos, e-mails e fotografias de usuários dessas plataformas. O PRISM converteu-se, desse modo, na ferramenta mais útil da NSA para fornecer relatórios diários ao presidente Obama. Em 7 de junho, os mesmo jornais publicaram uma diretiva da Casa Branca que ordenava, a suas agencias (NSA, CIA, FBI), estabelecer uma lista de possíveis países suscetíveis de serem “ciberatacados” por Washington. E em 8 de junho, o Guardian revelou a existência de outro programa, que permite à NSA classificar os dados recolhidos na rede. Esta prática, orientada a ciber-espionagem no exterior, permitiu compilar – só em março – cerca de 3 bilhões de dados de computador nos Estados Unidos…

Nas últimas semanas, ambos os jornais conseguiram revelar, sempre graças a vazamentos de Edward Snowden, novos programas de ciberespionagem e vigilância da comunicação em países no resto do mundo. Edward Snowden explica “A NSA construiu uma infra-estrutura que lhe permite interceptar praticamente qualquer tipo de comunicação. Com esta técnica, a maioria das comunicações humanas são armazenadas para servir em algum momento a um objetivo determinado”.

A Agência de Segurança Nacional (NSA), cujo quartel-general fica em Fort Meade (Maryland), é a mais importante e mais desconhecida agência de inteligência norte-americana. É tão secreta que a maioria dos norte-americanos ignora sua existência. Controla a maior parte do orçamento destinado aos serviços de inteligência, e produz mais de cinqüenta toneladas de material por dia… É ela – e não a CIA – a proprietária e operadora da maior parte do sistema de coleta de dados da inteligência secreta dos EUA. Desde uma rede mundial de satélites até as dezenas de postos de escuta, milhares de computadores e as florestas de antenas localizadas nas colinas de West Virginia. Uma de suas especialidades é espiar os espiões — ou seja, os serviços secretos de inteligência de todas as potências, amigas e inimigas. Durante a guerra das Malvinas (1982), por exemplo, a NSA decifrou o código secreto dos serviços de inteligência argentinos, o que lhe possibilitou transmitir, aos britânicos, informações cruciais sobre as forças argentinas.

O vasto sistema de interceptação da NSA pode captar discretamente qualquer e-mail, qualquer consulta de internet ou telefonema internacional. O conjunto total da comunicação interceptada e decifrada pela NSA constitui a principal fonte de informação clandestina do governo estadunidense.

A NSA colabora estreitamente com o misterioso sistema Echelon. Criado em segredo, depois da Segunda Guerra Mundial, por cinco potências anglo-saxônicas — Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia (os “cinco olhos”). o Echelon é um sistema orwelliano de vigilância global, que se estende por todo o mundo, monitora os satélites usados para transmitir a maioria dos telefonemas, comunicação na internet, e-mails, redes sociais etc. O Echelon é capaz de capturar até dois milhões de conversas por minuto. Sua missão clandestina é a espionagem de governos, partidos políticos, organizações e empresas. Seis bases espalhadas pelo mundo recolhem informações e interceptam de forma indiscriminada enormes quantidades de comunicação. Em seguida, os supercomputadores da NSA classificam este material, por meio da introdução de palavras-chaves em vários idiomas.

Em torno do Echelon, os serviços de inteligência dos EUA e do Reino Unido estabeleceram uma larga colaboração secreta. E agora sabemos, graças às novas revelações de Edward Snowden, que a espionagem britânica também grampeia clandestinamente cabos de fibra ótica, o que lhe permitiu espionar as comunicações das delegações presentes na reunião de cúpula do G-20, em Londres, em abril de 2009. Sem distinguir entre amigos e inimigos.

O serviços de inteligência constatam que a internet já tem mais de 2 bilhões de usuários no mundo e que quase 1 bilhão utiliza o Facebook de forma habitual. Por isso, fixaram como objetivo, transgredindo leis e princípios éticos, controlar tudo que circula na internet. E estão conseguindo: “Estamos começando a dominar a internet”, confessou um espião inglês, “e nossa capacidade atual é bastante impressionante”.

Washington e Londres colocaram em marcha o plano orwelliano do “Grande Irmão”, com capacidade de saber tudo que fazemos e dizemos em nossas comunicações. E quando o presidente Obama menciona a suposta “legitimidade” de tais práticas de violação de privacidade, está defendendo o injustificável.

“Eu não quero viver numa sociedade que permite este tipo de ação”, protestou Edward Snowden, quando decidiu fazer suas impactantes revelações. Divulgou os fatos, e não por acaso, exatamente quando começou o julgamento do soldado Bradley Manning, acusado de vazar segredos Wikileaks, organização internacional que divulga informações secretas de fontes anônimas. Enquanto isso, o ciber-ativista Julian Assange está refugiado há um ano na Embaixada do Equador em Londres… Snowden, Manning e Assange, são defensores da liberdade de expressão, lutam em favor da democracia e dos interesses de todos os cidadãos do planeta. Hoje são assediados e perseguidos pelo “Grande Irmão” norte-americano.

Por que os três heróis de nosso tempo assumiram correr semelhante riscos, que podem custar sua própria vida? Edward Snowden, obrigado a pedir asilo político no Equador e em vinte países, responde “Quando se dá conta de que o mundo que ajudou a criar será pior para as próximas gerações, e que os poderes desta arquitetura de opressão se estendem, você entende que é preciso aceitar qualquer risco. Sem se preocupar com as conseqüências”.

Nenhum comentário: