terça-feira, 31 de julho de 2012

A FUGA DO REI


A fuga do Rei

Uma noite de Junho, em 1791, entre onze horas e meia-noite, o rei, a rainha e as suas duas crianças escaparam, disfarçados, das Tulherias, fizeram uma travessia palpitante através de Paris, rodearam a cidade no norte para leste e atingiram, afinal, uma carruagem de viagem, que os estava esperando na estrada de Châlons. Fugiam para o exército do leste.

O exército do leste era “leal”, isto é, os seus generais e oficiais estavam, pelo menos, preparados para trair a França em favor do rei e da corte. Eis afinal um pouco de aventura ao gosto da rainha! Pode-se figurar a deliciosa excitação do pequeno grupo, à medida que os quilômetros passavam e a distância aumentava entre eles e Paris.

Adiante, sobre as colinas, estavam a reverência, as curvaturas profundas e os solenes
beija-mãos.

Depois, a volta para Versalhes. Alguns tiros sobre a turbamulta de Paris – artilharia, se necessário. Algumas execuções – não, porém, da espécie de gente que afinal importa. Um Terror Branco, por alguns meses. Depois, tudo, de novo, estaria bem.

Talvez Calonne pudesse também voltar, com expedientes financeiros novos. Não estava ele, agora mesmo, trabalhando por conseguir o apoio dos príncipes
alemães? Havia uma porção de castelos a reedificar, mas o povo, que os queimara, dificilmente se poderia queixar se a tarefa de sua reconstrução lhe pesasse um pouco mais opressivamente sobre os seus ombros sujos...

Todas estas brilhantes antecipações foram cruelmente destruídas, aquelas. O rei fora reconhecido proprietário da estação em Sainte-Menehould pelo proprietário
da estação de muda e , enquanto descia a noite, as estradas de leste ressoavam sob o galope dos mensageiros que acordavam a população das zonas circunvizinhas
e procuravam interceptar os fugitivos.

Na aldeia de Varennes de Cima haviam sido reservados cavalos novos para o descanso das parelhas – o jovem oficial encarregado havia, porém, desistido de esperar o rei, durante a noite, e tinha ido dormir – e nesse ínterim, por uma meia hora, o pobre rei, disfarçado de criado, discutia em Varennes de Baixo com os seus postilhões, os quais, esperando encontrar as mudas para os cavalos nesta aldeia, recusavam-se a seguir adiante.

Afinal consentiram em partir. Mas era muito tarde. O pequeno grupo encontrou o proprietário da muda de Sainte-Menehould – que havia passado a cavalo, enquanto os postilhões discutiam – acompanhado de certo número de valorosos republicanos de Varennes a esperá-lo na ponte, entre as duas partes da vila. A ponte estava defendida por barricadas. Os mosquetes foram apontados para a carruagem: “Os vossos
passaportes!” O rei rendeu-se sem luta. O pequeno grupo foi levado para a casa de certo funcionário da vila. “Bem”, disse o rei, “aqui me tendes!” Observou também que estava com fome. No jantar, louvou o vinho, “excelente vinho”. O que disse a rainha, não foi registado.

Havia tropas realistas nas proximidades, mas não houve tentativa de libertar o rei. Os sinos começaram a tocar e a vila, para guardar-se contra qualquer surpresa, reacendeu a sua iluminação pública...

Um carro carregado de realeza, mas em profundo desalento, voltou a Paris e foi recebido por imensa multidão – em silêncio. Fizera-se correr entre a multidão
que seria castigado todo aquele que insultasse o rei, e morto qualquer um que o aplaudisse...

Foi somente depois dessa proeza louca que a idéia de república apossou-se do espírito francês.


Wells, H.G In: História Universal, vol7. Cia. Ed. Nacional, São Paulo, 1968.

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