quinta-feira, 31 de maio de 2012
LOBO EM PELE DE CORDEIRO
Por decisão unânime da Comissão de Anistia, proferida na noite desta terça (22/05), José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, constará nas páginas da história do Brasil como um agente infiltrado que contribuiu para a prisão, tortura e morte de mais de uma centena de militantes contrários à ditadura militar, entre eles sua companheira, a paraguaia Soledad Barret Viedma, grávida de sete meses de um filho dele. E não como um anistiado político, digno do pedido de perdão do Estado brasileiro e merecedor de reparação financeira da ordem de R$ 100 mil, como ele requer, desde 2003.
A Comissão da Anistia negou provimento ao seu pleito, no mais emblemático julgamento já realizado nos seus dez anos de trabalho. Em parecer histórico, o relator do processo, o ex-ministro dos Direitos Humanos Nilmário Miranda, destacou que, conforme a Constituição de 1988, a anistia só pode ser concedida aos perseguidos pelo regime, categoria em que Anselmo
não se enquadra, por se tratar delator confesso que contribuiu com a prisão de 100 a 200 companheiros, muitos deles assinados nos porões da ditadura.
Segundo Miranda, a Constituição estabelece a anistia como “reparação às vítimas”, ao contrário do entendimento reafirmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2010, com base em Lei de 1979, que a classifica como “esquecimento”, válida tanto para ações de militantes políticos quanto para crimes cometidos por agentes do estado. “Não foi uma contestação à decisão do STF. Minha interpretação sobre a anistia é pública e anterior”, explicou o ex-ministro, ao final do julgamento.
O presidente da Comissão e secretário Nacional de Justiça, Paulo Abrão, reiterou, em plenário, o entendimento do relator. Segundo ele, são várias as leis brasileiras que tratam do conceito de anistia. “Após a Lei de 1979, já tivemos a Emenda 36, o Artigo 8ª das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988 e a Lei 10.559/2001, que regulamenta a
Constituição. O conceito que trabalhamos aqui é o atual”, esclareceu.
No seu parecer, Miranda reconheceu que o período em que o ex-cabo trabalhou para o regime é ainda controverso. Anselmo admitiu a colaboração com os militares a partir de 1971, quando teria sido preso e, conforme seu advogado, Luciano Blandy, obrigado a trabalhar para o então delegado chefe do DOPS de São Paulo, Sérgio Fleury. Depoimentos do próprio requerente,
entretanto, colocam a versão sob suspeição. Em entrevista à revista Isto É, em 1985, ele admitiu que sua prisão foi uma farsa e que trabalhava para o regime por convicções ideológicas.
Outros colaboradores que se apresentaram durante o julgamento também atestaram que a contribuição dele com o regime é anterior ao golpe de 64. O jornalista da Folha de S. Paulo, Mário Magalhães, apresentou o áudio de uma entrevista que fez com o ex-delegado do DOPS do Rio de Janeiro, Cecil de Macedo Borer, em 2001, no qual o reconhecido agente da ditadura confirmava que Anselmo trabalhava para os militares desde o início da década. Dessa forma, a expulsão dele da Marinha, com base no Ato Institucional n 1 da Ditadura, fora apenas uma estratégia para que ele ganhasse a confiança dos grupos de esquerda que iria ajudar a dizimar no futuro.
O jornalista, historiador e ex-preso político Jarbas Marques acrescentou que, segundo denúncias ainda não comprovadas, o cabo já recebe uma pensão do governo, por meio de documentos falsos que lhe foram fornecidos pelo também ex-delegado do DOPS, Romeu Tuma.
O relator, porém, minimizou a persistência desta dúvida histórica para efeitos da sua decisão. Para ele, mesmo que Anselmo tenha sido perseguido pelo regime nos primeiros anos após o golpe, seu comportamento preponderante foi o de perseguidor de militantes. De acordo com Miranda, os autos mostram que ele trabalhou para Fleury como um legítimo agente do estado, morando em apartamento cedido pela ditadura e recebendo proventos por seus serviços.
“Anistiá-lo seria um situação de tal forma esdrúxula, que não encontraria precedentes em outras comissões de outros países”, ponderou.
terça-feira, 29 de maio de 2012
O POEMA DE TERROR DE SOLEDAD
José Anselmo dos Santos foi figura destacada nos momentos mais dramáticos que levaram ao Golpe militar de 1964. Conhecido como “Cabo Anselmo” proferiu discursos e dirigiu o movimento de revolta dos marinheiros, usado, largamente pelos defensores da necessidade do golpe como, clara demonstração de quebra de hierarquia. Foi preso logo depois do 31 de março. Fugiu. Reapareceu em Cuba, e retornou clandestinamente ao Brasil em 1971.
Em Cuba conheceu uma revolucionária romântica, a paraguaia Soledad Barrett Viedma, capaz de escrever poemas de amor e de justiça naqueles tempos de horror. Soledad envolveu-se emocionalmente com ele e,ficou grávida do Cabo Anselmo, sendo sua companheira na clandestinidade.
O que Soledade e ninguém das organizações clandestinas sabia, é que “Cabo Anselmo” trabalhava para a repressão. Segundo ele, a partir de 1971 passou a ser informante ligado ao famigerado policial-assassino Sérgio Paranhos Fleury, por motivação ideológica (teria se desiludido com a revolução cubana). Para muitos, já seria um elemento pago e mantido pelo regime, desde 1964.
Em suas próprias palavras, perto de 200 pessoas foram entregues por ele. Gente com quem dividia o quarto, a mesa, visitava a família, beijava seus filhos e seus pais. A maioria dessas pessoas acabou morta sob torturas nos porões da Ditadura.
Uma de suas vítimas foi a própria Soledad Barrett, morta com outros 6 militantes da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária). Até hoje não se sabe se o grupo foi morto numa emboscada assim que descobriram a verdadeira identidade do Cabo Anselmo e preparavam para detê-lo, ou se foram antes, presos e morreram sobre sádicas torturas.
Cabo Anselmo, com certeza, é uma das mais sinistras e maléficas figuras do grande pesadelo que foi a “guerra suja” no Brasil. Até hoje vive escondido, teme vingança, mas diz não ter nenhum remorso por qualquer coisa que tenha feito.
Transcrevemos abaixo texto do livro “Soledade no Recife” de Urariano Mota, publicado pela Boitempo escrito sob uma pesquisa histórica, documental, que fala do horror e da surpresa de Soledad, ao descobrir entre os policiais a cara do marido, o agente duplo a quem amava:
“A cara de Anselmo, no conjunto dos sinais, Soledad não via. Não tanto porque a desconfiança nunca lhe houvesse batido à percepção. Mas porque isso era tão horrível, que o seu senso estético repugnava. Uma coisa que o seu peito de justiça não queria nem podia aceitar. E recuava, no mesmo passo em que os indícios cresciam.
(...) A pergunta que Soledad não se fizera diante das imagens que a perseguiam nos últimos meses, por quê? qual a razão delas, agora à luz do dia em Boa Viagem, em uma butique da ensolarada praia de Boa Viagem, aonde ela foi para vender roupas, onde ela está com Pauline, ali, sob a prazenteira luz física do Brasil, a pergunta pelas razões dos sonhos e pesadelos que ela não se fizera, agora vêm com um susto, um terror, diante do real bruto. José Anselmo dos Santos se encontra entre os homens que lhe batem na cabeça com armas e punhos.
- Por quê? Por quê?
Pauline está muda e petrificada, incapaz de correr e falar. Soledad olha para os olhos do homem que pensara ser o seu companheiro, e isso, essa realidade, o pesadelo por guardar uma altura ética jamais mostrou. O pesadelo fora incapaz de exibir toda a crueza. Anselmo não sorri agora, sorrirá depois, quando lhe perguntarem
- Você dorme bem?
- Putz, tranquilamente.
Ou mais textualmente:
- Você dorme tranqüilo? Nunca sentiu pesadelo durante a noite? Não tem remorso pelo que fez?
- Absolutamente (risos)....
Por enquanto, não, agora na butique em Boa Viagem ele não ri, embora a cena lhe pareça um tanto cômica.
- Por quê? Por quê?
Ele apenas assiste ao espancamento e suplício. Como uma prova de que é contra esses terroristas.
‘Eu tomei conhecimento de que seis corpos se encontravam no necrotério... em um barril estava Soledad Barret Viedma. Ela estava despida, tinha muito sangue nas coxas, nas pernas. No fundo do barril se encontrava também um feto’.
Quando Mércia Albuquerque declarou essas palavras, não era mais advogada de presos e perseguidos políticos. Estava em 1996, 23 anos depois do inferno. Mércia estava acostumada ao feio e ao terror, ela conhecia há muito a crueldade, porque havia sido defensora de torturados no Recife. Ainda assim, ela, que tanto vira e testemunhara, durante o depoimento na Secretaria de Justiça de Pernambuco falou entre lágrimas, com a pressão sangüínea alterada em suas artérias. Dura e endurecida pela visão de pessoas e corpos desfigurados, o pesadelo de 1973 ainda a perseguia: ‘Soledad estava com os olhos muito abertos, com uma expressão muito grande de terror’.
No depoimento da advogada não há uma descrição técnica dos corpos destruídos, derramados no necrotério. Mércia Albuquerque é uma pessoa se fraterniza e confraterniza com pessoas. ‘Eu fiquei horrorizada. Como Soledad estava em pé, com os braços ao lado do corpo, eu tirei a minha anágua e coloquei no pescoço dela’. Distante dos manuais exatos da Medicina Legal, a advogada Mércia não se refere a cadáveres, mas a gente. Chama-a pelos nomes, Pauline, Jarbas, Eudaldo, Evaldo, Manuel, Soledad.
Recorda a situação vexatória em que estavam – porque eram homens e mulheres – despidos. O seu relato é como um flagrante desmontável, da morte para a vida. É como o instante de um filme, a que pudéssemos retroceder imagem por imagem, e com o retorno de cadáveres a pessoas, retornássemos à câmara de sofrimento. ‘A boca de Soledad estava entreaberta’ “.
Prof. Péricles
sexta-feira, 25 de maio de 2012
TORCER CONTRA
Pior do que perder é ganhar, torcendo contra.
A situação do “torcedor contra” é penosa e cruel.
Imagine o nazista francês que torcia para que o exército alemão invadisse a França e acabasse com os judeus do país, mas, no bate papo do bar tinha que se fazer de patriota... “Malditos chucrutes, bastardos”, mas lá no íntimo vibrando com cada nova notícia do front dando conta do avanço do rich. Era um feliz se fazendo de infeliz.
Ou do Udenista que rezava todas as noites para o Deus da Pátria e Liberdade, para que a política nacionalista de Getúlio Vargas desse errado “Papai do Céu, faça que a Petrobrás não passe de um postinho de gasolina, faça Papai do Céu...” Mas que nada, lá estava a Petrobras se consolidando e com aquele ruidoso apoio popular. “Malditos patriotas!”
Torcer contra tira o sono e envelhece porque, no fundo no fundo, é um sentimento secreto de inveja e de rancor pelo sucesso dos outros e das convicções alheias. Que importa se o país está melhor se seu orgulho está ferido?
É como ser casado com uma mulher linda e desejar do fundo do coração que todos achem a moça um bagulho. Que adora compara-la com outra, mais bonita, mesmo que distante. “Tu é linda meu amor, mas o rosto da Cameron Dias...”
Assistimos diariamente nos meios de comunicação um desfile de “torcedores contra”. Uma fila interminável que mal conseguem disfarçar a alegria pelo menor sinal de que a economia brasileira tenha diminuído seu ritmo. Qualquer indício de dificuldade é um alento. São proprietários de casas na praia, mas, detestam a marolinha e torcem pela tsunami.
Vale tudo para justificar suas “opiniões imparciais”.
Maior nível de pleno emprego, aumento do consumo, crescimento da classe média não são indicadores confiáveis... maior dificuldade para comprar carro importado sim, esse é importante indicador. Dia desses a manchete de abertura do Jornal Nacional foi “O sonho do carro importado mais distante do brasileiro”.
Caramba! Não se dá uma notícia impactante assim, sem preparar antes, os milhões de miseráveis desse país que devem ter ficado inconsoláveis.
O “torcedor contra” anda tão desesperado no Brasil, que deve estar em crise existencial.
Por exemplo, a velha bandeira defendida por anos da necessidade de diminuir os juros é inesperadamente substituída por uma defesa intransigente da manutenção dos juros altos para controlar a inflação.
Assim, o que servia antes, não serve mais, ou serve, mas ele torce para que não sirva.
Chego a me compadecer dos “economistas contra”. Aparecem na tela com gráficos coloridos, cheios de retórica acadêmica e de malabarismos técnicos para dizer que, tudo aquilo que o brasileiro pobre mais valoriza como emprego, comida e contas pagas não existe, é propaganda do governo e os dados (e aí manipulam números surreais nervosamente) mostram que eles, e não milhões de brasileiros estão certos.
São os Maias das previsões de dezembro.
Pior do que perder é ganhar, torcendo contra.
Imagine o torcedor da arquibancada tendo que levantar impulsionado pela vizinhança para comemorar um gol, sendo que no seu íntimo queria que o gol fosse do outro time.
Definitivamente o “torcedor contra” é um infeliz.
Prof. Péricles
quarta-feira, 23 de maio de 2012
COMISSÃO DA VERDADE E EMOÇÃO
A vontade que se tem é a de escrever: por baixo de ondas de infâmia e sangue, a presidenta Dilma instalou a Comissão da Verdade. E temos essa vontade porque a vemos em um mar que se abre, pronto a tragá-la e a envolver também os brasileiros mutilados, perseguidos e assassinados sob a ditadura de 1964. Mas esse mar, essa conjuração de elementos, que outra coisa não é a não ser a secular opressão sobre o povo, nos acode também pela memória da tragédia humana ocorrida a partir do golpe.
Não há espaço neste texto, não há espaço em mil textos para falar de Ivanovitch, de Eremias Delizoicov, de Soledad Barrett, de Jarbas Marques, de jovens mortos, de jovens enlouquecidos, de jovens heróicos, de dramas de consciência que sobrevivem em peles que são uma fantasia de macabro carnaval.
Não há nem mesmo espaço para cantar, como um poeta magnífico faria, a coragem de dona Elzita, mãe de Fernando Santa Cruz, nesta carta de 1975 para Armando Falcão, mais conhecido pelo codinome de Ministro da Justiça:
“Que clandestinidade seria esta que, repentinamente, transformaria um filho respeitoso, carinhoso e digno em um ser cruel e desumano, que desprezaria a dor de sua velha mãe, a aflição de sua jovem esposa e o carinho de seu filho muito amado? Espero que não se dê por esgotado este episódio, mas que seja esclarecido o que realmente aconteceu ao meu filho para que possamos sair deste imenso sofrimento que nos encontramos. Nada peço ao Sr. para meu filho a não ser os esclarecimentos, que tenho direito, sobre o seu paradeiro, e justiça!”.
O leitor desculpe o tom solene deste texto. É que a solenidade vem do entre aspas desses destinos. Mas num esforço, se descemos o nível do assalto da altura dessa história oculta, se descermos aos dados objetivos e técnicos da informação, devemos dizer que as estatísticas oficiais muito se enganam, quando contabilizam entre 400 e 500 militantes mortos pelos militares, ou, num esforço cínico, desaparecidos. As estatísticas nada falam dos homens e mulheres sem cidadania, mas que a buscavam até para comer, como os camponeses do Nordeste. Em Pernambuco, por exemplo, houve um quase genocídio de homens do campo, e deles quase nada se diz. Assim como eles, todos os trabalhadores, que não estavam filiados a partidos clandestinos, estão sem registro de suas execuções.
As estatísticas nada falam tampouco, e dessa omissão se valem os militares, quando ironizam a quantidade de anistiados em comparação com os livros sobre vítimas da ditadura, as estatísticas silenciam sobre o clima de terror e perseguição que fez brasileiros interromperem seus cursos, empregos e pesquisa. Se os registros dessa caça aos democratas contarem, aparecerão mais que centenas, milhares. E se contabiliza o dano a toda uma geração, pela queda vertical da qualidade do ensino, do avanço do pensamento social, que em 64 virou coisa de comunista, como se os comunistas não fossem uma instância legítima de ser, então os atingidos são milhões na ditadura.
Na presidenta que ontem instalou a Comissão da Verdade reside o conflito do sonho socialista da juventude e o presente possível, de acordos políticos no limite do suportável, de uma democracia conservadora. Dilma bem sabe o que é mais insuportável, como nesta entrevista a Luiz Maklouf em 2003:
“Tinha um menino da ALN que chamava ‘Mister X’. Eu o vi completamente destruído. Não sei o que foi feito dele. Nunca vou esquecer o quadro em que ele estava. Primeiro, eu não queria que meus companheiros estivessem numa situação daquelas. Segundo, eu tinha medo que algum deles morresse. Terceiro, porque teve um dia que eu tive uma hemorragia muito grande, foi o dia em que eu estive pior. Hemorragia, mesmo, que nem menstruação. Eles tiveram que me levar para o Hospital Central do Exército. Encontrei uma menina da ALN. Ela disse: ‘Pula um pouco no quarto para a hemorragia não parar e você não ter que voltar’... Os militares nos cercaram, desmantelaram, e uma parte mataram. Foi isso que eles fizeram conosco. Eles isolaram a gente e mataram.”
Os jornais hoje dizem que a presidenta ontem chorou. E informam essa emoção em nova forma de dizer sem nada dizer, porque nada falam do terror, do poder absoluto sobre vidas e pensamento de pessoas em um tempo que não está morto.
Lá em cima, escrevi que a presidenta Dilma estava sob as ondas de um mar aberto. Mas na verdade, devemos dizer: ela está no furacão. Ainda que em fenômeno diverso, ela está na tempestade. E desta vez, com um apoio mais amplo que naquele tempo, maldito tempo, do sofrimento em silêncio. Aquele que a fazia escolher entre voltar à tortura ou pular para ser mais volumosa a sua hemorragia.
Urariano Mota, de Recife
domingo, 20 de maio de 2012
ALEA JACTA EST
Rico, popular e reconhecido por seus contemporâneos, Caio Júlio César possuía uma incontrolável ambição pelo poder. Aproveitando-se das eternas crises políticas da República Romana, César criou, com recursos próprios, um exército, tornando-se além de estadista, um general. Sabendo que o povo romano cultivava verdadeira adoração pelos heróis militares (tipo brasileiro por jogador de futebol), empreendeu uma campanha na Europa Ocidental, vindo a conquistar vastas áreas que hoje foram, mais ou menos, o território da França, Península Ibérica e Ilhas Britânicas.
Antes disso, fora escolhido pelo Senado da República para formar o primeiro triunvirato junto com Pompeu e Crasso.
Enquanto a popularidade de César crescia a cada notícia de nova vitória sobre os “bárbaros” cresciam as barbas de Pompeu prevendo que tamanha popularidade iria engolir a sua própria e, em breve, não mais teria espaço no poder.
Assim, Pompeu conseguiu, através de manobras políticas, impor uma lei que impedisse César de retornar a Roma comandando suas tropas, que, obrigatoriamente deveriam ser dispersas antes de cruzar a fronteira.
Dessa forma, em determinado momento, Júlio César se viu diante de um dilema: retornar a Roma como um mero e desarmado estadista, menos que Pompeu e suas alianças políticas, ou transgredir a Lei, retornar com suas tropas e, dessa forma deflagrar uma guerra civil de final imprevisível.
No dia 11 de janeiro de 49 a.C., o general Caio Júlio César tomou uma decisão crucial: atravessar o rio Rubicão com seu exército, e enfrentar Pompeu e seus aliados.
Segundo consta, às margens do pequeno rio, ele olhou para o céu e pronunciou a frase “Alea jacta est” ou “a sorte está lançada”. Seus olhos estavam turvos e de semblante tenso, pois sabia que, com certeza, a partir daquele ato, um dos dois, ele ou Pompeu, estavam condenados e ainda, que sua vida nunca mais seria a mesma. Aquele pequeno ato não teria volta.
Muitos são os momentos de nossas vidas que representam uma “travessia do Rubicão”.
Nem sempre temos as garantias de um final feliz. Nem sempre estamos preparados para o risco.
Mas, talvez, viver sem o risco, sem o desafio, não seja exatamente, viver.
O pior da nossa existência não é o que perdemos, mas, o que deixamos de ganhar, por medo de arriscar, por medo de atravessar o Rubicão.
Se é verdade que a felicidade perpétua seja impossível, talvez seja também verdadeiro, que os momentos felizes são mais numerosos quando não temos medo de arriscar.
A decisão de César mudou o rumo da história.
E você, terá coragem de atravessar o “seu Rubicão” quando a vida te exigir uma ação que pode mudar o rumo de sua história? Ou permanecerá inativo “licenciando seu exército”, sua força de vontade?
Vamos, atravesse o seu Rubicão e torne-se Ditador de seu destino.
Prof. Péricles
sexta-feira, 18 de maio de 2012
AS PRIVATIZAÇÕES NO BRASIL
O processo de privatização do patrimônio do Estado brasileiro atingiu seu ápice nos anos 90. Uma análise sobre o tema é muito pertinente, ainda mais agora, após a publicação de "A Privataria Tucana" do jornalista Amaury Ribeiro Jr.
As privatizações começaram no governo Collor, mas ganharam caráter de política de Estado no governo FHC. Fernando Collor (1990-1992) foi o primeiro presidente brasileiro a adotar as privatizações como parte de seu programa econômico, ao instituir o Programa Nacional de Desestatização (PND) em 1990. Das 68 empresas incluídas no programa, 18 foram efetivamente privatizadas, pois Collor teve sua ação obstaculizada com os problemas surgidos na privatização da Viação Aérea São Paulo – VASP.
A privatização das empresas siderúrgicas começou com a extinção da empresa holding Siderurgia Brasileira S.A. – SIDERBRAS, após absorver os passivos das empresas subsidiárias. A primeira estatal privatizada, no dia 24 de outubro de 1991, foi a USIMINAS, siderúrgica mineira localizada no município de Ipatinga, fato que gerou grande polêmica na época, pois, das empresas estatais, ela era uma das mais lucrativas.
Com o impedimento de Collor e a posse de Itamar Franco (1992-1995), nitidamente contrário às privatizações, o processo não foi adiante, não obstante a presença de Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda. Em seu governo, concluiu-se a privatização de empresas do setor siderúrgico, iniciada por Collor e f oi leiloada a Embraer.
Com a vitória do PSDB em 1994 e a criação do Conselho Nacional de Desestatização, pela Lei nº 9.491, Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), submisso às recomendações do Consenso de Washington e do FMI, deixou claro seu propósito de implementar um amplo programa de privatizações. Fernando Henrique chantageou governadores para enquadrar os Estados no programa de estatização, condicionando as transferências de recursos financeiros da União para os Estados, submetendo os governadores às políticas recomendadas por Washington e pelo FMI.
Ainda no governo FHC, o processo de privatização ocorreu em vários setores da economia: a Companhia Vale do Rio Doce, empresa de minério de ferro e pelotas, que se tornaria uma das maiores multinacionais do mundo; a Telebrás, monopólio estatal de telecomunicações; e a Eletropaulo.
Enquanto a quase totalidade dos defensores do keynesianismo apoiavam a concepção do projeto de desestatização, vários economistas de outras escolas de pensamento econômico, partidos de oposição, sindicatos trabalhistas e suas centrais, bem como muitos juristas e outros setores representativos da sociedade civil manifestaram-se contrários ao processo de privatização anunciado por FHC. Eles tentaram, sem sucesso, inviabilizá-lo por meio de manifestações e medidas judiciais.
Os leilões de privatização, que foram públicos, se realizaram na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro e foram objeto de protestos de setores da esquerda, as a própria esquerda estava atordoada com o triunfo neoliberal no mundo até aquele momento.
Críticas partiram também de vários economistas e do meio acadêmico que, embora estivessem de acordo com a filosofia do programa, viam nele duas grandes falhas. A primeira era a possibilidade de os eventuais compradores poderem efetuar parte do pagamento com as chamadas "moedas podres", títulos da dívida pública emitidos pelos sucessivos governos com o objetivo de resolver crises financeiras e que, ao se tornarem inegociáveis, pressionavam o déficit público. Criticava-se não só a possibilidade de esses títulos serem aceitos, mas que o fossem pelo seu valor de face, quando seu valor de mercado era nulo ou quase nulo, isso deu um "windfall gain" considerável a seus detentores.
A segunda falha, na visão dos críticos, era permitir que o BNDES financiasse parte do preço de compra, ou seja, recursos públicos em tais casos seriam indevidamente utilizados na compra do patrimônio público por empresas privadas, o que se configuraria em uma indevida "apropriação" do patrimônio da nação por grupos privados privilegiados. O acesso ao crédito seria assegurado inclusive aos compradores estrangeiros, teoricamente em desacordo com a tradição seguida, até então, pelo BNDES.
No caso da Eletropaulo o aporte foi de 100% e a compradora, a AES, não teria pagado em dia nem a primeira prestação. Por isso sempre me pergunto: onde está o Ministério Público? Onde estavam e onde estão as ONGs que buscam ética e combatem a corrupção?
Nas privatizações do período FHC foi o próprio Estado, através do BNDES, que financiou e capitalizou companhias e grupos privados para que eles comprassem empresas que integravam o patrimônio público. Um crime denunciado em detalhes pelo livro do jornalista Amaury Ribeiro Junior.
O resultado final das privatizações revelou um aspecto peculiar do programa brasileiro: algumas aquisições somente foram feitas porque contaram com a participação financeira dos fundos de pensão das próprias empresas estatais (como no caso da Vale) ou da participação de empresas estatais de países europeus. O controle acionário da Light Rio, por exemplo, foi adquirido pela empresa estatal de energia elétrica da França.
Ao longo dos oito anos de mandato de Fernando Henrique Cardoso, as privatizações lograram atingir a receita total de 78,61 bilhões de dólares, sendo 95% em moeda corrente (nessa percentagem estão incluídos os financiamentos concedidos pelo BNDES), e com grande participação dos investidores estrangeiros, que contribuíram com 53% do total arrecadado. Deste total, 22,23 bilhões de dólares referem-se à privatização do setor elétrico e, 29, 81 bilhões de dólares à do setor de telecomunicações, curiosamente a divida pública que teoricamente deveria diminuir aumentou significativamente no governo FHC.
Nesse ponto é possível afirmar que FHC e seu governo domesticado e submisso foi um enorme fracasso, pois, ao contrário do que os tucanos divulgam, o Plano Real implantado por Itamar Franco “não derrubou a inflação e sim uma deflação mundial que fez cair as inflações do mundo inteiro. A inflação brasileira continuou sendo uma das maiores do mundo durante o seu governo. O real foi uma moeda drasticamente debilitada”, afirma o professor Theotonio dos Santos em seu blog (leia mais).
É por essas e outras que penso que os grandes veículos de comunicação brasileiros prestaram um desserviço ao país ao boicotarem explicitamente a divulgação do livro do Amaury Jr., o que não impediu a consagradora venda de 115 mil exemplares em dois meses.
Pedro Benedito Maciel Neto é advogado, sócio da MACIEL NETO ADVOCACIA e CONSULTORIA, professor e autor, dentre outros de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi (2007).
quarta-feira, 16 de maio de 2012
DOUTOR LULA
Hoje pela manhã tive a honra e o prazer de participar, no Teatro João Caetano, no centro do Rio de Janeiro, da cerimônia de entrega do título de Doutor Honoris Causa, concedido por cinco universidades ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Estiveram presentes personalidades do mundo das artes além de autoridades políticas e acadêmicas.
Ao entrar no teatro, enquanto procurava uma cadeira para me sentar, tive a minha grande surpresa do dia: ao pedir licença a quem já estava sentado para poder alcançar um lugar vago no meio da fileira, uma senhora muito gentilmente me ofereceu a cadeira onde ela havia colocado sua mochila, e que eu julgava estar já ocupado por alguma outra pessoa. Agradeci o gesto e me sentei ao lado daquela senhora, que imediatamente me confessou: “eu não estou nem acreditando que eu estou aqui”. Ao me virar em sua direção para poder conversar com ela, percebi o quanto estava emocionada. Ela secava com uma toalhinha de rosto suas lágrimas que rolavam desenfreadamente. Eu disse a ela: “o Lula merece todas as homenagens desse mundo”. Ao que ela assentiu: “todas! É graças a esse homem que hoje minha filha está na universidade. Ela sonhava em fazer zootecnia, e com a nota que ela obteve no ENEM eu disse a ela, ‘você vai conseguir’.
Ela vinha de Peruíbe, litoral sul de São Paulo. ”Passei a noite toda num ônibus, e agora estou aqui. Não estou nem acreditando...” Me contou ainda muito emocionada, a incrédula Gisele. Daí então pude concluir que aquela mochila que ela trazia consigo, e que agora estava colocada no chão entre os seus pés, para que eu pudesse me sentar, provavelmente guardava as provisões básicas de alguém que se aventurara a pegar estrada para poder, de algum modo, estar próximo de quem se admira.
Quando Camila Pitanga, a mestre de cerimônia, falou ao microfone, as expectativas se assomaram. Ao ser anunciada a entrada de Lula na companhia da presidenta Dilma, a platéia não se conteve. Embalado por aquela euforia, soltei meu grito de “olê-olê-olê-olá Lula, Lula!”.
Nesse clima de descontração, Camila Pitanga pediu licença para quebrar o protocolo: “gente, eu não vou resistir. ‘Veta, Dilma!’”. Gesto que, de tão espontâneo, arrancou risadas da presidenta e ganhou a adesão unânime da platéia.
Todo aquele entusiasmo só foi contrastado pela surpresa que tive ao ver que, hoje, Lula exibe uma silhueta mais esguia do que aquela a que meus olhos estavam acostumados. Efeito natural do tratamento a que teve de se submeter para vencer mais um dos incontáveis desafios que teve de transpor ao longo de toda a sua biografia. O efeito ruim dessa surpresa se desfaria ao constatar a enorme disposição de Lula em sorrir e em evidenciar o seu bom-humor de sempre. Ao ser convidado para ser investido nos trages talares, conforme protocolo cerimonial, ouviu-se uma emocionante interpretação da Bachiana nº 5 de Villa-Lobos. Já devidamente composto, Lula voltou para sua posição ao centro da mesa, e todos fomos convidados a nos
colocarmos de pé para a execução do Hino Nacional. Estava aberta a cerimônia.
A partir dali, os cinco reitores se encarregaram de, por meio de seus discursos, expressarem a justiça daquela homenagem que se fazia ao maior presidente da história desse país. O reitor da UFRJ, por sua vez, disse que se tivesse de oferecer ao Lula um título exclusivamente criado para o presidente, este serio o de “Campeão das utopias realizadas”, e ressaltou a realização utópica da própria trajetória de vida de Lula, um sertanejo de alfabetização tardia, que tendo se destacado na liderança sindical chegou à presidência de um país de 200 milhões de habitantes e se tornou reconhecido internacionalmente pela transformação social que operou neste país.
O reitor da UERJ ainda se confessaria testemunha ocular de muitos episódios da atividade política de Lula, e se lembrou de uma ocasião em que presenciou Lula e Hélio Pellegrino travarem um debate intelectual na casa de Frei Betto. Pelas palavras do reitor, “nem nos momentos mais elevados da minha vida acadêmica eu tive a oportunidade de presenciar um debate tão fecundo como aquele.”
Ao final de cada discurso, Lula recebia os diplomas e posava com cada um deles para fotos. Já devidamente agraciado, foi a vez dele falar, se justificando que faria seu discurso sentado, diferentemente do seu costume. E alertou também para o risco de, no meio da leitura, vir a precisar de um “substituto”, como ele mesmo disse em tom de brincadeira, para terminar por ele o pronunciamento, caso sua garganta viesse a pedir descanso. Não foi preciso. Incansável como sempre, Lula foi até o fim. Com sua voz sensivelmente rouca, leu quase sem nenhum improviso o texto que havia preparado para o evento. Ressaltou os progressos do país a partir de seu governo e reafirmou seu compromisso com a educação do país. Enalteceu o governo de Dilma Rousseff e se disse confiante nas metas que o Brasil tem para o futuro.
Terminado o discurso do homenageado, Camila Pitanga encerrou o evento. “Tico-tico no fubá” foi tocada por dois clarinetistas que se apresentaram no palco e a platéia de pé fazia a sua algazarra: cada um manifestava da forma como dava o seu carinho. Gritos dos mais variados: “Lula, eu te amo!”, “Dilma linda!”, “Lula, guerreiro do povo brasileiro!”, e outras muitas declarações de amor que devem ter sido feitas silenciosamente, no íntimo daqueles que não gritaram porque só conseguiam externar sua emoção com lágrimas, como a Dona Gisele.
Gratificados por termos estado ali, nos demos um abraço de cumplicidade. Acho que é uma reação natural que ocorre a quem está muito emocionado e quer compartilhar com alguém tanto sentimento. Eu disse para ela: “ainda bem que viemos”, ao que ela só me respondeu com um suspiro e o peculiar gesto de erguer a cabeça para cima no mesmo momento em que se fecham os olhos. Ao abri-los novamente, abriu-se junto um sorriso de indizível contentamento.
Rafael Patto
Ao entrar no teatro, enquanto procurava uma cadeira para me sentar, tive a minha grande surpresa do dia: ao pedir licença a quem já estava sentado para poder alcançar um lugar vago no meio da fileira, uma senhora muito gentilmente me ofereceu a cadeira onde ela havia colocado sua mochila, e que eu julgava estar já ocupado por alguma outra pessoa. Agradeci o gesto e me sentei ao lado daquela senhora, que imediatamente me confessou: “eu não estou nem acreditando que eu estou aqui”. Ao me virar em sua direção para poder conversar com ela, percebi o quanto estava emocionada. Ela secava com uma toalhinha de rosto suas lágrimas que rolavam desenfreadamente. Eu disse a ela: “o Lula merece todas as homenagens desse mundo”. Ao que ela assentiu: “todas! É graças a esse homem que hoje minha filha está na universidade. Ela sonhava em fazer zootecnia, e com a nota que ela obteve no ENEM eu disse a ela, ‘você vai conseguir’.
Ela vinha de Peruíbe, litoral sul de São Paulo. ”Passei a noite toda num ônibus, e agora estou aqui. Não estou nem acreditando...” Me contou ainda muito emocionada, a incrédula Gisele. Daí então pude concluir que aquela mochila que ela trazia consigo, e que agora estava colocada no chão entre os seus pés, para que eu pudesse me sentar, provavelmente guardava as provisões básicas de alguém que se aventurara a pegar estrada para poder, de algum modo, estar próximo de quem se admira.
Quando Camila Pitanga, a mestre de cerimônia, falou ao microfone, as expectativas se assomaram. Ao ser anunciada a entrada de Lula na companhia da presidenta Dilma, a platéia não se conteve. Embalado por aquela euforia, soltei meu grito de “olê-olê-olê-olá Lula, Lula!”.
Nesse clima de descontração, Camila Pitanga pediu licença para quebrar o protocolo: “gente, eu não vou resistir. ‘Veta, Dilma!’”. Gesto que, de tão espontâneo, arrancou risadas da presidenta e ganhou a adesão unânime da platéia.
Todo aquele entusiasmo só foi contrastado pela surpresa que tive ao ver que, hoje, Lula exibe uma silhueta mais esguia do que aquela a que meus olhos estavam acostumados. Efeito natural do tratamento a que teve de se submeter para vencer mais um dos incontáveis desafios que teve de transpor ao longo de toda a sua biografia. O efeito ruim dessa surpresa se desfaria ao constatar a enorme disposição de Lula em sorrir e em evidenciar o seu bom-humor de sempre. Ao ser convidado para ser investido nos trages talares, conforme protocolo cerimonial, ouviu-se uma emocionante interpretação da Bachiana nº 5 de Villa-Lobos. Já devidamente composto, Lula voltou para sua posição ao centro da mesa, e todos fomos convidados a nos
colocarmos de pé para a execução do Hino Nacional. Estava aberta a cerimônia.
A partir dali, os cinco reitores se encarregaram de, por meio de seus discursos, expressarem a justiça daquela homenagem que se fazia ao maior presidente da história desse país. O reitor da UFRJ, por sua vez, disse que se tivesse de oferecer ao Lula um título exclusivamente criado para o presidente, este serio o de “Campeão das utopias realizadas”, e ressaltou a realização utópica da própria trajetória de vida de Lula, um sertanejo de alfabetização tardia, que tendo se destacado na liderança sindical chegou à presidência de um país de 200 milhões de habitantes e se tornou reconhecido internacionalmente pela transformação social que operou neste país.
O reitor da UERJ ainda se confessaria testemunha ocular de muitos episódios da atividade política de Lula, e se lembrou de uma ocasião em que presenciou Lula e Hélio Pellegrino travarem um debate intelectual na casa de Frei Betto. Pelas palavras do reitor, “nem nos momentos mais elevados da minha vida acadêmica eu tive a oportunidade de presenciar um debate tão fecundo como aquele.”
Ao final de cada discurso, Lula recebia os diplomas e posava com cada um deles para fotos. Já devidamente agraciado, foi a vez dele falar, se justificando que faria seu discurso sentado, diferentemente do seu costume. E alertou também para o risco de, no meio da leitura, vir a precisar de um “substituto”, como ele mesmo disse em tom de brincadeira, para terminar por ele o pronunciamento, caso sua garganta viesse a pedir descanso. Não foi preciso. Incansável como sempre, Lula foi até o fim. Com sua voz sensivelmente rouca, leu quase sem nenhum improviso o texto que havia preparado para o evento. Ressaltou os progressos do país a partir de seu governo e reafirmou seu compromisso com a educação do país. Enalteceu o governo de Dilma Rousseff e se disse confiante nas metas que o Brasil tem para o futuro.
Terminado o discurso do homenageado, Camila Pitanga encerrou o evento. “Tico-tico no fubá” foi tocada por dois clarinetistas que se apresentaram no palco e a platéia de pé fazia a sua algazarra: cada um manifestava da forma como dava o seu carinho. Gritos dos mais variados: “Lula, eu te amo!”, “Dilma linda!”, “Lula, guerreiro do povo brasileiro!”, e outras muitas declarações de amor que devem ter sido feitas silenciosamente, no íntimo daqueles que não gritaram porque só conseguiam externar sua emoção com lágrimas, como a Dona Gisele.
Gratificados por termos estado ali, nos demos um abraço de cumplicidade. Acho que é uma reação natural que ocorre a quem está muito emocionado e quer compartilhar com alguém tanto sentimento. Eu disse para ela: “ainda bem que viemos”, ao que ela só me respondeu com um suspiro e o peculiar gesto de erguer a cabeça para cima no mesmo momento em que se fecham os olhos. Ao abri-los novamente, abriu-se junto um sorriso de indizível contentamento.
Rafael Patto
segunda-feira, 14 de maio de 2012
DE IDIOTAS E CANALHAS
Ninguém pode nem deve se considerar um idiota apenas por acreditar nas mentiras da mídia brasileira. Afinal, os veículos da mídia, em tese, deveriam ser meios de informação, como acontece em países onde esses meios são obrigados a respeitar marcos regulatórios. Se aqui no Brasil enganam e enganaram o público, aqueles que foram enganados não têm culpa disso. Não podem ser considerados idiotas por terem acreditado em canalhas que se apresentam como informantes de fatos e divulgam mentiras.
Quem, pela internet, divulgou sua indignação pelo “Mensalão”, não tem culpa de ter acreditado naquela armação da mídia.
Quem, pela internet, denegriu o José Dirceu, não tem culpa de ter condenado uma vítima da mídia. Quem usou de seu computador para ajudar a mídia a difamar o José Genoíno, também não.
Nem mesmo aqueles que distribuíram as mentiras que recebiam pela internet sobre a fazenda do filho do Lula. Os que acreditaram que o PT recebia dólares de Cuba e em todas as outras mentiras que a mídia divulgou sobre a equipe do governo Lula.
Apesar do absurdo, até ridículo, não dá para se considerar como idiotas nem aqueles que distribuíam pela internet um tal documento do FBI ou CIA ou Pentágono sobre projeto de golpe de Lula para instaurar-se como ditador.
Não... Esses não foram idiotas. Muito ingênuos, é verdade. Um tanto preguiçosos para raciocinar, talvez. Uma certa incapacidade de percepção, sim, mas considerá-los idiotas é exagero.
São mais é vítimas de grupos que pretendiam desestabilizar o governo Lula e continuam pretendendo desestabilizar o governo Dilma para voltar a explorar esses mesmos que acreditaram em todas as mentiras que lhes foram contadas. Tantas que em algum momento deveriam ter começado a desconfiar, a enxergar a realidade... Mas é aquela história, repete-se a mesma mentira tantas vezes que até se convence os menos atentos.
Aqueles que pela internet divulgavam ofensas à Dona Marisa e se referiam a Lula como “apedeuta”, pelo preconceito demonstrado chegavam bem próximo à idiotia, é verdade. Sim, preconceito é coisa de idiota mesmo, mas há de se considerar que foram induzidos a esses preconceitos, estimulados para isso. Muitos já tinham uma certa predisposição para assimilar o preconceito porque para alguns é mesmo duro ter de reconhecer que apesar de ter cursado anos e anos de estudo escolar e do privilégio de ter podido estudar, não conseguiu desenvolver nem um quarto da metade da inteligência de outro que não teve a mesma oportunidade. Difícil mesmo ter de reconhecer que apesar de nunca ter se diplomado em coisa alguma, aquele é o brasileiro que mais recebeu título de Doutor Honoris Causa das mais importantes universidades do mundo.
Então, convenhamos, esses que há tantos anos vêm distribuindo todos os preconceitos que lhes foram incutidos, que usaram a internet para promover mentiras, e que acreditaram nas tantas falsas informações inventadas e divulgadas pela mídia brasileira, não são propriamente idiotas.
Daqui pra frente, se continuarem acreditando na mídia, claro! Afinal, quem cai no golpe do bilhete premiado a primeira vez, é apenas um ingênuo. Já quem cai no mesmo golpe outra vez, sem dúvida é um arrematado idiota.
E aquele que já caiu, mas ao ver outro entrando na mesma conversa não o avisa? Não alerta para evitar que se faça outra vítima? Esse é o quê?
Esse é tão canalha quanto o golpista. E como não está ganhando nada com isso, é ainda pior do que o golpista! Pois o golpista é apenas um canalha, mas o que não avisa, além de canalha é idiota, pois não ganha nada com isso, mas ajuda o canalha a explorar e a mentir para outros.
Raul Longo
domingo, 13 de maio de 2012
ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO
Desde a o início do século 19 existia uma forte pressão internacional pela abolição da escravidão nas Américas. A Grã-Bretanha, principal potência capitalista da época, passou a exigir que países como o Brasil abolissem o tráfico intercontinental de escravos. Menos por razões humanitárias e mais por razões econômicas.
Em 1831, por pressão inglesa, foi assinado um acordo proibindo o comércio intercontinental de escravos com o Brasil. No entanto, maior que a pressão do "imperialismo" britânico foi a pressão dos grandes comerciantes e latifundiários escravistas brasileiros, que eram forças hegemônicas no Estado Nacional nascido em 1822. A lei jamais foi aplicada e, por isto mesmo, foi ironicamente intitulada de uma lei "para inglês ver".
Após a aprovação da lei cresceu o número de escravos negros introduzidos no Brasil. Isto enfureceu a principal avalista internacional de nossa independência. As coisas tenderam a se agravar após a abolição completa da escravidão nas colônias inglesas. Em 1845 o parlamento britânico aprovou uma lei, a Aberdeen, que dava à sua marinha poder para apreender navios negreiros e julgar os traficantes.
Cresceu, então, um nacionalismo de conteúdo escravista. As elites conservadoras, sempre subservientes aos interesses externos, passaram a radicalizar seu discurso contra a intervenção estrangeira nos negócios internos do país. Um patriotismo bastante suspeito. As mesmas classes não se envergonhavam da contratação de mercenários estrangeiros para reprimir os movimentos insurrecionais no nordeste e nem em relação aos volumosos empréstimos externos feitos pelo governo brasileiro para pagar a nossa independência.
Em resposta ao nacionalismo espúrio das elites escravistas se levantaria a voz de um dos maiores poetas brasileiros que, nas estrofes revolucionárias de seu poema épico O Navio Negreiro, cantou: "Existe um povo que a bandeira empresta/ Para cobrir tanta infâmia e cobardia! / E deixa-a transformar nessa festa/ Em manto impuro de bacante fria! / Meu Deus! Meu Deus! Mas que bandeira é esta, / Que impudente na gávea tripudia?! / Silêncio! (...) Musa! chora, chora tanto/ Que o pavilhão se lave no seu pranto!/ (...) Auriverde pendão de minha terra,/ Que a brisa do Brasil beija e balança,/ Estandarte que a luz do sol encerra,/ E as promessas divinas da esperança/ Tu, que da liberdade após a guerra/ Foste hasteado dos heróis na lança,/ Antes te houvesse roto na batalha,/ Que servires a um povo de mortalha!"
O movimento abolicionista adquiriu maior amplitude e ganhou amplas parcelas da população. A luta dos abolicionistas recebeu apoio internacional. Várias mensagens e manifestos de intelectuais progressistas europeus e americanos foram endereçados ao governo e ao parlamento brasileiro.
Acuado, o parlamento imperial aprovou, em 1871, a Lei do Ventre Livre que deu liberdade a todos os filhos de escravos nascidos a partir daquela data. O escravismo entrava na defensiva e procurava manobrar, adotando medidas protelatórias. Sabiam que a abolição era inevitável e que seria necessário adiá-la o quanto fosse possível. O próprio projeto dava aos proprietários escravistas o direito de manter o "liberto" sob sua guarda até os 21 anos de idade - ou seja, até 1891. A lei serviu para desorganizar momentaneamente o movimento abolicionista, afastando dele os elementos mais conciliadores. Apenas a ala radical do abolicionismo se manteve ativa.
No início da década de 1880 a campanha ganhou novamente as ruas. Ela adquiriu maior dimensão e mudou de qualidade. O escravismo, ainda mais acuado, buscou deter a avalanche abolicionista com novas medidas protelatórias. Em 1885 o parlamento imperial aprovou a Lei do Sexagenário. Esta, libertava os escravos com mais de 60 anos, mas os obrigava a trabalhar compulsoriamente por mais três longos anos, ou seja - até o fatídico ano de 1888. Obrigava também o liberto a ficar no município em que foi libertado por cinco anos, sob ameaça de prisão.
Os fazendeiros escravistas resistiram quanto puderam, se organizaram nos Clubes de Lavoura e passaram a formar milícias armadas para combater os abolicionistas. Jornais foram empastelados e militantes foram agredidos e mortos.
A Lei do Sexagenário, considerada infame, não conteve o ímpeto dos abolicionistas. Ninguém aceitava mais as medidas protelatórias do império. A estratégia reformista parecia derrotada em 1886. Diante da ineficácia dos métodos moderados - exclusivamente jurídicos e parlamentares -, uma parte de seus membros aderiu às posições mais radicais e passou a organizar fugas de escravos.
Em outubro de 1887 o escravismo sofreu um duro golpe quando o Marechal Deodoro da Fonseca, presidente do Clube Militar, solicitou que não se utilizasse o Exército na caçada de escravos fugitivos. Aumentou, assim, a cisão no aparato repressivo do Estado escravista e os senhores de escravos não podiam mais contar com o braço armado do Estado imperial.
Expressiva foi a declaração de voto do deputado escravista Lourenço de Albuquerque: "Voto pela abolição porque perdi a esperança de qualquer solução contrária; seriam baldados os esforços que empregasse; sendo assim, homenagem ao inevitável, à fatalidade dos acontecimentos."
No primeiro semestre de 1887 ocorreu o auge do movimento de fugas de escravos - que atingiu o seu ápice no mês de junho -, colocando a lavoura paulista em crise. As autoridades provinciais pediram reforço militar ao governo imperial. O Barão de Cotegipe enviou um navio de guerra e um batalhão de infantaria. Não foi à toa que em dois de junho de 1887 Campos Salles iniciou o processo de emancipação "voluntária" dos escravos - com cláusulas de serviço por vários anos - entre os fazendeiros paulistas.
A abolição da escravidão foi um grande passo na construção da nacionalidade. Não deve ser subestimada. Ela permitiu que o país desse mais um passo no sentido do desenvolvimento capitalista - condição da revolução socialista. Corretamente, afirmou o documento 500 anos de Luta: "A abolição resultou de um vasto movimento de massas, que incluiu os escravos rebelados, os setores médios das cidades, a intelectualidade avançada e os primeiros da classe operária (...)".
No entanto, como ela não foi acompanhada de uma reforma agrária e de leis protetoras do trabalhador emancipado, acabou mantendo a população negra liberta numa situação de miséria e longe de poder integrar-se à sociedade brasileira enquanto cidadãos. Alguns abolicionistas, reformistas e radicais, compreenderam estes limites. Por isto apresentaram a proposta de uma reforma agrária, como complemento necessário da reforma servil. Assim pensavam Nabuco, Patrocínio e Rebouças. Mas, a reforma agrária seria uma das tarefas que não poderiam ser realizadas por aquele Estado oligárquico e pelas classes dominantes brasileiras - quer na sua versão monárquica ou republicana.
Augusto Buonicore
Em 1831, por pressão inglesa, foi assinado um acordo proibindo o comércio intercontinental de escravos com o Brasil. No entanto, maior que a pressão do "imperialismo" britânico foi a pressão dos grandes comerciantes e latifundiários escravistas brasileiros, que eram forças hegemônicas no Estado Nacional nascido em 1822. A lei jamais foi aplicada e, por isto mesmo, foi ironicamente intitulada de uma lei "para inglês ver".
Após a aprovação da lei cresceu o número de escravos negros introduzidos no Brasil. Isto enfureceu a principal avalista internacional de nossa independência. As coisas tenderam a se agravar após a abolição completa da escravidão nas colônias inglesas. Em 1845 o parlamento britânico aprovou uma lei, a Aberdeen, que dava à sua marinha poder para apreender navios negreiros e julgar os traficantes.
Cresceu, então, um nacionalismo de conteúdo escravista. As elites conservadoras, sempre subservientes aos interesses externos, passaram a radicalizar seu discurso contra a intervenção estrangeira nos negócios internos do país. Um patriotismo bastante suspeito. As mesmas classes não se envergonhavam da contratação de mercenários estrangeiros para reprimir os movimentos insurrecionais no nordeste e nem em relação aos volumosos empréstimos externos feitos pelo governo brasileiro para pagar a nossa independência.
Em resposta ao nacionalismo espúrio das elites escravistas se levantaria a voz de um dos maiores poetas brasileiros que, nas estrofes revolucionárias de seu poema épico O Navio Negreiro, cantou: "Existe um povo que a bandeira empresta/ Para cobrir tanta infâmia e cobardia! / E deixa-a transformar nessa festa/ Em manto impuro de bacante fria! / Meu Deus! Meu Deus! Mas que bandeira é esta, / Que impudente na gávea tripudia?! / Silêncio! (...) Musa! chora, chora tanto/ Que o pavilhão se lave no seu pranto!/ (...) Auriverde pendão de minha terra,/ Que a brisa do Brasil beija e balança,/ Estandarte que a luz do sol encerra,/ E as promessas divinas da esperança/ Tu, que da liberdade após a guerra/ Foste hasteado dos heróis na lança,/ Antes te houvesse roto na batalha,/ Que servires a um povo de mortalha!"
O movimento abolicionista adquiriu maior amplitude e ganhou amplas parcelas da população. A luta dos abolicionistas recebeu apoio internacional. Várias mensagens e manifestos de intelectuais progressistas europeus e americanos foram endereçados ao governo e ao parlamento brasileiro.
Acuado, o parlamento imperial aprovou, em 1871, a Lei do Ventre Livre que deu liberdade a todos os filhos de escravos nascidos a partir daquela data. O escravismo entrava na defensiva e procurava manobrar, adotando medidas protelatórias. Sabiam que a abolição era inevitável e que seria necessário adiá-la o quanto fosse possível. O próprio projeto dava aos proprietários escravistas o direito de manter o "liberto" sob sua guarda até os 21 anos de idade - ou seja, até 1891. A lei serviu para desorganizar momentaneamente o movimento abolicionista, afastando dele os elementos mais conciliadores. Apenas a ala radical do abolicionismo se manteve ativa.
No início da década de 1880 a campanha ganhou novamente as ruas. Ela adquiriu maior dimensão e mudou de qualidade. O escravismo, ainda mais acuado, buscou deter a avalanche abolicionista com novas medidas protelatórias. Em 1885 o parlamento imperial aprovou a Lei do Sexagenário. Esta, libertava os escravos com mais de 60 anos, mas os obrigava a trabalhar compulsoriamente por mais três longos anos, ou seja - até o fatídico ano de 1888. Obrigava também o liberto a ficar no município em que foi libertado por cinco anos, sob ameaça de prisão.
Os fazendeiros escravistas resistiram quanto puderam, se organizaram nos Clubes de Lavoura e passaram a formar milícias armadas para combater os abolicionistas. Jornais foram empastelados e militantes foram agredidos e mortos.
A Lei do Sexagenário, considerada infame, não conteve o ímpeto dos abolicionistas. Ninguém aceitava mais as medidas protelatórias do império. A estratégia reformista parecia derrotada em 1886. Diante da ineficácia dos métodos moderados - exclusivamente jurídicos e parlamentares -, uma parte de seus membros aderiu às posições mais radicais e passou a organizar fugas de escravos.
Em outubro de 1887 o escravismo sofreu um duro golpe quando o Marechal Deodoro da Fonseca, presidente do Clube Militar, solicitou que não se utilizasse o Exército na caçada de escravos fugitivos. Aumentou, assim, a cisão no aparato repressivo do Estado escravista e os senhores de escravos não podiam mais contar com o braço armado do Estado imperial.
Expressiva foi a declaração de voto do deputado escravista Lourenço de Albuquerque: "Voto pela abolição porque perdi a esperança de qualquer solução contrária; seriam baldados os esforços que empregasse; sendo assim, homenagem ao inevitável, à fatalidade dos acontecimentos."
No primeiro semestre de 1887 ocorreu o auge do movimento de fugas de escravos - que atingiu o seu ápice no mês de junho -, colocando a lavoura paulista em crise. As autoridades provinciais pediram reforço militar ao governo imperial. O Barão de Cotegipe enviou um navio de guerra e um batalhão de infantaria. Não foi à toa que em dois de junho de 1887 Campos Salles iniciou o processo de emancipação "voluntária" dos escravos - com cláusulas de serviço por vários anos - entre os fazendeiros paulistas.
A abolição da escravidão foi um grande passo na construção da nacionalidade. Não deve ser subestimada. Ela permitiu que o país desse mais um passo no sentido do desenvolvimento capitalista - condição da revolução socialista. Corretamente, afirmou o documento 500 anos de Luta: "A abolição resultou de um vasto movimento de massas, que incluiu os escravos rebelados, os setores médios das cidades, a intelectualidade avançada e os primeiros da classe operária (...)".
No entanto, como ela não foi acompanhada de uma reforma agrária e de leis protetoras do trabalhador emancipado, acabou mantendo a população negra liberta numa situação de miséria e longe de poder integrar-se à sociedade brasileira enquanto cidadãos. Alguns abolicionistas, reformistas e radicais, compreenderam estes limites. Por isto apresentaram a proposta de uma reforma agrária, como complemento necessário da reforma servil. Assim pensavam Nabuco, Patrocínio e Rebouças. Mas, a reforma agrária seria uma das tarefas que não poderiam ser realizadas por aquele Estado oligárquico e pelas classes dominantes brasileiras - quer na sua versão monárquica ou republicana.
Augusto Buonicore
quinta-feira, 10 de maio de 2012
CAPITALISMO CORRUPTO
A corrupção tem acompanhado a história da humanidade, mas hoje chegou a tais extremos que seu significado etimológico torna-se incompleto: desestruturar, depravar, danar, viciar, perverter, propinar, subornar, não parecem suficientes para descrever este tipo de câncer inserido na sociedade, já que foi transformado num anti-valor.
A corrupção é um dos principais fenômenos que acontecem no mundo do desenvolvimento seja político, social e/ou econômico. É um mal universal que corrói as sociedades e as culturas estando também ligado a outras formas de injustiça e
imoralidade, como os crimes e assassinatos, violência de todos os tamanhos,
morte e todo tipo de impunidade, provocando exclusão, marginalização e medos
generalizados – além de gerar poder para poucos se locupletem. Afeta a dministração geral dos países, o processo eleitoral, o pagamento de impostos, as relações econômicas e comerciais e internacionais, além de corromper todos os tipos de mídias.
Está por igual na esfera pública ou privada na qual se completam mutuamente. Está
ligada ao tráfico de drogas, comércio de armas, suborno, a venda de favores e
decisões, tráfico de influência, enriquecimento ilícito. "Tudo isso, com
características quase apocalípticas, afirmou a Conferência Episcopal da reunião
do Equador em Quito, em 1988, em seu artigo "A corrupção e consciência cristã." Hoje, poder-se-ia considerar todos esses conceitos como absolutamente válido em qualquer lugar do mundo.
O capitalismo do fim do século vinte e início do vigésimo primeiro tornou-se, simplesmente, uma máfia. A corrupção mostra claramente que existe uma doença no sistema, corpo estranho, atacando-lhe: é sua essência, o que o constitui e define a forma que assume na atualidade.
"Os Estados Unidos exigem a liberdade de ação nas áreas globais e de acesso estratégico para regiões importantes do mundo para satisfazer as nossas necessidades de segurança nacional", afirmava um documento relacionado à Estratégia Nacional de Defesa de Washington, em 2008. O ganho será garantido a qualquer custo, e se for através da força bruta, não importa: o fim justifica os meios. A "livre concorrência" tão decantada em verso e prosa foi para as “calendas
gregas”. O mundo tornou-se base operacional de bandos de criminosos e ilegais
de todos os quilates! Com poder absoluto, com o controle do grande capital e ainda se dão ao luxo de falar de democracia e liberdade! Como um gangster pé-de-chinelo, o capitalismo atual se move com a bravata e a mais descarada impunidade.
Se no início do século XX o presidente dos EUA, Calvin Coolidge poderia dizer
que os empresários de seu país “faziam negócios” hoje deveríamos adicionar um qualificativo a palavra negócios, ou seja, denominá-lo de “negócio sujo".
O capitalismo atual é fundamentalmente baseado no sistema financeiro internacional, todos relacionados a mega-fundos - que não têm pátria, respondem apenas à lógica do dinheiro fácil e rapidamente migram para uma extraterritorialidade alienígena quando o ganho não lhes for favorável ou saindo sempre quando a supervisão bancária aperta ou quando o país sede utiliza normas e diretrizes relacionadas á sua soberania nacional. Este espaço não é controlado (como o negócio de armas ou drogas ilícitas) e que, inversamente, em grande medida se abrigam nos chamados paraísos fiscais e bancários offshore (bancos que cobram juros amigáveis dos aplicadores)
Hoje ninguém sabe exatamente quantas são as empresas e os capitais. A verdade
está lá fora, e sua presença na dinâmica global é crucial: as sociedades virtuais e reais que não são obrigados a apresentar balanços, para estabelecer a sua estrutura de propriedade, ou mesmo ter algum capital. Eles (os capitais) se abrigam em todo o mundo: ilhas perdidas espalhadas por todo o mundo, capitais de países do Norte, ou curiosidades como o Principado de Sealand, que funciona em uma plataforma de óleo velho no mar do Norte, ou o Domínio de Melchizedek, a "nação virtual" em primeiro
lugar, localizado em um vizinho atol deserto às Ilhas Marshall, na Micronésia,
no meio do Oceano Pacífico, através do seu site oferece nacionalidade, passaporte e facilidades para todos os tipos de empresas.
Hoje como ontem, nós enfrentamos os mesmos problemas: o sistema beneficia poucos à custa de danos à maioria. A diferença é que agora toda a criminosa corrupção foi se disfarçando em algo legal (com a conivência ou omissão de muitos).
Em outras palavras, estamos nas mãos de uns poucos bandidos perigosos, cheio de poder e disposto a fazer qualquer coisa para continuar a manter seus privilégios. Mas
estamos confiantes que a história não acabou, e como disse uma vez o espanhol
Xabier Gorostiaga: "os que seguem tendo esperança nunca serão estúpidos."
Marcelo Colussi*, Argenpress
*Escritor y politólogo argentino.
domingo, 6 de maio de 2012
A FOGUEIRA DO ÓDIO
O maior problema é que, muitas vezes, a radicalização caminha junto com o desespero.
Como aquele homem que diante da difícil tarefa de capinar o terreno, coloca fogo no campo.
Foi assim, com o desespero de mãos dadas com o extremismo que o nazismo floresceu num dos estados mais evoluídos e civilizados, como a Alemanha, e as labaredas de sua insânia atingiram toda a Europa.
A história não é, como muitos pensam, um mero relato do que já aconteceu. Muito mais que isso, a história, individual ou da civilização é uma advertência para que os erros não se repitam.
Por isso, temos que entender que um cidadão nórdico, típico, instruído e bem relacionado, que sai matando as pessoas que encontra no caminho e que, justifica seu desatino como um protesto diante da passividade de seu governo à questão da imigração, não é apenas um doidinho de atar, como muitos pensam.
Adolf Hitler também foi diminuído em importância e rotulado como “um sujeito engraçado” ou “um doidinho de atar” antes de 1933, quando chegou ao poder.
Ainda por isso, temos que entender de quase 20% de votos para a Sra. Le Pen, digna representante da extrema-direita francesa, não são meros 20%, mas um aviso que o monstro está vivo e doido para reassumir importância, não como um estigma do passado, mas como um personagem do presente.
Quando a crise bate à porta, muitas mentes imprevidentes procuram por culpados.
Um culpado que nunca é ele mesmo ou seu meio, mas um estranho, um componente de fora, um terceiro.
Assim sendo, todos os povos e seus governos devem estar atentos para todo avanço da xenofobia.
Nada, nesse sentido, pode ser negociado.
Não podemos aceitar os elogios ao primeiro-ministro australiano por ter “coragem” de dizer as verdades aos imigrantes muçulmanos da Austrália da mesma forma que não podemos achar algo distante e sem importância a imitação de macaco, ouvida nos estádios de futebol da Europa, quando um jogador negro toca na bola.
Temos que ser intolerantes com a intolerância.
Não podemos proteger com a democracia quem defende o fim da democracia.
Não podemos dormir tranquilamente enquanto pensões muçulmanas são queimadas ou cemitérios judeus são violados, já que não somos nem muçulmanos, nem judeus.
Se hoje as chamas da intransigência não queimam teus pés, a história ensina que amanhã a fogueira do ódio racial poderá te engolir inteiro.
Prof. Péricles
quarta-feira, 2 de maio de 2012
JORNALISMO BANDIDO
A influência da imprensa no alto escalão da política britânica tornou-se a pauta preferida dos chás ingleses desta semana. O magnata Rupert Murdoch depôs e foi a grande estrela da comissão de inquérito presidida pelo juiz Brian Leveson.
Instaurada após a eclosão do escândalo de espionagem de centenas de caixas postais telefônicas feita pelo News of the World (fechado em 2011, após o escândalo), ela investiga os padrões éticos da mídia na Inglaterra e a relação entre jornalistas e políticos.
O premier David Cameron, do Partido Conservador, já esquentara a pauta ao afirmar em sessão no Parlamento: "Todos nós tivemos contato com Rupert Murdoch". Murdoch, porém, no depoimento minimizou sua influência sobre os jornais britânicos. Calmo, bem humorado, sustentou nunca ter pedido nada a um primeiro-ministro: "É natural que políticos busquem editores e às vezes proprietários, se eles estiverem disponíveis, para explicar o que estão fazendo. Mas, eu era apenas um entre muitos."
Nesta 3ª, porém, novas revelações foram feitas por seu filho, James Murdoch. Este confirmou ter estreitos contatos com os ministros do Reino Unido. Em especial, o de Cultura, Jeremy Hunt, ministro sob suspeita de ter passado informações ao grupo Murdoch para a compra da totalidade da operadora de TV a cabo “BSkyB”, da qual a News Corp. já possuía 39% das ações. A oferta para obter o total de ações da operadora foi atropelada pelo escândalo das escutas telefônicas.
Barões da mídia não admitem discutir jornalismo bandido
Murdoch filho nega que Hunt fosse um “grande aliado” na operação, mas confirmou ter tido “inúmeras conversas sobre diferentes assuntos relativos aos negócios e a indústria dos meios de comunicação em geral”. O filho do magnata disse, também, ter estado nada menos que em 12 oportunidades com o premiê Cameron.
Um desses encontros foi em 2010, quando o premier ainda estava na oposição. E mais, Murdoch filho contou que pelo menos em quatro desta uma dúzia de vezes em que esteve com Cameron, Rebekah Brooks, ex-diretora da News International e antiga diretora do “The Sun” e do “The News of the World”, também estava presente. Ela também é investigada por seu papel no escândalo.
Pois é, enquanto a mídia britânica topa discutir seus podres e o principal magnata dela chega quase ao banco dos réus, nós aqui no Brasil, nada de regulamentarmos a nossa imprensa, hein? É discutir o assunto aqui, levantar uma palavra a respeito, e os barões da mídia já vêm com tudo em sua velha história de que é censura, ameaça à liberdade de imprensa...E assim, continuam senhores absolutos de seus monopólios de comunicação e informação usando-os de acordo com seus interesses políticos e econômicos.
Fazem cara de paisagem, fingem que não é com eles e nem em suas empresas, e não discutem o assunto nem agora, que o episódio Carlos Cachoeira desnudou a prática de jornalismo bandido no Brasil, as relações promíscuas da mídia com o crime organizado na produção de notícias contra seus adversários.
Por José Dirceu, em seu blog
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