Foi minha filha Julie quem me deu o tema para esta coluna, logo depois do
Almoço, quando falávamos das mentiras da Tepco no Japão, das tantas mortes
na Líbia e do futuro de Kadhafi. Ela ainda está traumatizada por ter ouvido de um primo, numa reunião familiar na última viagem ao Brasil, que a
ditadura militar tinha sido uma boa coisa para o País.
Terminando o curso colegial, tem estudado a História recente e me
surpreendeu, pois, enquanto tomávamos o café preto sem açúcar, fez um
simples mas profundo comentário:
"Veja só papai: na França, existem ruas, placas comemorativas com o nome
de Jean Moulin, herói da resistência à ocupação nazista. Quando estive em
Barcelona, vi que o povo espanhol não esquece dos que lutaram contra o
ditador Franco. Mas, no Brasil, ninguém fala nos anos da ditadura, minhas
primas nem sabem disso, é como se nunca tivesse acontecido. Mas foram vinte anos!"
Coincidentemente, tinha lido ontem, uma entrevista da jovem e brilhante
jornalista Ana Helena Tavares com um dos nossos heróis da resistência à
ditadura militar, Carlos Eugênio Paz, na qual ele fala nessa falha
histórica, pela qual nossos cinco ditadores são chamados de presidentes e
seus nomes são imortalizados em obras públicas.
É verdade, o Brasil está empurrando para debaixo do tapete sua suja
História, talvez por vergonha, mas principalmente porque muitos de seus
atores, que participaram do golpe e justificaram a ditadura, estão vivos e têm força suficiente, até no STF, para tentar apagar da memória da jovem
geração nossas páginas vergonhosas.
E minha filha citou como exemplo a experiência suíça. Durante anos, os
manuais escolares, os jornais, os políticos suíços esconderam o papel da
Suíça durante a Segunda Guerra, disfarçado sob o manto de uma pretensa
neutralidade. Porém, pressionado pelo peso da verdade, o governo foi
obrigado a criar uma Comissão histórica independente, composta também de
historiadores estrangeiros, presidida pelo suíço Jean François Bergier, para se revelar os anos ocultos.
E muita coisa dolorosa se soube, desde os judeus entregues aos nazistas
nas fronteiras, ficando seus bens retidos nos bancos suíços, à lavagem do
ouro roubado dos bancos centrais dos países ocupados pelos nazistas. Com
esse ouro lavado e trocado em dinheiro, os nazistas podiam importar
tungstênio e matérias primas da Espanha e Portugal para fabricar suas armas
de guerra. E, enfim, foi o próprio presidente suíço quem fez solenemente sua mea culpa.
Argentinos e espanhóis desenterram suas vergonhas e estremecem diante das
revelações de adoções por famílias de militares dos filhos das jovens
opositoras mortas sob a tortura. O exercício da memória é a única maneira de se restabelecer a honra de um país. O Chile teve também seu momento de
penitência, ao se revelarem oficialmente os crimes de Pinochet, velho
decadente fingindo-se de gagá, com seu passado de traição e assassinatos.
É verdade minha filha, o Brasil nunca poderá ser um país de respeito
enquanto não lavar a sujeira dos seus vinte anos de ditadura, enquanto não
soubermos os nomes dos torturadores e assassinos, alguns dos quais
sobreviveram ao retorno da democracia como políticos e parlamentares.
Enquanto os livros escolares não falarem de resistentes como Marighella,
Lamarca e de tantos outros que tornaram possível a democracia de hoje. Será
também preciso se retirar dos ditadores, desde Castelo Branco a Figueiredo,
passando por Médici, Costa e Silva e Geisel, a citação e referência de terem sido nossos presidentes.
É preciso se contar a verdade para as novas gerações estudiosas, que
terão vergonha se o Brasil for o único país do mundo a acobertar a vergonha
dos seus anos sujos de ditadura, de falta de liberdade, de torturas e
assassinatos. E nesse quadro, é muito normal surgirem declarações abjetas
como essas do deputado Bolsonaro, apoiadas pelo pessoal dos anos sujos. Declarações que nunca serão punidas.
Sobre o autor deste artigo Rui Martins
Jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura, é
líder emigrante, ex-membro eleito no primeiro conselho de emigrantes junto
ao Itamaraty. Criou os movimentos Brasileirinhos Apátridas e Estado dos
Emigrantes, vive em Berna, na Suíça. Escreve para o Expresso, de Lisboa,
Correio do Brasil e agência BrPress.
Um comentário:
professor, não sei se o senhor já viu este video, ele é bem interessante.
LINK: http://www.youtube.com/watch?v=NU7S4CwrwVA
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