Já no final de seu mandato (31/12/2010), o presidente Lula assinou um decreto recusando a extradição exigida pela Itália. Esse decreto foi aprovado pelo STF, por 6 votos a favor e apenas 3 contrários.
Solto em 2011, Cesare adquiriu o direito de ser residente permanente no Brasil, recebendo documentos normais de validade ilimitada. Até o dia de hoje, Cesare tem vivido dos direitos autorais de seus livros, especialmente dos que provém da França, eleva uma vida totalmente normal. Ele não registra qualquer irregularidade em território brasileiro, salvo uma multa por estacionamento incorreto (mas não por excesso de velocidade).
Tem um filho, Raul Battisti, com quatro anos de idade. Ele nem sempre pode vê-lo, pois no interior da São Paulo, onde a criança vive com sua mãe, Cesare sempre é provocado pela mídia local, por elementos da classe alta, por militantes de partidos de direita (como os tucanos) e, em alguns casos, pela polícia daquele município.
Cesare precisa tratamento médico regular por causa de sua hepatite, mas tem sofrido discriminação no hospital público de São José do Rio Preto.
A perseguição a Battisti é o que se chama uma vendeta. E ninguém deve ser preso, perseguido nem morto por causa de uma vingança. Isso é uma forma primitiva e bárbara de lidar com os problemas.
Cesare tem um filho brasileiro, menor de idade, de mãe brasileira. De acordo com o Estatuto do Estrangeiro, nenhuma pessoa que tenha um filho no Brasil pode ser expulsa, deportada ou extraditada. Nem mesmo a ditadura militar violou este princípio. Lembremos o caso de assaltante do trem-correio de Londres, Ronald Biggs, que aqui permaneceu a salvo quanto tempo quis e só saiu quando quis.
O decreto assinado por Lula no último dia do seu mandato está em plena vigência. Alguns decretos podem ser modificados, mas só durante os cinco anos seguintes; o decreto do Lula, contudo, está prestes a completar sete anos.
Além disto, de tal decreto decorreram direitos adquiridos. Portanto, ele não pode ser revogado, anulado nem modificado. Não poderia ser anulado nem mesmo pelo próprio Lula!
O que o governo brasileiro pretende fazer, de forma tortuosa e recorrendo a tratativas sigilosas, é ilegal: Cesare não é refugiado. Esta é uma mentira usada pela mídia, pelo governo e por alguns juízes. O refúgio de Cesare foi anulado pelo Supremo Tribunal Federal. Desde junho de 2011, Cesare é um residente permanente, ou seja, imigrante. Ele é um estrangeiro com os mesmos direitos que tiveram os pais de Temer, de Dilma e de vários milhões de pais e avós de brasileiros.
A viagem a Bolívia não quebrou nenhuma relação de confiança, pois o Cesare tinha total direito de sair e entrar do país quantas vezes quisesse. É algo que todos nós, estrangeiros de nascença, sempre fizemos e fazemos. Aliás, os valores em dinheiro que os três amigos portavam, na casa de R$ 25 mil, eram inferiores ao teto permitido (R$ 10 mil cada).
Caso fosse aprovada, a extradição de Battisti arranharia profundamente nossa soberania. Pensem nisto: seria violar a vontade do ex-presidente e do plenário do STF, que referendou o decreto de Lula. E para quê? Apenas para obedecer ao embaixador italiano e às forças políticas que ele representa.
Devemos difundir estes pontos entre todas as pessoas conhecidas, grupos políticos, comunicadores, representantes populares, movimentos sociais, etc., tornando-os o mais conhecidos possível nas redes sociais e outros meios ao nosso alcance.
Carlos Lungarzo, professor, jurista, escritor, autor do livro Os Cenários Ocultos do Caso Battisti
terça-feira, 24 de outubro de 2017
domingo, 22 de outubro de 2017
TUDO SOBRE CESARE BATTISTI - 1ª PARTE
Durante a década de 1970, com cerca de 20 anos de idade, Cesare Battisti entrou nos grupos de esquerda que lutavam contra o fascismo em toda a Itália.
Depois do final da 2ª Guerra Mundial, os fascistas perderam o direito de usar seus símbolos, bandeira, escudos e a denominação Partido Fascista, mas eles continuaram tendo poder e fundaram novos partidos políticos nos quais não aparecia o nome fascista.
Seu escudo e outros símbolos foram levemente alterados, para evitar críticas. Porém, sua ideologia e suas tradições continuavam sendo tão fascistas como antes. Aliás, sua ação foi igual ou pior que a de antes da guerra.
Os novos fascistas (chamados neofascistas) queriam evitar o avanço da esquerda, que se tornou muito forte depois da guerra. Tinham o apoio dos grandes magnatas, dos altos escalões da polícia, dos chefes militares e da Igreja. Dispondo, ademais, de muito dinheiro, foram os que produziram os atuais partidos da direita italiana.
Durante algum tempo, os fascistas tiveram poucos representantes entre os juízes, mas, a partir de 1974, os velhos juízes conservadores e fascistas ficaram donos do espaço jurídico.
A política fascista consistia em atacar grupos de esquerda, trabalhadores, intelectuais, estudantes, favelados, etc., mas também realizaram numerosos atos terroristas. Esses atos foram chamados de estragos. Num prazo de 12 anos, os estragos fascistas deixaram centenas de mortos e milhares de feridos.
Os grupos de jovens que lutavam contra o fascismo eram muitos. Houve na Itália dos anos 70 mais de 100 grupos de esquerda (refiro-me aos grupos que lutavam pelos direitos dos trabalhadores, não àqueles que queriam tomar o poder político, como as Brigadas Vermelhas).
Battisti entrou num grupo chamado Proletários Armados para o Comunismo, que atuava na região norte da Itália. Apesar de estarem armados, os PAC somente atuavam em defesa própria.
Os PAC pertenciam a uma tendência ampla, chamada Autonomia, que lutava contra a opressão do Estado. Tal tendência reuniu muitos jovens independentes, além de antigos militantes do Partido Comunista Italiano, que abandonam esta agremiação quando ela guinou à direita, após 1974, na esperança de compartilhar o poder com a Democracia Cristã.
Os PAC tinham um compromisso de não usar violência letal, mas apenas a necessária para neutralizar torturadores, terroristas de Estado e semelhantes. No entanto, em 1978, um grupo de cerca de 20 militantes dos PAC decidiu mudar de filosofia, executando um torturador da polícia (Santoro), e dois membros de grupos terroristas fascistas (Sabbadin e Torregiani). Também mataram um motorista da polícia, sobre cuja participação em tortura não havia nenhuma prova. Essas são as quatro vítimas das que falam os italianos.
Battisti e vários outros membros do PAC se manifestaram contra esta política, e foram se afastando do grupo. No entanto, Cesare era muito conhecido pelos juízes, promotores e policiais, por tratar-se de um dos mais ativos na denúncia de torturas, do papel da máfia, e dos crimes cometidos pela polícia contra cidadãos pobres (pancadas, estupros, fuzilamentos sumáriso, etc.)
As quatro mortes atribuídas a Battisti tiveram como autores outros membros dos PAC, que foram condenados e cumpriram suas penas há alguns anos. Cesare foi alvo de delatores premiados, que o acusaram de participação e até de ter planejado os quatro crimes. O principal deles, Pietro Mutti (que os juízes chamavam carinhosamente de Pierino) parece ter tido toda sua pena perdoada.
Cesare foi condenado a duas penas de prisão perpétua em julgamentos marcados por todo tipo de ilegalidades:
1. Ele não estava presente no julgamento. Encontrava-se exilado, e havia casado com uma moça francesa, da qual tem hoje duas filhas adultas;
2. Ele não teve advogados verdadeiros. Os advogados foram impostos pelos juízes;
3. Não houve provas nem testemunhas reais que declarassem contra ele. Os autos mencionam depoentes quaisquer, apenas pelo sobrenome. É como se, no Brasil, falassem que elas são Silva, Barbosa, Almeida, etc.;
4. As únicas denúncias contra ele provieram de delatores premiados, que obtiveram grandes reduções de suas penas;5. Duas procurações usadas no julgamento como se fossem de Battisti não passavam de falsificações.
Depois do final da 2ª Guerra Mundial, os fascistas perderam o direito de usar seus símbolos, bandeira, escudos e a denominação Partido Fascista, mas eles continuaram tendo poder e fundaram novos partidos políticos nos quais não aparecia o nome fascista.
Seu escudo e outros símbolos foram levemente alterados, para evitar críticas. Porém, sua ideologia e suas tradições continuavam sendo tão fascistas como antes. Aliás, sua ação foi igual ou pior que a de antes da guerra.
Os novos fascistas (chamados neofascistas) queriam evitar o avanço da esquerda, que se tornou muito forte depois da guerra. Tinham o apoio dos grandes magnatas, dos altos escalões da polícia, dos chefes militares e da Igreja. Dispondo, ademais, de muito dinheiro, foram os que produziram os atuais partidos da direita italiana.
Durante algum tempo, os fascistas tiveram poucos representantes entre os juízes, mas, a partir de 1974, os velhos juízes conservadores e fascistas ficaram donos do espaço jurídico.
A política fascista consistia em atacar grupos de esquerda, trabalhadores, intelectuais, estudantes, favelados, etc., mas também realizaram numerosos atos terroristas. Esses atos foram chamados de estragos. Num prazo de 12 anos, os estragos fascistas deixaram centenas de mortos e milhares de feridos.
Os grupos de jovens que lutavam contra o fascismo eram muitos. Houve na Itália dos anos 70 mais de 100 grupos de esquerda (refiro-me aos grupos que lutavam pelos direitos dos trabalhadores, não àqueles que queriam tomar o poder político, como as Brigadas Vermelhas).
Battisti entrou num grupo chamado Proletários Armados para o Comunismo, que atuava na região norte da Itália. Apesar de estarem armados, os PAC somente atuavam em defesa própria.
Os PAC pertenciam a uma tendência ampla, chamada Autonomia, que lutava contra a opressão do Estado. Tal tendência reuniu muitos jovens independentes, além de antigos militantes do Partido Comunista Italiano, que abandonam esta agremiação quando ela guinou à direita, após 1974, na esperança de compartilhar o poder com a Democracia Cristã.
Os PAC tinham um compromisso de não usar violência letal, mas apenas a necessária para neutralizar torturadores, terroristas de Estado e semelhantes. No entanto, em 1978, um grupo de cerca de 20 militantes dos PAC decidiu mudar de filosofia, executando um torturador da polícia (Santoro), e dois membros de grupos terroristas fascistas (Sabbadin e Torregiani). Também mataram um motorista da polícia, sobre cuja participação em tortura não havia nenhuma prova. Essas são as quatro vítimas das que falam os italianos.
Battisti e vários outros membros do PAC se manifestaram contra esta política, e foram se afastando do grupo. No entanto, Cesare era muito conhecido pelos juízes, promotores e policiais, por tratar-se de um dos mais ativos na denúncia de torturas, do papel da máfia, e dos crimes cometidos pela polícia contra cidadãos pobres (pancadas, estupros, fuzilamentos sumáriso, etc.)
As quatro mortes atribuídas a Battisti tiveram como autores outros membros dos PAC, que foram condenados e cumpriram suas penas há alguns anos. Cesare foi alvo de delatores premiados, que o acusaram de participação e até de ter planejado os quatro crimes. O principal deles, Pietro Mutti (que os juízes chamavam carinhosamente de Pierino) parece ter tido toda sua pena perdoada.
Cesare foi condenado a duas penas de prisão perpétua em julgamentos marcados por todo tipo de ilegalidades:
1. Ele não estava presente no julgamento. Encontrava-se exilado, e havia casado com uma moça francesa, da qual tem hoje duas filhas adultas;
2. Ele não teve advogados verdadeiros. Os advogados foram impostos pelos juízes;
3. Não houve provas nem testemunhas reais que declarassem contra ele. Os autos mencionam depoentes quaisquer, apenas pelo sobrenome. É como se, no Brasil, falassem que elas são Silva, Barbosa, Almeida, etc.;
4. As únicas denúncias contra ele provieram de delatores premiados, que obtiveram grandes reduções de suas penas;5. Duas procurações usadas no julgamento como se fossem de Battisti não passavam de falsificações.
Durante seu exílio na França, Cesare trabalhou como zelador de prédios e restaurantes, bem como em diversos empregos, todos legais. No final dos anos 80 começou a ter sucesso como romancista, tendo hoje publicados cerca de 20 títulos, deles, três no Brasil, além de um novo em via de publicação, sobre a região de Cananeia, no litoral Sul paulista.
Cesare chegou ao Brasil em 2005, e foi capturado pela polícia em 2007, por ordem da Itália. Esteve quatro anos na prisão da Papuda, em Brasília, sendo alvo dos ataques da mídia, dos partidos de direita e de pessoas pagas pela Itália. Seu julgamento foi influenciado pela embaixada italiana e ao menos quatro dos juízes mantinham relações amistosas com os diplomatas.
A petição por sua liberdade em 2009 conseguiu milhares de assinaturas. Cesare teve muito apoio de sindicatos, partidos de esquerda e de centro-esquerda, ONGs de direitos humanos, de advogados e jornalistas, bem como de todos os movimentos sociais. O PT aprovou uma moção oficial apoiando sua libertação em 2009.
Já no final de seu mandato (31/12/2010), o presidente Lula assinou um decreto recusando a extradição exigida pela Itália. Esse decreto foi aprovado pelo STF, por 6 votos a favor e apenas 3 contrários.
Por Carlos Lungarzo, professor, jurista, escritor, autor do livro Os Cenários Ocultos do Caso Battisti
Cesare chegou ao Brasil em 2005, e foi capturado pela polícia em 2007, por ordem da Itália. Esteve quatro anos na prisão da Papuda, em Brasília, sendo alvo dos ataques da mídia, dos partidos de direita e de pessoas pagas pela Itália. Seu julgamento foi influenciado pela embaixada italiana e ao menos quatro dos juízes mantinham relações amistosas com os diplomatas.
A petição por sua liberdade em 2009 conseguiu milhares de assinaturas. Cesare teve muito apoio de sindicatos, partidos de esquerda e de centro-esquerda, ONGs de direitos humanos, de advogados e jornalistas, bem como de todos os movimentos sociais. O PT aprovou uma moção oficial apoiando sua libertação em 2009.
Já no final de seu mandato (31/12/2010), o presidente Lula assinou um decreto recusando a extradição exigida pela Itália. Esse decreto foi aprovado pelo STF, por 6 votos a favor e apenas 3 contrários.
Por Carlos Lungarzo, professor, jurista, escritor, autor do livro Os Cenários Ocultos do Caso Battisti
segunda-feira, 16 de outubro de 2017
NOSTALGIA DA LUZ
por Cláudia Versiani
Na estrada para San Pedro de Atacama, Manuel, o motorista, fez questão de desviar da rota para mostrar o memorial construído no local onde foram enterradas vítimas da ditadura. “Em 19 de outubro de 1973, tiraram 26 prisioneiros da cadeia de Calama, onde fica o aeroporto, mataram e enterraram aqui. A maioria trabalhava nas minas”, conta. A região é rica em cobre e famosa internacionalmente desde que, em 2010, um grupo de mineiros ficou soterrado durante mais de dois meses a quase 700 metros de profundidade.
Atacama é um dos principais destinos turísticos do Chile. É o deserto mais alto do mundo, o mais seco. San Pedro, ponto de partida para os passeios pela região, é uma pequena cidade com chão de terra, como se poderia imaginar a Macondo de Cem Anos de Solidão. Entre as paisagens “lunares” de vulcões, gêiseres e lagoas estão até hoje os restos mortais de ativistas assassinados.
Em 2010, o documentarista chileno Patricio Guzmán produziu Nostalgia da Luz. A película estabelece uma sensível relação entre dois aspectos do Deserto de Atacama: o fato de, pelo clima seco, ser um dos melhores locais para observação do céu (a região abriga o mais potente complexo astronômico do mundo) e o fato de ter sido usado como cemitério clandestino de presos políticos.
Guzmán mostra que os astrônomos, amparados pela transparência do ar, exploram galáxias longínquas e perscrutam o passado por meio dos telescópios e dos anos-luz que separam a Terra dos corpos celestes.
Ao mesmo tempo, outros indivíduos fazem investigação análoga e procuram vestígios de parentes mortos há mais de 40 anos, aproveitando a secura do solo que conserva os restos de seres vivos.
No deserto de 105 mil quilômetros quadrados, mulheres cavam a areia em busca de fragmentos de ossos. Procuram o que quer que seja de familiares desaparecidos. E o resultado não é improvável: durante a filmagem, encontraram mais um corpo, mumificado pelo solo árido.
Dias depois do golpe, Pinochet criou uma comissão para “acelerar os processos, padronizar critérios na administração da Justiça e instruir militares provinciais sobre como tratar os opositores”, eufemismo que significava executar oponentes do regime.
Essa comissão, posteriormente chamada Caravana da Morte, percorreu o país. No norte, onde ficam Calama e Atacama, 71 presos políticos foram executados com especial crueldade, para que morressem lentamente, e enterrados em covas coletivas, sem identificação.
No lugar de uma dessas covas, de onde os cadáveres haviam sido exumados com escavadeiras e jogados no mar ou enterrados alhures, para nunca serem encontrados, ergueu-se em 2004 o memorial mostrado por Manuel. O monumento, evidentemente, não integra os roteiros turísticos.
O memorial é uma construção circular no meio da paisagem árida do deserto. Tem 34 colunas, cada uma a representar uma vítima da cidade. Concebido pela Associação de Familiares de Executados Políticos e Presos Desaparecidos de Calama, foi inaugurado em 19 de outubro de 2004, exatamente 31 anos depois do assassinato coletivo. É dedicado a todos os perseguidos da região. Flores e inscrições em mármore, inclusive um texto de Pablo Neruda, lembram os desaparecidos.
Em destaque, uma placa de metal com as seguintes palavras, em tradução livre:
Parque para preservação da memória histórica
Neste lugar, nesta sepultura, sob o solo seco do Deserto de Atacama, foram enterrados durante o governo militar os corpos de 26 homens executados em 19 de outubro de 1973 por uma comitiva do Exército do Chile denominada “Caravana da Morte”.
Depois dos assassinatos, os familiares iniciamos no deserto uma busca que ainda não terminou. Os corpos foram removidos deste sítio em data desconhecida, e o destino final deles é incerto. Porém, em julho de 1990, foi encontrada esta sepultura, onde foram resgatados pequenos fragmentos ósseos que permitiram identificar alguns dos nossos. As 34 colunas representam as vítimas desaparecidas nesta cidade durante a ditadura.
Este parque foi erigido em memória daqueles a quem foram arrebatadas as vidas na luta por seus ideais, e para que o legado de seus espíritos e a lembrança imorredoura de seu sacrifício permaneçam na consciência coletiva de Calama.
A ditadura de Pinochet durou de 1973 a 1990, e oficialmente reprimiu mais de 30 mil opositores, entre mortos, desaparecidos e torturados. O número pode ser maior, pois é possível que muitos, por medo ou desinformação, não tenham se manifestado na comissão que investigou os crimes.
quarta-feira, 11 de outubro de 2017
BURROS E PERVERSOS
O planeta Terra possui mais de 7 bilhões de habitantes. Muita gente, mas, não se iluda, não é de todos.
Analisando sua história dá pra ver claramente que os donos do planeta são de dois tipos: os burros e os perversos.
Burros e perversos, eis os donos do orbe.
Os burros dividem-se em vários subgrupos, mas, em geral são aqueles que não pensam exatamente no todo, mas em tudo que possa ser seu. São de natureza oportunista e egoísta.
Esforçados, os burros sabem que por luz própria não chegarão a patamares mais elevados, por isso, invejam os talentosos enquanto trabalham em dobro contra os que pensam, a quem, realmente temem.
Pensar é algo subversivo no mundo dos burros.
Enquanto isso o pessoal do talento achando que ao natural chegará um dia ao seu lugar ao sol, invariavelmente perdem tempo e espaços, declinam e terminam a vida rancorosos, se achando injustiçados por se perceberem melhores do que os que governam suas vidas.
Tipo Stálin e Trotsky. Stálin era burro, sem luz ideológica própria, Trotsky, genial. Trotsky ficou esperando a história lhe fazer justiça enquanto Stálin fazia alianças na calada da noite, no partido. No fim, veja quem comandou a Rússia por 30 anos e escreveu as páginas da revolução (o stalinismo, burro e violento, claro).
Os perversos também se dividem em vários subgrupos, mas o que predomina em todos eles é a esperteza.
Buscam o alto da pirâmide e não importando os obstáculos, invariavelmente atingem seus objetivos. Usam os burros que contentam-se com pouco e a preguiça dos talentosos. Dissimulam sentimentos e ideais que não possuem, mentem, enganam, iludem, manipulam, mas, sim, chegam lá.
Assim, por exemplo, os perversos não permitem qualquer alteração da estrutura fundiária injusta e imoral e os burros, que não possuem nem um grão de terra os apoiam. Os perversos são contra programas sociais, pois querem todos os recursos para seus fins, e os burros batem panelas. Os perversos são corruptos históricos, mas usam a corrupção para atacar seus inimigos, e os burros aplaudem golpes.
A Terra é governada por eles, os burros e os perversos.
Se você não é burro, nem perverso, é um viajante. Está aqui de visita e nada mais.
Nem tente mudar a casa que não é sua. Burros e perversos não permitirão arrumações. Irão te rotular ideologicamente e ridicularizar tuas utopias.
Em terra de burros e perversos sonhar é perigoso, tome cuidado. Eles irão ferir seus sonhos.
Alguns visitantes iluminados tentaram arrumar a casa e despossui-la dos burros e perversos.
Sócrates, Jesus, Gandhi, Martin Luther King, Mandela, Giordano Bruno e outros, ousaram desafiar o poder constituído, mas, nem é preciso dizer como reagiram os burros e os perversos, não é mesmo?
Por isso, não estressa. Sabemos que a verdadeira partida ainda está para ser jogada. Mas não aqui.
Siga seu rumo e espalhe o amor, procure fazer o bem e ser feliz. Mas, sem ilusões.
A não ser que você seja um burro ou um perverso.
Nesse caso, sinta-se em casa.
Prof. Péricles
terça-feira, 10 de outubro de 2017
ALLENDE, EL PIJE
De acordo com seus amigos, "El Pije" (elegante), como Allende era conhecido, já
discutia política aos 15 anos com a malícia de um veterano. Seus primeiros
contatos com essa atividade aconteceram no colégio, quando conheceu o anarquista italiano Juan Demarchi, que lhe indicava leituras.
Allende estudou medicina na Universidade do Chile e, em 1927, foi eleito
presidente do Centro de Alunos. Em 1933, foi um dos fundadores do Partido
Socialista Chileno, dele fazendo parte até 1946. Em 1937, foi eleito deputado e, dois anos depois, nomeado ministro da Saúde, função que exerceu até 1942. No ano seguinte, assumiu a direção do partido. Em 1945, foi eleito senador, cargo que ocupou durante 25 anos.
Salvador Allende perdeu por três vezes as eleições presidenciais, em 1952, 1958 e 1964, mas conseguiu eleger-se presidente do Chile em 1970, como candidato de uma coligação de esquerda, a Unidade Popular. Assim, entrou para a história da política mundial como o primeiro marxista a chegar ao poder através das urnas.
Allende assumiu a presidência no dia 3 de novembro de 1970 e durante seu governo nacionalizou as minas de cobre, a principal riqueza do país. Além disso, passou as minas de carvão e os serviços de telefonia para o controle do Estado, aumentou a intervenção nos bancos e fez a reforma agrária, desapropriando grandes extensões de terras improdutivas e entregando-as aos camponeses.
Desde que assumiu o poder, Allende tinha em mente o projeto de construir um "caminho chileno para o socialismo". A adoção dessa linha socialista por Allende, implementada durante seus três anos de permanência no poder, além de gerar a oposição dos democrata-cristãos direitistas, de causar um verdadeiro pânico na maioria da classe média chilena,
que passou a sabotar sua economia, paralisando-a, quase totalmente, em 1973, provocou sua indisposição com a esquerda radical chilena, como o MIR, que pugnava pela tomada do poder pela força, e criou antipatia com uma parte
importante do efetivo militar chileno, cujos chefes sempre foram treinados e doutrinados nas academias militares dos Estados Unidos. Allende denunciou em vão, nas Nações Unidas, as tentativas norte-americanas de desestabilização do Chile.
A situação econômica tornou-se catastrófica. Os investimentos privados do Chile caíram e o desemprego aumentou velozmente. A população se revoltou e passou a protestar em manifestações turbulentas com a paralisação dos transportes e do comércio e com inúmeros atentados, que provocaram apagões e danificaram pontes e oleodutos.
Apesar das graves dificuldades econômicas, a Unidade Popular obteve 43% dos votos nas eleições de 1973. Em junho desse mesmo ano, porém, ocorreu uma frustrada tentativa de golpe de Estado. Três meses depois, no dia 11 de
setembro, o governo de Allende foi derrubado pelo exército, liderado pelo general Augusto Pinochet.
Allende faleceu resistindo ao ataque, às 14:15 desse dia.
Aos 65 anos, Allende tornou-se uma das primeiras vítimas da ditadura militar chilena, que durou 17 anos e deixou pelo menos trinta mil mortos ou desaparecidos.
VÁRIOS AUTORES
discutia política aos 15 anos com a malícia de um veterano. Seus primeiros
contatos com essa atividade aconteceram no colégio, quando conheceu o anarquista italiano Juan Demarchi, que lhe indicava leituras.
Allende estudou medicina na Universidade do Chile e, em 1927, foi eleito
presidente do Centro de Alunos. Em 1933, foi um dos fundadores do Partido
Socialista Chileno, dele fazendo parte até 1946. Em 1937, foi eleito deputado e, dois anos depois, nomeado ministro da Saúde, função que exerceu até 1942. No ano seguinte, assumiu a direção do partido. Em 1945, foi eleito senador, cargo que ocupou durante 25 anos.
Salvador Allende perdeu por três vezes as eleições presidenciais, em 1952, 1958 e 1964, mas conseguiu eleger-se presidente do Chile em 1970, como candidato de uma coligação de esquerda, a Unidade Popular. Assim, entrou para a história da política mundial como o primeiro marxista a chegar ao poder através das urnas.
Allende assumiu a presidência no dia 3 de novembro de 1970 e durante seu governo nacionalizou as minas de cobre, a principal riqueza do país. Além disso, passou as minas de carvão e os serviços de telefonia para o controle do Estado, aumentou a intervenção nos bancos e fez a reforma agrária, desapropriando grandes extensões de terras improdutivas e entregando-as aos camponeses.
Desde que assumiu o poder, Allende tinha em mente o projeto de construir um "caminho chileno para o socialismo". A adoção dessa linha socialista por Allende, implementada durante seus três anos de permanência no poder, além de gerar a oposição dos democrata-cristãos direitistas, de causar um verdadeiro pânico na maioria da classe média chilena,
que passou a sabotar sua economia, paralisando-a, quase totalmente, em 1973, provocou sua indisposição com a esquerda radical chilena, como o MIR, que pugnava pela tomada do poder pela força, e criou antipatia com uma parte
importante do efetivo militar chileno, cujos chefes sempre foram treinados e doutrinados nas academias militares dos Estados Unidos. Allende denunciou em vão, nas Nações Unidas, as tentativas norte-americanas de desestabilização do Chile.
A situação econômica tornou-se catastrófica. Os investimentos privados do Chile caíram e o desemprego aumentou velozmente. A população se revoltou e passou a protestar em manifestações turbulentas com a paralisação dos transportes e do comércio e com inúmeros atentados, que provocaram apagões e danificaram pontes e oleodutos.
Apesar das graves dificuldades econômicas, a Unidade Popular obteve 43% dos votos nas eleições de 1973. Em junho desse mesmo ano, porém, ocorreu uma frustrada tentativa de golpe de Estado. Três meses depois, no dia 11 de
setembro, o governo de Allende foi derrubado pelo exército, liderado pelo general Augusto Pinochet.
Allende faleceu resistindo ao ataque, às 14:15 desse dia.
Aos 65 anos, Allende tornou-se uma das primeiras vítimas da ditadura militar chilena, que durou 17 anos e deixou pelo menos trinta mil mortos ou desaparecidos.
VÁRIOS AUTORES
sábado, 7 de outubro de 2017
O JORNALISTA ERA ESPIÃO
Por Sheila Sacks
Nascido na Alemanha do após guerra, Wilhelm Dietl era um jornalista experiente e respeitado, com vários livros no currículo, quando em 2005 descobriu-se que ele havia sido um agente do Serviço de Inteligência Federal (BDN, na sigla em alemão) por mais de uma década.
Especialista em geopolítica do Oriente Médio, autor de reportagens investigativas em zonas de conflito, notadamente em países como Irã, Iraque, Afeganistão, Paquistão, Líbia, Líbano, Israel, Egito e Síria, Dietl contava com espaços preciosos para as sua matérias em importantes veículos de comunicação, como os semanários “Stern” e “Focus”.
Mas tudo mudou quando seu nome apareceu em um relatório do BDN como sendo o de um espião remunerado de codinome “Dali” que exerceu a função de informante do órgão no período de 1982 a 1993.
Dietl sempre negou que espionava ou fornecia informações contra os seus colegas de profissão, apesar de admitir que por onze anos foi um agente pago do serviço secreto alemão. Ganhava mil marcos (cerca de 500 euros) por relatório de dez páginas, além de ter as suas passagens aéreas e as diárias de hotéis pagas a cada missão, que podia ser em Paris, entrevistando o presidente deposto da Argélia, Ahmed Ben Bella (1918-2012), ou em Damasco, conversando com o ministro de Defesa da Síria, Mustafa Tlass, que exerceu o cargo de 1972 a 2004.
Ele afirma que no início hesitou, mas que depois concordou com a proposta, imaginando que estaria servindo ao país.
O trabalho como jornalista funcionou como excelente cobertura, segundo Dietl, facilitando o seu acesso às informações e às pessoas, como no caso do jornalista sírio Louis Fares, amigo pessoal do presidente Hafez al-Assad (1930-2000). O político sírio que governou o país por quase 30 anos, pai do atual presidente Bashar al-Assad, enviou Fares em missões clandestinas à França e Dietl dá a entender que essa amizade e de outras fontes sírias lhe renderam importantes documentos sigilosos, os quais enviava para seus contatos na Alemanha.
Durante o período em que foi agente secreto, Dietl amealhou o equivalente a 600 mil marcos. Quando se desligou do BDN por divergências com o órgão, ele conta que até sentiu alívio, pois admite que estava com os “nervos em frangalhos”. Ele se reunia com terroristas, comandantes militares, representantes de serviços de inteligência e políticos na condição de correspondente, com a incumbência de escrever reportagens sobre os acontecimentos no Oriente Médio.
No início de 1982, chegou a ser detido pelas forças de segurança sírias na cidade de Hama, ao norte de Damasco, durante os sangrentos confrontos com o grupo da Irmandade Muçulmana, que se rebelou contra o governo central. Mas conseguiu escapar mostrando a seus interrogadores a gravação da entrevista que teve com o ministro de Informações do país e mentindo acerca de um suposto encontro agendado com o presidente Hafez Assad (que não pode ser checado porque o serviço de telefonia estava interrompido).
“Estou orgulhoso do que fiz”, declara Dietl. “Não tenho que pedir desculpas. Eu agi acreditando em valores e ideais; denunciei terroristas perigosos, abortando operações e salvando vidas humanas.”
No Brasil, o jornalista Claudio Tognolli, diretor-fundador da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), professor da USP e autor de livros polêmicos (‘Mídia, Máfia e Rock and Roll – 50 anos a mil’; ‘Assassinato de reputações’, entre outros) é incisivo ao traduzir o envolvimento do jornalismo com o ambiente da inteligência e espionagem. “Todo mundo que cobre inteligência tem algum amigo que trabalhou ou trabalha para a CIA ou para a KGB.”
Ano passado, “O Globo” publicou uma reportagem investigativa do jornalista José Casado acerca da conexão islâmica no Cone Sul que prima pelos detalhes das informações. A matéria reconta os preparativos para os atentados à embaixada de Israel em Buenos Aires e ao prédio da Amia (Associação Mutual Israelita da Argentina), em 1992 e 1994. Casado expõe a fragilidade de atuação dos órgãos governamentais na Tríplice Fronteira e “a relutância dos governos da América do Sul em admitir a possibilidade de conexão regional com a novidade do terrorismo político-religioso em escala global” (“A Conexão Brasil no Extremismo Islâmico”, em 13/07/2014).
Um texto extraordinário, de leitura imperdível, melhor do que qualquer relatório “confidencial” da CIA, reforçando a sensação de que a linha de demarcação entre o jornalismo e a espionagem é uma questão de opinião.
Sheila Sacks, jornalista formada pela PUC-RJ tem artigos publicados nos sites Observatório da Imprensa e Rio Total. Desde 2009 mantém o blog “Viajantes do tempo”.
Assinar:
Postagens (Atom)