domingo, 2 de julho de 2017

A MISSA, O PADRE E A FAMÍLIA


Por Maria Lúcia Dahl,

Fui a missa outro dia, perto da minha casa, e um padre que eu nunca tinha visto antes, me perguntou se eu era a Maria Lucia Dahl. Fiquei espantada, respondi que sim, e ele, o padre principal da igreja, começou a contar para um outro padre mais moço, que tinha visto todos os meus filmes e novelas.


Fiquei pasma e ele me disse que era uma alegria enorme que eu estivesse ali na sua paróquia.


Senti-me super-feliz, achando que poderia ser uma mensagem de Deus, e no final da missa, o padre pediu pras pessoas esperarem que ele queria apresentar uma pessoa que ele muito estimava e que estava contente por ela ter escolhido a sua igreja entre tantas outras. Então, fui até perto do altar onde ele estava junto com o padre jovem e ele me apresentou como uma ótima atriz, escritora e jornalista.


Fiquei impressionada com o que estava acontecendo por que não sou nenhuma estrela da capa de Caras e por isso agradeci a Deus como se estivesse sendo abençoada.


Agradeci a todos e fui pra casa muito feliz , me sentindo menos sozinha, pois minha filha e meu neto caçula foram para S. Paulo e o meu neto mais velho, de quinze anos, alem de estar indo morar em Los Angeles, passa as 24 horas que deveria estar na minha casa, no apartamento da namorada ou com uma turma de vários amigos.


Sabia que chegava uma hora em que filhos e netos nos abandonam para viver suas próprias vidas, mas não que hoje em dia isso começasse quando eles têm 15 anos. E tem mais: quando ele fica comigo sozinho, (o que é uma raridade), se tranca no quarto jogando no computador ou vendo televisão.


Papo comigo, não existe mais. Quando vou visita-lo nos seus aposentos, está sempre ocupado com centenas de mensagens em toda parte e de todo jeito o que o faz me dizer sobre a nossa conversa combinada: “Vó, agora estou ocupado. Espera só um instantinho”.


Instantinho esse, que depois que as férias começaram nunca mais voltou, esperando as corridas de bicicleta, o futebol na TV, a praia no Arpoador e outras que tiram completamente o tempo do pobre instantinho que esperava pra voltar.


Então me dei conta de que não era mais aquela pessoa que convivia com netos, filha e que apesar dos amigos e do companheiro, graças a Deus, não me reconhecia nesse novo papel de atriz solitária, pois família faz parte da nossa alma, então compreendi por que fiquei tão feliz quando o padre percebeu que essa pessoa triste de agora ainda era eu.



Maria Lúcia Dahl , atriz, escritora e roteirista. Participou de mais de 50 filmes entre os quais – Macunaima, Menino de Engenho, Gente Fina é outra Coisa e29 peças teatrais. Como cronista escreveu durante 26 anos no Jornal do Brasil.

sábado, 1 de julho de 2017

MILHO PARA AS GALINHAS


Talvez o melhor mesmo, fosse esquecer.


Esquecer daquela mulher fantástica que você deixou passar por sua vida e ir embora para algum ponto distante deixando apenas o suor e o desejo.


Esquecer da última trovoada que te pegou sem guarda-chuva e do dia ensolarado que te surpreendeu de mau humor.


Deixar pra lá as incoerências do teu sentir e do teu agir que normalmente te deixam sem jeito, embora ninguém perceba.


Talvez o melhor fosse olhar aqueles olhos intensos e apenas observar o jeito malicioso de ajeitar os cabelos. E só isso já bastaria pelo resto do tempo que se perde por não observar direito.


Ou, quem sabe, sufocar o riso que teimoso incomoda quando percebe a ironia de quem te chama para o amor com um simples sorriso.


Sei lá, ultimamente não tem valido à pena as coisas mais sérias, aquelas que um dia foram catalogadas como ideais.


A descrença em seu próprio povo dói mais do que martelada no dedo.


Traído por sua gente, traição que expos a fragilidade de teus raciocínios.


É o que deve ter sentido o povo judeu ao perceber que seus vizinhos, aqueles mesmos que conversavam na fila do pão, apoiavam os abusos do nazismo.


Ou silenciavam.


As vezes o silêncio pode doer mais do que uma punhalada.


Até é possível continuar vivendo junto, mas nunca mais será a mesma coisa.


Deixa pra lá. Toma mais um mate que de amargo basta a vida.


Estende teus olhos sobre as gotas geladas do último sereno.


Não importa o que se diga, ou o que se faça num país dominado por mugidos.


Os golpes já foram dados e todos eles te acertaram em cheio.


Acertaram tuas utopias, tuas fantasias, tuas inocências.


O Brasil nunca mais será o mesmo nos teus planos.


Que planos?


Toma mais um mate e esquece.


Ou faça como o passarinho diante do vento forte, que se encolhe e se prende ao galho pois sabe que o vento forte vai passar um dia. E passa, toda tempestade termina.


Puxa um banco e senta na soleira de tua porta, e espera.


Enquanto joga o milho para as galinhas, o tempo passa e a gente envelhece.


Assim como toda verdade cabe na palma da tua mão.



Prof. Péricles



É NECESSÁRIA NOVA ABOLIÇÃO


Por Francisco Carlos Teixeira

Já não se trata de ser PT ou tucano, de centro, de direita ou de esquerda, muito menos do humor, ou da ofensa, de dizer esse ou aquele “coxinha” versus “mortadela”!

Trata-se, isso sim, da honra da República e da dignidade maior do cargo, da simbologia e dos ritos que envolvem a Presidência da República de um país como o Brasil. Trata-se do orgulho da gente brasileira. Somos um país de 204 milhões de pessoas que, na sua maciça maioria, trabalha duro – excluindo não mais de 100 mil, isso mesmo, parasitas!, esses cem mil que vivem para explorar os outros 203.900.000 brasileiros, dos quais a maioria com duas jornadas para poder pagar suas contas, trabalhando quatro meses por ano só para pagar impostos, que ao final são roubados.

No caso das mulheres, a carga pula automaticamente para três jornadas, quase sempre esta terceira não remunerada, enquanto as outras duas, com certeza, remuneradas abaixo da média do salário masculino. Isso! Somos um país de trabalhadores. De gente de bem, digna. Que corre à Caixa Econômica Federal para retirar seus minguados trocados do FGTS para pagar dívidas.

Até quando essa gente ficará calada? Aceitaremos viver sob um governo que em tudo só nos envergonha? Do despreparo internacional, até a relação de compadrio, misoginia escalando a pura e simples organização para delinquir no interior das mansões republicanas. Lembremo-nos do que o poeta em epígrafe diz sob viver em vergonha:

“Auriverde pendão de minha terra, /Que a brisa do Brasil beija e balança, […] Antes te houvessem roto na batalha, /Que servires a um povo de mortalha”.

Hoje a República tornou-se algoz da gente brasileira. Essa gente assiste agora a uma “máfia”, no dizer da Procuradoria-Geral da República, em denúncia contra o mais alto funcionário da União, o mesmo senhor que deveria servir ao povo, unido aos seus “comparsas” (sic, conforme a PGR).

Acoitado pelas armas e brasões da República, protegido pela segurança do cargo, entendia-se, na calada da noite, nos palácios do governo, pagos pelos meses de trabalho do povo, com criminosos notórios para receber propina, que deveria sustentá-lo e também a seus “ministros-comparsas”. Propina que paga um trem de vida que a maioria absoluta dos 203,9 milhões de brasileiros nem sequer pode imaginar.

Nas grandes cidades do país trava-se uma guerra surda – aos ouvidos dos poderosos trancados em seus palácios e locomovendo-se em helicópteros e carros blindados –, na qual mais de 60 mil jovens, na maioria negros e pardos, morrem anualmente. Milhares de mulheres são espancadas e estupradas no caminho do trabalho. Crianças ficam sem escolas ou as escolas não conseguem ensinar e, por vezes, essas mesmas crianças são alcançadas pela guerra larval dentro de suas salas de aula. Os hospitais são fechados dia após dia. Os velhos morrem nas filas de consultas médicas que jamais ocorrem. As universidades perigam e fecham seus laboratórios, enquanto os pesquisadores abandonam o país.

Mas lá, no fundo escuro dos seus palácios, “ele” e seus “ministros comparsas” se declaram “indestrutíveis” como o Drácula, de Bram Stoker, ou outros personagens que assumem formas sinistras de sugadores de energia, saídos talvez de contos de Edgar Allan Poe.

De tudo isso emerge uma Nação exangue: jovens descrentes, dentre os quais os que podem emigram e vão buscar melhor futuro em míticos “canadás do mundo”. A maioria da população se diz “envergonhada de ser brasileira”.

Quanta ironia de um povo que já acreditou que Deus era brasileiro. Que deus seria esse, senão o deus do poeta da Nacionalidade, aquele chamado de o “deus dos desgraçados”, aquele que, por punição, se afasta e deixa o destino de todo um povo ser desviado por uma chusma de vampiresca, que rouba do povo o próprio futuro:

“Senhor Deus dos desgraçados! /Dizei-me vós, Senhor Deus, /Se eu deliro… ou se é verdade /Tanto horror perante os céus?!…”

Contudo, mesmo o “deus dos desgraçados” apiedou-se dos andrajosos, dos famintos e desesperançosos e rasgou no céu um raio de luz: como na literatura, e o cinema repetiu, o personagem vampiresco de Bran Stoker, que se queria “indestrutível”, incinera-se e vira cinzas ao menor toque da luz!

Que o deus dos desgraçados faça a luz sobre a República e incinere todos que sugam o sangue da Nação.

Ante tamanha infâmia, cabe mais uma vez dirigir à gente brasileira o brado do poeta maior, Castro Alves:

Mas é infâmia demais! … Da etérea plaga

Levantai-vos heróis do Novo Mundo!



Francisco Carlos Teixeira é historiador e cientista político, com mestrado em História na UFF e na Universidade Livre de Berlim, doutorado em Ciências da História, Univeridade de Berlim, fundador do Laboratório de Estudos do Tempo Presente, UFRJ, autor de livros sobre conflitos e mudanças sociais, entre eles “Atlântico, a história de um oceano” (com colaboração), Prêmio Jabuti de melhor livro do ano de 2014.



quinta-feira, 29 de junho de 2017

LULA: UM DISCURSO BRILHANTE

Na comemoração dos 25 anos da Confederação Nacional dos Metalúrgicos, nessa quarta-feira 28 de junho, Lula fez um de seus melhores discursos em forma de comício.

- Mais do que nunca esse país precisa de uma classe trabalhadora unida para levantar a cabeça e dizer que esse país não é de meia dúzia.

- Trabalhador não pode ir à feira só depois das onze para comprar o tomate que a elite já espremeu, pegar a xepa! Não! Trabalhador tem que comprar o melhor pepino, a melhor alface!

A seguir, outros trechos desse discurso brilhante:

- as indústrias jamais voltarão a gerar os empregos que geravam.

- Peguem o documento que eu apresentei na primeira reunião do G-20 e eu dizia: precisamos criar empregos, precisamos de comércio, para que os países pobres também possam vender.

- só se recupera a Economia com mercado interno

- esse Governo que está aí de Governo não tem nada

- não foi Deus quem pôs o Temer lá: foi um Golpe de uma maioria no Congresso que assaltou o poder

- esse Governo destrói a indústria com a destruição da Petrobras e dos bancos públicos

- no começo de 2009, quando eu disse que o Brasil não ia ser destruído por uma marolinha, foram os bancos públicos que salvaram o Brasil – Banco do Brasil, Caixa, BNDES, BASA, BNB

- eu até liguei pro Obama para ele criar um BNDES

- a Lava Jato destruiu a indústria nacionalista

- quem roubou tem que ir preso, mas, não, ser preso por delação premiada, senão, ninguém escapa

- a construção civil demitiu 600 mil trabalhadores

- a naval, que nós recuperamos, 50 mil

- quem vai investir aqui, sem consumo interno, com a queda da renda das famílias?

- é preciso pensar uma saída política para esse país

- a saída política é o povo eleger o presidente da República, seja ele quem for

- mas eleito democraticamente

- a desgraça de quem não gosta de política é ser governado por quem gosta

- político ladrão? Alguém botou ele lá!

- temos hoje um Poder Judiciário desacreditado, um Presidente desacreditado, um Congresso desacreditado

- não faz muito tempo que essa gente tenta me destruir

- uma vez quando me prenderam: a greve tinha 17 dias. Com a minha prisão, a greve durou 41 dias!

- eu fiz mais que todos eles juntos!

- quando fui presidente, tinha uma determinação sagrada: cada brasileiro tem que tomar café da manha, almoçar e jantar todo dia

- fiz o maior programa de Educação desse país

- filho de trabalhador foi fazer mestrado, doutorado

- durante três anos, todo dia nos jornais, vinte horas de Jornal Nacional, num ano – isso dá doze jogos do Barcelona contra o Real Madrid

- qualquer outro não teria coragem de abrir a porta, a porta do banheiro tinha que ficar fechada

- foi um massacre

- aí apareceu uma pesquisa que não é da CUT, mas da Folha de São Paulo

- eu fico imaginando como é que o diretor de jornalismo da Globo, da Folha, do Estadão, da Zero Hora, do Diário de Pernambuco, do Jornal da Bahia, do cacete a quatro – como é que esses caras reagiram?

- o Lula tá morto! O PT está morto!

- tem que somar todos eles juntos para chegar perto do Lula

- todos os partidos juntos não dão a metade da preferência pelo PT

- isso deve ter dado uma insônia desgraçada neles

- eles não podem dizer outra vez que o povo é burro

- o povo sabe o que está acontecendo

- (quando deixou a Presidência) o desemprego era de 4,3% - mais do que pleno emprego, mais do que a Suécia

- aumento real do salário mínimo, 74% de aumento do salário mínimo

- empregada doméstica passou a ter carteira assinada e ser tratada como cidadã

- esse pais deixou de ser apenas Rio, São Paulo e Minas

- o Brasil precisa de fertilizante? Fizemos uma fábrica de ureia em Mato Grosso e de amônia em Minas

- as duas estão paradas!

- eles querem que o Brasil volte a ser cachorro vira-lata que abana o rabo pro patrão

- não tem mais empresário nacional!

- cadê o Antônio Ermírio, o Bardella, o Villares?

- eles eram nossos adversários, mas eram brasileiros, eram nossos!

- 70 milhões de brasileiros foram bancarizados. Essa é uma palavra que muita gente não entende, mas vi catadora de papel chorar porque abriu uma conta em banco!

- criamos 22 milhões de empregos!

- o povo não é burro!



Créditos: Ricardo Stuckert

terça-feira, 27 de junho de 2017

MICOS VIRTUAIS E GOLPES REAIS



O conhecimento formal, foi tratado por nosso povo, ao longo dos anos, como algo distante e, de certa forma, supérfluo.


Na maioria das mentes das classes mais carentes, seus filhos deveriam auxiliar na sobrevivência material da família. Estudo era coisa para filho de doutor, esse sim, que usaria um dia o conhecimento na carreira.


Filho de pobre não precisava, esse tinha que ajudar a pôr o pão na mesa, em primeiro lugar.


Era como se o mundo do conhecimento fosse exclusividade, ou melhor, mais uma propriedade, dos mais ricos.


Falar bem o idioma era coisa bonita, praticada por gente chic. Escrever errado não era feio pois, filho de gente pobre precisa escrever para que?


Conhecimento de história era demonstração de cultura, mas, inútil para os filhos de lavradores ou de operários. Ficava bem era nos discursos políticos e até na poesia.


Coisa de filho de coronel.


Ser educado era saber seu lugar, e como “seu lugar” entenda-se o conformismo com a vida dura e com as desigualdades que dessa forma, eram ainda mais eternizadas.


Os próprios jovens eram conformistas com essa “realidade”. Muitos, apesar dos esforços dos pais em manterem-nos na escola pelo tempo mínimo, acabavam fugindo das responsabilidades, abandonando os estudos pois não viam nada mais consistente para o “sacrifício” de estudar.


O mundo de virtualidade vem alterando também esses conceitos, ou melhor, a falta deles, no que se refere a educação.


Hoje, o mundo se comunica através das redes virtuais na velocidade de um clic, onde as ideias são colocadas e debatidas por escrito.


De repente, a meninada passou a perceber o quanto é importante saber expressar suas ideias, e, no caso, escrever corretamente aquilo que se quer dizer.


Os erros crassos tornaram-se temidos.


No debate simples sobre a realidade do mundo, do país, da cidade e do bairro, a opinião sobre o que falou essa ou aquela autoridade ou artistas, o conhecimento de história, de geografia, entre outros, tornou-se importante já que ninguém quer ficar calado diante da polêmica.


Ter uma opinião passou a ser uma necessidade e ter sua opinião reconhecida, uma necessidade maior ainda.


Mas, cada vez mais a opinião necessita ter alguma base, alguma referência que não exponha seu autor ao ridículo.


Muita gente descobre só agora que matar aquela aula de história, talvez não tenha sido uma boa ideia.


Esse é um dos pontos positivos da massificação da comunicação e que já produzem melhorias nas relações humanas.


Com o tempo, essas melhorias se solidificarão em busca de conhecimento para não pagar mico maior ainda.


Como os que pagam hoje os que defenderam o golpe de 2016 sem saber de fato qual era seu papel no teatro do golpe.


O micão do pato da FIESP, o mico da bateção das panelas...


Ao estudarem um pouco mais de história perceberão o quanto foram manipulados.


Ao lerem textos sobre o fascismo compreenderão que estiveram muito próximos daqueles personagens que apoiaram a ascensão de tiranos ao poder, impulsionados pela propaganda.


Otimismos? Talvez, mas a ideia é a de que, o conhecimento as vezes tarda, mas não falha.




Prof. Péricles

sábado, 24 de junho de 2017

O JANELÃO ESTILHAÇADO DA REDE GLOBO



Por Tatiana Carlotti


Em tempos de golpe, a fragilidade das nossas instituições democráticas se escancara. Na seara da comunicação, enquanto a Mídia Alternativa luta pela sobrevivência, garantindo o mínimo do contraditório ao discurso hegemônico; as Organizações Globo, promotoras deste discurso, inauguram a nova sede do seu jornalismo.


A discrepância de forças ficou evidente na última segunda-feira (16.06.2017). Durante cinco minutos, o Jornal Nacional vendeu o aparato jornalístico a seus telespectadores, detalhando a metragem do novo espaço, o dobro do anterior, e suas 18 novas ilhas de edição.

A cobertura da “cerimônia macabra”, assim qualificada pelo jornalista Paulo Henrique Amorim, incensou a parafernália tecnológica, destacando os imensos telões e as ilustrações em três dimensões do Jornal Nacional.


Segundo o script, “isso é possível porque o novo cenário é formado por duas camadas de imagens. Primeiro um vidro de 15 metros em curva, que varia do fosco para o transparente. E, ao fundo, um telão gigante, o de três metros de altura a por 16 de largura. Uma janela para o mundo”.


Uma embalagem bonita para um escasso conteúdo. A tentativa do Grupo Globo de compensar a baixíssima qualidade de seu jornalismo. Não será um vidro de 15 metros que devolverá a credibilidade perdida às Organizações Globo. Ela foi estilhaçada pela politicagem rasteira que o Grupo realiza há 92 anos.


É brutal a asfixia ao contraditório, ao debate de ideias e propostas perpetrado pela empresa, vide a cobertura da PEC do Teto de Gastos, a defesa aguerrida das reformas trabalhistas. É criminosa a perseguição promovida contra desafetos da emissora, bem como sua atuação política, interferindo diretamente nos rumos do país, vide os episódios que antecederam e sucederam o golpe – os dois, aliás.


E o que dizer da seletividade de suas pautas? O silêncio diante de questões de extrema importância, como o genocídio da população jovem, negra e pobre nas periferias, assassinada pela Polícia Militar, em vários estados do país. Como isso não é pauta na principal emissora brasileira?


O Brasil e o mundo passam longe do janelão da família Marinho.


Prova disso foi o discurso do presidente do Grupo Globo, Roberto Irineu Marinho que falou sobre “futuro”, “compromisso da emissora com o país” e, pasmem, “jornalismo independente”. Mandatário de uma organização que faz política diuturnamente, ele disse ser “significativo que, no auge de um período crítico da vida nacional”, o Grupo Globo esteja “inaugurando um moderno estúdio de jornalismo”.


Muito significativo, aliás, dado o protagonismo das Organizações Globo no afastamento de uma presidenta democraticamente eleita do poder, sem crime de responsabilidade.



Roberto Irineu mencionou também os 92 anos da emissora salientando que ela pretende continuar “sendo uma empresa familiar que olha para o longo prazo” e que “investe hoje para construir o futuro onde queremos viver”.


Queremos? Uma tarde assistindo à Globonews nos permite compreender de que futuro se trata: aquele desenhado pela agenda da austeridade. O futuro de um país garroteado pelo estado mínimo, onde a criminalização da política é lei e a destruição da imagem de partidos, lideranças e movimentos de esquerda, uma prática corrente.


Um futuro, diga-se de passagem, recusado quatro vezes nas urnas pela maioria da população brasileira. Daí o terceiro turno forjado pelas Organizações Globo, com seu candidato o senador afastado Aécio Neves, incensado como a saída para o país; as manifestações pró-impeachment convocadas explicitamente pela emissora; o golpe de 31 de Agosto, cujas consequências recaem sobre o povo brasileiro, via crise institucional, política e econômica que se prolonga.


Nada disso, obviamente, foi mencionado pelo presidente da maior empresa de comunicação do país. Na pele de CEO, Roberto Irineu esqueceu de mencionar o desemprego acirrado pela turbulência política, preferiu citar os 19 mil empregos diretos e os 15.800 indiretos criados pela empresa da sua família.


Tampouco falou das denúncias de sonegação fiscal, mais de R$ 600 milhões devidos aos cofres públicos decorrentes da compra dos direitos de transmissão da Copa de 2002. Preferiu mencionar o pagamento de R$ 14,5 bilhões em impostos nos últimos cinco anos, “com muito orgulho”, destacou.


E afirmou ainda: “só com uma empresa que permanece e se sustenta conseguimos produzir jornalismo independente”, como se as Organizações Globo não recebessem financiamento das estatais, não se fizessem política, nem defendessem os interesses corporativos e financeiros que defendem descaradamente nos seus noticiários.



Nesta semana aliás a Globosat assinou um acordo com a Vice Media, maior companhia de mídia e produção de conteúdo para o público jovem do mundo, ela inclusive tem como sócia a Disney, para criar uma joint-venture. Pelo acordo, em torno de US$ 450 milhões, a Globo terá participação minoritária na Vice Brasil.



Com público alvo de jovens entre 18 e 34 anos, a joint-venture irá oferecer entretenimento com foco em comportamento pela Globosat que conta com 33 canais e mais de 18 milhões de telespectadores diários.


Um discurso vazio em meio a um cenário megalomaníaco, a síntese do jornalismo Globo que não teria consequência alguma, não fosse o imenso poder que detém, graças à concessão pública, das quais as Organizações Globo abusam, sem qualquer regulação ou controle do poder público.



Concentrada nas mãos de meia dúzia de famílias, a comunicação no Brasil segue engessada ante qualquer possibilidade de concorrência. E o mais grave: o discurso hegemônico impera impedindo à população de ter acesso a vários pontos de vistas e opiniões; engessando múltiplas pautas; impedindo ao Brasil, diverso e múltiplo que somos se reconhecer naquilo que é veiculado na TV, nas rádios e jornais.



Daí o esforço da Mídia Alternativa em assegurar o mínimo de contraditório à narrativa autoritária e hegemônica que comanda a pauta nacional. E sem financiamento, diga-se de passagem, já que uma das primeiras medidas de Michel Temer, assim que entrou no governo foi promover a asfixia econômica de sites e blogs progressistas e independentes no Brasil.



O ônus da ausência de uma efetiva Lei de Mídia – uma das principais reivindicações da Mídia Alternativa ao longo dos últimos anos – é a própria democracia e a quebra da ordem constitucional que vivemos.



Aliás, os graves problemas desta concentração e seus danos à democracia são tema de um estudo recente e imperdível divulgado pela UNESCO, sob o título “Concentração da Propriedade de Mídia e Liberdade de Expressão: Padrões e Implicações Globais para as Américas”.


Com base no direito internacional, o documento aponta quais ações precisam ser promovidas para se regular o mercado de mídia, destacando cinco ameaças à democracia resultantes da concentração da mídia. São eles:



"1. Influência excessiva dos proprietários de meios ou de seus anunciantes sobre os responsáveis políticos e os poderes públicos, e manipulação encoberta das decisões políticas para favorecer interesses econômicos ocultos;



2. Concentração da propriedade dos meios comerciais e sua possível influência sobre a esfera política, seja a concentração da propriedade nas mãos dos governantes, de todos os meios de comunicação de um país nas mãos de um único proprietário, ou (situação especialmente perigosa nos países pequenos) de todos os meios de comunicação nas mãos de proprietários estrangeiros;



3. Efeito nefasto da concentração dos meios de comunicação e da evolução dos modelos econômicos sobre a qualidade do jornalismo (de investigação e de outros tipos), traduzido na diminuição da margem de liberdade editorial, degradação das condições de trabalho e precarização do trabalho dos jornalistas;



4. Falta de transparência sobre a propriedade dos meios e as fontes de financiamento;



5. Potenciais conflitos de interesses que resultam na proximidade entre os jornalistas e os interesses econômicos.”


Como você pode notar, tratam-se de riscos de primeira grandeza, sobretudo em um Brasil dominado por “mini-Berlusconis”, conforme cunhou The Economist, ao avaliar a oligarquia das empresas familiares de comunicação que mandam e desmandam no Brasil.

No caso da Globo, há 92 anos.


Até quando?