terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

TEVE GOLPE, CADÊ A LUTA?


Numa histórica reunião no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, no dia 2 de abril de 1964, o ex-governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, o general chefe da III Exército, Ladário Pereira Telles, o Prefeito de Porto Alegre, Sereno Chaise e o Presidente da República João Goulart, ficou decidido, por imposição do presidente, que não haveria resistência armada contra o golpe militar que estava em andamento.



Brizola e o General Ladário defenderam a ideia da resistência, sendo que, naquele momento, só poderia ser ali, no Rio Grande do Sul que se poderia reverter o golpe deflagrado no dia 31 de março.


Jango, entretanto, foi inflexível, desautorizou qualquer resistência em seu nome e, às 11:45 daquele mesmo dia, partiu para o exílio, no Uruguai.


Sem o presidente que estava sendo deposto tornou-se impossível para Brizola e o General Ladário resistir.


Ainda hoje essa decisão provoca debates.


Deveria Jango ter lutado contra o golpe? Foi correta sua decisão de desistir sem luta?


Os que defendem a posição do presidente afirmam que ele sabia, mais do que qualquer outro, as consequências de sua decisão. Que ele tinha enorme receio de quanto sangue correria numa luta de brasileiros contra brasileiros.


Os Estados Unidos haviam enviado navios com marines prontos para “ajudar” os golpistas em caso de resistência na chamada Operação Brother San, que isso deveria ser do conhecimento de Jango, que temia, a presença militar estrangeira no país e suas implicações futuras.


E, finalmente, poderia se argumentar ainda que, o comando de Ladário não era aceito pela totalidade do III Exército, havendo discordâncias em Santa Maria, Alegrete e todo o Estado do Paraná.


Já os que acreditam que Brizola e Ladário estavam corretos, afirmam que, a falta de luta não trouxe reconhecimento algum por parte dos golpistas e até tornou a repressão futura contra os adversários da Ditadura mais sangrenta, pelo desprezo dos “vencedores” diante da apatia dos “derrotados”.


Membros do exército já afirmaram que os militares respeitariam muito mais uma resistência armada e heroica do que uma desistência sem luta.


Refletindo essa discussão nos tempos atuais, deve causar espanto para os elementos da esquerda militante, a apatia e falta de luta por parte do governo do PT deposto com Dilma em agosto passado.


O discurso politicamente correto de defesa da democracia e da ordem não se encaixa diante das inúmeras demonstrações de desrespeito praticado pelos que defendem o uso de qualquer arma para derrubar a presidenta.


O ministro da Justiça do governo Dilma variou entre a passividade e a mediocridade diante dos desmandos de uma Polícia Federal que deveria estar subordinada a ele.


Hoje, o presidente ilegítimo convida um advogado de Aécio Neves para o cargo de Ministro.


No governo Lula-Dilma as indicações para ministro do STF, uma obrigação constitucional da presidência, eram movidas por critérios técnicos, colocando no maior Tribunal do país verdadeiros agentes inimigos, em nome da ética.


Hoje, o governo Temer indica, segundo alguns, um ex-advogado do PCC e seu próprio ministro da Justiça para ocupar a função, sem nenhuma vergonha e nenhuma preocupação com a ética ou critérios técnicos.


Para o discurso democrático pregado por Lula-Dilma, a democracia foi atacada e a ordem constitucional agredida, mas, cadê a resistência?


Onde estão as forças populares capazes de fazer ver aos golpistas, que a verdadeira maioria não aceitará passivamente uma infâmia como a cometida?


Alegam alguns que o pessoal da esquerda teme confrontos de rua e suas consequências inesperadas. Entretanto, os agentes do golpe convocam multidões com a maior facilidade e falta de escrúpulos.


Observa-se uma intensa revolta, entre boa parte da população, divulgada através das redes sociais. Mas trazer essa revolta para as ruas é tarefa das lideranças políticas, sindicais, comunitárias. Onde estão essas lideranças?


Talvez a mais importante lição deixada pelos momentos decisivos do golpe de 64 seja exatamente essa: sem luta a democracia é espezinhada e a minoria passa a se considerar maioria, invertendo a verdade dos fatos.


Não existe remorso por parte de nenhum setor que hoje agride a verdade sem a menor cerimônia.


Seria interessante não misturar respeito à ética com covardia, até porque, como vimos depois de 1964, a direita costuma considerar covardes, e não democratas, aqueles que não lutam.



Prof. Péricles

domingo, 19 de fevereiro de 2017

MUITOS AJUDARAM TRUMP A VENCER



Por Antonio Tozzi


A eleição presidencial americana teve interferência externa, segundo fontes da CIA – a principal agência de espionagem dos EUA. De acordo com as informações recolhidas pelo órgão do governo federal, hackers baseados na Rússia entraram no website do DNC (Comitê Nacional Democrata) e pegaram emails do partido para detonar a candidatura de Hillary Clinton denunciando esquemas internos, dedurando doadores, enfim, produzindo todo tipo de informações negativas para prejudicar a ex-secretária de Estado do governo Barack Obama.

A tática funcionou. Para surpresa da maioria dos especialistas e institutos de pesquisas, Donald Trump acabou prevalecendo no Colégio Eleitoral, apesar de Hillary Clinton ter recebido mais votos. Ou seja, fosse eleição direta, ela teria vencido a eleição.

A reação do presidente Barack Obama à interferência indevida dos russos foi a expulsão de alguns diplomatas e espiãos russos durante as festas de final de ano. O presidente russo Valdimir Putin demonstrou seu desagrado, porém preferiu não exercer o direito de reciprocidade e manteve o pessoal do corpo diplomático dos EUA na Rússia.

Putin, que vem se transformando em um dos homens fortes do planeta, prefere apostar no bom relacionamento entre ele e Trump. Os dois governantes não escondem a admiração mútua. Na verdade, mais do que admiração, há vários interesses em jogo. E isto pode ser bom ou ruim para o mundo, dependendo do ponto de vista.

Um exemplo claro é a nomeacão de Rex Tillerson, ex CEO da Exxon Mobil, para o importante cargo de secretário Estado. Todos sabem que a Exxon teve os bens congelados por causa da invasão da Crimeia por parte das tropas russas, em consequências de embargos. O atual governo americano manifestou estar alinhado à Ucrânia – região onde está localizada a Crimeia – e consequentemente gerou descontentamento de Putin e dos membros de seu gabinete.

A guerra na Síria também colocou EUA e Rússia em lados antagônicos. Enquanto o governo americano passou a fornecer armamentos para os rebeldes sírios que lutam pela deposição de Bashar Al Assad, o governo russo decidiu apoiar integralmente o ditador sírio e suas forças armadas entraram com tudo no conflito para dizimar os guerrilheiros rebeldes e, de quebra, destruíram completamente a cidade de Aleppo.

Para o mundo, ter Putin e Trump à frente das duas potências não é bom presságio. Putin é frio, calculista e não mede esforços para conseguir seus objetivos. E ele não esconde de ninguém que pretende fazer da Rússia novamente uma potência temida, após o desmantelamento da antiga União Soviética. Se necessário for, ele colocará tropas para reconquistar territórios que julga pertencerem à Rússia como Ucrânia, Letônia, Lituânia e outros vizinhos que hoje constituíram-se em países independentes. Além disto, aliar-se à Síria e ao Irã garante o acesso a países fornecedores de petróleo.

Trump, por sua vez, aliou-se à alt right (direita alternativa) que repudia todo esforço empreendido por Obama em busca de energias alternativas baseadas em fontes renováveis. Tanto que seu governo está recheado de simpatizantes de fontes poluidoras como petróleo e carvão mineral.

Além disso, Trump prefere manter com Putin um relacionamento de respeito mútuo, ou seja, não quer interferir nos planos expansionistas do governante russo e pretende concentrar seus esforços no plano doméstico. Entretanto, este tipo de atitude não funciona para os EUA, pois a condição de maior potência do mundo exige sua presença em locais onde as pessoas estão sendo dominadas e, claro, os interesses americanos estejam ameaçados.

Portanto, por enquanto, Putin e Trump estão afinados no discurso de que Obama, Clinton e os democratas estão apenas buscando um bode expiatório pela derrota. Todavia, não se pode esquecer os papéis criticáveis desempenhados por Edward Snowden, Glenn Greenwald e sobretudo Julian Assange neste tabuleiro.

Eles que são – ou eram – exaltados por representantes da esquerda norte-americana contribuíram decisivamente para a derrota de Hillary Clinton e para a vitória de Donald Trump, que reúne o que há de mais abjeto em termos de direita raivosa.

Só nos resta aguardar como será o mundo sob controle de uma pessoa que não parece cultivar a temperança.




Antonio Tozzi revisor, repórter e redator do extinto Jornal da Tarde. Free lancers para diversas publicações. Nos Estados Unidos, foi editor chefe de publicações como Florida Review e AcheiUSA,.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

LÁGRIMAS E SORRISOS DE DEMÉTER



Deméter, deusa da agricultura e da fertilidade que os latinos chamavam de Ceres, teve uma filha com o poderoso Zeus.

A filha de Deméter e Zeus chamava-se Perséfone, uma jovem linda como uma aurora ensolarada, tornou-se deusa das ervas e frutos.

Sua beleza provocou a paixão ardente de Hades, irmão de Zeus e senhor do mundo inferior e dos mortos.

Hades era um deus que sofria enorme complexo de rejeição, pois, ao contrário dos irmãos Zeus e Posseidon, que eram amados pelo povo, ele se sentia esquecido e muito mais temido do que venerado.

Loucamente apaixonado e achando que não suportaria um “não” da linda Perséfone, deixou a conquista de lado e partiu para o sequestro mesmo, levando a amada para o seu reino das sombras, onde seria, por toda eternidade, sua rainha.

Deméter e Perséfone, mãe e filha, eram extremamente ligadas e a deusa da agricultura, não podendo desafiar o poder de Hades, entrou em profunda depressão, motivada pelas saudades.

Triste, chorava incontrolavelmente. Lentamente, o mundo ficou frio e sombrio. Suas lágrimas provocam enchentes. Era o outono e o inverno aos olhos dos gregos.

Os homens passaram a fazer oferendas e a orar para Deméter e para o próprio Zeus, rogando por melhoras no tempo, por mais calor e chuvas regulares.

Preocupado, Zeus buscou ser diplomático, intermediando a inconformidade de Deméter e os interesses de seu irmão sequestrador, com quem não queria briga, de jeito nenhum.

Hades concedeu que sua amada esposa voltasse ao mundo exterior para ver a mãe, mas, apenas por um tempo determinado, ou seja, Perséfone passaria seis meses com a mãe e os outros seis meses com ele, o marido.

Feliz com a presença da filha amada, Deméter voltou a sorrir, o sol a brilhar mais intensamente, e a terra a dar flores e frutos. Era a primavera e o verão, segundo os gregos.

Assim, era a tristeza da separação e a alegria do reencontro da deusa com sua filha que explicava as estações do ano, para esse povo extraordinário.

Penso nisso quando vejo tantas pessoas reclamando que as estações do ano estão confusas, que os invernos estão mais curtos e amenos, o calor mais intenso, etc.

Fala-se em enchentes na América do Sul e Ásia, Tsunamis no Japão, nevascas recordes na América do Norte e desgelo do Ártico e Antártida.

Parece que o acordo entre os deuses foi rompido e Perséfone fugindo dos infernos convive mais com a mãe do que com o marido, fato que deve estar enfurecendo o poderoso senhor das sombras.

Não podemos confirmar se rolou esse barraco entre as divindades, mas que as coisas nos parecem, estranhamente diferentes, parecem.

Roguemos todos nós, pela paz entre todas as criaturas e que as colheitas não sejam as mais sacrificadas castigando justamente os despossuídos, nem as águas cada vez mais raras, nos tornando a vida um intenso inverno.

Ah... pelo menos de minha parte, obrigado poderosa Deméter por teu bom humor. O verão de 2017 está dos deuses!



Prof. Péricles

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

REFORMA TRABALHISTA RIDÍCULA


Por Tarcísio Lage.


12 horas é pouco quando se nada contra a corrente. 24 horas, quem sabe, avança-se meio metro. O mais provável, quase certo, no entanto, é que se morra de cansaço na jornada.

A reforma trabalhista de Temer vai nesse sentido. É incrível que não se possa enxergar o que está acontecendo nas últimas décadas, não só no Brasil, mas no mundo inteiro. E, infelizmente, medidas esdrúxulas como essa reforma trabalhista do governo são aplicas Planeta afora.

Na Europa, por exemplo, muitos países estão modificando as leis de aposentadoria aumentando a idade para 70 ou mais anos, quando não há trabalho, sequer, para os jovens recém lançados no mercado.

Também não é à toa que a maior parte dos empresários e dos sindicatos picaretas esteja batendo palmas para a reforma. Afinal, eles andam há muito tempo de mãos dadas para atingir seus objetivos: lucro máximo para os primeiros, não importa o que aconteça com o conjunto da sociedade, e privilégios para uma parte da categoria que representam, para os segundos.

A verdade é essa: a civilização do trabalho está morrendo. As tarefas manuais estão ficando restritas a um pequeno número de pessoas, umas especializadas, pequena minoria, e as outras classificas de pau para toda obra com salários de merda.

Engels, o amigo capitalista de Marx, já dizia que a mão humanizou o macaco. A mão, com os cinco dedos, um deles o polegar, o diferencial humano, é o melhor instrumento de trabalho que se conhece na natureza. Pelo menos na porção do Universo conhecido.

O engenho humano, nascido das mãos, desembocou no correr dos séculos em avanços extraordinários. No século passado, o avanço foi extraordinário, época do automóvel, do avião, da cadeia de montagem e, se quiserem dar um grau de patético nesse avanço, da bomba atômica. Mas é no correr deste século que as transformações entraram numa espiral potencializada e que tende a abolir definitivamente o trabalho manual que ficará, quem sabe, reservado a artistas que possam conceber formas fora do alcance das máquinas. Quem sabe?

Quando cheguei pela primeira vez a Europa, no final de 1970, era incrível a força dos sindicatos. Na Grã-Bretanha, onde morei quatro anos, por qualquer reivindicação se paralisavam trens, interrompiam-se serviços públicos e os operários cruzavam os braços nas fábricas. Mais do que isso, pela força dos sindicatos desenvolveram-se partidos sociais democratas fortes como os trabalhistas na Grã-Bretanha, na Alemanha, França (no caso o Partido Socialista), na Holanda, na Bélgica e, não vamos esquecer, o Partido Comunista Italiano. Ainda se acreditava que a classe operária ia ao Paraíso e quem já pensava que seu caminho era a extinção calava o bico.

Na Holanda, onde resido, ainda nos anos 80, falava-se continente afora de uma doença que os conservadores deram o nome de holanditis. A holanditis era a febre de protestos que grassava pelo país. Por qualquer coisa as ruas se enchiam de manifestações embandeiradas com a aderência de sindicatos e organizações sociais diversas.

De repente, no decorrer da última década do século passado, a Holanditis desapareceu, foi extinta, ao mesmo tempo que os sindicatos iam perdendo força. Foi por essa época que teve início, não só na Holanda, mas em quase toda a Comunidade Europeia, a liquidação de grandes conquistas dos trabalhadores, entre elas – talvez a mais importante – a estabilidade no emprego. Criou-se a ideia da flexibilização do trabalho com as reorganizações das empresas.

Segundo a legislação em vigor na época, na Holanda, por exemplo, o trabalhador depois do período de experiência, só podia ser demitido por justa causa. Com as reorganizações, as funções de muita gente foram extintas e, aí, as novas leis flexibilizaram as demissões. Em escala europeia, as dispensas foram de milhões com indenizações precárias e a imensa maioria não conseguiu novos empregos e ficou na rua da amargura na dependência de salários desempregos que tendem a diminuir.

Para o mau dos pecados, a sociedade do bem-estar social – bandeira dos partidos trabalhistas e socialistas – foi para o brejo. Ainda que a ultraconservadora Margareth Thatcher tenha contribuído muito para isso, foram os novos partidos trabalhistas, notadamente com o britânico com Tony Blair, que enterraram definitivamente o sistema. A nova social democracia entrou nos eixos capitalistas talvez porque não tenha mais de contrapor com medidas sociais a propaganda da extinta União Soviética.

A perversidade de tudo isso, a criação de batalhões de desempregados vivendo de migalhas, a produção de riqueza, de bens de consumo, não diminuiu. Pelo contrário, aumentou tanto ao ponto de produzir a crise de 2008, uma crise de superprodução e não de escassez. Nos Estados Unidos vimos o espetáculo surrealista de milhões de casas vazias sem ter a quem alugar ou vender ao lado de milhões atirados nas ruas.

Ora, pois, a reforma trabalhista do governo Temer segue quase ao pé da letra a receita europeia. A flexibilização das horas de trabalho, permitindo que uma pessoa possa ir até 12 horas diárias, é um contrassenso numa sociedade de desemprego crescente. E desumano do ponto de vista pessoal. 12 horas diárias só, e olhe lá, só em tempo de guerra. Ah, mas o trabalhador pode decidir. Mentira. Em caso de necessidade e conveniência a empresa vai exigir e, certamente, conseguirá. Os pelegos, atrás do projeto, estão aí para garantir isso.

Essa reforma das leis trabalhistas é tão ou mais ridícula que a pretensão de congelar, via constitucional, as despesas governamentais por 20 anos.



Tarcísio Lage, jornalista e escritor.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

DELENDA ESPHAERA EST


No século III a.C. Roma, que surgira como um simples agrupamento de camponeses já dominava toda a península itálica. Chegara então, o grande momento que deveria definir o seu futuro como um grande Império: a conquista das rotas comerciais do mar Mediterrâneo.

Acontece que essas rotas já eram dominadas por outro povo em crescimento, os cartagineses, habitantes do norte da África.

Seguiram-se então as chamadas “Guerras Púnicas” assim chamadas porque os habitantes de Roma, os latinos, chamavam os cartagineses de púnicos, ou seja, fenícios já que a cidade de Cartago havia sido fundada pelos fenícios.

Essas guerras (foram três ao longo dos séculos III e II a.C.) definiram não só o destino dos povos diretamente envolvidos como da própria civilização ocidental, pois, o vencedor iria pintar com suas cores culturais o futuro do mundo.

Roma venceu as primeiras duas guerras, e depois de sua vitória na batalha decisiva de Zama, em 202 a.C., impôs duras condições aos Cartagineses que, dessa forma, perderam muito de sua importância política e econômica, embora mantivessem a independência.

Lenta e silenciosamente, porém, começou a se reerguer dos escombros e, utilizando-se de sua experiência recente de grande potência local passou a cicatrizar suas feridas.

Tornou-se um inimigo em crescimento, silencioso e astuto, na espera do momento da revanche.

Aparentemente, apenas um homem percebeu esse reerguimento e o perigo que Cartago poderia representar no futuro ao poder de Roma: Catão, também chamado de Catão, o Velho.

Esse político foi embaixador romano em Cartago no ano de 153 a.C. e se impressionou pelo renascimento econômico cartaginês. De volta a Roma passou a denunciar obsessivamente esse renascimento que considerava ser o maior perigo para o seu país.

Ficou tão obcecado em fazer seus conterrâneos entenderem o perigo representado por Cartago que, acabava todos os seus discursos, independente do assunto tratado, com a expressão “centerum censeo Carthaginem esse delendam” que significa “quanto ao resto, penso que Cartago deve ser destruída”.

Além disso, era comum iniciar qualquer conversa com “delenda Carthago est”, ou, “é preciso destruir Cartago”.

O Brasil precisa urgentemente de um Catão.

Alguém que de forma obcecada lembre às forças progressistas o tamanho do poder, não de um inimigo externo, mas de um império que reside em suas próprias entranhas.

Alguém que inicie e termine todo o discurso lembrando da necessidade de destruir a Rede Globo.

Não... nada de destruição material, de não ficar pedra sobre pedra como dizia o embaixador romano sobre Cartago, e sim, destruir a imagem de imparcialidade, de instituição interessada no jogo mas que apenas o transmite e não joga.

A Globo joga sim, e joga sujo, sem respeito às regras que, no entanto, utiliza para se defender.

O nosso Catão é necessário diante da enorme dificuldade que ainda temos de superar traumas criados no período militar quando a defesa do direito à informação e a luta contra a censura originaram tabus.

O militante da esquerda se inibe quando pensa em lutar contra uma organização cuja finalidade teórica é a informação independente. É como se lutasse contra algo que defendeu a vida inteira.

Além disso, quase todos alimentam no seu inconsciente uma imagem que mistura lembranças de infância. Pensar na Globo muitas vezes é lembrar as mais doces recordações de tempos antigos, e por isso, muitos recusam-se, consciente ou inconscientemente acreditar em tudo de mal que essa marca representa.

O nosso Catão deve lembrar a todos que essa organização é muito mais do que apenas uma rede de televisão.

É uma rede autoritária de múltiplos tentáculos que vai do jornal impresso ao rádio, da televisão ao mundo da informática. Que seu poder econômico originário de parcerias com os poderosos lhe permitiu a virtual monopolização de um setor tão crucial que já foi denominado de quarto poder, a imprensa.

A maior sabedoria do inimigo é se parecer amigo para confundir e dividir seus adversários.

Essa rede imensamente poderosa foi gestada pela própria Ditadura Militar e apoiou o autoritarismo, elegeu um político até então desconhecido em 1989, presidente da república, interfere diretamente em todas as eleições em todos os níveis desde 1985, e foi fundamental na criação de fraudes como a manutenção do Plano Cruzado para vencer a eleição constituinte de 1986 e, agora, é a maior responsável pelo golpe que derrubou da presidência uma mulher inocente e eleita por mais de 54 milhões de votos.

O que falta para entendermos o que realmente representa a Rede Globo?

É uma missão árdua e espinhosa, mas que alguém da esquerda brasileira terá que assumir.

Uma missão já desempenhada por Leonel Brizola num passado recente e que precisa ter continuidade. Algo que esteja claramente presente em seu discurso político, sem concessões, sem acordos, sem tolerância, como nos discursos de Catão, o Velho.

Para quem acha a missão impossível é importante lembrar que em 146 a.C., na terceira Guerra Púnica, Cartago foi totalmente destruída, deixando de ser a maior ameaça à expansão romana.

Catão tinha razão.







Prof. Péricles

sábado, 11 de fevereiro de 2017

A BESTEIRA É UMA DEFESA


Se nossas vidas fossem movidas apenas por coisas sérias e assuntos úteis, seria uma aflição maior do que já é.

Deveria constar lá na Declaração dos Direitos Humanos – Todo homem tem direito de gastar seu tempo com bobagem quando assim o quiser.

A bobagem, o trivial, a famosa “conversa fora” é o que mantém saúde mental, aliás, tão ameaçada nos últimos tempos.

Sabe aquele momento em que você simplesmente não quer falar nada de assunto sério?

E é bem por isso que, envergonhados, fugimos daquele amigo que, sabemos, irá nos trazer informações úteis, porém preocupantes, no ambiente de trabalho.

Alguns personagens históricos tornaram-se conhecidos por não utilizarem o expediente do “assunto sem importância”.

Napoleão Bonaparte, por exemplo. Dizem que o grande general jamais foi visto fazendo qualquer comentário menos sério, ou numa roda de amigos de como aquela guria era gostosa.

Mas isso foi bom pra ele?

Napoleão era um obstinado em seus objetivos de conquistar a Europa e unifica-la sob seu reinado.

Como o restante da Europa não concordava com ele, sofria de uma gastrite que jamais o deixou em paz, nem nas grandes batalhas, nem quando morreu vítima de câncer (adivinha) no estômago, esse órgão que sofre mais do que os outros com o mau humor.

É linda a imagem que se faz dele contemplando as distâncias sob as pirâmides de um Egito conquistado, mas, confesso que preferia vê-lo falando que “o calor nesse verão egípcio é um saco!”.

Hitler também, nunca foi visto numa postura menor do que a que julgava própria a um Fuhrer, mas esse, todos nós sabemos como terminou.

Hoje em dia, falar bobagens e rir de piadas sem graça não só é aconselhável como uma boa estratégia para suportar a avalanche de besteiras que se pretendem sérias que temos que ouvir, ou ler.

Tipo assim, falar mal do treinador do nosso time ou do juiz, mesmo sabendo que ele tinha razão ao não marcar pênalti a nosso favor, ou por ter marcado, contra.

Salve as besteiras e os assuntos amenos! São eles que impedem a superlotação dos hospícios.

É uma espécie de defesa contra os absurdos a que estamos sujeitos.

Bom fim de semana a todos. Que possamos jogar bastante conversa fora para voltar afiados e dispostos à guerra, na segunda-feira.


Prof. Péricles