terça-feira, 16 de agosto de 2016

O HOMEM QUE QUERIA MATAR GETÚLIO VARGAS



Por Apóllo Natali


Getúlio Dornelles Vargas chamou o cara e disse: vai ter uma revolução e eu quero que você fabrique bombas para mim. O homem que era especialista em fazer bombas, respondeu: eu vou fazer só uma bomba e é para te matar.

Getúlio Dornelles Vargas então arremessou o interlocutor ao solo com um empurrão e ordenou: levem esse sujeito para ser torturado. Concluída a tortura, o homem da bomba foi solto e se arrastou pelas ruas do Rio de Janeiro com o corpo em petição de miséria, tendo ainda debaixo das unhas os estiletes que os torturadores não quiseram se dar ao trabalho de tirar.

Bem antes disso, o tal do bombardeiro (cujo ofício, como se nota, é mesmo lidar com bombas) já havia sido preso e torturado a mando de Getúlio Dornelles Vargas, descoberto que foi fabricando bombas em sua própria residência.

Seu segredo veio à tona após uma explosão em sua casa. Sua mulher e a filha de nove anos sofreram sérias queimaduras nas costas. Foram levadas presas para um convento por ordem de Getúlio Dornelles Vargas. Lá eram arrastadas pelos cabelos e xingadas de comunistazinhas pelas freiras.

O cara que fabricava bombas era teimoso e colocou uma de sua autoria no vagão de um trem onde viajaria Getúlio.

De repente apareceu gritando um velho que, pela aparência desgrenhada, ninguém daria um centavo por ele.

Falou resfolegando para o bombardeiro e seus amigos agachados a uma certa distância do trem: alguém do Partidão [o Partido Comunista] nos denunciou. Precisamos tirar essa bomba daí logo para que ninguém nos identifique.

Era uma bomba à base de nitroglicerina. Pode explodir com uma respiração mais forte, um chacoalho ou mudança de temperatura. Olha o perigo de explosão fora de hora na fornalha Rio 40 graus (que era aquele vagão) antes de Getúlio Vargas entrar nele!

Outros amigos do Partidão chamados às pressas para tirar a bomba demoravam muito para chegar. Estavam aflitos os três ou quatro bombardeiros escondidos com as mãos apertando os ouvidos. Ufa, a bomba foi retirada e Getúlio Dornelles Vargas só morreu em 1954, por conta própria.

O bombardeiro de Getúlio Dornelles Vargas se chamava Francisco Romero.

O neto dele, já antigo trabalhador na construção civil, mora num bairro vizinho ao meu, em São Paulo. Ele me contou esta história às 11h30 do dia 16 de janeiro de 2016.

Sei que os doutos historiadores exigirão depoimentos de outrem e/ou quaisquer registros do passado, coincidentes em algum (uns) ponto (s) com estas lembranças, para se decidirem a encaixar o pequenino personagem Francisco Romeiro num cantinho da biografia de Getúlio Dornelles Vargas; lamentavelmente inexistem, ou nem o neto os tem, nem eu os encontrei.

Pensei numa foto do avô e família, esta sim disponível, mas logo aquilatei que não seria suficiente.

O seu falar fluía tranquilo e pausado. Ouvindo-o, não duvidei em momento algum da veracidade do que ele me narrava. E você, caro leitor ou prezada leitora, o que concluiu deste relato?


Apóllo Natali foi o primeiro redator da antiga Agência Estado, foi redator da Rádio Eldorado, do Estadão e do antigo Jornal da Tarde. Escreve atualmete para diversos sites e blogs de notícia, como o Observatório da Imprensa.


sábado, 13 de agosto de 2016

AS RAZÕES DA ESQUERDA


Talvez o mundo esteja racional demais e sensível de menos.


Nada é mais desesperador para alguém que está deprimido, por exemplo, do que a lógica de quem não está e não enxerga os motivos ocultos de quem sofre.


Toneladas de lógica podem significar menos que algumas gramas de emoção.


Verdades as vezes plenamente reconhecidas podem ser perfeitamente evitáveis.


Um pouco de lúdico e subjetivo pode preencher vazios existenciais indefiníveis.


Os partidos de esquerda, por exemplo.


Às vezes são tão preparados para ocupar o poder que acabam fazendo acordos espúrios e esquecendo das próprias raízes.


O militante de esquerda é um ser intelectualizado. Invariavelmente já leu muitas obras que a maioria das pessoas não leem, já fiz comparações políticas necessárias que muitos nunca ousaram pensar.


O militante de esquerda tem sua utopia e acredita estar lutando por ela militando nesse ou naquele partido de esquerda.


Entretanto poucas coisas são mais frias do que uma reunião dessa militância.


Muito intelecto, pouca emoção.


Paradoxalmente o lúdico de cada utopia do militante iniciante vai dando espaço à uma lógica que oprime e é capaz de afastar cada vez mais o militante e a utopia que o levou ao partido.


Algo como o sonho fugindo diante de tanta estratégia lógica e tantos argumentos e hierarquias.


Existem rumores de militantes de grupos armados abandonados pelas direções de suas organizações à própria sorte durante a “Guerra Suja” contra a ditadura militar e isso é plenamente possível, já que essas agremiações são eminentemente lógicas.


A organização de esquerda possuí razão de mais e coração de menos.


E dessa forma torna-se arrogantemente certa em suas convicções intelectuais e talvez essa seja a razão de estarem sempre tão distantes do coração dos ilustrados que julga defender.


Na crise atual isso é, mais uma vez, perceptível.


Você não acha que a reação ao golpe está apática?


Temos, nós da esquerda, um exército de possibilidades de luta.


Onde estão?


Onde estão as lideranças mais populares do PT? Por onde anda Lula?


É provável que, cobertos de lógica eleitoral, a direção do PT já tenha feito uma espécie de combinação, não escrita, mas firmada nas atitudes, com os golpistas.


Uma combinação que garanta as eleições de 2018, que contaria com a possibilidade de vitória e volta de Lula.


Isso seria cruel e injusto com Dilma.


Mas, a esquerda brasileira possuí razão de mais e coração de menos, lembra?



Prof. Péricles





quinta-feira, 11 de agosto de 2016

MOMENTO ÚNICO


Por Luis Fernando Veríssimo


Quem quer ficar sozinho num mundo que não domina e mal compreende, sem o apoio e o consolo de uma teologia, qualquer teologia?

Gustave Flaubert escreveu, numa carta para um amigo: “Quando os deuses tinham deixado de existir, e o Cristo ainda não viera, houve um momento único na História, entre Cícero e Marco Aurélio, em que o homem ficou sozinho”.

As divindades pagãs nunca deixaram de existir, mesmo com o triunfo do cristianismo, e a Roma evocada por Flaubert era apenas Roma, não era o mundo. Mas, no breve momento de solidão flagrado pelo escritor, o homem ocidental se viu livre da metafísica — e não gostou, claro. 

Quem quer ficar sozinho num mundo que não domina e mal compreende, sem o apoio e o consolo de uma teologia, qualquer teologia? O monoteísmo paternal substituiu as divindades convivais da antiguidade, em pouco tempo Constantino adotaria o cristianismo como a religião do império e o homem perdeu o seu momento único, a oportunidade de se emancipar dos deuses.

A ciência, pelo menos até Einstein, nunca pretendeu desafiar a metafísica dominante, mesmo quando desmentia seus dogmas. 

Copérnico cumpria seus deveres de cônego da Catedral de Frauenburg enquanto bolava a heresia que destruiria mil anos de ensinamento da Igreja, e seu tratado revolucionário sobre o universo heliocêntrico foi dedicado, sem nenhuma ironia que se saiba, ao Papa Paulo III.

Galileu também foi inocentemente a Roma demonstrar na corte papal o telescópio com o qual confirmara a teoria explosiva de Copérnico, talvez o exemplo histórico mais acabado de falar em corda em casa de enforcado. Quando foi julgado pela Inquisição, Galileu concordou em renunciar à ideia maluca de que a Terra se movia em torno do Sol, para ficar vivo, e a frase famosa que teria dito baixinho — “E pur si muove” — só foi acrescentada ao relato do julgamento um século depois, quando provavelmente também se originou a frase “Se não é verdade, é um bom achado”.

Quando o astrônomo Joseph Halley, o do cometa, entusiasmado com a recém-publicada “Principia”, de Isaac Newton, quis dar uma ideia da importância da teoria newtoniana da gravidade e do movimento dos astros, disse que, com ela “fomos admitidos aos banquetes dos deuses” pois, até então, a ciência só especulara sobre a geometria celestial — algo como o Woody Allen dizendo que fazer cinema sério, ao contrário de comédias, era sentar-se na mesa dos adultos.

Com Newton, passamos a conversar seriamente com os deuses. Halley preferiu “deuses” a Deus, evocando o tempo pré-cristão em que as divindades andavam entre os homens e podiam até ser seus comensais. O trabalho de Newton fazia parte da “filosofia natural”, o pseudônimo com que, na Europa do século XVII, a ciência especulativa convivia com os dogmas religiosos.

Os banquetes com os deuses não eram exatamente atos de rebeldia contra a teologia, mas uma maneira de trazer a metafísica de volta a um plano humano.

Mas o momento único da emancipação possível já passara.


Luis Fernando Veríssimo, escritor.

terça-feira, 9 de agosto de 2016

A VAIA A TEMER


Por Arruda Bastos

O Ceará é conhecido pela sua molecagem e seu espírito bem-humorado. Somos o maior celeiro de grandes humoristas no Brasil: Chico Anysio, Renato Aragão, Tom Cavalcante e muitos outros. 

Como reza a lenda, aqui vaiamos até o sol. 

Na década de 40, vivíamos uma grande seca, mas, em 30 de janeiro de 1942 o céu de Fortaleza amanheceu completamente coberto por nuvens negras. A população saiu para comemorar, porém, logo a chuva cessou. Quando o sol apareceu entre as nuvens, um cidadão que estava na Praça do Ferreira, no centro da cidade, não hesitou: voltou-se para o astro rei e começou a vaiar. A atitude contagiou dezenas de pessoas que também vaiaram o sol. Tudo fruto da nossa irreverência.

No Maracanã, na abertura dos jogos olímpicos, foi diferente. Embora com alguns abastados cearenses na plateia, a vaia estrepitosa sofrida por Temer na sua mísera fala de poucos segundos foi marcante. A vaia veio da esmagadora maioria dos presentes e revela a total falta de apoio do governo provisório. A pesquisa do Data Folha, mesmo com divulgação maquiada, já demonstrava isso. A nossa população não deseja o governo Temer, mas sim uma nova eleição.

Nas arquibancadas não tínhamos dependentes do Bolsa Família, moradores do Minha Casa Minha Vida ou representantes de outras categorias que se beneficiaram dos programas sociais de Lula e Dilma nos últimos anos. Muito pelo contrário, a grande maioria de espectadores era composta de membros da nossa classe média e da elite brasileira, defensora do afastamento da presidente Dilma.

O mais preocupante para o interino Temer é que a vaia foi estridente e de todos os setores do Maracanã. Por mais que a mídia golpista, capitaneada pela Globo, tente negar e até, como está sendo denunciado pela imprensa livre, mascarar com manipulação de áudios na transmissão, ficou impossível de colocar panos mornos na sua impopularidade e na constatação de que ele, para o povo, é um traidor, um ser desprezível, um mau caráter, o capitão do golpe em andamento no Brasil e não tem estofo e preparo moral para comandar nossa nação.

A covardia da noite, contrastando com o espírito Olímpico, ficou por conta de Michel Temer. Ele e seus ministros alardeavam antes do evento que estavam todos preparados para as vaias. Pois bem, pela primeira vez em uma Olimpíada o presidente do país-sede não foi anunciado na cerimônia de abertura. Seu nome não foi sequer citado em nenhum momento e o motivo foi justamente para evitar as vaias no início e durante a festa. 

Os órgãos de comunicação já confirmam que o pedido para esconder dos olhos e ouvidos de todos a figura malfazeja de Temer veio do Palácio do Planalto.

Voltando a absurda manipulação da grande mídia golpista, observamos facilmente, analisando os áudios da fala de Temer, que durante a sonora vaia ouviram-se só poucos aplausos e oriundos do camarote onde o presidente interino estava. A fraude foi ecoar de forma inflacionada o som das autoridades e reduzir o das arquibancadas. Golpistas até na hora de transmitir uma solenidade importante como a abertura dos jogos Olímpicos. A que ponto chegamos?!

Os organizadores da Olimpíada tentaram proteger o ilegítimo presidente de todas as maneiras. 

Os telões e a transmissão de televisão evitaram ao máximo as imagens do constrangido personagem, que mais parecia a Belinha, minha cadela, com rabo entre as pernas depois que é flagrada em alguma travessura. 

Até o presidente do Comitê Olímpico Internacional, Thomas Bach, no seu discurso, agradeceu genericamente às “autoridades brasileiras”, e em nenhum momento citou o seu nome. É a confirmação do total descrédito da nossa atual elite dominante.

Como comentei no meu artigo, A atual política do pão e circo é praticada pelo governo Temer em parceria com a mídia golpista e feita para ludibriar o nosso povo. Parece que, pelo menos na abertura da Olimpíada Rio 2016, não funcionou. 

Vamos torcer para que os jogos sejam um sucesso e que as armações sejam desmascaradas prontamente como foi nesta oportunidade.



Arruda Bastos é médico, professor universitário, ex-Secretário da Saúde do Estado do Ceará e um dos coordenadores do Movimento Médicos pela Democracia.



domingo, 7 de agosto de 2016

PRESIDENTES, VICES E A DANÇA DAS CADEIRAS


Na história brasileira já tivemos roteiros surpreendentes no que se refere aos mandatos de presidentes e atuações de seus vices.

Com relação aos presidentes a dança das cadeiras teve de tudo.

Duas Renúncias: Deodoro da Fonseca, em 1891 e Jânio Quadros em 1961.

Dois presidentes, um eleito, Afonso Pena (1909) e outro imposto pela Ditadura Militar, Artur da Costa e Silva (1969) morreram no exercício do cargo.

Outro se suicidou em pleno exercício do mandato: Getúlio Vargas em 1954.

Dois eleitos morreram antes de assumir: Rodrigues Alves, 1918 e Tancredo Neves em 1985.

Um presidente que assumiu o cargo após uma revolução vitoriosa por ele liderada: Getúlio Vargas e outro que, apesar de eleito, foi impedido de assumir pela mesma revolução vitoriosa: Júlio Prestes, em 1930.

Incrivelmente, tivemos um presidente não eleito, mas designado nominalmente pela Constituição: ele de novo, Vargas, em 1934.

E até um presidente que deu golpe no próprio regime em que era presidente para se tornar ditador: adivinha... Getúlio Vargas, em 1937. Ufa.

Um presidente foi derrubado do poder por golpe militar: João Goulart em 1964.

Já Fernando Color de Melo foi retirado do poder por força de um impeachment: em 1992.

Três presidentes foram reeleitos depois de alterada a Constituição: Fernando Henrique Cardoso em 1998, Luiz Inácio “Lula” da Silva em 2006 e Dilma Rousseff em 2014.

Nossa história dos vices também já teve muita emoção.

Um Vice-presidente provisório assumiu no lugar do presidente que renunciou, mas, em vez de apenas completar o mandato ampliou seu próprio período de governo: Floriano Peixoto 1891 a 1894.

Dois vices que assumiram devido a morte do titular: Nilo Peçanha, em 1909 e José Sarney em 1985.

Um vice que não quis assumir de jeito nenhum após a morte do titular e não assumiu mesmo: Delfim Moreira, em 1918.

Mas já teve outro que enfrentou um golpe armado para assumir: Jango, em 1961.

Um vice em exercício do cargo vago pela morte do titular que simulou estar doente para não assumir, Café Filho em 1955 e o outro que foi derrubado mesmo sendo interino: Carlos Luz, também em 1955.

Um vice que deveria assumir com o licenciamento do “presidente” apenas para manter as aparências, mas, que, mesmo assim, foi impedido por força da ditadura: Pedro Aleixo, em 1968.

E um vice que assumiu no lugar do presidente pós-impeachment: Itamar Franco, em 1992.

Apesar de tantos fatos surpreendentes, ainda conseguimos ineditismos em nossa história.

Atualmente, por exemplo.

Pela primeira vez somos governados por um vice descaradamente conspirador e golpista que por trás de um silêncio mentirosamente humilde planejou junto com as forças mais reacionárias do país um golpe contra a titular.

Somos ricos em surpreender o mundo e a nós mesmos.

Nossa história as vezes confunde humor com terror e drama com dramalhão e nesses argumentos sempre quem perde é o povo, particularmente, suaa parte mais pobre e abandonada.

Lamentavelmente a surpresa, às vezes, é perversa e fascista e a gente não sabe se chora ou se ri.



Prof. Péricles





sexta-feira, 5 de agosto de 2016

SANGUE, PARA ELES, SÃO MEDALHAS


Por Celso Lungaretti 


A condescendência com a bestialidade dos agentes do terrorismo de estado, paradoxalmente, inexiste em países que nem sequer foram por ela atingidos: agora é dos Estados Unidos que recebemos uma lição de como a Justiça de uma nação civilizada deve tratar bestas-feras responsáveis por crimes contra a humanidade.

O ex-militar chileno Pedro Paulo Barrientos Nuñez, que para lá emigrou em 1990 e acabou adquirindo a cidadania estadunidense, foi condenado por um tribunal da Florida a indenizar em US$ 28 milhões a família do cantor Victor Jara, por tê-lo assassinado no curso do golpe de Estado desfechado por Augusto Pinochet em setembro de 1973 (cujo saldo foi o assassinato ou desaparecimento de 3.200 opositores políticos, além de dezenas de milhares de cidadãos torturados).

A ação foi aberta pela viúva Joan, pela filha Amanda e pela enteada Manuela, com base na Lei de Proteção à Vítima de Tortura dos EUA, que permite ações civis contra torturadores.

Já no Brasil, o máximo que se obteve foi a declaração de que Carlos Alberto Brilhante Ustra havia mesmo sido um torturador, sem que isto implicasse pagamento nenhum a suas vítimas.

Segundo o serviço noticioso português RTP, foi decisivo o testemunho de um antigo subalterno de Barrientos, o soldado José Navarrete, que relatou: “Ele se vangloriara de ter matado Víctor Jara. Costumava mostrar a pistola e dizer: ‘Matei Víctor Jara com isto’.

Também depuseram dois antigos prisioneiros, que viram Jara ser reconhecido pelos militares, separado dos outros e violentamente espancado.

Um deles, Boris Navia, contou que Jara foi exibido como um troféu a outros oficiais, tendo um deles lhe esmagado a mão e partido o braço, enquanto dizia: “Nunca mais vais poder tocar guitarra”.

Finalmente, mataram-no a tiros. Seu corpo tinha 44 balas cravadas ao ser encontrado.

Durante os três dias em que esteve preso num estádio de futebol antes de ser executado, Jara escreveu um último poema, cuja versão para o português (efetuada pelo site Adital) reproduzimos:


“O SANGUE, PARA ELES, SÃO MEDALHAS”

“Somos cinco mil
nesta pequena parte da cidade.
Somos cinco mil.

Quantos seremos no total,
nas cidades e em todo o país?
Somente aqui, dez mil mãos que semeiam
e fazem andar as fábricas.

Quanta humanidade
com fome, frio, pânico, dor,
pressão moral, terror e loucura!

Seis de nós se perderam
no espaço das estrelas.

Um morto, um espancado como jamais imaginei
que se pudesse espancar um ser humano.

Os outros quatro quiseram livrar-se de todos os temores,
um saltando no vazio,
outro batendo a cabeça contra o muro,
mas todos com o olhar fixo da morte.

Que espanto causa o rosto do fascismo!

Colocam em prática seus planos com precisão arteira,
sem que nada lhes importe.

O sangue, para eles, são medalhas.
A matança é ato de heroísmo.
É este o mundo que criaste, meu Deus?

Para isto os teus sete dias de assombro e trabalho?!
Nestas quatro muralhas só existe um número que não cresce,
que lentamente quererá mais morte.

Mas prontamente me golpeia a consciência
e vejo esta maré sem pulsar,
mas com o pulsar das máquinas
e os militares mostrando seu rosto de parteira,
cheio de doçura.

Quantos somos em toda a pátria?
O sangue do companheiro Presidente
golpeia mais forte que bombas e metralhas.
Assim golpeará nosso punho novamente.

Como me sai mal o canto
quando tenho que cantar o espanto!
Espanto como o que vivo
como o que morro, espanto.

De ver-me entre tantos e tantos
momentos do infinito
em que o silêncio e o grito
são as metas deste canto.

O que vejo nunca vi,
o que tenho sentido e o que sinto
fará brotar o momento…”



Para ler mais sobre Victor Jara leia os textos desse Blog: “Victor Jara, A Voz Calada do Povo” de outubro de 2014 e “Golpe no Chile 40 Anos” de setembro de 2013.