domingo, 24 de abril de 2016

É GOLPE SIM!


Por Mino Carta


Perdoem os leitores a exclamação, mas a arrogância e a desfaçatez dos conspiradores passaram da conta.

É golpe, é golpe sim. Verdade factual, diria Hannah Arendt, a verdade única, inegável.


A despeito das afirmações em contrário de pançudos alquimistas do engano, envoltos em prosopopeia. E dos editorialões dos jornalões e programões, e das colunas e reportagens dos sabujos midiáticos, de lida tão árdua com o vernáculo, mas de fantasia acesa.

E dos rentistas que se dizem empresários de um país que exporta commodities, de juizecos provincianos e advogados mafiosos que em cada lei enxergam a oportunidade de burlá-la. E de agentes ditos da ordem empenhados em semear a desordem e de funcionários do Estado dispostos a financiar no exterior campanhas a favor do golpe, como Furnas a patrocinar tertúlias lisboetas de Gilmar Mendes e José Serra.

Fato é que os argumentos aduzidos para justificar o impeachment não se prestam ao propósito. Quem diz: golpe não pode ser “algo que existe na Constituição” expõe apenas sua parvoíce.

Exatamente por ser previsto pela Carta, o impeachment no caso é impraticável, como aliás confirma o ministro Marco Aurélio Mello, consciente de sua função de magistrado. De todo modo, pedaladas fiscais são práticas comuns dos governos brasileiros.

Cabem, na exposição da verdade factual, comparações entre o presidencialismo à brasileira e o americano, ou o francês. Bush júnior foi calamitoso como presidente ao ponto de levar seu país a uma guerra precipitada pela mentira e pela hipocrisia, enfim,

inexoravelmente provadas.

Nem por isso deixou de governar até o fim. Barack Obama governou por boa parte do seu segundo mandato sem contar com maioria parlamentar, e nem por isso foi impedido.

François Hollande há dois anos não alcança nas pesquisas 20% de aprovação popular, e nem por isso deixa de governar. Será que o nosso presidencialismo está habilitado a dispensar o peso constitucional de uma eleição ganha em proveito dos números de um ibope qualquer?

A verdade factual oferece largo espaço à raiva que hoje medra na chamada classe média, ódio desvairado insuflado pela ofensiva midiática. Vale acrescentar um adjetivo: irracional. Fruto de ventos malignos e, de certa forma inexplicáveis, a soprar entre o fígado e a alma.

Aparentado com a raiva da pequena burguesia que gerou, por caminhos distintos, o fascismo e o nazismo, lembrança esta despida da pretensão de confrontar o estágio cultural das nossas classes A e B com a pequena burguesia de Alemanha e Itália dos começos do século passado.

Quem no Brasil se considera burguês, quando não aristocrata, não se expandiu muito além dos tempos da Pedra de Roseta. O ódio, entretanto, é parecido, eivado de recalques e preconceito. De todo modo, não será fascista ou nazista o desfecho da tragédia.

Hoje os EUA reatam com Cuba e certamente não enxergam no Brasil o seu quintal, graças à política exterior independente praticada por Lula e seu chanceler Celso Amorim. Sabem, porém, que significaria dar continuidade àquela política, como aconteceria se Lula voltasse ao poder. Resultaria no fortalecimento da aliança dos BRICS, que tende cada vez mais a tomar caminhos conflitantes em relação aos interesses norte-americanos.

Em 64, a casa-grande chamou os soldados para executar o trabalho sujo, desta vez os tanques são substituídos pelas togas de uma Justiça politizada, sequiosa por empolgar o poder em uma república justicialista.

Patética, emoldurada em ouro, a desculpa dirigida ao STF pelo juiz Moro por seus grampos ilegais e ilegalmente divulgados, a revelar uma vocação de humorista quando diz não ter agido com propósitos político-partidários. Pelo contrário, são estes exatamente os propósitos de futuro desta magistratura açodada, intérprete da Justiça desvendada.

O golpe de 64 gerou uma ditadura de 21 anos e de cujas consequências padecemos até hoje. Vale perguntar aos botões se o plano togado tem chances de êxito caso o impeachment premie os conspiradores de sempre. Impossível, respondem, à luz do que chamam de premissas da próxima, eventual, verdade factual.


Desta vez, os conspiradores estão divididos por divergências insanáveis e, se lograrem atingir o alvo comum, entrarão em conflito no dia seguinte. Dia nebuloso, caótico, de tensões espantosas. Chegassem ao governo, os cultores do poder pelo poder cuidariam de acabar de vez, como providência automática e imediata, com a Lava Jato.

Que é possível esperar de um governo Temer? Quem sabe José Serra na Fazenda. Que tal Rubens Barbosa chanceler e Miguel Reale Jr. na Justiça? Retorno ao afago norte-americano, leilão dos bens brasileiros a começar pelo pré-sal, distanciamento dos BRICS.

O progressivo galope decadência adentro. Súditos de Hillary ou de Trump? A esta altura, não consigo ver diferenças entre os dois, ao menos deste meu ponto de observação verde-amarelo.

As falhas do governo atual não se discutem, começam pelo estelionato eleitoral cometido pela presidenta Dilma ao convocar para a Fazenda um bancário neoliberal com o propósito transparente de acender um círio ao deus mercado.

Nada, porém, do que a acusam sustenta a conspirata e justifica o impedimento, assim como nada admite a pretensão de Sergio Moro de prender Lula. Houvesse provas cabais, já estaria preso. E esta é a verdade factual.

Certa agora, no País à deriva, é a falta de liderança. A presidenta Dilma encontrou finalmente o tom certo e a veemência necessária nos seus últimos pronunciamentos, mas perdeu a chance de assumir o comando do País e talvez jamais o tenha perseguido.

Ela parece satisfazer-se com a autoridade que lhe compete nas reuniões do ministério. De resto, o Brasil contou com poucos líderes populares autênticos, sem exclusão de Antônio Conselheiro, e dois se sobressaem, Getúlio Vargas e Luiz Inácio Lula da Silva. Getúlio repousa no panteão da memória, Lula está vivo.





Mino Carta, de CartaCapital

sábado, 23 de abril de 2016

O PODER DO VÁ SE FERRAR

O repertório de vocábulos utilizados na linguagem política é muito rico.

Essa riqueza varia em sua origem e fim. Pode ser rico em lustro intelectual, rico em significados, rico em oficialidade, etc.

O linguajar popular, por sua vez, também é rico. Pergunte a qualquer linguista ou professor de português.

Mas, geralmente não se mistura, a fala popular com a fala oficial.

Algumas expressões populares, porém, utilizadas por políticos deram vazão a uma enorme riqueza de significados e tornam-se inseparáveis do autor.

Muitos não lembram de Ronald Reagan, mas utilizam até hoje a expressão “Império do Mal” criada por ele para definir os “perigosos” à segurança dos Estados Unidos: União Soviética, Irã e Coréia do Norte.

No Brasil é o caso de “trabalhadores do Brasil” de Getúlio Vargas ou do “filhote da ditadura” de Leonel Brizola.

Brizola, aliás, possivelmente, era o mais profícuo nesse quesito, tendo tornado imortal os “interesses” com o primeiro “e” pronunciado com assento, ou ainda o “sapo barbudo” para definir Lula e a necessidade de engolir sapos na política.

Lula imortalizou o “nunca antes na história desse país”.

Algumas expressões, no entanto, são mais chulas, e nem por isso, menos imortais.

Possivelmente tenha faltado isso para a presidente Dilma.

Um eficiente assessor político (que falta fez para Dilma) deveria recomendar uma expressão que é cheia de significados populares e ao mesmo tempo rica em sua mensagem mais profunda. O “vai se ferrar”, variação educada do imortal “vai à merda”.

Quando a mídia censurou sua ida ao encontro de Lula após a ida “coercitiva” determinada pelo juiz paladino dos bons costumes, Dilma deveria ter dito simplesmente, “vai se ferrar” e mais nenhuma atenção ao fato.

Claro que a mídia cairia de pau censurando o uso de uma expressão tão grosseira na boca de uma presidente, mas, cá entre nós, isso faria alguma diferença? A mídia golpista alguma vez elogiou Dilma por ser “tão boazinha”?

Agora queriam impedi-la de uma viagem oficial até a ONU alegando que ela iria aproveitar o momento para criticar a política brasileira e “se fazer de vítima”.

O que Dilma deveria fazer era simplesmente mandar se ferrar e denunciar mesmo ao mundo, como já deveria ter feito antes, o golpe praticado no Brasil.

Imagine uma coletiva e diante de uma pergunta de repórter brasileira Dilma perguntasse “Você é da Globo? ” e diante do aceno positivo respondesse com um cheio, amplo, bem claro e sonoro “vai se ferrar”.

Dilma já deveria ter gritado ao mundo o golpe que estão aplicando nela. Já deveria ter pedido auxílio da Corte internacional de Haia sobre os desmandos jurídicos que se praticou no Brasil, e, embora muito tarde, faz muito bem em divulgar o golpe que está sendo aplicado aqui até para defender a democracia em outros pontos desse continente.

Você é golpista? Vai se ferrar.

Você votou “sim” em nome da mamãe, da esposa, da moral e dos bons costumes sem se ater à responsabilidade do fato? Vá se ferrar.

Vai se ferrar. Simples assim.

Vá se ferrar juiz que pensa que é Deus. Vá se ferrar eleitor mal perdedor.

Vão se ferrar todos os fascistas.

A esquerda do Brasil é muito bem-educada e observadora da etiqueta e da ética.

Está faltando a presidente Dilma um bom lado Leonel Brizola.

Ah, e bons assessores também.



Prof. Péricles



quarta-feira, 20 de abril de 2016

GESTOS QUE DIZEM TUDO


Gestos muitas vezes dizem mais do que mil palavras.

O sopro de mãe para tirar nossa dor é gesto que buscamos reencontrar pelo resto da vida em outras circunstâncias.

O braço erguido com a euforia da vitória, as mãos unidas em prece...

JK inventou a mão espalmada para lembrar que possuía plano de governo com 5 ênfases e também para representar a promessa de cinquenta anos de desenvolvimento em cinco de governo.

Getúlio sorridente com seu cachimbo e acenando com o braço acima da cabeça dizia para todos o “trabalhadores do Brasil” mesmo sem falar.

O capitão Beline da seleção brasileira de futebol inventou o gesto de erguer a taça com as duas mãos acima da cabeça em 1958 e é imitado até hoje.

E o gesto de Rosa Parks de, simplesmente permanecer sentada no banco do ônibus depois de um dia cansativo de trabalho em vez de dar o lugar a um branco? Quanta resistência sem palavras...

Nas Olimpíadas de 1968 na Cidade do México, os atletas negros norte-americanos Tommie Smith vencedor dos 200 metros rasos e John Carlos, medalha de bronze, no alto do pódio, após receberem as medalhas ergueram os punhos fechados, gesto símbolo dos Panteras Negras, movimento negro de luta contra a segregação racial nos Estados Unidos. Foram punidos e expulsos da cidade olímpica, mas o gesto nunca mais foi esquecido.

O V com os dedos das mãos hippies que lembrava o “paz e amor”, o braço estendido dos nazistas que lembrava o ódio...

Sim, gestos as vezes falam por si mesmos.

Os judeus cuspiam no chão sempre que passava por eles alguém considerado alienado de suas leis religiosas e civis, gesto que, segundo os evangelistas, foi censurado por Jesus.

Mas ao longo do tempo, Jesus que nos perdoe, o cuspe criou vida própria e se tornou símbolo universal de desprezo.

O cuspe do deputado Jean Willis no também deputado Jair Bolsonaro tem toda a força necessária para se tornar um gesto icônico.

Segundo palavras de Jean Willis, o mínimo que ele poderia fazer diante do olhar debochado de um fascista era isso mesmo, cuspir.

Não é o gesto que se espera ver num lugar que deveria representar o encontro civilizado de defensores de ideias as vezes radicalmente diferentes.

Não é algo de boa educação, que se ensine aos filhos.

Mas, sem dúvida, é aquilo que muitos gostariam de fazer para marcar de forma indubitável seu desprezo ao fascismo e aos fascistas.

Diante da vitória do conluio hipócrita de tantos lobos travestidos de cordeiros e da indignação diante da ousadia de alguém capaz de elogiar e dedicar seu voto a um torturador que, entre outras pérolas de crueldade, costumava inserir um rato nos orifícios fisiológicos de suas prisioneiras, talvez não restasse mesmo, ao deputado do PSOL, outra coisa para fazer.

Foi feio? Foi sim.

Foi deselegante? Sem dúvida.

Mas, com o perdão da etiqueta da tolerância, coisa aliás, rara entre os fascistas, foi merecido.

Mais uma vez um gesto sem palavras disse milhares de coisas.

Coisas que boa parte da população brasileira e muitos familiares de mortos e desaparecidos na Ditadura Militar gostariam de dizer.



Prof. Péricles



segunda-feira, 18 de abril de 2016

SOBRE GOLPES E CULPAS

Buscando entender melhor a crise brasileira em seus desdobramentos até o 18 de abril, data da aprovação do pedido de impeachment de Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, o Blog ousa selecionar abaixo o que considera como os maiores responsáveis pela difícil situação a que chegou a democracia brasileira.  Além de apontar os fatos buscou-se também hierarquizar as responsabilidades do menor para o maior.


6º Lugar: A Cultura Golpista Brasileira

Temos uma tradição de golpismo em nossas veias históricas. Normalmente se prefere a extração do que a reparação. Nossa classe média mais uma vez demonstrou ser uma das mais preconceituosas do planeta, enquanto nossas elites (aquela mesma que se recusou abolir a escravidão por um século inteiro) demonstram seu lado mais reacionário e perverso. A cultura do golpismo presente nas campanhas anti-Lula e anti-Dilma, que dá vitória eleitoral para qualquer um que não seja candidato do PT em estados importantes, como o Rio Grande do Sul, se manifestou latente nos meios de comunicação e nas conversas de esquina, reforçada pela intolerância e pelo racismo tão vivo e tão negado entre nós.

5º Lugar: A Crise Financeira Internacional

O mundo do capital passa por uma de suas piores crises pós a Segunda Guerra Mundial. Essa crise começou em 2008, nos Estados Unidos, mas, graças às políticas de novas parcerias do presidente Lula, não nos atingiu como em outros tempos e por aqui passou como uma “marolinha”. Em 2010 a tsunami econômica chegou à Europa e ao Oriente, e, desde então, vem ameaçando desde economias de papel sustentadas pela União Europeia até gigantes como a Itália e a própria China que desacelerou o ritmo do crescimento depois de duas décadas frenéticas. Dessa vez a crise nos atingiu e atingiu nossos parceiros do BRICS e o efeito tem sido danoso. Se em 2008 a direita não tentou o impeachment de Lula quando do “Mensalão” porque, ela sabia bem, estava ganhando, agora se colocou contra Dilma e sua propalada ineficiência no combate a crise, tendo o impeachment aparecido como uma boa ideia, não meramente pela troca de nomes, mas porque os arquitetos do golpe estão comprometidos em aplicar novas medidas neoliberais, como a terceirização da mão-de-obra (na prática o fim da CLT). Para os donos do poder, o neoliberalismo aparece como a salvação imediata de seus problemas e Dilma e o PT são cartas fora do baralho.

4º Lugar: A Imprensa Golpista

O papel da mídia, especialmente da Rede Globo de Televisão, já havia sido assustador quando da eleição do primeiro presidente após a ditadura militar, Fernando Color, derrotando Lula e Brizola. Sabemos que a imprensa trabalhou arduamente pelo golpe de março de 1964 e é histórico que o império Globo nasceu sob os auspícios dos generais da ditadura, mas, dessa vez o golpismo se superou. Selecionando o que transmite e o que não transmite, escolhendo como transmite, que ângulos detalha ou esconde e que falas vão ao ar. Supervalorizando fatos negativos e contrários e sonegando informação sobre fatos positivos. O que a Rede Globo fez, juntamente com a já folclórica Revista Veja, mas não somente elas, mas todo o conjunto da mídia coorporativa, foi algo de criminoso. Tão devastador que a polícia federal, uma polícia de inteligência, tornou-se polícia ostensiva com seus agentes disputando o lugar ao lado dos detidos, em nome da fama. Tão corrosivo que é mais responsável pelo golpe do que a própria crise econômica que acabou se tornando uma de suas armas. É impossível pensar qualquer projeto de democracia daqui para a frente sem o enfrentamento do superpoder midiático e seu literal esfacelamento, fazendo com que deixe de ser um agente político e seja apenas o que tem concessão para ser: um veículo de divulgação de notícias, como é, não em Cuba ou na Rússia, mas na Inglaterra e nos Estados Unidos.

3º Lugar: O Sistema Judiciário Brasileiro

Sempre bem quisto pela população como sua última esperança contra os desmandos dos poderosos, o sistema jurídico brasileiro entrou em falência com os fatos. Tudo começou ainda no mensalão quando juízes se deixaram contaminar pela “síndrome de celebridade” e passaram a fazer evidente jogo de cena em busca dos holofotes. O Juiz deve ser como o árbitro de futebol, quanto menos aparecer melhor para o jogo. Porém, togados se tornaram “heróis” de capa e espada para certas fatias da sociedade, sempre levados pela mídia ao ponto de um juiz de 3ª instância de São Paulo ter tentado atravessar o processo e convocar o ex-presidente Lula para depor onde não tinha qualquer competência. Era o desejo infantil de aproveitar a onda e se tornar também, celebridade. Outro assumiu postura partidária e abandonou a imparcialidade chegando a convocar coercitivamente alguém que jamais fora convocado antes. Outro ainda tornou-se personagem televisivo no STF por representar o “clamor da oposição” de forma descarada. Da mesma forma que é impossível se pensar em democracia no Brasil daqui para a frente sem o enfrentamento da imprensa também o será a necessidade de humanizar o judiciário, fazendo os juízes deixarem de ser deuses e tornarem-se apenas cidadãos, funcionários públicos, que cumpram com seu papel institucional e que possam e devam ser punidos quando deixarem de cumprir.

2º Lugar: Dilma Rousseff

O primeiro dever de um presidente da república é defender a constituição e a soberania nacional. Infelizmente Dilma fracassou retumbantemente no primeiro dever. Dilma sempre acreditou que venceria o golpe com medidas institucionais. Jogou pérola aos porcos. Tentou ser querida pela direita escolhendo um Ministro da escola liberal que, logicamente a afastou do povo. Dilma, uma ex-guerrilheira destemida esqueceu as estratégias de guerra e marchou como um patinho para a panela. Não se enfrenta o fascismo com medidas suaves, pergunte para qualquer historiador ou velhinho da Itália, da Alemanha e da Espanha. A presidente evitou o confronto. Adulou a Globo. Afastou-se de Lula e dos organismos sociais, num primeiro momento. Se é verdade que é a primeira vítima pessoal do golpe, também é, em muito, responsável por tudo o que acabou acontecendo.

1º Lugar: O Governo do PT, incluindo setores políticos que o apoiam e também o ex-presidente Lula

O PT vendeu sua alma ao diabo para chegar ao poder. A esquerda histórica do partido dele se afastou desde esse momento. Mesmo assim deu início a vários programas sociais importantes e urgentes, responsáveis pela melhoria da situação dos mais pobres e por um surto consumista no país. Mas, da mesma forma que na Venezuela, no Paraguai, no Equador e, de certo modo, na Argentina, não avançou além das primeiras jardas. O PT acreditou que apenas os programas sociais poderiam garantir a manutenção do poder, mas, a história nos mostra que não é assim. Todo governo de esquerda que evita radicalizar seu projeto social, que vacila, acaba fracassando. No dizer de Leonel Brizola, o PT foi a esquerda que a direita queria. A direita aliás que muito se beneficiou dos governos do PT, mas que não hesitou em dar um pé na bunda quando perdeu a serventia. O governo petista guardou sua militância na gaveta e só pediu ajuda quando já fazia água. Da mesma forma cabe crítica aos movimentos que tradicionalmente têm a força das ruas para evitar o pior. Alguém sabe, por exemplo, por onde anda a UNE?

O texto acima reflete a opinião pessoal do autor do Blog. Gostaríamos imensamente de contar com opiniões e participação, tanto para concordar, como para discordar, de seus leitores.


Prof. Péricles
















domingo, 17 de abril de 2016

BANDIDOS AMEAÇAM O GIGANTE



Por Timothy Bancroft-Hinchey

Os procedimentos de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff do Brasil são ilegais, equivalentes a nada menos que tentativa de golpe de Estado, mecanismos dos quais se serve agora uma elite política endemicamente corrupta e em vários casos criminosa, dominada por Washington e hoje terrivelmente perturbada por quatro mandatos consecutivos de presidentes democraticamente eleitos, representantes do Partido dos Trabalhadores.


Depois de décadas de terrorismo social praticado por partidos políticos de direita, animados por bandos de criminosos, estupradores, assassinos e fraudadores que, em muitos casos controlaram postos chaves das instituições políticas do Brasil, afinal o Partido dos Trabalhadores chegou ao Palácio do Planalto, no raiar desse milênio, luz nova e limpa que marcou o verdadeiro despertar do Brasil, o gigante tradicionalmente adormecido.

Tido como motivo de piadas e chacota da comunidade internacional antes de Lula e Dilma, o Brasil converteu-se, a partir do início dos governos do PT, em ator respeitado e importante no cenário mundial, com ação e voz no plano internacional, ouvido com reverência e atenção, quando afinal começou a distender os próprios músculos. Esse o Brasil que tirou milhões de homens e mulheres da pobreza, lançou programas sociais e educacionais em escala jamais vista nem no país nem no mundo, alcançou os mercados que, antes, o país só conhecia como pontos no mapa mundi.

Lula, Dilma e o Partido dos Trabalhadores deram ao Brasil projeção muito mais ampla, e o país deixou afinal de ser destino turístico tropical, que só tinha a oferecer futebol, carnaval e cachaça.

Hoje, e graças a Lula e Dilma, o Brasil é respeitado do Japão à Jamaica, de Cape Town, no ponto sul extremo da África, a Casablanca no norte; nas Américas, do sul ao norte, dos Andes ao Alaska e no outro lado do mundo, na Oceania, na Ásia, no Oriente Médio.

Mas o país continua a ser destratado e desrespeitado em casa, por um bando corrupto e volátil de agitadores de rua, rasos e venais, os quais, se você tenta falar com eles e elas para saber o que pensam, não conseguem juntar duas frases que expliquem o que, afinal de contas, andam a berrar pela Avenida Paulista, em São Paulo.

Foram adestrados e mobilizados por uma gangue de criminosos traidores ambiciosos, que só fazem repetir que a presidenta Dilma seria culpada, porque teria manipulado estatísticas e burlado a lei fiscal. Mas o advogado geral diz, na Suprema Corte do país, que não há caso contra a presidenta; que a acusação é viciada do começo ao fim; que todo o processo é um golpe de Estado que os golpistas tentam diluir num oceano de 'judicialidades'.

Quem fizer uma viagem ao Inferno, lá verá muitos dos que hoje infestam a Câmara de Deputados do Brasil, gente que só trabalha a favor dos próprios interesses pessoais ou de grupos, sem vestígio de decência ou moral em muitos casos, sem noção do que sejam ética, moralidade e práticas democráticas. Gente daquele tipo que, se acontece de apertarem sua mão, você tem de conferir se ainda tem todos os dedos e a aliança.

Por causa de um punhados desses, supostos políticos, que manipularam a opinião pública para promover um caso-ficção construído por dois ou três diretamente interessados no golpe, auxiliados pelo tradicional lixo euro-gringo do sul – esses que se veem aos gritos pelos bairros mais ricos do Brasil –, o Brasil está voltando a ser, outra vez, a piada do dia, na comunidade internacional.

E será o fim do "sonho do Brasil", da democracia com características brasileiras. O Brasil terá sido apunhalado pelas costas, e pelo próprio Congresso Nacional, em Brasília.

Mas e os que estarão, nesse fim de semana, fazendo avançar o projeto de desgraçar o Brasil, por acaso perdem o sono? Claro que não, porque todos têm os bolsos gordos de dólares – dólares, não reais. Mas, e fiquem sabendo todos, o eleitorado brasileiro hoje traído e apunhalado pelas costas, tem o direito de conhecer quem votou ativamente pela desgraça do Brasil, e haverá de saber quem, eleito para representar o povo do Brasil, traiu-o tão miseravelmente.

Esperemos que fracasse a maioria de dois terços dos votos necessária para que o golpe do impeachment de presidenta sem crime e que o Brasil possa prosseguir nas suas políticas públicas para fazer do mundo um lugar melhor, resgatando os brasileiros mais sacrificados por décadas de miséria gerada pelos mesmos que, hoje, ainda conspiram para destruir a democracia brasileira.

Aconteça o que acontecer, haverá eleições dentro de dois anos. Que os brasileiros deem bom uso ao próprio voto.






* Timothy Bancroft-Hinchey trabalhou como correspondente, jornalista, subeditor, editor, editor-chefe, gerente de projeto, diretor executivo, sócio e proprietário de publicações diárias, semanais, mensais e anuais, estações de TV e grupos de mídia impressa e digital distribuídas em Angola, Brasil, Cabo Verde, Timor Leste, Guiné-Bissau, Portugal, Moçambique e ilhas de São Tomé e Príncipe; passou as duas últimas décadas em trabalhos humanitários, conectando comunidades, trabalhando em redes com comunidades LGBT, ajudando a organizar abrigos para vítimas abusadas ou traumatizadas. É diretor e editor-chefe da versão em português de Pravda.Ru.




sábado, 16 de abril de 2016

LIÇÕES DA MÚLTIPLA CRISE BRASILEIRA

Leonardo Boff

Por Leonardo Boff


Primeira lição: o tipo de sociedade que temos não pode mais continuar assim como é. As manifestações de 2013 e as atuais mostraram claramente: não queremos mais uma democracia de baixíssima intensidade, uma sociedade profundamente desigual e uma política de negociatas. Nas manifestações os políticos também os da oposição foram escorraçados. Igualmente movimentos sociais organizados. Queremos outro tipo de Brasil, diverso daquele que herdamos que seja democrático, includente, justo e sustentável.

Segunda lição: superar a vergonhosa desigualdade social impedindo que 5 mil famílias extensas controlem quase metade da riqueza nacional. Essa desigualdade se traduz por uma perversa concentração de terras, de capitais e de uma dominação iniqua do sistema financeiro, com bancos que extorquem o povo e o governo cobrando-lhe um superávit primário absurdo para pagar os juros da dívida pública. Enquanto não se taxarem as grandes fortunas e não submeterem os bancos a níveis razoáveis de lucro o Brasil será sempre desigual, injusto e pobre.

Terceira lição: prevalência do capital social sobre o capital individual. Quer dizer, o que faz o povo evoluir não é matar-lhe simplesmente e faze-lo um consumidor, mas fortalecer-lhe o capital social feito pela educação, pela saúde, pela cultura e pela busca do bem-viver, pré-condições de uma cidadania plena.

Quarta lição: cobrar uma democracia participativa, construída de baixo para cima com forte presença da sociedade organizada especialmente dos movimentos sociais que enriquecem a democracia representativa que, por causa de sua histórica corrupção, o povo sente que ela não mais o representa.

Quinta lição: a reinvenção do Estado nacional. Como foi montado historicamente, atendia as classes que detém o ter, o poder, o saber e a comunicação dentro de uma política de conciliação entre as oligarquias, deixando sempre o povo de fora. Ele está aí mais para garantir privilégios do que para realizar o bem geral da nação. O Estado tem que ser a representação da soberania popular e todos os seus aparelhos devem estar a serviço do bem comum, com especial atenção aos vulneráveis (seu caráter ético) e sob o severo controle social com as devidas instituições para isso. Para tal se faz necessária uma reforma política, com nova constituição, fruto da representação nacional e não apenas partidária.

Sexta lição: o dever ético-político de pagar a dívida às vítimas feitas no processo da constituição de nossa nacionalidade e que nunca foi paga: para com os indígenas quase exterminados, para com os afrodescendentes (mais da metade da população brasileira) feitos escravos, carvão para o processo produtivo; os pobres em geral sempre esquecidos pelas políticas públicas e desprezados e humilhados pelas classes dominantes. Urge políticas compensatórias e proativas para criar-lhes oportunidades de se autopromoverem e se inserirem nos benefícios da sociedade moderna.

Oitava lição: fim do presidencialismo de coalizão de partidos, feito à base de negócios e de tráfico de influência, de costas para o povo; é uma política de planalto desconectada da planície onde vive o povo. Com ou sem Dilma Rousseff à frente do governo, precisa-se, para sair da pluricrise atual, de uma nova concertação entre as forças existentes na nação. Não pode ser apenas entre os partidos que tenderiam a reproduzir a velha e desastrada política de conciliação ou de coalizão, mas uma concertação que acolha representantes da sociedade civil organizada, movimentos sociais de caráter nacional, representantes do empresariado, da intelectualidade, das artes, das mulheres, das igrejas e das religiões a fim de elaborar uma agenda mínima aceita por todos.

Nona lição: O caráter claramente republicano da democracia que vai além da neoliberal e privatista. Em outras palavras, o bem comum (res publica) deve ganhar centralidade e em seguida o bem privado. Isso se concretiza por política sociais que atendam as demandas mais gerais da população a partir dos necessitados e deixados para trás. As políticas sociais não se restringem apenas a ser distributivas mas importa serem redistributivas (diminuir de quem tem de mais para repassar para quem tem de menos), em vista da redução da desigualdade social.

Décima lição: inclusão da natureza com seus bens e serviços e da Mãe Terra com seus direitos na constituição de um novo tipo de democracia sócio-cósmica, à altura consciência ecológica que reconhece todos os seres como sujeitos de direitos formando um grande todo: Terra-natureza-ser humano. É a base de um novo tipo de civilização, biocentrada, capaz de garantir o futuro da vida e de nossa civilização.


Leonardo Boff, é articulista e escritor