domingo, 6 de março de 2016

O IMPÉRIO DA OPINIÃO


Por Sheila Sacks.

O noticiário dos blogueiros nas redes sociais é olhado com desconfiança.

Na série de TV americana Good Wife, ambientada nos tribunais de Chicago, uma das magistradas possui determinada característica que desarma os bacharéis que recorrem à sua jurisdição. Dependendo do viés interpretativo adotado pelos advogados de defesa ou de acusação em relação ao tema em julgamento, a juíza interrompe a argumentação com o bordão “na sua opinião”, sinalizando aos contendores e aos membros do júri que o raciocínio expresso pelo profissional em questão representa um ponto de vista pessoal e não necessariamente uma visão verdadeira ou correta dos fatos em exame.
Diferente dos tribunais, cujos parâmetros legais dificultam e restringem eventuais manipulações na construção de um raciocínio, a imprensa é um campo aberto a observações pessoais especulativas pela própria natureza de seu serviço voltado à livre difusão da informação e por extensão ao livre exercício da opinião. 
Ainda que o comentário afronte conceitos éticos e apresente visões distorcidas da realidade, o jornal lhe confere visibilidade e, essencialmente, o crédito da confiabilidade.
O historiador americano Christopher Lash (1932-1994), crítico dos processos de disseminação da informação no mundo globalizado, teve essa percepção ao enunciar em seu livro “Cultura do Narcisismo” (de 1979), que “para algo ser aceito como real, basta que apareça como crível ou plausível, ou como oferecido por alguém confiável”.
Consulta divulgada pelo Ibope, em dezembro de 2014, apontou que 58% dos entrevistados confiam “muito ou sempre nos jornais impressos”, percentual superior a outros meios de comunicação como televisão, rádio e internet.
Em relação às novas mídias, a pesquisa indicou que 71% dos entrevistados confiam pouco ou nada nas notícias veiculadas pelas redes sociais. O percentual de desconfiança chegou a 69% em relação aos blogs e 67% no que se refere aos sites.
Entre os vários itens pesquisados, ficou patente que o jornal é o meio de comunicação que recebe maior nível de atenção exclusiva, ou seja, metade dos leitores não faz nenhuma outra atividade durante a sua leitura.
Com a credibilidade em alta, aumenta naturalmente a responsabilidade daqueles que dispõem de espaços em jornais para emitir, formar e direcionar opiniões.
Sabe-se que o texto opinativo visa o assentimento às ideias, teorias e juízos apresentados, e que cabe ao leitor a nem sempre fácil tarefa de separar o que se enquadra efetivamente no real daquilo que se configura em um ideário de aparências e enganos.
No livro “A arte de argumentar”, o professor Bernard Meyer da Universidade de Rouen, na França, destaca que a argumentação age basicamente sobre os indivíduos e não sobre conceitos como o da verdade. E explica: “Ela (a argumentação) não procura determinar se uma tese é verdadeira ou falsa, mas influenciar outra pessoa, logo, ela nunca será automática ou obrigatoriamente aceitável, como o é a demonstração matemática.” De acordo com Meyer, a argumentação é bem sucedida quando convence o destinatário e não, como muitos pensam, atinge a verdade.
Na última década, ampliando a influência subjetiva das páginas opinativas que interferem na formação e avaliação da realidade, a imprensa vem agregando a esse plantel de profissionais de jornalismo uma plêiade de personalidades do mundo artístico, aparentemente em prol da diversidade de ideias e conceitos que balizam a liberdade de expressão nas democracias.
Se antes, cineastas, compositores, músicos e outros astros populares “bons de escrita” se expressavam nos suplementos de cultura ou “segundo caderno” sobre a sua arte, agora migraram para as páginas reservadas à prática e observação jornalísticas das cenas político-sociais, concorrendo em igualdade de espaço e mérito com os textos do “pessoal da casa”. O cineasta Cacá Diegues e os compositores Nelson Motta e Aldir Blanc, por exemplo, ocupam regularmente as páginas de opinião de “O Globo”, emitindo conceitos, análises, avaliações e críticas sobre temas que envolvem políticos, diretrizes de governo, relações internacionais etc.
A seu favor, os próprios currículos festejados pela imprensa e a admiração dos leitores-fãs, dois referenciais de peso a embasar pontos de vista individuais e impositivos que caracterizam “a superioridade bem informada” conceituada pelo filósofo e sociólogo alemão Theodor W. Adorno (1903-1969).
Na obra “Minima Moralia: reflexões a partir da vida lesada” (1951), Adorno então em seu exílio nos Estados Unidos chama a atenção para a responsabilidade que deve prevalecer entre a elite formadora de opinião – “os inteligentes” – quando se propõe a expressar suas ideias e opiniões valendo-se de um meio de comunicação de massa. “Nenhum pensamento é imune à comunicação e proferi-lo no lugar errado e por meio de entendimento errado é suficiente para solapar sua verdade”, escreveu.
Para o professor de Ciências da Comunicação da Universidade Nova Lisboa, João Pissarra Esteves, aqueles que têm acesso à mídia estão investidos de um poder extraordinário, “porque impõem a sua própria realidade perante os outros, de acordo com os seus valores e interesses próprios” (“A Ética da Comunicação e os Media Modernos”, de 1998).
Maior contundência mostra o autor de “Nossa Cultura ou o que restou dela” (2005), o psiquiatra e escritor inglês Theodore Dabrymple, de 65 anos, um implacável analista da sociedade globalizada com uma dezena de livros publicados. Ele credita aos artistas, diretores de cinema, romancistas, dramaturgos, jornalistas e até cantores populares – além de economistas e filósofos sociais – o poder de indução e controle das sociedades. “São eles os legisladores invisíveis do mundo e devemos prestar muita atenção àquilo que dizem e como dizem”, assinala no prefácio do livro.
Sobra ao leitor consciente, diante de certas leituras nitidamente comprometidas com dogmas ideológicos, a desagradável sensação de impotência diante da leitura de textos bem articulados, produzidos por uma elite inteligente respaldada por veículos de comunicação de grande tiragem e influência social. 
Nesse caso soa perfeita a observação do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, de 89 anos, quando afirma que “nunca fomos tão livres e tão incapazes para mudar as coisas”.

Sheila Sacks, jornalista formada pela PUC-RJ sempre trabalhou em assessoria de imprensa.Tem artigos publicados nos sites Observatório da Imprensa e Rio Total. Desde 2009 mantém o blog “Viajantes do tempo”.


sábado, 5 de março de 2016

A HISTÓRIA DAS SARDINHAS




Era uma vez... um cardume de sardinhas.

Num contexto mais amplo as sardinhas tinham a função de alimentar os tubarões.

E assim era, o tempo todo desde que os tubarões haviam descoberto as águas das sardinhas.

Haviam eleições para escolher a líder do cardume, mas, toda vez que aparecia uma sardinha de baixo, que ousasse questionar a ordem da cadeia alimentar era combatida pelas sardinhas de cima e as sardinhas do meio.

As sardinhas de cima eram as que viviam melhor já que, por estarem acima recebiam alguns afagos e eram poupadas pelos tubarões que preferiam mergulhar nas águas mais profundas, as vezes até no pré-sal.

As sardinhas da faixa média achavam que um dia seriam sardinhas de cima (as sardinhas de cima riam em segredo das coitadas) e desprezavam as sardinhas de baixo, as quais se achavam superiores.

As sardinhas do meio acabavam na barriga dos tubarões igual as sardinhas de baixo, porém, se achavam superiores e mais espertas.

Para manter essa ideia, havia, entre as sardinhas, as sardinhas vendidas.

Sardinhas vendidas eram sócias dos tubarões no Globo todo, mas isso era segredo, e passavam a vida transmitindo as notícias do que acontecia lá na superfície e dentro do cardume, distorcendo essas notícias de modo que, as sardinhas do meio e até as sardinhas de baixo, pensavam justamente o que as vendidas queriam.

Havia sardinhas que estudavam a história do cardume, mas, ninguém as ouvia e diziam que não sabiam de nada.

Havia sardinhas que formavam grupos de pensamentos sardinhescos populares, mas eram tachados de comunistas comedores de ostrinhas, e ninguém as ouvia.

Um dia, uma estrela do mar fez parceria com as sardinhas mais de baixo e uma Lula passou a liderar o cardume.

Graças a isso a vida melhorou, principalmente das sardinhas que eram preferencialmente devoradas ainda na infância.

Houve ódios e ranger de dentes quando as sardinhas do meio viram filhos das sardinhas de baixo nadando nas mesmas águas.

Mas, as sardinhas de baixo e as do meio que apoiavam a Lula eram maioria e passaram a ganhar todas as eleições do cardume.

Então,tudo se fez e todas as alianças se criaram para derrubar a estrela.

“Nesse mundo, o mundo dos seres Marinhos, quem manda somos nós” bradaram as sardinhas vendidas, cara de lata, que davam as notícias.

O que acontecerá com o cardume, com a Lula e com a estrela?

Não sei.

Essa história ainda está acontecendo e é você que contará o final.





Prof. Péricles

quinta-feira, 3 de março de 2016

MAD MAX: A ESTRADA DA FÚRIA É NO BRASIL

Brasil, em algum momento do futuro.

Olhos perdidos no nada buscam entender seu tempo.

Nosso herói sobreviveu a ultima epidemia provocada por mosquitos, que matou toda sua família.

Milhões de outras pessoas morreram já que não tinham dinheiro para pagar hospitais nem planos privados de saúde.

O SUS existiu mesmo um dia ou era uma lenda?

Esgotado, na saída do hospital privado e pago, procura lembrar como tudo começou.

Sim, pensa nosso heróis, foi na grande vitória dos coxinhas.

Agora lembrava bem...

Depois de uma enorme farsa montada pela mídia em parceria com a ala asiática da Polícia federal e membros do judiciário, a presidenta foi afastada.

Seu vice ficou de mau e nada fez para ajuda-la.

Pobre Presidenta, tão tolinha, acreditava em democracia.

Seu substituto natural e ex-presidente, foi atado a uma teia de acusações que inviabilizaram sua candidatura.

Não importava se acusações tivessem fundamento. Podiam ser míseros pedalinhos, tudo era usado para desvirtuar a candidatura dele.

Ao mesmo tempo desviava-se a atenção de milhões e milhões roubados pelos amigos da mídia e das companhias americanas.

Oh God! Como fomos tão cegos!

No poder, o tirânico ex-presidente do congresso deu o golpe final na democracia, e se declarou imperador, Coxinha I enquanto a primeira dama recebia o título de sobrecoxa.

O pré-sal foi entregue por alguns pilas (a moeda gaúcha foi adotada como moeda nacional) e a Petrobras trocada por um posto de gasolina da Shell em Caxias.

Os bancos da Suíça receberam dupla cidadania.

Numa festa apresentada por Fábio Júnior e Regina Duarte com músicas de Lobão, transmitida ao vivo pela maior rede de televisão e de audiência obrigatória pela nova ditadura, um ex-sociólogo recebeu o título de príncipe de acordo com sua insaciável vaidade.

O tucano virou a ave nacional e por determinação do Coxinha Supremo todos tiveram que colocar um globo na manga de suas camisas.

As saudações “Eil” usada pelos nazistas ou “anauê” pelos integralistas foram substituídas por “plim-plim” quando coxinhas se encontravam ou saudavam seus líderes

Sim, nosso herói lembrava bem...

Lembrava das festas do 4 de julho que substituíram o 7 de setembro e eram comemoradas com marcha dos estudantes pelas ruas do Brasil.

Lembrava dos campos de reeducação no interior do Araguaia onde a juventude aprendia inglês e era forçada a frequentar cursos intitulados de “revoltados on line” e “vem pra rua” onde sofriam lavagem cerebral e viravam umas bestas.

Shits! Quanto horror!

Ele nem sabia o que era pior...

Seria, talvez, os mandamentos da NIB (Nova Igreja Brasileira) que pregava que lésbicas, gays, índios e negros iriam para o inferno e o estado deveria dar um empurrãozinho?

Ou os discursos dos Bolssonaristas, membros de uma poderosa organização que pretendia enviar para campos de concentração e extermínio todos aqueles que fossem de esquerda ou tivessem um petista em sua árvore genealógica?

Nosso herói não sabia, mas uma coisa ele tinha certeza... aquilo tudo havia sido apenas o começo da grande tragédia que se abateu sobre os brasileiros, mas agora, chegara a hora de virar o jogo.



(continua)


Prof. Péricles

terça-feira, 1 de março de 2016

COMO AS MULHERES DOMINARAM O MUNDO



Por Luís Fernando Veríssimo


Conversa entre pai e filho, por volta do ano de 2031 sobre como as mulheres dominaram o mundo.

- Foi assim que tudo aconteceu, meu filho...

Elas planejaram o negócio discretamente, para que não notássemos Primeiro elas pediram igualdade entre os sexos. Os homens, bobos, nem deram muita bola para isso na ocasião. Parecia brincadeira.

Pouco a pouco, elas conquistaram cargos estratégicos: Diretoras de Orçamento, Empresárias, Chefes de Gabinete, Gerentes disso ou daquilo.

- E aí, papai?

- Ah, os homens foram muito ingênuos. Enquanto elas conversavam ao telefone durante horas a fio, eles pensavam que o assunto fosse telenovela. Triste engano. De fato, era a rebelião se expandindo nos inocentes intervalos comerciais. "Oi querida!", por exemplo, era a senha que identificava as líderes. "Celulite", eram as células que formavam a organização. Quando queriam se referir aos maridos, diziam "O regime".

- E vocês? Não perceberam nada?

- Ficávamos jogando futebol no clube, despreocupados. E o que é pior:

Continuávamos a ajudá-las quando pediam. Carregar malas no aeroporto, consertar torneiras, abrir potes de azeitona, ceder a vez nos naufrágios. Essas coisas de homem.

- Aí, veio o golpe mundial?!?

- Sim o golpe. O estopim foi o episódio Hillary-Mônica. Uma farsa. Tudo armado para desmoralizar o homem mais poderoso do mundo. Pegaram-no pelo ponto fraco, coitado. Já lhe contei, né? A esposa e a amante, que na TV posavam de rivais eram, no fundo, cúmplices de uma trama diabólica. Pobre Presidente...

- Como era mesmo o nome dele?

- William, acho. Tinha um apelido, mas esqueci... Desculpe, filho, já faz tanto tempo...

- Tudo bem, papai. Não tem importância. Continue...

- Naquela manhã a Casa Branca apareceu pintada de cor-de-rosa. Era o sinal que as mulheres do mundo inteiro aguardavam. A rebelião tinha sido vitoriosa! Então elas assumiram o poder em todo o planeta. Aquela torre do relógio em Londres chamava-se Big-Ben, e não Big-Betty, como agora... Só os homens disputavam a Copa do Mundo, sabia? Dia de desfile de moda não era feriado. Essa Secretária Geral da ONU era uma simples cantora. Depois trocou o nome, de Madonna para Mandona...

- Pai, conta mais...

- Bem filho... O resto você já sabe.

Instituíram o Robô "Troca-Pneu" como equipamento obrigatório de todos os carros...

A Lei do Já-Prá-Casa, proibindo os homens de tomar cerveja depois do trabalho...

E, é claro, a famigerada semana da TPM, uma vez por mês...

- TPM???

- Sim, TPM... A Temporada Provável de Mísseis... E quando elas ficam irritadíssimas e o mundo corre perigo de confronto nuclear...

- Sinto um frio na barriga só de pensar, pai...

- Sssshhh! Escutei barulho de carro chegando. Disfarça e continua picando essas batatas...




Luis Fernando Verissimo
Filho de Érico Veríssimo, Luis Fernando Veríssimo é escritor e jornalista gaúcho, infelizmente, colorado.

domingo, 28 de fevereiro de 2016

SONHOS E SAUDADES


Numa noite intranquila em que o sono chegou apenas em hora distante da madrugada, o sonho se fez e nele, ela apareceu.

O mesmo sorriso acolhedor e olhos irrequietos e grandes como querendo enxergar além do que é visível.

Bela, no seu jeito singelo de uma beleza sem escândalos.

- Oi guria... você está linda, como sempre.

- É a vantagem de estar morta amor. A gente fica viva na memória de quem fica assim como era, sem envelhecer.

A mesma inteligência irônica e provocativa.

- Já você me parece muito abatido...

- É a desvantagem de estar vivo, respondi, a gente envelhece.

Rimos, nós dois.

Depois o silêncio e com ele o meu medo dela desaparecer dos meus sonhos, pois sabia que estava sonhando.

- Por onde tu andas menina?

- Por aí, disse ela ficando séria. Entre uma estrela e outra, pulando entre as cores que não existem nas aquarelas, pensando nas coisas feitas e principalmente nas que foram deixadas de fazer... e você?

- Por aí, entre dias marcados na folhinha, clics de teclados e trabalhos que não bastam.

Acho que ela não gostou de minha resposta.

- Morfeu, sei muito bem que tu faz o que é possível e ninguém poderá te pedir mais do que isso... o possível.

- Mas talvez seja pouco. Não é raro se estabelecer o desânimo. Acho que me falta talento.

Sabe guria doida, tu não deverias ter morrido por eles. Hoje te chamam de terrorista e glorificam gente que esteve no lado do terror e...

-Mas eu não morri por eles, Morfeu. Eu lutei por mim. E não me importa o que digam, importa as razões que estão no meu coração.

Novo silêncio.

Um silêncio que se faz no sonho é mais completo e distante.

- Valeu a pena, perguntei, quase envergonhado.

- Da luta, não. Da forma, talvez. Mas, nem sempre somos nós que escrevemos o nosso próprio destino.

Sorrindo para disfarçar a minha dor, perguntei:

- Tu dá aula de história para os anjos?

Ela também sorriu. “Tu continuas o mesmo, brincando sempre que está nervoso”.

Ela se moveu e percebi que se distanciava, tentei de alguma forma segui-la, mas não consegui.

Ainda ouvi um “estou indo” antes de abrir a boca para dizer qualquer coisa, mas quando dei por mim olhava a parede vazia, levemente iluminada pela luz da luz.

Virei para o lado e arrumei o travesseiro.

Essa é uma vantagem de estar vivo... entre sonhos e saudades podemos sonhar de novo.



Prof. Péricles


sábado, 27 de fevereiro de 2016

O SHORTINHO DAS EVAS DO ANCHIETA

A sociedade judaico-cristã forjada no ocidente a partir, especialmente, dos séculos III e IV alterou profundamente a visão que se tinha sobre o sexo no período anterior, da cultura helênica.

Foi construída em cima do medo, da ideia de que somos fracos diante das tentações e que quando cedemos à essas tentações cometemos pecados.

Todo pecado possuí seus agentes causadores (seus demônios) e suas vítimas.

Como a sociedade judaico-cristã é fruto do patriarcalismo latino somado ao patriarcalismo judeu, determinou-se que, o agente causador do sexo pecador é a mulher e a vítima, o homem.

Nessa visão tudo começa na fraqueza, na natureza perversa (Eva que iludiu Adão) e na provocação feminina.

As mulheres, diabólicas, provocam o olhar dos homens que, coitadinhos, não conseguindo se controlar, cometem os maiores desatinos.

O estupro, o abandono da família e da esposa, as paixões arrasadoras teriam origem, na provocação da mulher e na inocência masculina.

Oras, essa argumentação consciente, ou inconsciente, reforça a dominação do homem numa sociedade sempre ameaçada pela sedução diabólica das filhas de Eva.

Na sua gênese, portanto, está o machismo e a necessidade de submeter para não competir e que justifica toda violência contra a mulher.

Na Antiguidade (nem tão antiga assim) a prostituta era bem remunerada e elogiada no privado, mas condenada à morte, geralmente sob apedrejamento, no público.

A sociedade machista é montada sob a hipocrisia. Você pode transar com todas desde que não seja descoberto, ou reconhecido.

As mesmas mãos que acariciavam no isolamento jogavam as pedras quando em grupo.

Ainda ontem substituímos as pedras pela fogueira e mais recentemente a fogueira pelas balas dos revólveres e mais recentemente ainda, as balas pela condenação moral.

"Coma todas meu filho, mas jamais seja descoberto e se o for negue pois o que é a palavra de uma mulher diante da palavra de um homem?"

Apesar de toda evolução da cidadania burguesa ainda definimos os homens como vítimas e as mulheres como as culpadas.

Algo tão absurdo como culpar a presa e não o caçador pelo crime ambiental da caçada. Quem manda ela ter a carne tão gostosa quando acompanhada de batatas e ainda por cima caminhar livre nas matas expondo suas costeletas...

Por isso, a polêmica do shortinho no Colégio Anchieta, aqui de Porto Alegre, nada tem a ver com o shortinho propriamente dito, mas com o objeto e o olhar.

Onde está o descontrole, no shortinho ou no olhar dos meninos?

Onde está a origem dos abusos, no objeto ou no olhar?

É uma questão que transcende o shortinho pois poderíamos transportar essas dúvidas para inúmeros outros fatos geradores dos mesmos questionamentos.

Mulheres pioneiras no uso de minissaias em Porto Alegre foram encurraladas na rua da Praia e foi necessário a intervenção da polícia que... prendeu as moças.

Leila Diniz respondeu a processo por ousar mostrar a barrigona de oito meses de gravidez desnuda na praia.

Pobres homens ameaçados por essas diabólicas mulheres.

O instinto sexual dos coitadinhos é incontrolável elas sim, as mulheres, são abusadoras.

Eles são inocentes pois foram provocados e são impotentes diante do próprio instinto.

Esse posicionamento está tão consolidado no inconsciente coletivo ocidental que até mulheres e gente bem nutrida de ensino formal repete a argumentação hipócrita.

Geralmente as mesmas que demonizam os muçulmanos e suas burcas e abusos contra suas mulheres.

Pobre de nós que crescemos tão pouco mas nos achamos tanto.

Que o Colégio Anchieta não perca essa grande oportunidade de, reconhecendo a verdadeira extensão do que está em jogo, demonstre sua seriedade como instituição e compromisso com a cidadania.

Um brinde às meninas do Anchieta e sua luta pelo exercício pleno da cidadania.

Elas são maravilhosas e representam milhões de outras mulheres na luta contra outros “shortinhos proibidos” como as que são agredidas pelos maridos no silêncio dos lares ou as que exercendo as mesmas funções ainda recebem salários menores que os homens.



Prof. Péricles