domingo, 17 de maio de 2015

ALÁ É GRANDE E MISERICORDIOSO



Maomé admirava as religiões cristã e judaica, e delas muito aprendeu com a observação, especialmente em Meca (Arábia Saudita) cidade cosmopolita em que viveu quase toda sua vida.

Quando criou sua religião (islamismo) foi delas que retirou os principais preceitos de fé.

Por exemplo, inicialmente mandou que seus seguidores orassem em direção a Jerusalém, e somente após desentendimentos com os judeus e cristãos ele determinou que as preces fossem feitas voltadas à Meca. Abraão, Arcanjo Gabriel e até Jesus, são personagens que também aparecem em seus relatos.

Os judeus até o acusaram de “plágio” religioso, ou seja, que se aproveitava dos ensinos judaicos como se fossem seus, para construir uma nova religião.

Quando em 622, os mercadores de Meca se enfureceram com o Maomé, acusando-o de prejudicar seus negócios com suas pregações, teve que fugir para Medina, evento que é denominado de Hégira e considerado ano 1 para os muçulmanos.

Nos dez anos seguintes ele articulou sua volta à Meca. É acusado por alguns historiadores de organizar assaltos às caravanas de mercadores e dessa forma fortalecer materialmente seu crescente exército e, finalmente, desencadear a Jihad, uma guerra santa para conquistar a cidade do profeta (Meca).

Em 632, após cerco e vitória militar, ele entrou, vitorioso, na cidade que o expulsara dez anos antes. Logo depois, ele morreu.

Sua religião, entretanto, havia crescido e ultrapassado fronteiras. Seu maior sonho, unir os árabes em torno da fé, havia se realizado integralmente com a unificação da Arábia.

Depois de sua morte surgiu o Corão, livro sagrado que contém seus ensinamentos, ditados em estado alterado de consciência (segundo consta) e intraduzível para o português.

Os adeptos do islamismo se uniram, então, em torno de uma expansão da Jihad (Guerra Santa) que levasse as verdades contidas no Corão do único Deus (Alá) e ditados ao seu profeta Maomé.

O exército islâmico, impulsionado pela fé religiosa criaria fama de imbatível e conquistaria todo o Oriente Médio até o Afeganistão, o norte da África e, ainda no século VIII invadiria a Península Ibérica, sendo expulsos somente setecentos anos depois.

O Islamismo possui fundamentos que se desdobram não apenas na vida de seus religiosos, mas também na política e na justiça das nações muçulmanas. Os cinco pilares do Islamismo são o credo, a oração, a caridade, o jejum e a peregrinação a Meca.

O credo consiste em "Não há outro Deus senão Alá, e Maomé é seu Profeta." Esta frase constitui o credo dos religiosos. Os muçulmanos oram cinco vezes ao dia, sendo convocados pelos alto-falantes, postos em cima dos minaretes das mesquitas.

"Alá é Grande, não há outro Deus, senão Alá e Maomé, seu Profeta. Vinde para a oração, vinde para a salvação, Alá é Grande, não há outro Deus senão Alá."

O Islamismo exige que o religioso se banhe antes de orar, para que assim ele se purifique das coisas que fez no mundo. Apenas os homens entram no salão para orar, as mulheres são levadas para outro lugar da Mesquita. Onde quer que esteja, o muçulmano leva consigo um pequeno tapete e se ajoelha em direção à Meca, para orar ao seu Alá, que segundo o Corão é Compassivo, é Caridoso e pode também ser tomado por ira, escolhendo os eleitos no dia do Juízo.

Para Maomé, o objetivo maior era forçar o nascimento de um senso moral entre os homens, mesmo que este senso fosse baseado na "Psicologia do Medo".

No que diz respeito à caridade e ao jejum, o Islamismo impõe uma espécie de dízimo, em forma de imposto de 2,5% sobre a renda e a propriedade dos religiosos, mas são estimulados a dar sempre mais.

Segundo os críticos, essa questão fiscal é responsável pelo distanciamento das classes sociais dos países muçulmanos, e citam como exemplo o Egito, onde existem apenas duas classes sociais, o pobre que paga impostos para sustentar os ricos religiosos que assumiram o comando do país e ocupam os cargos públicos e governamentais.

Quanto ao jejum a religião declara que nenhum muçulmano pode alimentar-se de porco, nem tomar álcool. Ainda há poucos anos no Egito, era proibido também tomar café. É durante o Ramadan, o mês sagrado em que Maomé teria recebido a sua primeira revelação, que os muçulmanos se impõem a um jejum mais rigoroso, como comer, beber, fazer sexo e fumar, porém, isto só dura até o pôr do sol. À noite, as festas sempre são muito fartas em tudo!

E por fim, a ida à Meca, obrigatória a todo muçulmano que tenha condições financeiras, pelo menos uma vez na vida, para visitar o templo sagrado mais antigo, a Caaba, uma construção quadrada coberta com um pano escuro que teria sido construída por Abraão e seu filho Ismael e que guarda uma pedra negra.

Segundo os muçulmanos ela era uma pedra transparente, mas enegreceu pelo toque dos pecadores. Para muitos, tratasse de um meteorito que atingiu a Terra na época do profeta.

Os peregrinos dão sete voltas em torno da Caaba, repetem orações e fazem sacrifícios de animais, tentando relembrar a obediência de Abraão quando Deus mandou que ele, para dar testemunho de sua obediência, matasse seu filho Ismael. Para os judeus, não foi Ismael quem foi oferecido para o sacrifício, mas o outro filho que tivera com Sara, Isaac.

Prof. Péricles

Fontes:
BANON, Patrick. Para Conhecer Melhor as Religiões. São Paulo: Claro Enigma, 2010.
CHEBEL, Malek. Muhhamad, o Profeta. O Sagrado na História do Islamismo, 2010.
Liszt Rangel: por-dentro-do-islamismo.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

ARMAGEDON HUMANO?



por Leonardo Boff


Os atuais cenários sombrios sobre o futuro do sistema-vida e especificamente da espécie humana permitem que biólogos, bioantropólogos e astrofísicos aventem o possível desaparecimento da espécie homo sapiens/demens ainda neste século.

Aduzem argumentos que merecem ponderação. O mais robusto parece ser aquele da superpopulação articulada com a dificuldade de adaptação às mudanças climáticas.

Na escala biológica verifica-se um crescimento exponencial. A humanidade precisou um milhão de anos para alcançar em 1850 um bilhão de pessoas. Os espaços temporais entre os índices de um crescimento a outro diminuem cada vez mais. De 75 anos - de 1850 a 1925 - passaram para 5 anos de diferença. Prevê-se que por volta de 2050 haverá dez bilhões de pessoas.

É triunfo ou dano?

Lynn Margulis e Dorian Sagan, notáveis microbiólogos, no conhecido livro Microcosmos (1990) afirmam com dados dos registros fósseis e da própria biologia evolutiva que um dos sinais do colapso próximo de uma espécie é sua rápida superpopulação. Isso pode ser comprovado por micro-organismos colocados na cápsula Petri (placa redonda com colônias de bactérias e nutrientes). Pouco antes de atingirem as bordas da placa e se esgotarem os nutrientes, multiplicam-se de forma exponencial. E de repente morrem. Para a humanidade, comentam eles, a Terra pode mostrar-se idêntica a uma cápsula Petri.

Com efeito, ocupamos quase toda a superfície terrestre, deixando apenas 17% livre: desertos, floresta amazônica e regiões polares. Estamos chegando às bordas físicas da Terra. Há explosão demográfia e decrescimento dos meios de vida num planeta limitado. Sinal precursor de nossa próxima extinção?

O prêmio Nobel em medicina, Christian de Duve, sustenta que estamos assistindo a sintomas que precederam no passado as grandes dizimações. Normalmente desaparecem por ano 300 espécies vivas porque chegaram ao seu climax evolucionário. Dada a pressão industrialista global sobre a biosfera estão desparecendo cerca de 3.500. Um desastre biológico.

Será que agora não chegou a nossa vez?

Carl Sagan, já falecido, via no intento humano de demandar à Lua e enviar naves espaciais como o Voyager 1 para fora do sistema solar, a manifestação do inconsciente coletivo que pressente o risco da extinção próxima.

A vontade de viver nos leva a excogitar formas de sobrevivência para além da Terra.

O astrofísico Stephen Hawking fala da possivel colonização extrasolar com naves, espécie de veleiros espaciais, impulsionadas por raios laser que lhes confeririam uma velocidade de trinta mil quilômetros por segundo. Mas para chegar a outros sistemas planetários teríamos que percorrer bilhões e bilhões de quilômetros, necessitando pelo menos de um século de tempo.

Ocorre que somos prisioneiros da luz, cuja velocidade de trezentos mil quilômetros por segundo é até hoje insuperável. Mesmo assim só para chegar a estrela mais próxima – a Alfa do Centauro – precisaríamos de quarenta e três anos, sem ainda saber como frear essa nave a esta altíssima velocidade.

Tais reflexões nos permitem falar de um possível Armagedon humano.

Este representa um desafio para as religiões que vêem o fim da espécie como obra do Criador e não da atividade humana.

Para o Cristianismo a morte coletiva, mesmo induzida, não impede o triunfo final da vida pela via da ressurreição e da transfiguração de toda a criação por Deus.

terça-feira, 12 de maio de 2015

VINGANÇA PERVERSA



A punição deveria ser o último ato do processo que lesa a sociedade. O último, não o primeiro.

Diz o bom senso que, o castigo só deve ocorrer quando tudo o mais fracassou. Nenhuma das medidas preventivas tiveram efeito e tudo deu errado.

Assim como a nota vermelha do aluno repetente tem um pouco da reprovação do mestre, a punição traz consigo o fracasso das instituições do Estado.

É o ato terminal que representa todos os fracassos de tudo aquilo que deveria impedir o crime.

A pena de morte previne o que, exatamente?

Será que ela ataca as causas do ato criminoso? Ou resume-se apenas a uma vingança perversa da sociedade e do estado que faliu?

A punição com a morte já aparece num dos códigos de leis mais antigos que se conhece, o “Código de Hamurabi”, na Babilônia. Nele, em várias situações, o legislador diz simplesmente: será morto.

Ao longo da história foi muito comum até porque não se cultuava a ideia da recuperação do infrator. Era simplesmente culpado ou inocente e, como resultado, livre ou morto. Os presídios são criações relativamente novas na história humana.

Mas, a partir da evolução do pensamento, a ideia da aniquilação foi substituída pela da reeducação.

Nossa sociedade se humanizou e a pena de morte se tornou injustificável.

A própria ONU, em 2007, considerou indigno a um estado civilizado o uso da pena capital e a Europa declarou um atentado aos direitos humanos.

Em nosso país, a pena capital era prevista para vários crimes pela Constituição de 1824 que vigorou durante todo o Brasil Império.

Um escravo executado em abril de 1876, em Alagoas, foi o último executado no Brasil. Depois disso, o Imperador D. Pedro II, abalado por um famoso caso de erro jurídico que havia levado um homem livre à forca, passou a utilizar permanentemente do instrumento constitucional da “graça do imperador” para comutar penas capitais em prisão.

Mas, apenas com a Constituição republicana de 1891, a sórdida punição, foi abolida definitivamente.

Nas demais constituições republicanas, a da ditadura do Estado Novo, de 1937, tornou a prever pena de morte para certos crimes ditos comuns, embora, ninguém tenha sido (oficialmente) executado durante sua vigência (até 1946).

Tornou a aparecer na Constituição da Ditadura Militar (1967) e claramente definida pelo AI-5 (1968).

Alguns militantes da guerrilha urbana chegaram a ser condenados à morte por tribunais militares.

Além das questões legais, a discussão passa também por questões éticas e morais.

Por exemplo, como se poderia adequar a defesa da pena de morte diante dos princípios do cristianismo, base moral das sociedades ocidentais?

E ainda, por que nossa população é capaz de se escandalizar diante das execuções praticadas por grupos de cultura diversas, como, os muçulmanos radicais e, ao mesmo tempo, considera-las corretas em seu país?

Como dizia Chico Xavier "A pena de Morte é horrível. Não se conserta um erro com outro. O crime cometido pelo Estado não repara o crime cometido pelo indivíduo".

Hipocrisias à parte, ainda restam as estatísticas para demonstrar com números que, em países que adotam à pena de morte os crimes não deixaram de ser cometidos.

E, por falar em hipocrisia, em países como a Indonésia, o drama das drogas infelicita milhões da mesma forma que em países que não eliminam fisicamente os traficantes.


Prof. Péricles


sábado, 9 de maio de 2015

GRÉCIA, QUEM É O CREDOR?



Quando alguém pede dinheiro emprestado a outro, é de se esperar que o emprestador faça algumas exigências para garantir o retorno do dinheiro emprestado.

É exatamente isso que faz a Alemanha, quando países parceiros da União Europeia, principalmente os mais pobres, como Portugal ou Grécia, pedem socorro diante da crise mundial.

Só que a Alemanha exagera. Exige dos governos devedores cortes profundos em seus gastos, especialmente naqueles denominados de gastos com a “dívida pública”.

A dívida pública é contraída pelos países quando lançam título no mercado que são comprados por grandes investidores internacionais. Esse dinheiro é investido onde, pela lógica do capitalismo, não haverá lucro: nas políticas públicas.

Com certeza investimentos em escolas públicas (para os mais pobres), saúde pública (para os que não podem pagar), habitação (idem), previdência, não geram dividendos e, por isso não recebem capitais privados e são classificados de dívida - a dívida pública.

Como sempre, quem paga a conta não são os grandes empresários e banqueiros e suas falcatruas capitalistas. Quem paga a conta são os mais pobres, os trabalhadores pois são os investimentos estatais que os beneficiam que são cortados, por exigência dos credores.

Como resultado, os empréstimos chegam sim, mas multiplica-se o número de desempregados, abandonados, carentes e desassistidos.

É por isso que teve cidadão grego, já de pijama, aposentado, que foi surpreendido em casa pela comunicação da anulação de sua aposentadoria e convocação para trabalhar no dia seguinte. Por isso, também, escolas e hospitais, fecharam.

Dessa vez, porém, veio da Grécia um recado diferente aos credores da nem tão unida “União Europeia”.

Acontece que, nas eleições de 25 de janeiro desse ano, o partido “Syriza” de extrema-esquerda, do líder Alexis Tsipras, derrotou o “Nova Democracia” e assumiu o governo do país.

A esquerda trouxe um novo olhar sobre toda essa questão e surpreendeu o mundo com seus argumentos para justificar uma drástica mudança de postura.

Para Alexis Tsipras, não é a Grécia que deve à Alemanha, mas, ao contrário, a Alemanha que deve à Grécia, e para entendermos suas justificativas devemos recordar a II Guerra Mundial.

No final de outubro 1940 Mussolini em mais uma de suas incompetentes ações de guerra, invadiu a Grécia. Os gregos se defenderam bem e em pouco tempo Mussolini estava à beira de uma derrota humilhante. Para impedir que isso acontecesse a seu aliado, e ainda, pelo apoio que os britânicos deram aos gregos, Hitler invadiu a Grécia em abril de 1941.

Segundo muitos especialistas, a Grécia foi saqueada e devastada pelos alemães como nenhum outro país. Até o Ministro alemão Walter Funk, costumava dizer que a Grécia sofreu como nenhum outro país, o peso da dominação militar que se deu até 1944.

Só, para se ter uma ideia, 250 mil gregos morreram durante a ocupação, e, coisa terrível, a maioria de fome.

Os alemães se apropriaram de tudo que era valioso em sua estadia na Grécia: alimentos, produtos industriais, equipamento industrial, mobiliário, objetos artísticos provenientes de coleções valiosas, pinturas, tesouros arqueológicos, relógios, joias, e até os puxadores das portas de algumas casas. (Mazower p.24).

É famosa uma afirmação de Mussolini de que “Os alemães roubaram até os cordões dos sapatos aos gregos ”.

No ano 2000, a Suprema Corte grega decidiu que a Alemanha deveria pagar 28 milhões de euros (mais de R$ 92 milhões em valores atuais) aos familiares dos mortos de Distomo (massacre), apesar de a decisão não ter sido aplicada e a disputa ter chegado a um impasse nas cortes internacionais nos anos seguintes.

O vice-ministro das Finanças grego, Dimitris Madras, incluiu na dívida supostos 10 bilhões de euros por um empréstimo que os nazistas forçaram o Banco da Grécia pagar.

Em 1960, o governo alemão pagou 115 milhões de marcos alemães para o governo grego como compensação pela ocupação na guerra. Foi apenas uma parte do que o governo grego exigiu, mas foram esses os termos de um acordo entre os países.

Agora, diante das duras exigências dos alemães e oprimidos pelo sofrimento de seu povo, o governo esquerdista de Alexis Tsipras quer virar o jogo.

Segundo ele, o acordo de 1960 foi feito sob condições obscuras e o valor pago pelos alemães não cobre o mínimo que poderia se considerar como aceitável.

Ainda, segundo os gregos, estão na Guerra, na ocupação e exploração criminosa dos alemães, as raízes dos problemas atuais, visto que a economia grega, que nunca foi poderosa, jamais conseguiu se recuperar plenamente dos prejuízos.

Tsipras e seus pares afirmam que Grécia não deve nada aos alemães, e seu povo não deve ter cortes em sua assistência para que a suposta dívida seja paga.

Segundo eles a Alemanha é que deve cerca de R$ 1 trilhão à Grécia.

E você, o que pensa disso? Quem é, afinal, o Credor?



Prof. Péricles
Fonte: aventar.eu; Correio do Brasil.

quarta-feira, 6 de maio de 2015

A MAIOR PERDA DE UM HOMEM



Eles se encontravam sempre no mesmo bar. E ha muitos anos.

Amigos de infância. Sobreviventes entre tantos que já haviam partido.

Naquele dia o assunto predominante, sem que ninguém soubesse como começara, descambou para perdas da vida.

Qual seria a maior perda de um homem durante a vida?

- Os cabelos, claro, dizia Lelo em baixo de sua reluzente careca de zero fio.

A coisa que mais faz sofrer um homem é perder seus cabelos.

- Isso eu não sei, disse Amaro, até porque não perdi nenhum, eles é que fugiram.

Vaias no bar. Piada velha era sempre vaiada.

E lá seguiram eles apontando suas dores.

- A maior perda de um homem, disse Rogério, é quando ele perde a condição física para o futebolzinho de fim de semana. Ah, que saudades que eu tenho das peladas aqui do bairro.

Cabeças gesticulando afirmativamente em concordância muda.

- Eu já acho, disse com voz estranhamente sinistra, o Varela, que a maior perda de um homem é aquela mesma que vocês estão pensando e com medo de falar. A perda da virilidade a b... mas não terminou... vais no bar.

Como sempre, os olhos acabaram chegando juntos ao Osvaldo.

Osvaldo, o pensador daquela turma desbocada.

- Então Osvaldo, disse alguém, qual é a maior perda de um homem? Cabelos, futebol, bixo solto ou o que?

Risadas nervosas.

Não, disse Osvaldo, nada disso.

- A maior perda de um homem está em casa.

Pintou aquele silêncio muito comum quando a turma é chamada ao assunto sério.

- Veja, quando somos pais jovens e nossos filhos crianças, eles nos olham com aqueles olhinhos vivos e cheios de admiração. Somos seus heróis. Somos super-homem, batman. Somos aquele capaz de resolver todos os problemas, saber todas as respostas, ensinar todas as brincadeiras. O olhar de nossos filhos brilham pois somos seus modelos.

Pausa para um gole na cerveja.

Quando eles crescem e se tornam adolescentes, o brilho ainda está lá, mas disfarçado. É preciso fazer algum esforço para encontra-lo. Ele está lá em algum lugar, mas começa a desaparecer.

Quando já são adultos, o brilho quase não é mais visto. Casam, tem filhos, ou não, mas, invariavelmente mais adultos e desparece o brilho definitivamente.

Eles se tornam nossos críticos. Se impacientam com nosso ritmo. Nos julgam com grande facilidade. De heróis nos tornamos filme antigo já visto e ultrapassado. Não dizemos mais nada interessante sem que antes passe pelo crivo da censura que eles impõem ao que dizemos...

De certa forma, o brilho da admiração é substituído pela preocupação, gentil, as vezes grata, mas sem o viço de outrora.

E, pra piorar eles não percebem que percebemos isso e nem tentam disfarçar.

Osvaldo levantou depois do último gole e diante do olhar envezado de cada amigo, disse com um suspiro: sim meus amigos, a maior perda de um homem é o brilho de admiração que ele perde dos olhos de seus filhos.

Prof. Péricles

sexta-feira, 1 de maio de 2015

AURORA



Em 1976, quando tinha 16 anos, Bernarda Gallardo, uma chilena de descendência italiana, foi estuprada. Ficou grávida.

Graças ao apoio da família e dos amigos, resolveu que teria o bebê, uma menina, que criou sozinha. Foi sua única filha.

Aos 43 anos de idade, achava que tinha saúde e condições materiais para criar outra criança. Entrou para a fila de adoção.

Em 4 de abril de 2003 leu em um jornal que o corpo de uma criança fora encontrado num lixão em Puerto Montt, no sul do país.

No Chile, o aborto é considerado crime em qualquer situação, mesmo em caso de estupro. A pena pode chegar até cinco anos de prisão. Muitas mulheres, protegidas pelo anonimato, simplesmente jogam os recém-nascidos nos lixões.

As estatísticas oficiais falam em 10 crianças/ano encontradas mortas em lixões, mas, é possível que o número seja muito maior já que os locais são fechados ao público e muitos corpos simplesmente jamais são encontrados.

Bernarda, que aguardava na fila das doações, por uma criança que imaginava, seria bela e sadia, ficou profundamente tocada com a notícia.

Passou a chamar a pequena morta de “Aurora” e decidiu adota-la, para dar um enterro digno. Segundo ela, Aurora era um pequeno raio de luz que deveria mostrar que a escuridão não era a única possibilidade da existência.

No início, o juiz chegou a pensar que Bernarda fosse a mãe biológica de Aurora e que queria enterrar o corpo sentindo-se culpada após abandoná-la. Disse ele que era o caso mais estranho que ele já tinha visto em toda sua carreira. Na verdade, nem ele, nem ninguém jamais vira alguém querer adotar um bebê morto. Mas, diante dos fatos, acabou convencido do interesse humanitário de Bernarda.

Antes, os médicos, que no país andino preferem atestar que a criança morreu no parto, para proteger as mães vulneráveis (se um corpo não é reclamado por um membro familiar é classificado como dejeto humano e jogado fora com outros materiais hospitalares), precisaram provar para a justiça que o bebê chegou a viver fora do útero da mãe para que pudesse ser registrado como um ser humano e ter direito a ser enterrado.

Assim, o corpo de Aurora foi examinado e comprovada sua sobrevida.

Foram meses até conseguir todos os exames e vencer a burocracia, mas Bernarda finalmente teve permissão para levar o corpo de Aurora e enterrá-lo.

O caso de Bernarda e Aurora teve repercussão nacional e, atendendo pedido de Bernarda, cerca de quinhentas pessoas compareceram ao funeral.

Emocionada ela relata que parecia uma grande e feliz festa de aniversário, com adultos (inclusive o juiz do caso) e crianças que cantaram músicas religiosas e sorriram como se fosse a celebração da vida de Aurora, sua filha que ela jamais conheceu viva.

Em seu coração sofrido de mãe nasceu a esperança que com toda a discussão que o caso provocara o aborto e o abandono de crianças em lixões diminuísse no país.

Mas, no dia seguinte ao enterro de Aurora, outro bebê, desta vez um menino, foi achado morto no lixão. Bernarda ficou triste e chamou-o de Manuel.

Decidiu colocar cartazes nos lixões de Puerto Montt dizendo "Não jogue bebês no lixo", e lembrando que dois bebês haviam sido jogados ali em poucos meses - Aurora e Manuel.

Nos 12 anos que passaram desde o enterro de Aurora, Bernarda adotou e enterrou outras três crianças - Manuel, Victor e Cristobal.

No momento, ela está tentando fazer a mesma coisa com outra menina, Margarita.

A história de Bernarda inspirou um filme, Aurora, do diretor chileno Rodrigo Sepulveda que estreou no Chile, ano passado.

Com frequência, Bernarda visita os túmulos dos bebês e, às vezes, percebe que flores foram deixadas no local.

Para ela, podem ser as mães biológicas - que, agora, podem sofrer o luto sabendo que seus filhos estão descansando em paz.




Prof. Péricles
Fonte BBC Brasil.