sexta-feira, 1 de maio de 2015

AURORA



Em 1976, quando tinha 16 anos, Bernarda Gallardo, uma chilena de descendência italiana, foi estuprada. Ficou grávida.

Graças ao apoio da família e dos amigos, resolveu que teria o bebê, uma menina, que criou sozinha. Foi sua única filha.

Aos 43 anos de idade, achava que tinha saúde e condições materiais para criar outra criança. Entrou para a fila de adoção.

Em 4 de abril de 2003 leu em um jornal que o corpo de uma criança fora encontrado num lixão em Puerto Montt, no sul do país.

No Chile, o aborto é considerado crime em qualquer situação, mesmo em caso de estupro. A pena pode chegar até cinco anos de prisão. Muitas mulheres, protegidas pelo anonimato, simplesmente jogam os recém-nascidos nos lixões.

As estatísticas oficiais falam em 10 crianças/ano encontradas mortas em lixões, mas, é possível que o número seja muito maior já que os locais são fechados ao público e muitos corpos simplesmente jamais são encontrados.

Bernarda, que aguardava na fila das doações, por uma criança que imaginava, seria bela e sadia, ficou profundamente tocada com a notícia.

Passou a chamar a pequena morta de “Aurora” e decidiu adota-la, para dar um enterro digno. Segundo ela, Aurora era um pequeno raio de luz que deveria mostrar que a escuridão não era a única possibilidade da existência.

No início, o juiz chegou a pensar que Bernarda fosse a mãe biológica de Aurora e que queria enterrar o corpo sentindo-se culpada após abandoná-la. Disse ele que era o caso mais estranho que ele já tinha visto em toda sua carreira. Na verdade, nem ele, nem ninguém jamais vira alguém querer adotar um bebê morto. Mas, diante dos fatos, acabou convencido do interesse humanitário de Bernarda.

Antes, os médicos, que no país andino preferem atestar que a criança morreu no parto, para proteger as mães vulneráveis (se um corpo não é reclamado por um membro familiar é classificado como dejeto humano e jogado fora com outros materiais hospitalares), precisaram provar para a justiça que o bebê chegou a viver fora do útero da mãe para que pudesse ser registrado como um ser humano e ter direito a ser enterrado.

Assim, o corpo de Aurora foi examinado e comprovada sua sobrevida.

Foram meses até conseguir todos os exames e vencer a burocracia, mas Bernarda finalmente teve permissão para levar o corpo de Aurora e enterrá-lo.

O caso de Bernarda e Aurora teve repercussão nacional e, atendendo pedido de Bernarda, cerca de quinhentas pessoas compareceram ao funeral.

Emocionada ela relata que parecia uma grande e feliz festa de aniversário, com adultos (inclusive o juiz do caso) e crianças que cantaram músicas religiosas e sorriram como se fosse a celebração da vida de Aurora, sua filha que ela jamais conheceu viva.

Em seu coração sofrido de mãe nasceu a esperança que com toda a discussão que o caso provocara o aborto e o abandono de crianças em lixões diminuísse no país.

Mas, no dia seguinte ao enterro de Aurora, outro bebê, desta vez um menino, foi achado morto no lixão. Bernarda ficou triste e chamou-o de Manuel.

Decidiu colocar cartazes nos lixões de Puerto Montt dizendo "Não jogue bebês no lixo", e lembrando que dois bebês haviam sido jogados ali em poucos meses - Aurora e Manuel.

Nos 12 anos que passaram desde o enterro de Aurora, Bernarda adotou e enterrou outras três crianças - Manuel, Victor e Cristobal.

No momento, ela está tentando fazer a mesma coisa com outra menina, Margarita.

A história de Bernarda inspirou um filme, Aurora, do diretor chileno Rodrigo Sepulveda que estreou no Chile, ano passado.

Com frequência, Bernarda visita os túmulos dos bebês e, às vezes, percebe que flores foram deixadas no local.

Para ela, podem ser as mães biológicas - que, agora, podem sofrer o luto sabendo que seus filhos estão descansando em paz.




Prof. Péricles
Fonte BBC Brasil.

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