sexta-feira, 4 de julho de 2014

DEMOCRACIA QUE SE VOLTA CONTRA O POVO


Por: Leonardo Boff


Uma grita geral da mídia corporativa, de parlamentares da oposição e de analistas sociais ligados ao status quo de viés conservador se levantou furiosamente contra o decreto presidencial que institui a Política Nacional de Participação Social. O decreto não inova em nada nem introduz novos itens de participação social.

Apenas procura ordenar os movimentos sociais existentes, alguns vindos dos anos 30 do século passado, mas que nos últimos anos se multiplicaram exponencialmente a ponto de Noam Chomsky e Vandana Shiva considerarem o Brasil o país no mundo com mais movimentos organizados e de todo tipo.

O Decreto reconhece esta realidade e a estimula para que enriqueça o tipo de democracia representativa vigente com um elemento novo que é a democracia participativa. Esta não tem poder de decisão apenas de consulta, de informação, de troca e de sugestão para os problemas locais e nacionais.

Portanto, aqueles analistas que afirmam, ao arrepio do texto do Decreto, que a presença dos movimentos sociais tiram o poder de decisão do governo, do parlamento e do poder público laboram em erro ou acusam de má fé. E o fazem não sem razão. Estão acostumados a se mover dentro de um tipo de democracia de baixíssima intensidade, de costas para a sociedade e livre de qualquer controle social.

Valho-me das palavras de um sociólogo e pedagogo da Universidade de Brasília, Pedro Demo, que considero uma das mentes mais brilhantes e menos aproveitadas de nosso país. Em sua Introdução à sociologia (2002) diz enfaticamente ”Nossa democracia é encenação nacional de hipocrisia refinada, repleta de leis “bonitas”, mas feitas sempre, em última instância, pela elite dominante para que a ela sirva do começo até o fim. Político (com raras exceções) é gente que se caracteriza por ganhar bem, trabalhar pouco, fazer negociatas, empregar parentes e apaziguados, enriquecer-se às custas dos cofres públicos e entrar no mercado por cima… Se ligássemos democracia com justiça social, nossa democracia seria sua própria negação “(p.330.333). Não faz uma caricatura de nossa democracia, mas, uma descrição real daquilo que ela sempre foi em nossa história. Em grande parte possui o caráter de uma farsa. Hoje chegou, em alguns aspectos, a níveis de escárnio.

Mas ela pode ser melhorada e enriquecida com a energia acumulada pelas centenas de movimentos sociais e pela sociedade organizada que estão revitalizando as bases do país e que não aceitam mais esse tipo de Brasil. Por força da verdade, importa reconhecer, que, entre acertos e erros, ele ganhou outra configuração a partir do momento em que outro sujeito histórico, vindo da grande tribulação, chegou à Presidência da República. Agora esses atores sociais querem completar esta obra de magnitude histórica com mais participação. E eles têm direito a isso, pois a democracia é um modo de viver e de organizar a vida social sempre em aberto – democracia sem fim – no dizer do sociólogo português Boaventura de Souza Santos.

Quem conhece a vasta obra de Norberto Bobbio um dos maiores teóricos da democracia no século XX, sabe das infindas discussões que cercam este tema, desde o tempo dos gregos que, por primeiro, a formularam. Mas deixando de lado este exitante debate, podemos afirmar que o ato de votar não é o ponto de chegada ou o ponto final da democracia como querem os liberais. É um patamar que permite outros níveis de realização do verdadeiro sentido de toda a política: realizar o bem comum através da vontade geral que se expressa por representantes eleitos e pela participação da sociedade organizada. Dito de outra forma: é criar as condições para o desenvolvimento integral das capacidades essenciais de todos os membros da sociedade.

Os movimentos sociais e a sociedade organizada podem contribuir poderosamente para essa democracia substancial. Especialmente agora que devido à gravidade da situação global do sistema-vida e do sistema-Terra se busca de um caminho melhor para o Brasil e para o mundo. Com sua ciência de experiências feita, com as formas de sobrevivência que desenvolveram em 500 anos de marginalização, com suas tecnologias sociais e com seus inventos, com suas formas próprias de produzir, distribuir e consumir, em fim, tudo aquilo que possa contribuir na invenção de outro tipo de Brasil no qual todos possam caber, a natureza inteira incluída.

Uma democracia que se nega a esta colaboração é uma democracia que se volta contra o povo e, no termo, contra a vida. Daí a importância de secundarmos o Decreto presidencial sobre a Política Nacional de Participação Social, tão irrefutavelmente explicada em entrevista na TV e em O Globo (16 de junho de 2014) pelo Ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência Gilberto Carvalho.


Leonardo Boff é teólogo e escritor.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

CANDIDATO GUERRILHEIRO ALOYSIO


Por: Juremir Machado da Silva

Nas redes sociais, nas últimas eleições, apoiadores do tucano José Serra bombardeavam a candidata petista Dilma Rousseff por ela ter sido guerrilheira durante a ditadura militar brasileira que atolou o país no obscurantismo a partir de 1964. A escolha por Aécio Neves de Aloysio Nunes Ferreira para seu vice enterra um dos argumentos mais usados pela direita mais extrema em relação a quem participou da luta armada contra terrorismo de Estado.

Aloysio Nunes Ferreira é conhecido como o “motorista de Marighella”. O vice de Aécio participou com Carlos Marighella, executado pelos militares em 1969, da Ação Libertadora Nacional. Aloysio tem uma biografia de guerrilheiro de linha de frente. Não ficou nos bastidores. Fez bem.

Em “Marighella, o guerrilheiro que incendiou o mundo”, Mario Magalhães apresenta Aloysio portando uma carabina e dirigindo o carro usado por seus companheiros para fugir depois do assalto ao trem-pagador Santos-Jundiaí em agosto de 1968. Cena de filme. Coube a Aloysio a tarefa delicada de levar o dinheiro arrecadado.

Dois meses depois, em outubro de 1968, Aloysio participou de outro assalto, o ataque ao carro-forte da Massey Ferguson. Melhor não contar com ela para financiamento de campanha. Aloysio exilou-se em Paris. Na volta ao Brasil, passou pelo PCB e pelo PMDB até achar seu galho no PSDB.

Em 2003, quando Dilma assessorava Lula, a revista Veja disparou: “O cérebro do roubo ao cofre – com passado pouco conhecido, a ministra envolveu-se em ações espetaculares de guerrilha”. Dilma teria concebido o roubo do cofre do governador paulista Adhemar de Barros.

Como é sabido que Dilma não pegou em armas, Veja encontrou um jeito de comprometê-la um pouco mais, o depoimento do ex-sargento e ex-guerrilheiro Darcy Rodrigues, o “Leo”, “que ajudou o capitão Carlos Lamarca a roubar uma Kombi carregada de fuzis de dentro de um quartel do Exército, em Osasco”. Segundo Leo, “a Dilma era tão importante que não podia ir para a linha de frente. Ela tinha tanta informação que sua prisão colocaria em risco toda a organização. Era o cérebro da ação”. Será que Veja relembrará agora esse passado guerrilheiro de Aloysio?

Estou ansioso pelos textos dos lacerdinhas da mídia central Rodrigo Constantino, Lobão, Reinaldo Azevedo, Arnaldo Jabor, Demétrio Magnoli e Olavo de Carvalho sobre esse passado belicoso do candidato tucano. O PSDB deixou correr a baba contra a “terrorista” Dilma.

A guerra de guerrilhas está empatada. Não condeno Aloysio nem Dilma. Intuo que a ala udenista que apoia Aécio ficará constrangida e triste por não poder se deliciar com a baixaria que mais a satisfaz. O guerrilheiro Aloysio tinha por codinome Mateus. Fugiu para Paris com passaporte falso. Manteve estreita amizade com Fidel Castro, tendo sido levado pelo ditador, em 2001, até o avião no aeroporto de Havana. Arranjou campo de treinamento para guerrilheiros na Argélia. Fez o que considerava necessário para combater a ditadura. O que vão dizer agora? Mateus, primeiro os teus? Ou os dos outros?


A coordenação da campanha tucana será feita por José Agripino, do DEM, aquele mesmo que perguntou a Dilma se ela mentira sob tortura. O lacerdão Agripino coordenando a campanha do guerrilheiro terrorista Aloysio Nunes. Uau!

domingo, 29 de junho de 2014

ASSANGE, DOIS ANOS DE CONFINAMENTO



Por Mário Augusto Jakobskind


Quando o mundo inteiro reverencia o ex-agente de inteligência norte-americano Edward Snowden, muito justamente, por sinal, por se tratar de um herói da humanidade, outro herói da humanidade, Julian Assange, responsável pelo site WikiLeaks vem sendo esquecido. Praticamente saiu do foco midiático

Assange acabou de completar dois anos, na quinta–feira (19/06), de confinamento na representação diplomática do Equador em Londres, uma pequena sala. Está impedido de tomar sol e está sujeito a doenças a que ficam sujeitas pessoas nessa situação.

Na quinta-feira última mesmo, Assange assegurou que manterá a promessa de seguir divulgando ao mundo toda a informação em seu poder sobre a atuação e operação dos Estados Unidos e seus aliados.

Como se não bastasse todo esse infortúnio, por pressão do Departamento de Estado norte-americano, Assange está sendo impedido de receber doações através de cartões de crédito que o site WikiLeaks recebia de diversas partes do mundo. Ou seja, além de impedido de sair do local onde se encontra, porque se o fizer será preso pelas forças policiais britânicas acantonadas na saída da representação diplomática equatoriana em Londres, as pressões econômicas aumentam a cada dia.

A Grã Bretanha obedece fielmente, como um cão de guarda, os interesses norte-americanos e não dá tréguas na vigilância a Assange. Também não divulga o custo financeiro representado pela a prontidão policial.

E tudo isso acontece sob quase total silêncio dos grandes meios de comunicação ocidentais, que sempre se dizem não apenas interessados em oferecer informações aos seus leitores, telespectadores e ouvintes, como se apresentam como defensores incondicionais da liberdade de expressão e de imprensa.

A pressão, criminosa, dos Estados Unidos contra Assange, não resta dúvida, é atentatória à liberdade de expressão, e não pode continuar sendo silenciada. É preciso que os espaços midiáticos em todo mundo abandonem a desinformação sobre a real situação em que se encontra o herói da humanidade Julian Assange.

Louve-se o governo do Equador, que em nenhum momento deixou de oferecer ajuda a Assange. Claro que tudo isso tem um custo financeiro. O governo de Rafael Correa arca com esse custo e está mostrando ao mundo que acima de tudo leva em conta a questão humanitária.

Se algo de grave acontecer a Julian Assange, a responsabilidade é do Presidente Barack Obama e dos serviços de inteligência norte-americanos. Não se exclui também a responsabilidade do cão de guarda britânico, o Primeiro-Ministro David Cameron, que ordena o cerco policial à representação diplomática do Equador.

No Brasil, Assange recebeu homenagem do Grupo Tortura Nunca Mais-RJ, com a Medalha Chico Mendes de Direitos Humanos. No ano passado, a Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) também homenageou o responsável pelo site WikiLeaks com a concessão de uma Medalha de Direitos Humanos. E todas essas homenagens foram omitidas pela grande mídia brasileira.

O GTNM-RJ e a Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI somam-se a outras entidades de várias partes do mundo que exigem dos governos dos Estados Unidos e da Grã Bretanha que terminem com o cerco autoritário a que está sendo submetido o herói da humanidade Julian Assange e permitam que ele siga imediatamente rumo ao Equador.

As duas entidades também apelam aos meios de comunicação e agência internacionais de notícias a romperem o vergonhoso silêncio sobre o cerco criminoso a que está sendo submetido Julian Assange.

Além de Assange, outro herói da humanidade, Edward Snowden terá seu asilo na Rússia expirado em agosto. Em recente entrevista para a Globo News, o ex-agente da CIA manifestou o desejo de conseguir asilo político no Brasil. Disse que tinha feito um pedido nesse sentido quando ainda se encontrava no aeroporto de Moscou, O governo brasileiro negou ter recebido o pedido. Agora, para esclarecer em definitivo com quem está a verdade, Snowden deveria fazer um outro pedido formal ao governo brasileiro. Se não houver resposta e for dito que não houve nenhuma solicitação se saberá quem mente. Se o governo brasileiro conceder o visto, estará tudo esclarecido. Mas se negar estará na prática dando sinal de fraqueza, o que se espera não aconteça.

Aguardemos o desenrolar dos acontecimentos não deixando que a questão seja esquecida, como tem sido em relação ao herói da humanidade Julian Assange.


Mário Augusto Jakobskind, jornalista e escritor, correspondente do jornal uruguaio Brecha; membro do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (TvBrasil); preside a Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI.



sexta-feira, 27 de junho de 2014

ABUTRES, COVEIROS E GOIABAS


Por Flávio Aguiar

A campanha nacional e internacional contra o Brasil e os brasileiros disseminou três tipos de detratores do nosso país: abutres, coveiros e goiabas.

1. Os abutres

São os mais ideológicos de todos. No plano internacional têm sido puxados por The Economist e Financial Times. Para eles o Brasil se assemelha a uma valiosa cariniça a ser saqueada. O valor da carniça aumentou muito desde as descobertas na camada atlântica do pré-sal. Muitos deles mantém uma pretensa elegância, muito própria para quem gosta de usar ternos de grife no trabalho. Seu estilo preferido é o prosaico analítico, com direito, vez por outra, a certos sarcasmos pesados, que eles vêem como mera ironia, como a de comparar a nossa presidenta a Groucho Marx. Adoram elogiar o México e a Aliança do Pacífico, como “respostas” ao Brasil e o Mercosul. Às vezes animam gente mais grosseira, como no caso das vaias VIP, no Itaquerão. Mas aí começamos a entrar no segundo grupo.

2. Os coveiros

De um modo geral, são aqueles detratores que, no fundo, bem no fundo, acham que nasceram no país, na latitude e na longitude erradas, além do fuso horário trocado. Latitude errada: nasceram no hemisfério sul. Longitude errada e fuso horário trocado: a hora da nossa capital não é a mesma de Washington, nem de Londres, nem de Paris. Grosso modo, dividem-se em dois grupos. O primeiro simplesmente detesta o país em que nasceu. Não suporta olhar pela janela e ver bananeiras ao invés de pine trees. Detesta até ver palmeiras ao invés de palm trees. São os detratores de sempre, os que se ufanam da Europa e dos Estados Unidos e que pensam que o nosso povo é desqualificado para ser um povo. Sua abrangência é nacional, mas também aparecem alguns no plano internacional. Ouvi durante seminário recente aqui em Berlim que o Brasil é um país que não tem cultura, só tem música e samba. Não sei exatamente o que a pessoa em questão, que não era brasileira, entendia por “cultura”, “música” e “samba”, mas sei muito bem o que ela entendia por ”Brasil”: um bando de gente nu por fora e por dentro, mais ou menos como os primeiros europeus viam os índios quando chegaram para conquistá-los e dizimá-los. São e serão os coveiros de sempre. O segundo grupo pegou carona na campanha dos abutres. Gosta de falar mal do Brasil de agora, este que aí está, com pleno emprego e melhora na repartição de renda. Quer dar a volta no relógio e no calendário, nos ajustar de novo ao tempo em que pobre era miserável e miserável não era nada. Acha que pode garantir de novo os aeroportos só para si. Mas é um grupo que gosta de falar também em generalidades. Se dentro do Brasil, usa o pronome nós (“nós somos corruptos”, “nós somos violentos”, “nós somos ineficientes”, etc.), mas é um “nós” que tem o valor de “eles”, pois só vale da boca para fora.

Os estilos preferidos variam: vão do insulto grosseiro à lamentação sutil. Os coveiros deste grupo costumam ter um alvo preciso, que copiam dos abutres: no momento atual, a eleição de outubro. Já os coveiros do primeiro grupo não têm alvo preciso, a não ser o de fazer compras em Miami (alguns) ou passear de bonde ou ônibus nas capitais europeias enquanto faz campanha contra corredores de ônibus nas cidades brasileiras.

3. Os goiabas

Este é um grupo mais variado. Seu estilo varia entre a euforia e a lamentação. Mas são plagiadores profissionais. Copiam sem restrição tudo o que lhes é servido pelos abutres e os coveiros. Repetem entusiasticamente: “o gigante acordou em junho do ano passado”. Ou chorosamente: “a Copa do Mundo no Brasil tirou dinheiro das escolas e dos hospitais”. E repetem firmes outras condenações peremptórias, como “a de que os estádios ficarão necessariamente ociosos depois da Copa”. São muito numerosos, barulhentos, tanto dentro como fora do país. Também repetem-se muito entre si mesmos, achando que estão sendo originais. Gostam de dizer que estão “mostrando o verdadeiro Brasil” ao nos detratar como um país imóvel, que não tem entrada nem saída.

Os grupos ficaram martelando – mais os coveiros, os goiabas e, mas com a reza em voz baixa a seu favor vinda dos abutres internacionais e também com as vezes a reza em voz alta dos abutres nacionais – que a Copa não ia dar certo, que seria um fracasso, que os aeroportos iam entrar em colapso, que as cidades (e o metrô de S. Paulo no dia da abertura) iriam parar, etc.

Deram com os burros n’água. Cavaram a própria cova e esqueceram de levar uma escada de saída. Ainda esperam que “algo”, alguma catástrofe, qualquer coisa, aconteça até o final da Copa. Depois deste final, vão tentar uma de duas: se o Brasil ganhar a Copa, vão dizer que o nosso povo é um bando de babacas que só sabem correr atrás da bola quando vêem uma. Se o Brasil perder, vão insistir na ideia de que o governo jogou dinheiro fora. Vamos ver o que vai acontecer.

Antes de encerrar, quero esclarecer que “abutres”, “coveiros”, “goiabas” e até “burros n’água” são apenas metáforas literárias, que não deve ser lidas literalmente. Nada tenho contra os abutres que, como os urubus, ajudam a manter a limpeza no seus espaços; nem contra a operosa classe dos coveiros, tão socialmente valiosos como qualquer outra profissão laboriosa; muito menos contra as goiabas, frutas deliciosas como tantas outras; e certamente na da contra os pacientes burros da vida real, que nada têm de burros. Burros, neste último sentido, apesar de alguns se acharem espertalhões, são os “abutres”, os “coveiros”, e os “goiabas”.

terça-feira, 24 de junho de 2014

MUDAR O MUNDO


Muitas pessoas pensaram em mudar o mundo.

Algumas fizeram apenas sugestões teóricas, outros atuaram ativamente para provar que suas idéias eram corretas.
Mudar o mundo foi o sonho, a obsessão e o objetivo de muitas vidas.

Adam Smith, por exemplo. Foi um filósofo e economista escocês que viveu no século XVIII. Para ele o mundo em que a produção e a distribuição das riquezas eram dirigidas pelo Estado, ou seja, pelo rei, era a causa de todas as dores sociais. O Rei privilegiava interesses e os ricos só poderiam ser ricos se circulasse em sua órbita.

A solução para mudar o mundo? O liberalismo econômico onde a produção, preço, distribuição e consumo seguissem as leis não escritas do mercado. Em busca do lucro tudo se ajeitaria e a economia como uma carroça de melancias se ajeitaria por si só.
Adam Smith é o pai do liberalismo econômico e sua obra “A Riqueza das Nações” a Bíblia. Suas idéias chegaram ao poder coma vitória da burguesia na Revolução Francesa, mas, se os ricos tornaram-se mais ricos, os pobres ficaram ainda mais abandonados e o mundo não mudou e ficou melhor para todos como ele imaginava.

Karl Marx também acreditava ser possível mudar o mundo. Para esse judeu alemão do século XIX o mundo se dividia entre exploradores (uma minoria, a elite burguesa) e explorados (os trabalhadores em geral). Dividia-se entre os que tinham os meios de produzir riqueza e obter lucros e os que não tinham esses meios mas produziam a riqueza com a sua força de trabalho, sendo obrigados a alugar essa força como se fosse uma ferramenta.

Para Marx era possível e natural mudar o mundo. Bastaria que os trabalhadores (especialmente os urbanos) se organizassem num partido político e sob a direção desse partido fizesse a revolução para um mundo novo, que ele chamou de socialista, e depois, para o paraíso possível na terra, a sociedade comunista, perfeita.

Obras como “O Capital” e “O Manifesto Comunista” foram à expressão maior das idéias de Marx e seu parceiro Engels. Em 1917 essas idéias foram postas em execução na Rússia, sob a liderança de um homem extraordinário chamado Vladimir Lênin. Mas, Lênin morreu poucos anos depois, o partido e o país passaram a ser liderados por homens que demonstraram enorme sede de poder, gerando uma das mais dramáticas ditaduras que o mundo já viu o stalinismo.

Nunca passamos do estágio socialista para a experiência comunista e o próprio socialismo ruiu em meados da década de 80 do século passado.

Outro que achava poder mudar o mundo foi Adolf Hitler. Acreditando na possibilidade de criar uma sociedade dominada por uma raça superior, a dele, claro, e na formação de estados centralizado sobre um líder (duche) forte, comprometido com a direção do estado e da economia como quem dirige uma fábrica levando o bem para todo o seu povo, Hitler provocou a maior tragédia humana que foi a segunda guerra mundial (1939-1945). Mein Kampf é onde expõem em dois volumes suas idéias de uma forma mais ou menos clara.

Muitos outros pensaram ser possível mudar o mundo, mas, de forma geral, o sucesso de suas idéias foi relativo e, de forma alguma definitivo.

Uma personagem, entretanto, foi exceção.

A figura de Jesus não tem comprovação histórica, isso é não existem dados documentais suficientes para se estabelecer com alguma garantia os seus passos, influências, origem e sua atuação política e social.

O que sabemos de Jesus é quase nada tendo em vista que apenas um historiador judeu romanizado, Josefo, o menciona em seus escritos.

Basicamente, o que sabemos de seus pensamentos estão contidos em obras clandestinas, de autoria não comprovada e de terceiros, os Evangelhos.

Escritos, com certeza no primeiro e segundo século de nossa Era, os evangelhos foram cuidadosamente selecionados pela Igreja Romana, mas isso, já é outra história.

O que nos importa aqui é que, de suas palavras e ensinamentos a multidão, relatados pelos evangelistas, entendemos que esse sábio também acreditava na possibilidade de mudar o mundo, mas não o mundo em si. Jesus foi totalmente diferente de qualquer outro pensador já citado, na medida em que defende que se mude a si mesmo. Ou seja, Jesus não menciona mudar o mundo e sim, mudar o próprio homem.

A força dessa idéia parece indestrutível.

Conforme se acredita, Jesus foi preso, sumariamente julgado, condenado e executado, mas, paradoxalmente, suas idéias sobreviveram ao tempo e atravessaram os séculos. Como sabemos, a sociedade ocidental foi moldada a partir do que chamamos de cristianismo.
Esse pensador, entretanto, não propôs nenhuma forma de revolução política ou de alteração profunda da economia. Por isso mesmo, sua proposta é a mais revolucionária das propostas de mudar o mundo.

Simplesmente incentivou a mudança de cada um, numa revolucionária mudança de valores.

Exortando que cada um encontrasse no outro a si mesmo, amando o próximo como amaria a si próprio, Jesus alterou a face do mundo e configurou as relações humanas da civilização ocidental.

Simples assim, sem manuais, exercício partidário ou definições de mercado.

Talvez, seja a hora do ocidente reviver o cristianismo em sua prática.

Promovendo a mudança interior, quem sabe, possamos, finalmente, mudar o mundo?

Prof. Péricles


sábado, 21 de junho de 2014

ALGUMA CHANCE


Quem sabe a verdade mesmo, é que nascemos num mundo torto? Talvez, não exatamente torto, mas, fora de foco.

Vivemos as conseqüências de um mundo que buscou no comércio das coisas promover a circulação das riquezas e a felicidades das pessoas, mas que, ao mesmo tempo, sempre buscou concentrar as riquezas e junto com a riqueza de alguns, promoveu a misérias da maioria.

Um mundo em que a industrialização permitiu fazer mais rápido e muito mais e por isso lucrar indefinidamente, elevando ao infinito a possibilidade de enriquecer. E foi essa possibilidade que a tudo transformou em mercado e a todos nomeou consumidores.

Por mais maluco que pareça foi o direito e a valorização da liberdade burguesa, expressa a partir da Revolução Francesa, que nos escravizou, pois ao mesmo tempo em que nos libertou da tirania dos soberanos e nos privilégios do berço nos acorrentou às aparências e ao etéreo poder do dinheiro.

Enquanto valorizou-se a privacidade e o individualismo criou-se o império do egoísmo onde desde criança se aprende a competir e a ser melhor do que o outro para o resto de nossas vidas.

É triste reconhecer que escolhemos viver assim. Lutamos para viver assim.

Pesaroso concluir a democracia existe apenas enquanto metáfora para justificar a dominação das elites.

Vivemos num mundo de 7 bilhões de pessoas. Graças à internet nunca fomos tão próximos, mas, também, nunca estivemos tão sozinhos.

Enquanto vivenciamos os prazeres que a informatização pode dar nos perdemos em comunidades fictícias, nos embrenhamos numa floresta de virtualidades que fazem com que essa seja também a era do antidepressivo e do estres.

Estimativas humildes apontam que 10% dos habitantes do planeta desenvolvem dependência química e 20% sofrem de depressão.

Num mundo desequilibrado usamos bengalas para nos equilibrar e essas bengalas são tão variáveis quanto nossas dores. E as dores, podem ser as mesmas, mas o sofrimento não.

Cada um sofre do seu jeito. A dor é coletiva, mas o sofrimento é individual.

Francamente, sejamos sinceros, a dor que entra só entra porque encontra vazios e se nosso problema é ter tantos vazios talvez seja possível buscar soluções preenchendo esses vazios com outras coisas.

E para fazer isso precisamos mudar o foco.
É necessário repensar sem medo. Viajar para os porões mais sombrios de nossa alma, onde escondemos tudo aquilo que não queremos admitir. Olhar para dentro de nós mesmos, da vida e da sociedade que construímos.

Temos que repensar valores. Preservar os tesouros que conquistamos e não temer abrir mão do que não funciona.

Faz-se urgente uma cirurgia social que ampute todos os preconceitos e idéias radicais de superioridade, de raça, de verdadeiro, de nacional, de posse, de ser melhor que a concorrência. Essas coisas já nos levaram aos mais horrendos holocaustos.

Mais do que faturar temos que valorizar o humano. Mas do que defender a propriedade privada temos que valorizar a construção coletiva. Mas do que selecionar temos que incluir.

Nós só teremos alguma chance de ser feliz se não tivermos medo de construir uma sociedade mais justa.

Caso contrário, nossos vazios continuarão sendo preenchidos pelas drogas e pelas mentiras e nossa felicidade apenas virtual.


Prof. Péricles