terça-feira, 4 de março de 2014
VOLTAMOS
Pois, como dizia minha avó, não a bem que sempre dure, nem mal que não se acabe, ou algo assim, as férias terminaram.
Estamos de volta com toda a alegria da companhia dos amigos e a vontade de dar seqüência aos nossos encontros através de crônicas e textos colocados aqui no blog.
Muito bom verificar que durante o mês de fevereiro houve um número considerável de acessos aos textos mais antigos colocados à disposição.
Nesse período de fevereiro, enquanto a questão do Irã esfriou com a crescente reaproximação desse país com o ocidente, a crise na Síria estabilizou embora permaneça longe de uma solução, e explodiu uma nova área de conflito, a Ucrânia.
No Brasil, numa desanimadora inanição da oposição continuam pipocando, com o auxílio da mídia, questões meramente pontuais e sensacionalistas em cima do inesgotável veio da corrupção, que é de nós todos, através do caso dos mensaleiros e de um hipotético prejuízo ao país pela realização da Copa o mundo no país.
A questão das manifestações públicas entrou no caminho perigoso de produzir vítima fatal com toda reação e especulação que isso promove nos meios de comunicação.
Para nossos alunos concurseiros e vestibulandos acendemos o alerta vermelho. Assuntos como esses podem estar presentes amanhã nas provas concursais ou nos vestibulares.
Vamos conversar sobre tudo isso.
Estamos de volta. Resta a aceitação da perda do bronzeado e de que trabalhar é preciso.
Obrigado a todos pela presença, e aproveitem, o Blog é de vocês.
Prof. Péricles
sexta-feira, 31 de janeiro de 2014
ESTAMOS EM FÉRIAS (2014)
Caros amigos e amigas,
Estaremos de férias até o carnaval, mas, o Blog ficará aberto para todos os amigos. A leitura de textos mais antigos está totalmente liberada.
Entre na aba “pesquisar esse Blog” digite a palavra que lhe interessa, clic, e ele puxará o texto que trata daquele assunto.
Lembramos que os textos são voltados a assuntos da atualidade e também referente à temas de história, voltados, especialmente, para concursos públicos e vestibular.
Fique à vontade, o Blog é seu.
Abaixo segue algumas sugestões de textos/assuntos.
- Nunca Faltarão Argumentos (outubro/2012);
- Festa no Olimpo (setembro/2013);
- O Mundo de Péricles 1, 2 e 3 (Fevereiro/2012)
- O Segredo de Édipo (maio/2013);
- Egito e A Maldição do Faraó (julho/2011);
- Fenícios, o Povo do Mar (outubro/2012);
- Amy Winehouse e As Bengalas (julho/2011);
- Avó, O Torturador e A Justiça, A (julho/2012);
- Enrustidos (abril/2012);
- PCB ou PC do B? (outubro/2011);
- O Segredo de Calabar (outubro/2013);
- Dia da Criança no Paraguai (outubro/2011);
- O Rei do Sertão (dezembro/2011);
- Seleção de Presidentes (setembro/2012);
- O Cofre do Ademar 1 e 2 (maio/2011);
- Frei Tito 1, 2 e 3 (agosto/2011);
- O Trem das Estrelas (Março/2013);
- A Burguesinha Nua (julho/2012);
- Crises do Século XIV: As Dores do Parto (junho/2011);
- Oração Pelos Lanceiros Negros (setembro/2012).
Voltaremos em março,
Até lá.
Grande abraço,
Péricles
quarta-feira, 29 de janeiro de 2014
TERRORISTAZINHOS
Por Eric Margolis, Information Clearing House
Como é possível que um microscópico grupo anticomunista no Afeganistão, que não tinha mais que 200 membros ativos em 2001, tenha-se tornado suposta ameaça planetária?
Como pode a al-Qaida estar em todo o Oriente Médio, Norte da África e em grande parte da África negra? E, isso, depois de os EUA terem consumido mais de $1 trilhão para acabar com a al-Qaida no Afeganistão e no Paquistão?
A resposta é simples. Como organização e ameaça, a al-Qaida é quase nada. Mas como nome, “al-Qaida” e “terrorismo” tornaram-se palavras universalmente sempre à mão, para designar grupos que combatem a influência ocidental, a corrupção ou a repressão na Ásia e na África. A al-Qaida está em lugar algum – mas em todos os lugares.
Se você for um grupo rebelde à procura de publicidade, o caminho mais fácil e declarar-se aliado da fugaz, impalpável, inexistente al-Qaida.
Depois que os EUA invadiram o Iraque em 2003, mais de uma dúzia de grupos iraquianos de resistência surgiram, para lutar contra os norte-americanos e seus recém aparecidos novos aliados xiitas. O principal desses grupos era o Partido Ba’ath de Saddam Hussein e militares veteranos iraquianos. Como já disse várias vezes em grandes redes de TV dos EUA, nunca houve nem al-Qaida nem armas nucleares no Iraque.
Graças à mágica da manipulação pela imprensa-empresa de massa, Washington conseguiu desviar a atenção, fazendo que todos deixassem de ver os grupos da resistência sunita – “terroristas”, como foram rotulados –, para só verem um único grupo de doidos degoladores liderados por um jordaniano, renegado, misterioso, Abu Musab al-Zarqawi. Todos os demais grupos da resistência sumiram de vista.
Alguns reaparecem agora, no oeste do Iraque.
A simples menção da palavra ‘de trabalho’ al-Qaida bastou para lançar os Republicanos e neoconservadores norte-americanos em estado de frenesi. Exigem que o governo Obama “faça algo”. Talvez... reinvadir o Iraque? Há 10 mil soldados dos EUA bem ali perto, no Kuwait.
Forças especiais, aviões tripulados ‘presencialmente’ e tripulados à distância, os drones, dos EUA, e mercenários da CIA já estão em ação em torno de Fallujah e Ramadi. Como em outras vezes, a CIA está pagando milhões a tribos sunitas para que combatam forças antigoverno.
O ex-diretor do Pentágono Leon Panetta admitiu que não havia mais que de 25 a 50 membros da al-Qaida no Afeganistão. Mas agora já há al-Qaida no Paquistão, Jordânia, Arábia Saudita, Iêmen, pelo Norte da África, Nigéria, Mali, República Centro-Africana e por aí vai. O grupo Shebab da Somália, de resistência anti-ocidente, também já é apresentado como “ligado à al-Qaida”.
Nos tempos da Guerra Fria, praticamente todos os grupos que se opunham à dominação ocidental eram chamados comunistas. Hoje, a al-Qaida substituiu o comunismo como nome a usar em todas as ‘emergências’. A idéia generalizada – mas provavelmente errada – segundo a qual a al-Qaida de Osama bin Laden teria sido responsável pelos ataques do 11/9 converte qualquer coisa “ligada à al-Qaida” em candidato nato à liquidação sumária.
Rotular seus inimigos como “terroristas” é ótimo modo de deslegitimá-los e negar-lhes qualquer direito político ou humanitário. Foi o que fez Israel, com muita eficácia, contra palestinos desesperados.
Contudo, o problema óbvio aqui é que, ao fazer isso, cria-se suprimento infinito de “terroristas”, o que leva a pressões a favor de guerras contra eles. Isso, e o petróleo, já meteram forças especiais dos EUA África adentro, por toda a África negra.
O Egito é mais um trágico exemplo de propaganda distribuída pela imprensa-empresa, que vira ‘fato’. A maioria do povo egípcio, que votou e elegeu democraticamente um governo, em eleições limpas, e o governo que os egípcios elegeram, já são hoje universalmente condenados como “terroristas” pelos generais bandidos que derrubaram o governo eleito no Cairo. Qualquer um que se oponha à junta militar apoiada pelos EUA e pela Arábia Saudita é “terrorista”. Provavelmente dirigem carros terroristas, comem comida terrorista e têm filhinhos terroristazinhos.
domingo, 26 de janeiro de 2014
TEMPO DA GRANDE TRANSFORMAÇÃO
Por Leonardo Boff
Normalmente as sociedade se assentam sobre o seguinte tripé: na economia que garante a base material da vida humana para que seja boa e decente; na política pela qual se distribui o poder e se montam as instituições que fazem funcionar a convivência social; a ética que estabelece os valores e normas que regem os comportamentos humanos para que haja justiça e paz e que se resolvam os conflitos sem recurso à violência.
Geralmente a ética vem acompanhada por uma aura espiritual que responde pelo sentido último da vida e do universo, exigências sempre presentes na agenda humana.
Estas instâncias se entrelaçam numa sociedade funcional, mas sempre nesta ordem: a economia obedece a política e a política se submete à ética.
Mas a partir da revolução industrial no século XIX, precisamente, a partir de 1834, a economia começou na Inglaterra a se descolar da política e a soterrar a ética.
Surgiu uma economia de mercado de forma que todo o sistema econômico fosse dirigido e controlado apenas pelo mercado livre de qualquer controle ou de um limite
ético.
A marca registrada deste mercado não é a cooperação mas a competição, que vai além da economia e impregna todas a relações humanas. Mais ainda criou-se, no dizer de Karl Polanyi, "um novo credo totalmente materialista que acreditava que todos os problemas poderiam ser resolvidos por uma quantidade ilimitada de bens materiais (A Grande Transformação, Campus 2000, p. 58).
Esse credo é ainda hoje assumido com fervor religioso pela maioria dos economistas do sistema imperante e, em geral, pelas políticas públicas.
A partir de agora, a economia funcionará como o único eixo articulador de todas as instâncias sociais. Tudo passará pela economia, concretamente, pelo PIB. Quem estudou em detalhe esse processo foi o filósofo e historiador da economia já referido, Karl Polanyi (1866-1964), de ascendência húngara e judia e mais tarde convertido
ao cristianismo de vertente calvinista. Nascido em Viena, atuou na Inglaterra e depois, sob a pressão macarthista, entre o Toronto no Canadá e a Universidade de Columbia nos USA. Ele demonstrou que "em vez de a economia estar embutida nas relações sociais, são as relações sociais que estão embutidas no sistema econômico (p. 77). Então ocorreu o que ele chamou A Grande Transformação: de uma economia de mercado se passou a uma sociedade de mercado.
Em consequência nasceu um novo sistema social, nunca antes havido, onde a sociedade não existe, apenas os indivíduos competindo entre si, coisa que Reagan e Thatcher
irão repetir à saciedade. Tudo mudou pois tudo, tudo mesmo, vira mercadoria. Qualquer bem será levado ao mercado para ser negociado em vista do lucro individual: produtos naturais, manufaturados, coisas sagradas ligadas diretamente à vida como água potável, sementes, solos, órgãos humanos. Polanyi não deixa de anotar que tudo isso é "contrário à substância humana e natural das sociedades". Mas foi o que triunfou especialmente no após-guerra. O mercado é "um elemento útil, mas subordinado à uma comunidade democrática" diz Polanyi. O pensador está na base da "democracia econômica".
Aqui cabe recordar as palavras proféticas de Karl Marx em 1847 Na miséria da filosofia: "Chegou, enfim, um tempo em que tudo o que os homens haviam considerado
inalienável se tornou objeto de troca, de tráfico e podia vender-se. O tempo em que as próprias coisas que até então eram co-participadas mas jamais trocadas; dadas, mas jamais vendidas; adquiridas mas jamais compradas - virtude, amor, opinião, ciência, consciência etc -em que tudo passou para o comércio. O tempo da corrupção geral, da venalidade universal ou, para falar em termos de economia política, o tempo em que qualquer coisa, moral ou física, uma vez tornada valor venal é levada ao mercado para receber um preço, no seu mais justo valor.
Os efeitos socioambientais desastrosos dessa mercantilização de tudo, os estamos sentindo hoje pelo caos ecológico da Terra. Temos que repensar o lugar da economia
no conjunto da vida humana, especialmente face aos limites da Terra. O individualismo mais feroz, a acumulação obsessiva e ilimitada enfraquece aqueles valores sem os quais nenhuma sociedade pode se considerar humana: a cooperação, o cuidado de uns para com os outros, o amor e a veneração pela Mãe Terra e a escuta da consciência que nos incita para bem de todos.
Quando uma sociedade se entorpeceu como a nossa e por seu crasso materialismo se fez incapaz de sentir o outro como outro, somente enquanto eventual produtor e consumidor, ela está cavando seu próprio abismo. O que disse Chomski há dias na Grécia (22/12/2013) vale como um alerta:"aqueles que lideram a corrida para o precipício são as sociedades mais ricas e poderosas, com vantagens incomparáveis como os USA e o Canadá. Esta é a louca racionalidade da 'democracia capitalista' realmente existente."
Agora cabe a retorção ao There is no Alternative (TINA): Não há alternativa: ou mudamos ou pereceremos porque os nossos bens materiais não nos salvarão.
É o preço letal por termos entregue nosso destino à ditadura da economia transformada num "deus salvador" de todos os problemas.
quinta-feira, 23 de janeiro de 2014
CONTA DIREITO ESSA HISTÓRIA
Filho de Professor de História Antiga, o judeu Marc Léopold Benjamim Bloch nasceu na França em 06 de julho d 1886.
Desde muito jovem demonstrou talento para o estudo, em especial para as ciências sociais e a história.
Lutou na I Guerra Mundial, sendo condecorado por heroísmo em batalha após grave ferimento.
Depois da guerra foi para a Universidade de Estrasburgo, onde conheceu Lucien Febvre que seria seu amigo pessoal e parceiro intelectual pelo resto da vida.
Na época de Bloch o estudo de história estava amordaçado às circunstâncias do fato. Produzir conhecimento em história era apenas descrever os fatos como eles pareciam ter ocorrido, sem maior preocupação com análise contextual ou futura.
Era como você contando a história do seu casamento apenas focando a cerimônia desapegada dos fatos que levariam o divórcio mais tarde.
Juntos, Bloch e Febvre, fundaram, em 1929, a revista “Annales d’Histoire Économique ET Sociale” que trouxe uma nova abordagem da história. Nessa abordagem o fato é mostrado como conseqüência do contexto social, político e econômico de seu tempo, compreensível a partir de uma análise econômica e social.
A revista alcançou sucesso mundial, dando origem a uma nova forma de “contar a história”, que foi chamado de Escola dos Annales.
A partir dessa nova mentalidade, Bloch publicou em 1939, aquela que é considerada sua obra prima “A Sociedade Feudal” (ele até hoje é considerado o maior medievalista de todos os tempos). Nessa obra se promove uma renovação na compreensão do feudalismo.
Definitivamente estava sepultada a história meramente seqüencial dos fatos, nomes e datas para dar lugar a uma nova história preocupada com a relação do homem, a sociedade e o tempo, sendo os fatos, conseqüências e não causas.
Em junho de 1940 a França se rende ao invasor nazista. Bloch participará da resistência francesa que fará amarga a vida dos alemães em território francês. Mas, foi capturado, barbaramente torturado e fuzilado em 16 de junho de 1944, nos subúrbios da pequena cidadezinha francesa de Saint-Didier-de-Formans.
Após a Guerra, amigos e admiradores publicaram post-mortem “Apologia da História ou O Ofício do Historiador”, outro clássico da área.
Por tudo isso Marc Bloch sempre será uma referência nos estudos de história. Sem nenhuma dúvida um dos maiores intelectuais de nosso tempo, e para muitos, o maior historiador do século XX.
Assim, é muito triste quando se percebe que, no Brasil, o estudo de história, em muitas cabeças e instituições, permaneça anterior a Marc Bloch e sua obra.
Ainda é muito comum ouvir de aluno que história é só “decoreba”.
Esse pensamento expressa a idéia errônea da história apenas factual e estática.
Reflete também a forma que foi ensinada história a esse aluno.
Exemplo do quanto esse raciocínio pode ser prejudicial é a idéia existente na cabeça de muitos brasileiros sobre a Ditadura militar como uma seqüência de fatos (lamentáveis), mas que “devem permanecer no passado” como se a sua influência nefasta ainda não se faça sentir na política nacional e na sua ética. Nessa maneira de pensar a Ditadura é algo passado que não diz nada a quem não viveu a sua época.
Por isso, assim como antes de pensar em mudar o mundo devemos pensar em mudar a nós mesmos, não há dúvidas que antes de repensar as mudanças no sistema de ensino do Brasil, deve o historiador e o professor de história mudar a maneira de relatar os fatos históricos, fornecendo elementos e exigindo mais interpretação e envolvimento do que, meramente, conhecimento formal.
E aos alunos é sagrado o direito de cobrar de seus professores - “conta direito essa história”.
Prof. Péricles
Fontes:
http://www.marcbloch.fr/bio.html
terça-feira, 21 de janeiro de 2014
O IMPÉRIO DO SHOPPING
por Emir Sader em Carta Maior
Na sua fase neoliberal, o capitalismo implementa, como nunca na sua história, a mercantilização de todos os espaços sociais. Se disseminam os chamados não-lugares – como os aeroportos, os hotéis, os shopping-centers , homogeneizados pela globalização, sem espaço nem tempo, similares por todo o mundo.
Os shopping-centers representam a centralidade da esfera mercantil em detrimento da esfera pública, nos espaços urbanos. Para a esfera mercantil, o fundamental é o consumidor e o mercado. Para a esfera pública, é o cidadão e os direitos.
Os shoppings-centers representam a ofensiva avassaladora contra os espaços públicos nas cidades, são o contraponto das praças públicas. São cápsulas espaciais condicionadas pela estética do mercado, segundo a definição de Beatriz Sarlo. Um processo que igualiza a todos os shopping-centers, de São Paulo a Dubai, de Los Angeles a Buenos Aires, da Cidade do México à Cidade do Cabo.
A instalação de um shopping redesenha o território urbano, redefinindo, do ponto de vista de classe, as zonas onde se concentra cada classe social. O centro – onde todas as classes circulavam – se deteriora, enquanto cada classe social se atrincheira nos seus bairros, com claras distinções de classe Os shopping, como exemplos de não-lugares, são espaços que buscam fazer com que desapareçam o tempo e o espaço – sem relógio e sem janelas - , em que desaparecem a cidade em que estão inseridos, o pais, o povo. A conexão é com as marcas globalizadas que povoam os shopping-centers de outros lugares do mundo. Desaparecem os produtos locais – gastronomia, artesanato -, substituídos pelas marcas globais, as mesmas em todos os shoppings, liquidando as diferenças, as particularidades de cada pais e de cada povo, achatando as formas de consumo e de vida.
O shopping pretende substituir à própria cidade. Termina levando ao fechamento dos cinemas tradicionais das praças publicas, substituídos pelas dezenas de salas dos shoppings, que promovem a programação homogênea das grandes cadeias de distribuição.
O shopping não pode controlar a entrada das pessoas, mas como que por milagre, só estão aí os que tem poder aquisitivo, os mendigos, os pobres, estão ausentes. Há um filtro, muitas vezes invisível, constrangedor, outras vezes explicito, para que só entrem os consumidores.
Nos anos 1980 foi organizado um passeio de moradores de favelas no Rio de Janeiro a um shopping da zona sul da cidade. Saíram vários ônibus, com gente que nunca tinham entrado num shopping.
As senhoras, com seus filhos, sentavam-se nas lojas de sapatos e se punham a experimentar vários modelos, vários tamanhos, para ela e para todos os seus filhos, diante do olhar constrangido dos empregados, que sabiam que eles não comprariam aqueles sapatos, até pelos seus preços. Mas não podiam impedir que eles entrassem e experimentassem as mercadorias oferecidas.
Criou-se um pânico no shopping, os gerentes não sabiam o que fazer, não podiam impedir o ingresso daquelas pessoas, porque o shopping teoricamente é um espaço público, aberto, nem podiam botá-los pra fora. Tocava-se ali no nervo central do shopping – espaço público privatizado, porque mercantilizado.
O shopping-center é a utopia do neoliberalismo, um espaço em que tudo é mercadoria, tudo tem preço, tudo se vende, tudo se compra. Interessa aos shoppings os consumidores, desaparecem, junto com os espaços púbicos, os cidadãos. Os outros só interessam enquanto produtores de mercadorias. Ao shopping interessam os consumidores.
Em um shopping chique da zona sul do Rio, uma vez, uns seguranças viram um menino negro. Correram abordá-lo, sem dúvida com a disposição de botá-lo pra fora daquele templo do consumo. Quando a babá disse que ela era filho adotivo do Caetano Veloso, diante do constrangimento geral dos seguranças.
A insegurança nas cidades, o mau tempo, a contaminação, o trânsito, encontra refúgio nessa cápsula, que nos abriga de todos os riscos. Quase já se pode nascer e morrer num shopping – só faltam a maternidade e o cemitério, porque hotéis já existem. A utopia – sem pobres, sem ruídos, sem calçadas esburacadas, sem meninos pobres vendendo chicletes nas esquinas ou pedindo esmolas, sem trombadinhas, sem flanelinhas.
O mundo do consumo, reservado para poucos, é o reino absoluto do mercado, que determina tudo, não apenas quem tem direito de acesso, mas a distribuição das lojas, os espaços obrigatórios para que se possa circular, tudo comandado pelo consumo.
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