quarta-feira, 18 de dezembro de 2013
A CRISE DO POPULISMO
Entre 1954 e 1964 o Brasil passou por uma sequência de crises e turbulências políticas que deram o nome ao período de “A Crise do Populismo”.
Em 1954 o suicídio do presidente Getúlio Vargas diante da iminência de ser derrubado pelos militares, evitou o golpe que já estava em andamento. O final de mandato de Getúlio foi exercido numa tensão terrível entre os golpistas, politicamente liderados pela UDN de Carlos Lacerda e os que buscavam desesperadamente manter a ordem democrática.
JK foi eleito nesse contexto em outubro de 1955 e sua posse só se concretizou graças a ação decidida do Marechal Henrique Teixeira Lott, que, em 11 de novembro desencadeou um forte movimento denominado de “retorno ao quadro constitucional vigente”. Lott conseguiu declarar o impedimento do presidente em exercício Carlos Luz (que apoiava o golpe em gestação).
Embora se costume falar maravilhas do governo JK, o maior mérito desse presidente, talvez seja, ter concluído todo o seu mandato. Pelo menos dois movimentos golpistas tentaram interromper seu governo: a Revolta de Jacarecanga em fevereiro de 1956 e a Revolta de Aragarças em 2 de dezembro de 1959. Ambas patrocinadas pela aeronáutica, sendo que a segunda, chegou a planejar o bombardeio dos Palácios Laranjeiras e do Catete para “afastar do poder o grupo comprometido com o movimento comunista internacional”. O movimento foi derrotado antes mesmo de qualquer bombardeio, ficando restrito a Aragarças (Goiás).
A eleição de Jânio Quadros em 1960 parecia trazer a pacificação interna, visto que a vitória eleitoral de Jânio, conservador e apoiado pela UDN, parecia representar o afastamento das forças ligadas ao trabalhismo do poder. Porém, sua inesperada renúncia em 25 de agosto de 1961originou um crise sem precedentes na nação.
Conforme a Constituição vigente (promulgada em 1946), o vice-presidente (eleito separadamente do cargo de presidente) João Goulart, deveria tomar posse como novo presidente da República (diante da renúncia do titular). Entretanto, odiado pelos militares e temido pelas elites, organizam-se as força que querem impedir essa posse.
De 25 de agosto a 07 de setembro daquele ano, o Brasil navegou em águas revoltas numa situação pré-guerra civil. De um lado as forças lideradas pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, que defendiam a obediência à Constituição e preservação da democracia (por isso chamados de legalistas) e de outro, liderados pelo Ministro da Guerra, Marechal Odílio Denis, os que queriam impedir a posse do vice na Presidência.
A chamada Campanha da Legalidade apartou o Rio Grande do Sul de Brizola e do 3º Exército, do restante do país e a guerra civil só não se concretizou devido a uma costura política arranjada às pressas por Tancredo Neves, que cria uma emenda Constitucional criando o sistema parlamentarista no Brasil. Dessa forma, Jango assumiu, mas com poderes minimizados.
Em janeiro de 1963, um plebiscito determinava a volta do sistema presidencialista. Jango passou a governar como presidente com plenos direitos e teve início a conspiração para derruba-lo que uniu as elites brasileiras, grande parte de sua classe média e os serviços de inteligência dos Estados Unidos. Essa conspiração acabou vitoriosa com o golpe em 1964 e com a ditadura que se seguiu e duraria 20 anos.
Durante dez anos o estado de direito no Brasil viveu sob a corda bamba. Golpes foram planejados, alguns levados a efeito, mas a frágil democracia do país conseguiu protelar o seu fim. Dessa forma, o golpe militar de 31 de março de 1964, não deve ser visto de forma separada, como algo aleatório a seu tempo como muitos gostam de fazer. O golpe, foi, na verdade, a concretização da vontade de grupos poderosos que, ainda no tempo de Getúlio Vargas ambicionavam o poder.
A alegação de que o seu vetor tenha sido apenas o afastamento de João Goulart e da “ameaça comunista”, não encontra apoio se percebermos o golpe no seu contexto maior e os seus antecedentes que expõem um quadro reacionário que temia a politização das massas e de seus sindicatos.
Quanto ao seu viéis externo, o golpe de 1964 está inserido no doloroso drama da Guerra Fria e de suas mais infelizes definições.
Prof. péricles
sábado, 14 de dezembro de 2013
APARTHEID À BRASILEIRA
A capacidade de escândalo é sempre maior quando este escândalo parece distante da própria casa.
A maioria se revolta profundamente quando aprende sobre as origens, as histórias, as ignomínias praticadas pelo apartheid na distante África do Sul.
“Como isso é possível? Que barbaridade!”
Poucos dos escandalizados percebem o apartheid aqui mesmo, no nosso país, na nossa própria realidade verde e amarela.
- Como assim? Aqui não há restrição na Lei que impeça igualdade racial!
Realmente, a segregação nunca esteve legalizada por alguma constituição brasileira. Mas também é verdade que também nunca foi proibida, ao menos, até a de 1988.
No Brasil a preparação para abolir a escravidão ocupou mais de 50 anos de nossa história, o que nos tornou a nação escravagista mais longeva.
Quando as elites perceberam que a abolição era inevitável partiram para a execução de um plano macabro: desenvolveram uma política de imigração, seduzindo a mão de obra estrangeira, especialmente alemães e italianos, para vir ao Brasil, ocupar postos de trabalho e espaço social que deveria ser de quem? Dos negros.
Nenhum plano de treinar, adaptar, assistir a população recém liberta e totalmente despreparada para a competição do mercado de trabalho. Terras? Apenas para os imigrantes (pelo menos até a Lei de Terras de 1850).
A idéia era tão simples quanto macabra: se os negros fossem isolados em bolsões de miséria, não tivessem acesso à terra, sem inclusão e sem possibilidade de acumular capital, o provável era que, com o tempo, ocorresse um branqueamento total da sociedade e o desaparecimento da população negra no país.
Não foi um extermínio planejado como a “solução final” do holocausto judeu. Mas um extermínio social, pensado a longo alcance. Não foram criados campos de concentração, mas criados guetos na distribuição geográfica da riqueza.
Nossas favelas, nosso sertão nordestino e outros tantos sertões são nossos sowetos.
Se tirarmos das girafas todas as folhas suculentas das árvores... Se colocarmos as girafas, por exemplo, no deserto, a tendência natural é o desaparecimento das girafas. Sem os meios naturais para a sobrevivência as espécies desaparecem. A seleção natural elimina espécies inferiores nos diferentes ecossistemas e a seleção social baseada na posse, no sucesso e no dinheiro eliminaria o elemento “inferior” negro cujo espaço seria ocupada pelo elemento branco “superior”.
Foi esse o pensamento diabólico que norteou as ações das elites brasileiras e seus capachos monarquistas do governo D. Pedro II.
Para essa gente o negro era algo que não podia ser esquecido, mas bem que se queria esquecer. No início do século XX o negro é quase um estrangeiro no seu próprio país. O futebol era vedado aos negros. O samba era marginal. Os cultos afro-brasileiros era pecaminosos e demoníacos. A felicidade do negro incomodava.
O negro sobreviveu, felizmente, como todos nós sabemos, mas, ao longo do tempo ocorreu um fenômeno interessante: a negritude, um conceito de raça, se ampliou incluindo o miserável, um conceito social, brancos e pardos e outras cores.
Todos os governos brasileiros trabalharam para as elites e pelas elites e todo questionamento às diferenças tratadas como caso de polícia.
Na República Velha dos coronéis dê-lhe porrada no pobre, no negro e melhor ainda, no negro pobre.
A Era Vargas interpretou o papel de popular criando Leis populista como a CLT, e órgão tipo Ministério do Trabalho e Ministério da Saúde, por exemplo, mas atrelou os sindicatos aos seus interesses e amordaçou qualquer organização do trabalhador que não fosse aliada. Reformas, talvez, revoluções jamais.
Juscelino e Jânio nunca falaram seriamente sobre as necessidades dos miseráveis, embora Jânio adorasse interpretar esse papel e Juscelino conhecesse melhor o pobre norte-americano do que o brasileiro.
João Goulart foi uma ameaça inesperada a esse tipo de visão, pois suas reformas de base propunham mudanças mais consistentes, mas você sabe o que aconteceu com Jango, não é?
A Ditadura Militar por sua vez, criou um mito, o mito do pobre feliz que habita um gigante adormecido que, agora sim, vai ser grande e poderoso. Entretanto, por baixo do mito permitiu que a distância entre os que têm e os que não têm se tornasse imensurável.
O casamento de negros e brancos nunca foi proibido pela Lei brasileira, mas o sínico racismo nacional simplesmente não leva a sério esse tipo de união e quando leva é para benzer-se e pedir a Deus que esse tipo de desgraça nunca aconteça em sua família.
O direito de ir e vir no Brasil sempre existiu na lei, mas nunca na prática, a não ser que você considere o ir e vir do trabalho para casa. Você já viu pobre curtindo um turismo dentro do Brasil, conhecendo os Lençóis Maranhenses ou as delícias de Angra? O direito de ir e vir é uma ilusão que a classe média adora acreditar, nem que seja de excursão, uma vez na vida.
Não existem lugares proibidos à entrada dos negros/pobres no Brasil. Não pela Lei, mas pelo dinheiro sim.
Recentemente a classe média branca-conservadora-racista do Brasil resmungou profundamente por ver negros andando de avião. “Igualdade sim, mas precisavam andar de avião?”
Nos seus piores pesadelos, pobre tem carro e Plano de Saúde privado. “Só falta colocarem seus filhos na escola dos meus meninos”.
“Cotas? Por que se nosso país nunca houve racismo?”
No Brasil, todos são mais ou menos iguais perante a lei.
Nosso apartheid é um apartheid silencioso. Alguns Mandelas já foram criados em nossa história, mas, ao contrário do grande herói do povo sul-africano, não foram reconhecidos.
Zumbi dos Palmares, Sepé Tiarajú, Cipriano Barata, Antônio de Sousa Neto, João Cândido e tantos outros.
Não, nosso racismo não está Lei e, portanto, não provoca escândalos como o regime segregacionista de Peter Botha.
Mas está nas ruas, no dia a dia, nas mágoas que se tornaram anedotas para serem mais suportáveis.
Está nas marcas que o corpo e a história guardam.
Prof. Péricles
sexta-feira, 13 de dezembro de 2013
A ALEGRIA DO EVANGELHO - 01
Havia uma grande expectativa em relação ao primeiro documento doutrinário oficial do pontificado do papa Francisco. E ele chegou com uma carga bem acima das melhores espectativas daqueles que aguardam mudanças na mais poderosa Igreja do ocidente.
A Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho), apresentado ao público no site oficial do Vaticano apresenta propostas de reformas que excitaram até o mais pessimista observador dos caminhos oficiais dos católicos.
O Papa Francisco declara sua decepção com a “economia da exclusão” onde, segundo ele, a Igreja se acostumou a enxergar o mundo contemporâneo e seu quadro devastador de desigualdades sociais.
Francisco se declara, também, entristecido com o comodismo de padres e agentes evangelizadores diante das dores dos mais pobres. O papa cobra também maior participação das mulheres na Igreja.
Diz o documento que “Hoje, tudo está dentro do jogo e da competitividade, onde o forte come o fraco”. Como resultado, grandes massas da população são excluídas e marginalizadas: sem emprego, sem horizontes”. Para Francisco, os “excluídos não são explorados, mas resíduos, excedentes”.
Para o papa, “pacificamente aceitamos o domínio do dinheiro sobre nós e nossas sociedades” que reduz o ser humano a uma das suas necessidades: o consumo”.
As declarações contidas no “Exortação Apostólica Evangeli Gaudium” provocam as mais legítimas esperanças de que uma das instituições mais conservadores do mundo esteja, a partir de sua nova liderança, despertando para a necessidade de mudanças e de busca de novos rumos.
Se João Paulo I representou um papel decisivo na queda da União Soviética e fim do socialismo, Francisco pode estar assumindo o papel de protagonistas das reformas urgentes da Igreja diante das mudanças geopolíticas do novo século.
O reacionarismo xiita de alguns grupos sectários da sociedade brasileira, podem ser colocados em xeque com a perda do apoio radical e perene da Igreja contra mudanças essenciais e necessárias, como a Reforma Agrária.
O trabalho que Francisco tem pela frente é árduo e doloroso.
Em suas propostas de mudanças será necessário enfrentar grupos poderosíssimos entrincheirados na própria cúpula da Igreja. Detonar esses grupos e desbanca-los do poder que exercem a mais de século, higienizar o Banco do Vaticano e suas inúmeros ramificações corruptas enraizadas no mundo inteiro, assumir os crimes de pedofilia que minam as paredes de seus prédios e opor-se às políticas conservadoras de países poderosos como os Estados Unidos são desafios insanos, talvez impossíveis de serem superados por uma só autoridade.
Quando mexemos com o vespeiro é bom estarmos preparados para a encrenca.
É fundamental que o povo cristão, especialmente católico, do mundo inteiro aliem-se ao Papa e assumam seu papel de apoiadores das mudanças tão sonhadas quando difíceis.
Prof. Péricles
terça-feira, 10 de dezembro de 2013
A HISTÓRIA DO NATAL
Tudo começou com um antigo festival mesopotânico que simbolizava a passagem de um ano para outro, o Zagmuk.
Para os mesopotâmios, o Ano Novo representava uma grande crise. Devido à chegada do inverno (a Mesopotâmia, atual Iraque, localiza-se no Hemisfério Norte, portanto, as estações são opostas às nossas), eles acreditavam que os monstros do caos enfureciam-se e Marduk, deus da fertilidade do solo e principal deus de alguns desses povos, precisava derrotá-los para preservar a continuidade da vida na Terra.
O festival de Ano Novo,durava 12 dias.
Para ajudar Marduk em sua batalha. A tradição dizia que o rei devia morrer no fim do ano para, ao lado de Marduk, ajudá-lo em sua luta. Para poupar o rei (iria morrer um rei a cada ano) um criminoso era vestido com as suas roupas e tratado com todos os privilégios do monarca. Recebia presentes e mais presentes do povo agradecido. No final do festival era morto levando todos os pecados do povo consigo. Assim,a ordem era restabelecida.
Um ritual semelhante era realizado pelos persas. Chamado de Sacae, a versão também contava com escravos que tomavam o lugar dos seus mestres, e também ganhavam, temporariamente, presentes e privilégios.
A Mesopotâmia, chamada de mãe da civilização, inspirou a cultura de muitos povos, como os gregos, que englobaram as raízes do festival, celebrando a lutade Zeus contra Cronos.
Mais tarde, através da Grécia, o costume alcançou os romanos, sendo absorvido pelo festival de nome Saturnalia (em homenagem a Saturno). A festa começavano dia 17 de dezembro e ia até o 1º de Janeiro, comemorava-se o Solstício do inverno. De acordo com seus cálculos, o dia 25 era a data em que o Sol seencontrava mais fraco, porém pronto para recomeçar a crescer e trazer vida às coisas da Terra. Durante a data, que acabou conhecida como o Dia do Nascimentodo Sol Invicto, as escolas eram fechadas e ninguém trabalhava, eram realizadas festas nas ruas, grandes jantares eram oferecidos aos amigos e árvores verdesornamentadas com galhos de loureiros e iluminadas por muitas velas - enfeitavam as salas para espantar os maus espíritos da escuridão. Os mesmos objetoseram usados para presentear uns aos outros.
Apenas após a cristianização do Império Romano, o 25 de dezembro passou a ser a celebração do nascimento de Cristo (por referência, jamais por motivo histórico).
A maior parte dos historiadores afirma que o primeiro Natal como conhecemos hoje foi celebrado no ano 336 d.C.. A troca de presentes passou a simbolizaras ofertas feitas pelos três reis magos ao menino Jesus, assim como outros rituais também foram adaptados.
domingo, 8 de dezembro de 2013
O APARTHEID
Quando foram expulsos do Brasil em 1654, os holandeses invadiram algumas Ilhas das Antilhas. Antes, porém, de trazer os colonizadores para cá, exterminaram toda a população nativa da região num holocausto muito típico dos impérios coloniais. No século XVIII a expansão do Império Neerlandês atingiu o sul da África com a fundação de colônias no Transwal. Pouco mais tarde forças britânicas também ocupam parte da região, de olho nas jazidas de ouro e diamantes recém descobertas na região.
No final do século XIX duas violentas guerras, as “Guerras dos Boers ou dos Bôeres” entre holandeses e ingleses definiram a soberania dos britânicos sobre a região, embora os holandeses mantivessem autonomia em alguns pontos.
Foram os Bôeres que criaram um regime que afastava legalmente brancos de negros.
Em 1909 Londres criou o “Ato da África do Sul” que deu origem ao país, fundado em 31 de maio de 1910 e suprimiu definitivamente o poder dos holandeses (bôeres) na região.
Em 1931 a África do Sul se tornou independente do Reino Unido e, em 1948 ocorreram as primeiras eleições livres e que decidiram as estruturas do novo país. Essas eleições foram vencidas, através dos mais violentos casuísmos pelo Partido Nacional da África do Sul, organização política racista que reivindicava o direito dos brancos de manterem sua dominação elitista, baseada nas suas origens européias e superioridade racial.
Foi assim que, a partir de 1948 a Constituição da África do Sul instituiu um sistema asqueroso de segregação racial, política e civil no país. Este regime perdurou de 1948 até 1993, quando depois de anos de sangue, o isolamento da África do Sul e um severo boicote internacional sobre as relações econômicas do país, somado a luta interna liderada pelo Congresso Nacional Africano de Nelson Mandela, as primeiras eleições multirraciais decretaram a vitória do primeiro presidente negro do país.
A legislação do Apartheid dividia a população em negros, brancos, de cor e indianos (o despertar de Gandhi para a revolta contra a desigualdade se deu num acontecimento do qual foi vítima em viagem de trabalho à África do Sul).
Foram decretadas áreas residenciais restritas a brancos e negros (guetos) que implicaram inclusive em remoções forçadas de grande parte de sua população. As áreas restritas a brancos e negros passaram a ser identificadas com cartazes de alerta e os serviços públicos de saúde e educação se diversificaram, cabendo a população negra serviços muito inferiores aos prestados aos brancos.
Os negros só podiam circular de posse de uma caderneta de identificação obrigatória e sua presença em áreas exclusivas de brancos era punida com prisão.
Importante lembrar que o regime não se instalou por inteiro em 1948, mas foi se estruturando com o tempo. Assim:
- em 1949 é proibido o casamento entre brancos e negros e tornado nulo seus efeitos em caso de desobediência e presos os infratores;
- em 1950 fica obrigatório o registro da cor nas certidões de nascimento de qualquer sul-africano (branco, negro, indiano, de cor);
-- em 1951 fica proibida a circulação de negros em determinadas áreas das cidades (hipódromo, parques, área residencial de brancos, etc.) e são criados os bantustões (guetos) só para negros. Na verdade, com os bantustões, os negros perdiam a cidadania do próprio país;
- em 1952 é proibido o uso, para negros, de determinadas instalações públicas (bebedouros, banheiros, etc.);
- em 1953 são criados sistemas diferenciados de educação para as crianças brancas e as crianças dos bantustões.
A luta contra o apartheid foi sangrenta.
Cientes da enorme diferença numérica e apoiado pelos EUA e aliados, o regime do apartheid sempre foi avesso às negociações. Sobraram conflitos e massacres.
Houve um tempo em que a África do Sul entrou num ciclo vicioso macabro: havia manifestações de rua dos negros que eram violentamente reprimidas pela polícia (extremamente bem equipada, inclusive com carros totalmente blindados do tipo “caveirão”). Militantes negros morriam. Nos funerais novas manifestações, novos conflitos e mais mortos. Nos funerais...
Restou o caminho da luta armada onde se destacaram pessoas como Steve Bantu Biko, líder estudantil que criou em 1968 a Organização dos Estudantes Sul-Africanos. Depois de muitas lutas Biko foi preso em 6 de setembro de 1977 e morto acorretado às grades de uma janela da penitenciária, com traumatismo craniano após um dia inteiro sob as mais terríveis torturas.
O próprio Mandela iniciou sua carreira ativista criando a “Umkhonto We Sizwe” (Lança de Uma Nação), sendo seu primeiro comandante em chefe.
O fim do Apartheid ocorreu, porém, por uma soma de fatores internos e externos.
Além da resistência negra dentro do país, externamente a África do Sul foi ficando cada vez mais isolada graças às pressões dos povos do ocidente sobre seus governantes a não mais apoiarem um regime assassino (a mídia brasileira oficial, que hoje decanta Mandela, não apoiava as manifestações populares e rotulava Mandela de terrorista). Além disso, para manter sua hegemonia, o governo branco de Peter Botha envolveu-se nas guerras pós-independência de Moçambique, e principalmente, Angola. Tropas aliadas de Cuba desembarcaram na África em apoio ao governo de esquerda da UNITA e derrotaram fragorosamente os sul-africanos, enfraquecendo seu governo.
Minado por dentro, derrotado e isolado por fora, o novo governante, Frederik De Klerk, foi obrigado a negociar e a enfrentar a força insuperável de Mandela.
Eleito presidente, Mandela governou de 1994 a 1998. Promoveu a união e a pacificação. O “banho de sangue” da revanche, não aconteceu.
A morte de Nelson Mandela, líder maior da luta pela igualdade racial, encerra, assim um capítulo de dor, sangue, lutas e vitórias desse povo.
Se a despedida era inevitável, pelo menos, ao contrário de Biko e de outros mártires, Mandela pode fechar os olhos vendo seu povo finalmente unido e seu país reconstruído.
Prof. Péricles
sexta-feira, 6 de dezembro de 2013
MANDELA E O COBERTOR
Contava Mandela que fazia muito frio na prisão em que se encontrava. Houve um tempo em sua vida que sua maior ambição, seu maior desejo, era um simples cobertor. Logo ele percebeu que não adiantaria escrever um tratado acadêmico ao Diretor da Prisão solicitando o cobiçado cobertor, pois isso iria gerar burocracia, despertaria expectativas políticas e ele continuaria passando frio por muito tempo.
Percebeu, então, que a única forma de atingir seu objetivo era o responsável pela seção da cela onde estava. Um simples, mas, naquele sentido, poderoso funcionário.
Para que suas noites fossem menos penosas ele precisaria dialogar com o carcereiro. Não com o Diretor.
O diálogo o levou a entender melhor aquele homem. Soube que era muito mal
pago, assim como seus demais colegas, praticamente não tinha nenhum estudo formal e tinha medo, muito medo que os negros tomassem seu emprego, expulsassem sua família, o deixassem sem nada, talvez até, sem vida.
Nelson Mandela, que era advogado, tornou-se uma espécie de conselheiro daqueles homens manteve o interesse em suas reivindicações e ajudou-os inclusive em questões trabalhistas.
Ele sempre contava essa história, que chamava de “estratégia do cobertor” para dizer o quanto aprendera na prisão.
Ouvir as pessoas humildes. Entender como o medo separa as pessoas que nem sequer se conhecem. Reconhecer o poder muito maior dos pequenos, do que, nos governantes.
Ao ganhar a confiança daqueles homens, dizia, entendeu melhor o quanto somos iguais em nossas carências.
Já na presidência do país, Mandela repetiria que a opressão trás o medo e o medo a separação. Era necessário, dizia ele, um cobertor novo para o país.
No primeiro dia de mandato percebeu, ao entrar na sede do governo, que os funcionários (todos brancos) o esperavam perfilados, certos de que seriam demitidos e trocados por servidores negros. Ergueu a voz para que todos pudessem ouvi-lo dizer que, caso desejassem ir embora, não seriam detidos, mas se quisessem ficar e ajudar a reconstruir uma nação, doando ao país sua experiência, seriam muito bem aceitos. Segundo testemunhas, houve uma profunda emoção entre todos e Mandela pôde contar com toda a fidelidade daquele grupo.
Nos cinco anos em que esteve na presidência (1994-1999) ele mudou as condições de vida de muita gente. Pessoas que nunca haviam tido eletricidade em suas residências. Novas casas foram construídas para quem vivia em bairros de lata, muitos passaram a ter água potável. Mas, sem dúvida, seu maior feito foi ter impedido o grande massacre que ameaçava se abater sobre o povo sul-africano.
Ah... sobre o cobertor, Mandela nunca mais passou frio à noite.
Prof. Péricles
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