quarta-feira, 24 de julho de 2013
DEMOCRACIA, A HISTÓRIA DE UMA MENTIRA 01
Teoricamente “democracia” seria o “governo do povo”, a administração dos interesses públicos tendo como base a vontade da maioria.
A democracia tomou forma a partir de 590 a.C com as reformas de Sólon, passando por aperfeiçoamentos com Clístenes e Psístrato, atingindo seu apogeu no século V a.C. no governo de Péricles, tudo isso em Atenas, cidade-estado grega.
Nesse século, também chamado de “O Século de Ouro da Democracia”, Péricles depois de derrotar os invasores persas numa coligação de forças gregas, propôs a criação da Liga de Delos que seria a união de recursos das polis gregas para enfrentar uma provável nova invasão dos Medos (como eles chamavam os persas).
Nem todas confiaram em deixar a chave do cofre a ele (Esparta criou sua própria Liga, a Liga do Peloponeso), mas uma boa parte de cidades-gregas não apenas concordou como também confiou a Péricles a administração de todas as suas economias para o caso de uma nova agressão.
A tal nova invasão dos Medos jamais aconteceria e Péricles, espertamente passou a desviar os recursos comuns em favor da sua Atenas. A cidade teve o porto duplicado e tornou-se um centro comercial agitadíssimo. Produtos de todas as partes, do Egito a Gália, da Fenícia e Mesopotâmia, passaram a circular por ali, aquecendo a economia do mediterrâneo. Péricles ainda utilizou esses recursos para construir o Partenon e fortificar a cidade.
Atenas se tornou centro financeiro e referência econômica em seu tempo. Até a sua moeda, o Dracma, tornou-se moeda única para todas as polis da Liga de Delos.
Por tudo isso, uma nova classe de ricos, uma nova Aristocracia, surgiu em Atenas e Péricles sabia que essa nova gente poderosa necessitaria ocupar espaço político, principalmente em relação à antiga e decadente aristocracia rural ateniense.
É nesse sentido que verdadeiramente encontramos os esforços de Péricles. No sentido de abrir espaço político para uma nova minoria. Nunca de levar a maioria, os pobres, a qualquer parcela do poder.
A instituição máxima da democracia de Atenas era a Eclésia, uma Assembléia onde todo cidadão podia ouvir os debates e votar nas decisões de sua preferência.
Importa lembrar que cidadão eram apenas homens (mulheres fora) maiores de 18 anos e filhos de pai e mãe ateniense (estrangeiro e descendentes excluídos). Importante lembrar ainda que, apesar de todo o discurso, Atenas mantinha escravos, que, claro, também eram excluídos do processo. Assim, só para se ter uma idéia, no ano de 431 a.C Atenas possuía uma população total de 430 mil habitantes sendo que, destes, apenas 60 mil eram reconhecidos como cidadãos.
Embora as votações na Eclésia (levantando o braço) representem uma forma de democracia direta, a exclusão da maioria a torna frágil. Mais frágil ainda se lembrarmos que outra instituição, a Bulé ou Boule, organizava a agenda do que era ou não discutido na Eclésia, e era firmemente dominada por Péricles.
Dessa forma, com uma cidadania restrita, uma agenda controlada por sua vontade, e discursos brilhantes que contagiavam os votantes, Péricles permitiu a ascensão dos novos ricos e a continuidade da exclusão da maioria, de forma pacífica e ainda dando a ilusão de ser a vontade de todos. Essa ilusão é a Democracia.
Péricles teve seu nome dignificado para a posteridade.
A democracia passaria a ser perseguida nos séculos seguintes e ainda hoje tem quem acredita. Porém, jamais deixou de ser uma forma de manter o poder dos ricos e alimentar a ilusão dos pobres.
Nunca foi muito mais do que uma mentira.
Prof. Péricles
domingo, 21 de julho de 2013
HIPÓCRATES E HIPÓCRITAS
Por Rodolpho Motta Lima
Creio que já era hora de atualizar os termos do juramento de Hipócrates, proferido pelos médicos nas solenidades de formatura. Tendo cumprido a sua missão em tempos idos, esse juramento, que pedia o testemunho dos deuses gregos, pode e deve enfeixar outras “cláusulas”, que não aquelas que compõem os seus termos tradicionais.
A presidenta Dilma comprou uma briga séria e relevante com a classe médica do país, ao editar a medida provisória que, se aprovada, fará com que, a partir de 2015, os estudantes que ingressem nos curso de Medicina tenham que trabalhar, depois dos 6 anos regulamentares do curso, mais dois anos no Sistema Único de Saúde (SUS).
No mesmo conjunto de medidas voltadas para a área da saúde, a presidenta também pretende a contratação de médicos estrangeiros para cidades desprovidas de serviços adequados, depois de respeitada, nesse caso, a prioridade para os profissionais brasileiros.
Quanto mais nos aproximarmos da época das eleições, mais a política e os políticos, com sua feição maniqueísta, tenderão a analisar, segundo o viés eleitoral, qualquer proposta que venha do Governo. Isso vale para a oposição e também para os apoiadores. Qualquer medida sugerida por Dilma – candidata natural à reeleição - terá que enfrentar, portanto, os reacionários de plantão, os falsos defensores do povo, as raposas e urubus de sempre.
No caso dos médicos – que, no geral, compõem um segmento socialmente privilegiado - é conhecida a sua tendência ao corporativismo. Essa postura não é exclusiva da categoria e é claro que há figuras admiráveis na Medicina, profissionais de competência inquestionável, ética indiscutível e forte comprometimento social. Mas, no caso presente, não me parecem aceitáveis muitas posturas dos órgãos representativos da classe, de feição reacionária e egocêntrica, que, ás vezes, parecem esquecer que, mais que os seus interesses particulares, estão em jogo aspectos vinculados à saúde e à própria vida de vastos segmentos de cidadãos desassistidos pelo Brasil afora.
O modelo defendido pelo Governo para os futuros formandos de Medicina tem precedentes, por exemplo, na Inglaterra e na Suécia. E se é válido naqueles países, de desníveis sociais bem menos significativos, muito mais será no nosso, cuja população de baixa renda reclama por uma atenção minimamente digna. Os dois anos de trabalho junto ao SUS constituirão um oportuno reforço ao atendimento de que se necessita e, mais do que isso, permitirão aos novos médicos um contato direto com os problemas do segmento mais sofrido do povo. Um povo que, aliás, com seu trabalho, também ajuda o Governo a patrocinar os nossos custosos cursos de medicina, de que grande número de estudantes desfruta gratuitamente, embora muitos pudessem até dispensar tal gratuidade... Penso que essa será uma forma de retribuírem ao país e aos seus cidadãos os esforços feitos para que possam se tornar médicos.
Por outro lado, é também dever do Governo tentar equilibrar essa espantosa situação em que, só no município do Rio de Janeiro, o número de médicos com consultórios em uma dezena de ruas da zona Sul é superior ao número de localidades que, em nossa terra, não possuem um único médico. O Brasil possui 700 cidades que não têm um médico sequer residindo no município. Como não pode, infelizmente, obrigar os profissionais a se deslocarem de suas zonas de conforto, Dilma acena com um salário razoável e dá prioridade aos brasileiros para ocupar essas lacunas. E, sabiamente, oferece a profissionais estrangeiros os lugares não preenchidos.
Argumentam as entidades médicas com a ausência de estrutura nesses locais que permitam ao médico fazer um bom trabalho. E, com relação aos estrangeiros, questionam a sua capacidade e querem submetê-los ao “Revalida”, um teste no qual, segundo dizem alguns, muitos médicos brasileiros não passariam...
Tudo isso vale ser discutido, mas sem hipocrisia. Se uma comunidade não tem sequer um médico, é melhor que tenha pelo menos um... E que, com ele, venham também os suportes, que, aliás, o Governo admite suprir com o programa proposto. O que não se pode é conviver com a precariedade atual, questionada nas ruas do país. Outra alegação hipócrita tem a ver com a capacidade dos médicos estrangeiros, particularmente os cubanos, na alça de mira da turma da direita.
Enquanto no Brasil a relação entre médicos e 1000 habitantes é de 1,83, em Cuba ela chega a 6,72. Com todas as dificuldades estruturais, a medicina cubana dá conta do recado na ilha e é, realmente, referência planetária em algumas especialidades. Entre as razões que justificam o sucesso cubano nesse aspecto está, seguramente, a filosofia que privilegia a medicina preventiva, que faz com que as famílias sejam permanentemente visitadas e assistidas por profissionais integrados àquela comunidade. Um jeito humanizado de reduzir custos com a saúde.
Dilma e seu governo têm falhas, é certo. Mas, quando se trata do combate às desigualdades, penso que sua determinação é admirável. No caso das sugestões para a saúde, é de se lamentar que alguns hipócritas não queiram aceitar a releitura de Hipócrates, imposição dos tempos presentes.
Rodolpho Motta Lima*/Pátria Latina/Brasil
*Advogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil
domingo, 14 de julho de 2013
SOMOS TODOS VIGIADOS
Por Ignacio Ramonet | Tradução Cauê Ameni
Nós já temíamos. Tanto a literatura de (1984, de George Orwell), como o cinema (Minority Report, de Steven Spielberg) haviam avisado: com o progresso da tecnologia da comunicação, todos acabaríamos sendo vigiados. Presumimos que essa violação de nossa privacidade seria exercida por um Estado neototalitário. Aí nos equivocamos. Porque as revelações inéditas do ex-agente Edward Snowden sobre a vigilância orwelliana acusam diretamente os Estados Unidos, país considerado como “pátria da liberdade”.
Aparentemente, desde a promulgação, em 2001, da lei Patriot Act (2), isso ficou no passado. O próprio presidente Barack Obama acaba de admitir: “Não se pode ter 100% de segurança e 100% de privacidade”. Bem-vindos, portanto a era do “Grande Irmão”…
O que revelou Snowden? Este antigo assistente técnico da CIA, de 29 anos, que trabalhava para uma empresa privada – a Booz Allen Hamilton – subcontratada pela Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA, sua sigla em inglês), vazou para os jornais The Guardian e Washington Post, a existência de programas secretos que tornam o governo dos Estados Unidos capaz de vigiar a comunicação de milhões de cidadãos.
Um primeiro programa entrou em operação em 2006. Consiste em espiar todas as chamadas telefônicas feitas pela companhia Verizon, dentro dos Estados Unidos, e as que se fazem de lá ao exterior. Outro programa, chamado PRISM, foi posto em marcha em 2008. Coleta todos os dados enviados, pela internet (e-mails, fotos, vídeos, chats, redes sociais, cartões de crédito), por (a princípio…), estrangeiros que moram fora do território norte-americano. Ambos os programas foram aprovados em segredo pelo Congresso norte-americano, que teria sido, segundo Barack Obama, “constantemente informado” sobre seu desenvolvimento.
Sobre a dimensão da incrível violação dos nossos direitos civis e nossas comunicações, a imprensa deu detalhes escabrosos. Em 5 de junho, por exemplo, o Guardian publicou a ordem emitida pelo Tribunal de Supervisão de Inteligência Externa, que exigia à companhia telefônica Verizon entregar à NSA os registros de milhões de chamada de seus clientes. O mandato não autoriza, aparentemente, saber o conteúdo das comunicações, nem os titulares dos números de telefone, mas permite o controle da duração e destino dessas chamadas. No dia seguinte, o Guardian e o Washington Post revelaram a realidade do programa secreto de vigilância PRISM, que autoriza a NSA e o FBI a acessar os servidores das nove principais empresas da internet (com a notável exceção do Twitter): Microsoft, Yahoo, Google, Facebook, PalTalk, AOL, Skype, YouTube e Apple.
Por meio dessa violação, o governo estadunidense pode acessar arquivos, áudios, vídeos, e-mails e fotografias de usuários dessas plataformas. O PRISM converteu-se, desse modo, na ferramenta mais útil da NSA para fornecer relatórios diários ao presidente Obama. Em 7 de junho, os mesmo jornais publicaram uma diretiva da Casa Branca que ordenava, a suas agencias (NSA, CIA, FBI), estabelecer uma lista de possíveis países suscetíveis de serem “ciberatacados” por Washington. E em 8 de junho, o Guardian revelou a existência de outro programa, que permite à NSA classificar os dados recolhidos na rede. Esta prática, orientada a ciber-espionagem no exterior, permitiu compilar – só em março – cerca de 3 bilhões de dados de computador nos Estados Unidos…
Nas últimas semanas, ambos os jornais conseguiram revelar, sempre graças a vazamentos de Edward Snowden, novos programas de ciberespionagem e vigilância da comunicação em países no resto do mundo. Edward Snowden explica “A NSA construiu uma infra-estrutura que lhe permite interceptar praticamente qualquer tipo de comunicação. Com esta técnica, a maioria das comunicações humanas são armazenadas para servir em algum momento a um objetivo determinado”.
A Agência de Segurança Nacional (NSA), cujo quartel-general fica em Fort Meade (Maryland), é a mais importante e mais desconhecida agência de inteligência norte-americana. É tão secreta que a maioria dos norte-americanos ignora sua existência. Controla a maior parte do orçamento destinado aos serviços de inteligência, e produz mais de cinqüenta toneladas de material por dia… É ela – e não a CIA – a proprietária e operadora da maior parte do sistema de coleta de dados da inteligência secreta dos EUA. Desde uma rede mundial de satélites até as dezenas de postos de escuta, milhares de computadores e as florestas de antenas localizadas nas colinas de West Virginia. Uma de suas especialidades é espiar os espiões — ou seja, os serviços secretos de inteligência de todas as potências, amigas e inimigas. Durante a guerra das Malvinas (1982), por exemplo, a NSA decifrou o código secreto dos serviços de inteligência argentinos, o que lhe possibilitou transmitir, aos britânicos, informações cruciais sobre as forças argentinas.
O vasto sistema de interceptação da NSA pode captar discretamente qualquer e-mail, qualquer consulta de internet ou telefonema internacional. O conjunto total da comunicação interceptada e decifrada pela NSA constitui a principal fonte de informação clandestina do governo estadunidense.
A NSA colabora estreitamente com o misterioso sistema Echelon. Criado em segredo, depois da Segunda Guerra Mundial, por cinco potências anglo-saxônicas — Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia (os “cinco olhos”). o Echelon é um sistema orwelliano de vigilância global, que se estende por todo o mundo, monitora os satélites usados para transmitir a maioria dos telefonemas, comunicação na internet, e-mails, redes sociais etc. O Echelon é capaz de capturar até dois milhões de conversas por minuto. Sua missão clandestina é a espionagem de governos, partidos políticos, organizações e empresas. Seis bases espalhadas pelo mundo recolhem informações e interceptam de forma indiscriminada enormes quantidades de comunicação. Em seguida, os supercomputadores da NSA classificam este material, por meio da introdução de palavras-chaves em vários idiomas.
Em torno do Echelon, os serviços de inteligência dos EUA e do Reino Unido estabeleceram uma larga colaboração secreta. E agora sabemos, graças às novas revelações de Edward Snowden, que a espionagem britânica também grampeia clandestinamente cabos de fibra ótica, o que lhe permitiu espionar as comunicações das delegações presentes na reunião de cúpula do G-20, em Londres, em abril de 2009. Sem distinguir entre amigos e inimigos.
O serviços de inteligência constatam que a internet já tem mais de 2 bilhões de usuários no mundo e que quase 1 bilhão utiliza o Facebook de forma habitual. Por isso, fixaram como objetivo, transgredindo leis e princípios éticos, controlar tudo que circula na internet. E estão conseguindo: “Estamos começando a dominar a internet”, confessou um espião inglês, “e nossa capacidade atual é bastante impressionante”.
Washington e Londres colocaram em marcha o plano orwelliano do “Grande Irmão”, com capacidade de saber tudo que fazemos e dizemos em nossas comunicações. E quando o presidente Obama menciona a suposta “legitimidade” de tais práticas de violação de privacidade, está defendendo o injustificável.
“Eu não quero viver numa sociedade que permite este tipo de ação”, protestou Edward Snowden, quando decidiu fazer suas impactantes revelações. Divulgou os fatos, e não por acaso, exatamente quando começou o julgamento do soldado Bradley Manning, acusado de vazar segredos Wikileaks, organização internacional que divulga informações secretas de fontes anônimas. Enquanto isso, o ciber-ativista Julian Assange está refugiado há um ano na Embaixada do Equador em Londres… Snowden, Manning e Assange, são defensores da liberdade de expressão, lutam em favor da democracia e dos interesses de todos os cidadãos do planeta. Hoje são assediados e perseguidos pelo “Grande Irmão” norte-americano.
Por que os três heróis de nosso tempo assumiram correr semelhante riscos, que podem custar sua própria vida? Edward Snowden, obrigado a pedir asilo político no Equador e em vinte países, responde “Quando se dá conta de que o mundo que ajudou a criar será pior para as próximas gerações, e que os poderes desta arquitetura de opressão se estendem, você entende que é preciso aceitar qualquer risco. Sem se preocupar com as conseqüências”.
quarta-feira, 10 de julho de 2013
O CAPITAL NÃO TEM PÁTRIA
Em 1578, o rei português D. Sebastião, seguindo fanáticos instintos religiosos, atacou os infiéis muçulmanos no norte da África. A empreitada era muito além das possibilidades das forças lusitanas e, numa só batalha, a batalha de Alcacer-Quibir, os portugueses perderam a guerra e seu rei, morto em combate.
Muito jovem, D.Sebastião não tinha herdeiros diretos e foi substituído no trono por um tio-avô, D. Henrique, que já velhinho, morreu dois anos depois, em 1580, também sem deixar herdeiros.
Dessa forma, a orgulhosa nação portuguesa, estado nacional precoce cujas origens se encontravam no século XII, quando quase toda a Europa ainda engatinhava sob a forma de feudos, tinha agora um trono vazio.
O temor se consolidou na figura do imponente rei espanhol Filipe II. Primo de Sebastião exigiu o reconhecimento do direito de assentar sua nobre bunda no trono de Lisboa.
Portugal e Espanha são os dois países da Península Ibéria. Um faz fronteira ao outro. Desafiavam-se mutuamente a mais de três séculos, especialmente na corrida marítima que havia se tornado as grandes navegações e apenas um tratado, o Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494 havia impedido uma guerra entre ambos. Sendo a Espanha bem maior, e sendo o rei de ambos um espanhol, a tendência era de que Portugal, simplesmente fosse “engolido” pela odiada inimiga, desaparecendo como nação.
Houve choro e ranger de dentes entre o povo português. Apreensão e angústia. As igrejas lotaram de pessoas simples, do povo, rezando para que Deus não permitisse tal destino.
Felipe II, entretanto, era um homem muito prático. Não pediu permissão à galera miúda que rezava nas Igrejas. Não abriu qualquer diálogo com os camponeses ou trabalhadores menores e patriotas de Portugal. Não. Ele bateu na porta de quem realmente manda num Estado, a classe dominante lusitana. No caso, a nascente burguesia comercial e financeira do país.
A estes Felipe II foi direto e objetivo: se concordassem com suas pretensões à sua ascensão ao Trono, receberiam dele, El-Rei, o “derecho de assiento” que na prática e em resumo era abrir a exploração do ouro que a Espanha estava explorando na América. Tal exploração poderia ser muito lucrativa, e até então, os portugueses só podiam observar, com inveja, as investidas espanholas.
E assim, não adiantaram as lágrimas dos pequenos, nem as preces e promessas aos santos, pois Filipe II mesmo com o lema “Um Rei, Duas Coroas” na prática unificou toda a Península Ibérica e engoliu Portugal.
Nem toda a força do patriotismo seria maior que o entreguismo dos endinheirados, porque, na verdade só pobre é patriota. Só os pobres cultivam os valores de amor a terra, aos seus símbolos e a essa coisa abstrata que é a nacionalidade.
Quais são as origens sociais dos soldados, dos guerreiros que morrem em todas as batalhas de todas as guerras? Não, não são os filhos da riqueza, muito menos os expoentes do poder. Que o diga George Bush que não foi à Guerra do Vietnã porque “papai” senador não deixou.
O sangue que penetra na terra dos campos de batalha é sangue de pobre, dos pequenos, dos comuns.
Durante 60 anos Portugal foi governado por reis espanhóis (três Felipes). Por 60 anos Portugal foi riscado do mapa. A maior parte da geração que chorou a coroação de Felipe II não viu raiar a restauração portuguesa em 1640.
Talvez, exemplos históricos assim nos expliquem por que, enquanto nos sentíamos feridos em nosso patriotismo por privatizações feitas na calada da noite, que dilapidavam o patrimônio público brasileiro, muitos comemoravam brindando em taças de cristais.
Importa além de tudo estar atento de que, esses mesmos que comemoravam fortunas vendendo pedaços do Brasil são capazes de qualquer sacrifício para retornar ao poder, até mesmo cultivando o ódio, o caos e a desagregação, se o lucro, do pré-sal, por exemplo, valer a pena.
Conceitos como patriotismo, amor à pátria, unidade nacional, soberania, tudo isso serve para contextualizar uma situação de ilusória igualdade, mas, estão abaixo, bem abaixo na hierarquia que leva ao lucro.
Isso porque, em verdade, o capital não tem pátria, o capital tem mercado.
Prof. Péricles
domingo, 7 de julho de 2013
ERA UMA VEZ...
Era uma vez uma floresta imensa, de variados recursos naturais, com grande diversidade de clima, de vida e de água.
A terra, mãe de todos, era macia como um colo protetor, e o vento, quando batia em suas árvores executava uma verdadeira sinfonia de paz.
Entretanto, um pequeno grupo de tigres oportunistas demarcou como seu todo o imenso território. Apropriaram-se das terras e das riquezas.
Eram minoria, mas predadores, que através da força, impuseram seus próprios valores. O preconceito se tornou Lei e a exclusão, uma rotina.
Sua força estava além da floresta. Estava, principalmente numa parceria com os leões que habitavam uma floresta vizinha.
Esses leões já tinham todas as frutas de seus bosques, mas viviam de olho nas florestas alheias, atentos a toda a riqueza que pudessem acumular.
Os tigres sabiam que a floresta poderia crescer ainda mais e ficar mais bela e vistosa, mas como isso implicaria em trabalhar mais e ganhar menos, preferiam dividir com os leões as jovens sementes, impedindo o crescimento maior de suas matas.
Para eles, a riqueza que os leões lhe permitiam acumular era suficiente mesmo que faltasse o mínimo para a maioria dos bichos da floresta.
Astutos, os felinos governavam estabelecendo que outros animais representassem uma igualdade que não existia. Assim, quem assumia o papel de governante, eram seus aliados menores, os macacos da área média, que faziam macaquices o tempo todo, reprimiam animais que consideravam inferiores e, pretensiosos, se achavam iguais aos tigres.
Dessa maneira, os tigres é que mandavam (e eram servis aos leões), mas os macacos representavam o poder, contentes com os restos da tigrada, enquanto os demais animais produziam tudo aquilo que era a riqueza de seu bosque florido, mas que, verdadeiramente, não era seu.
Por muitas eras as coisas funcionaram assim. Todos se achavam iguais, com direitos à mesma floresta, mas, na verdade, os recursos mais valiosos, os frutos mais doces, eram apenas dos tigres... e dos leões.
Um belo dia, depois de uma longa tempestade que durou 20 anos, matou e fez desaparecer muitas espécies, os animais da floresta perceberam que a distribuição dos recursos não era justa.
Que injustiça – dizia a coruja – uma floresta tão rica, tão cheia de vida e de cores, desfrutada apenas pelos tigres, alguns macacos e seus amigos leões...
Organizaram-se e obtiveram, inicialmente, pequenas vitórias, que apesar de pequenas, mostraram que era possível tomar para si o seu próprio destino.
Não foi fácil. Os papagaios, responsáveis por divulgar as notícias pela floresta, eram protegidos e aliados dos tigres, e por isso, disseminavam verdades parciais, silenciavam sobre outras verdades e até mesmo criavam mentiras, atrapalhando profundamente o entendimento das notícias e a organização dos que das notícias precisavam.
Por algum tempo, os tigres conseguiram manter o poder colocando uma fraude, um escaravelho da terra dos marajás no governo do bosque, vendendo a madeira mais nobre, que era de todos, para grupos de castores privados.
Quando o escaravelho, que era roxo, se achou poderoso demais, foi substituído por uma arara multicolorida e vaidosa que continuou vendendo a madeira de todos para grupos de castores privados, alguns, lá da terra dos leões.
Importantíssima foi a atuação dos papagaios que faziam as notícias e as cabeças dos animais mais ingênuos, como as mulas, por exemplo.
Mas, não há mentira que impeça o sol de nascer todos os dias e num desses dias a fauna voltou a perceber sua importância.
Foi quando um dos seus, o elefante, passou a cuidar da floresta.
A bicharada percebeu o quanto era forte e capaz. Pela primeira vez um dos seus tomava conta daquelas matas.
É claro que os tigres se assustaram. “E agora” eles pensaram “perderemos nossos privilégios e teremos que ver crescer a importância dos seres menores”? Foi grande o seu pavor e o pavor dos leões, que por sua vez, enfrentavam muitas dificuldades em seus próprios bosques, mas essa é outra história.
Nosso conto ainda está sendo contado. Falta muito para o “e foram felizes por muitos e muitos anos”.
Esse conto não é feito de fadas ou de duendes, por isso não existe mágicas e encantos.
Para ter um final feliz é preciso trabalho. E muita educação de todos os animais para a vida.
Mas, cada vez mais nossos amigos estão aprendendo que todos podem contribuir por uma floresta melhor e mais justa, de animais mais livres e felizes, extirpando as garras dos predadores e pondo fim ao “complexo de presa”.
Não precisam ser tigres, nem leões. Basta o respeito à própria natureza para que o sol da igualdade ilumine todos os seres, desde os mais orgulhosos do céu, até os que se escondem na terra.
Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência.
Prof. Péricles
sexta-feira, 5 de julho de 2013
QUE ELEFANTE?
Por Luis Fernando Veríssimo
A única maneira de conviver com um elefante na sala é fingir que ele não está ali. Ignorá-lo. Se algum visitante desavisado perguntar o que um elefante está fazendo na sua sala, a resposta padrão deve ser "Que elefante?".
No Brasil nos acostumamos a conviver com elefantes na sala. Exemplo: só quase 30 anos depois do fim do período de exceção inaugurado em 1964 uma comissão começa a procurar a verdade sobre o que realmente aconteceu durante o período. Por quase 30 anos este elefante específico não mereceu atenção e viveu entre nós como um parente apenas vagamente incômodo. A tal comissão não vai punir, antes tarde do que nunca, os desmandos da época.
Os criminosos de então estão anistiados, mesmo identificados não sofrerão castigo ou sequer reprimendas da sua própria corporação. Mas pelo menos o elefante está sendo reconhecido. E citado.
Outros elefantes continuam ignorados, e continuam na sala. Hoje não há nenhuma dúvida de que o cigarro mata e o fumo é a principal causa do câncer no Brasil e no mundo. No caso do Brasil só o volume de impostos que a indústria do fumo paga ao governo explica que não haja um combate mais aberto e decisivo ao vício assassino.
Em alguns casos a indústria tem até vantagens fiscais. Já o volume de impostos não pagos pelas religiões organizadas explica a proliferação de Igrejas e seitas no País e a presença de pastores evangélicos brasileiros nas listas dos mais ricos do mundo. Mas a isenção dada ao negócio da religião é um dos assuntos intocáveis do País, um elefante enorme cuja presença na sala nem a imprensa nem ninguém se anima a reconhecer.
Assinar:
Postagens (Atom)