terça-feira, 9 de abril de 2013
O JULGAMENTO POPULAR DE MARGARET TATCHER
Por Paulo Nogueira
Manifestação de Morrisey, cantor do Smiths, à morte de Thatcher.
“Cada movimento que ela fez foi marcado pela negatividade.
Ela odiava os mineiros, ela odiava as artes, ela odiava os pobres, ela odiava o Greenpeace e a todas as entidades de proteção ambiental.
Ela deu a ordem para explodir o Belgrano já quando o navio argentino estava se afastando das Malvinas. E quando os meninos argentinos a bordo do Belgrano sofreram uma morte terrível e injusta, Thatcher deu o sinal de positivo para a imprensa britânica.
Ela odiava feministas ainda que tenha sido graças a elas que o povo britânico aceitou que um primeiro-ministro pudesse realmente ser do sexo feminino.
Thatcher era um horror sem um átomo da humanidade.”
Quanto a mim: sabia, evidentemente, que Thatcher era uma figura que dividia os ingleses.
Mas não imaginava, até ver as reações a sua morte aqui na Inglaterra e em outras partes do Reino Unido, quanto o ódio que ela despertou suplantava o amor e a admiração.
Horas depois do anúncio da morte, enfrentaram-se em Manchester os dois times locais, o United e o City.
Não houve minuto de silêncio. A torcida teria devastado o tributo.
Em Liverpool, os torcedores cantavam em comemoração à morte de Thatcher. Numa tragédia em que morreram muitos torcedores no estádio do Liverpool nos dias de Thatcher, a polícia acusou a torcida local – erradamente, como se veria depois.
Thatcher condenou a torcida e apoiou a versão falaciosa da polícia. Jamais foi perdoada.
Em Glasgow, uma multidão foi às ruas celebrar a morte. Os escoceses acham que foram tratados como subespécies por Thatcher.
No twitter, o congressista George Galloway lembrou que ouviu Thatcher chamar Mandela, no Parlamento, de “terrorista”. (Alguém disse que houve justiça poética em Mandela, tão combalido, ter sobrevivido a ela).
“Que ela arda no inferno”, disse Galloway, sob numerosas manifestações de apoio e poucas de protesto. Alguém pediu respeito a Galloway.
A melhor maneira de mostrar respeito hoje é esta, respondeu Galloway – e postou um link que ia dar no seu partido, chamado exatamente Respeito.
Fora da galhofa, Galloway disse algo que merece reflexão.
Ele comparou a reação à morte de Thatcher com a reação à morte de Chávez, um mês atrás.
O povo não é bobo.
Thatcher fez um governo dos ricos, pelos ricos e para os ricos.
Chávez governou para os pobres.
O reconhecimento da voz rouca das ruas — vital para o que vai ficar registrado para a posteridade nos livros – irrompe com potência sublime e comovedora na morte de pessoas públicas.
É a aprovação definitiva, ou a reprovação, ou a indiferença.
Chávez foi amplamente aprovado, como gritaram as filas de catorze horas formadas por venezuelanos desesperados por vê-lo pela última vez em Caracas – num lamento épico e histórico protagonizado não pelo Comandante, mas pelos excluídos ao longo da história por uma elite corrupta e predadora controlada pelos Estados Unidos.
Thatcher foi reprovada.
Sobre o autor: O jornalista Paulo Nogueira, baseado em Londres, é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.
sábado, 6 de abril de 2013
SEM NOÇÃO
Sempre tem aquela figura da turma que desmoraliza com brincadeiras sem graça ou ações os momentos mais sérios...
Você e seus amigos ali, concentrados, tentando fazer aquela maldita fubica funcionar pra te levar pra praia e chega alguém pra dizer que não adianta porque vai chover.
Ou quando interessadíssimo na nota da última avaliação do bimestre, você fazendo o melhor trabalho possível enquanto o teu colega folheando uma revista de mulher nua canta a “Atoladinha”.
Você sabe aquela rodinha de amigos discutindo qual seria o melhor filme de todos os tempos que você assistiu em toda sua carreira de cinéfilo, o que incluí alguns filmes alternativos e nada comerciais, e um infeliz chega de repente e diz que jamais conseguirá esquecer do “Titanic”.
Convenhamos que não tem graça nenhuma.
São os verdadeiros “sem-noção” ou “abobado feliz”.
Pois alguém resolveu sacanear dessa maneira com a Comissão de Direitos Humanos da Câmara ao indicar (na verdade nomear) como Presidente da própria Comissão um exemplo de sem-noção...
Na boa, não tem graça nenhuma.
No campo democrático pode-se discutir nomes e concordar com uns, discordar de outros. Faz parte do jogo.
Mas não se pode avacalhar nas escolhas dos nomes sob pena de avacalhar com a própria democracia.
Com certeza, certas viúvas esfregam as mãos e resmungam que na Ditadura se escolheria melhor. Afirmação com a qual eu discordo, pois na Ditadura não haveria Comissão dos Direitos Humanos para ter um presidente.
Entretanto, o fato se presta para deboche e provocação. Mas, se a intenção foi fazer pouco dos trabalhos que a comissão realiza, conseguiu.
Essa Comissão tão cara ao povo brasileiro e a seu governo (a Presidenta Dilma sempre afirmou que os direitos humanos seriam uma das prioridades de seu governo) ficou com a cara da Academia Brasileira de Letras, do guardinha do colégio ou do ET de Varginha: já foi importante, já foi respeitada, mas agora ninguém mais leva a sério.
Como levar à sério uma Comissão de Direitos Humanos cujo Presidente afirma que a África é miserável porque sofre uma maldição divina dos tempos de Noé?
Ou que demonstra homofobia até quando tenta disfarçá-la?
Sinceramente, alguém deveria proibir os “sem noção” de falar sobre carros ou discutir cinema ou presidir comissões sérias.
E algumas pessoas nesse país deveriam levar o país mais a sério, pois, brincar com a democracia, não tem graça nenhuma.
Prof. Péricles
quarta-feira, 3 de abril de 2013
TESTAMENTO DE UM POVO
Após a independência, proclamada em 04 de julho de 1776 e ratificada pelo Tratado de Versalhes em 1781, os Estados Unidos viram-se como o maior potencial em desenvolvimento das Américas.
Não tendo sido colonizados na forma de exploração tipo “plantation” ou mineração, puderam criar um mercado local único, que apesar de humilde, nos primeiros tempos, iria se ampliar e ratificar o novo país como uma potência futura.
A industrialização era viável desde que houvesse a expansão de sua produção interna e consumo.
Entretanto, havia um grave problema: pelas próprias características de ocupação do terreno, as colônias existiam na prática apenas na parte leste do atual mapa. Para ampliar sua indústria nascente e seu mercado, era necessário ocupar e fazer crescer, também o oeste do país.
Ocorreu então a chamada “marcha para o oeste”.
Na ocupação do oeste, o ouro que apareceu na Califórnia foi decisivo para atrair colonos, ávidos por riqueza. E dois povos tiveram um encontro com o destino.
Primeiro foram os mexicanos que derrotados em guerras territoriais perderam quase metade de seu território aos Yankes.
Outro foi o povo indígena, verdadeiros proprietários das terras invadidas.
O que aconteceu com essa gente na chamada “conquista do oeste” foi um verdadeiro holocausto.
O governo norte-americano financiou várias “Guerras Indígenas”, sempre culpando os índios, claro, e ao final, os sobreviventes foram colocados em reservas, sem a menor preocupação e respeito por suas culturas. Povos das montanhas, como os Navajos foram retidos em reservas na planície enquanto povos de planície como os Apaches foram presos às montanhas.
Uma verdadeira chacina cultural que regada à muito álcool prostou esse povo à uma situação de mendicância..
Uma vez, questionado, o General nazista Humller confessou que os campos de concentração de judeus na II Guerra Mundial foram inspirados nas reservas indígenas dos Estados Unidos.
Ao cidadão norte-americano sempre foi divulgada a idéia de que índio era selvagem. Povo sem Deus e sem compaixão, justificando o massacre hediondo. Apenas em 1970, com o lançamento do filme “O Pequeno Grande Homem” (Little Big Man) de Arthur Penn, magistralmente interpretado por Dustin Hoffman, a opinião pública norte-americana conheceu o outro lado da história, a versão dos índios.
Em 1855, Chefe Seattle, cacique da tribo Suquamish, escreveu uma carta ao presidente dos Estados Unidos (que ele chamava de O Grande Chefe de Washington) que muitos consideram o testamento, o último suspiro de um povo em fase de extermínio. Nessa carta temos uma grande lição sobre preservação da natureza, respeito ao meio-ambiente e crescimento sustentável.
De certa forma, é uma carta profética e embora bem conhecida do público, sempre merece uma releitura pela sua incrível atualidade.
Leia a seguir a carta de um índio e tire suas conclusões sobre quem é o “selvagem”.
"O grande chefe de Washington mandou dizer que quer comprar a nossa terra. O grande chefe assegurou-nos também da sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não necessita da nossa amizade. Nós vamos pensar na sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará a nossa terra. O grande chefe de Washington pode acreditar no que o chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na mudança das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas, elas não empalidecem.
Como pode-se comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal idéia é estranha. Nós não somos donos da pureza do ar ou do brilho da água. Como pode então comprá-los de nós? Decidimos apenas sobre as coisas do nosso tempo. Toda esta terra é sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, todas as praias de areia, cada véu de neblina nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir são sagrados nas tradições e na crença do meu povo.
Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um torrão de terra é igual ao outro. Porque ele é um estranho, que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, nem sua amiga, e depois de exaurí-la ele vai embora. Deixa para trás o túmulo de seu pai sem remorsos. Rouba a terra de seus filhos, nada respeita. Esquece os antepassados e os direitos dos filhos. Sua ganância empobrece a terra e deixa atrás de si os desertos. Suas cidades são um tormento para os olhos do homem vermelho, mas talvez seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende.
Não se pode encontrar paz nas cidades do homem branco. Nem lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o zunir das asas dos insetos. Talvez por ser um selvagem que nada entende, o barulho das cidades é terrível para os meus ouvidos. E que espécie de vida é aquela em que o homem não pode ouvir a voz do corvo noturno ou a conversa dos sapos no brejo à noite? Um índio prefere o suave sussurro do vento sobre o espelho d'água e o próprio cheiro do vento, purificado pela chuva do meio-dia e com aroma de pinho. O ar é precioso para o homem vermelho, porque todos os seres vivos respiram o mesmo ar, animais, árvores, homens. Não parece que o homem branco se importe com o ar que respira. Como um moribundo, ele é insensível ao mau cheiro.
Se eu me decidir a aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo que possa ser de outra forma. Vi milhares de bisões apodrecendo nas pradarias abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais valioso que um bisão, que nós, peles vermelhas matamos apenas para sustentar a nossa própria vida. O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem os homens morreriam de solidão espiritual, porque tudo quanto acontece aos animais pode também afetar os homens. Tudo quanto fere a terra fere também os filhos da terra.
Os nossos filhos viram os pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio e envenenam seu corpo com alimentos adocicados e bebidas ardentes. Não tem grande importância onde passaremos os nossos últimos dias. Eles não são muitos. Mais algumas horas ou até mesmo alguns invernos e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nestas terras ou que tem vagueado em pequenos bandos pelos bosques, sobrará para chorar, sobre os túmulos, um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.
De uma coisa sabemos, que o homem branco talvez venha a um dia descobrir: o nosso Deus é o mesmo Deus. Julga, talvez, que pode ser dono Dele da mesma maneira como deseja possuir a nossa terra. Mas não pode. Ele é Deus de todos. E quer bem da mesma maneira ao homem vermelho como ao branco. A terra é amada por Ele. Causar dano a terra é demonstrar desprezo pelo Criador. O homem branco também vai desaparecer, talvez mais depressa do que as outras raças. Continua sujando a sua própria cama e há de morrer, uma noite, sufocado nos seus próprios dejetos. Depois de abatido o último bisão e domados todos os cavalos selvagens, quando as matas misteriosas federem à gente, quando as colinas escarpadas se encherem de fios que falam, onde ficarão então os sertões? Terão acabado. E as águias? Terão ido embora. Restará dar adeus à andorinha da torre e à caça; o fim da vida e o começo pela luta pela sobrevivência.
Talvez compreendêssemos com que sonha o homem branco se soubéssemos quais as esperanças transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, quais visões do futuro oferecem para que possam ser formados os desejos do dia de amanhã.
Mas nós somos selvagens. Os sonhos do homem branco são ocultos para nós. E por serem ocultos temos que escolher o nosso próprio caminho. Se consentirmos na venda é para garantir as reservas que nos prometeste. Lá talvez possamos viver os nossos últimos dias como desejamos. Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará a viver nestas florestas e praias, porque nós as amamos como um recém-nascido ama o bater do coração de sua mãe. Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Protege-a como nós a protegíamos. Nunca esqueça como era a terra quando dela tomou posse. E com toda a sua força, o seu poder, e todo o seu coração, conserva-a para os seus filhos, e ama-a como Deus nos ama a todos.
Uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus. Esta terra é querida por Ele. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum."
Prof. Péricles
Agradecemos a colaboração do amigo Hilton.
domingo, 31 de março de 2013
ÍDOLOS DE PÉS DE BARRO
Houve um tempo, no Brasil e no mundo, em que todas as portas para a participação política estavam fechadas.
Um tempo em que se dizia amém antes mesmo da prece terminar e que toda a indignação, todo questionamento era proibido.
Tempo de guerras injustificáveis como a do Vietnã e de primaveras, como a de Praga.
Anos duros em que qualquer participação política era crime, a censura dava a última palavra e oposição apenas consentida, num verdadeiro faz-de-conta.
Nessa era de trevas, os inquietos e inconformados, especialmente a juventude, talvez pela natural chama ardente da idade, os intelectuais, operários, e o meio artístico, que quisessem protestar ou denunciar, tinham que ser criativos e buscar formas de fazê-lo sem perder a liberdade ou mesmo, a vida.
Então, o estilo de vida, o fazer e a forma de fazer determinadas coisas, tornaram-se por si mesmas, protestos e gritos sem sons.
Nesses tempos rebeldes, em especial a década de 60, 70 e parte da 80, os cabelos compridos, a roupa desbotada, o ritmo rebelde do rock e das motos turbinadas e o excesso de velocidade, assim como o consumo de drogas, assumiram ares de rebeldia e protesto, e, com o tempo, ocuparam um espaço na mitologia da juventude, assumindo contornos de estilo de vida.
Algumas drogas marcaram época como a maconha (a mais comum entre os brasileiros), morfina (consumida principalmente nos Estados Unidos e Europa) e o ácido lisérgico, o LSD. Este último tinha, inclusive, defensores públicos de sua liberação como agente facilitador para a compreensão de outras dimensões da existência, como o peyote seria entre os índios mexicanos.
Muitos ídolos desses tempos tiveram suas vidas ceifadas por esse modo de viver e até hoje ocupam o panteão dos heróis “imortais”: James Dean,(morto em 30/09/1955 em acidente de carro por excesso de velocidade), Marilin Monroe (morta em 05/08/1962 por ingestão de várias drogas), Jimi Hendrix (em 18/09/1970 por ingestão de comprimidos para dormir), Janis Joplin (03/10/1970 por overdose de heroína), Jim Morrison (vocalista da Banda The Doors em 03/07/71 na banheira de seu apartamento por overdose de álcool e outras drogas) e muitos outros.
Todos eles jovens, todos eles rebeldes, viraram estrelas de uma geração amordaçada, que vivia perigosamente, raspando no guard-rail da vida, mergulhada no álcool e namorando com a morte.
Mas, a vida é uma constante evolução, e o mundo não para sua rotação por nenhuma de nossas dores.
Novos tempos vieram. A democracia sobreviveu à tirania no Brasil, na Argentina, no Chile e em outros países. As guerras injustificáveis como as do Vietnã tornaram-se caras demais e acabaram, o socialismo real e a União Sovética entraram em declínio e acabaram, e, apesar dos grilhões, novas formas de luta acompanhadas de novas tecnologias surgiram.
O caráter e a função das drogas também se alteraram.
Hoje o uso abusivo de drogas lícitas e ilícitas não indica qualquer tipo de mensagem política e é fonte de verdadeira epidemia.
Ao contrário de representar qualquer embate pela liberdade o uso de drogas está associado à escravidão, pois a liberdade é impossível quando se é dependente.
A droga perdeu seu charme. Perdeu seu mito. A droga perdeu a graça.
Entretanto nem todas as cabeças assumiram essa nova mentalidade.
Ainda existem ídolos que acham cult viver no limite do suicídio, ser considerado louco e morrer na banheira, afogado no próprio vômito.
Se é verdade que as novas gerações precisam urgentemente de ídolos, não é menos verdade que precisam de ídolos sadios. Que tragam com seu carisma a força da vida e da juventude a serviço dos ideais maiores.
Chega de cultivar o doentio.
Temos que ter clareza que morrer chapado é coisa de otário. Ser encontrando num apartamento sangrando por dar chute em parede é burrice.
Negar seu talento à seus fãns por um crise de dor de cotovelo, não é bonito, é mesquinho.
Chega de perder gente talentosa, porém, manhosa.
Basta de cultivar ídolos de pés de barro.
Prof. Péricles
quarta-feira, 27 de março de 2013
O ÓDIO AO ENEM
por Paulo Moreira Leite
É claro que, como qualquer cidadão de bom senso, tenho muitas preocupações sobre a qualidade do ensino de nossas escolas e o desempenho dos jovens em todas as fases de aprendizado.
Mas confesso que não entendo o escândalo em torno das redações do ENEM. Ou melhor: entendo perfeitamente.
Não passa de uma combinação de nossa velha hipocrisia em relação à garotada, combinada com um esforço permanente para desmoralizar toda iniciativa destinada a fortalecer a educação pública.
Vamos combinar que o português é uma língua complexa, de regras muito particulares e assimilação difícil. As exceções são freqüentes, os casos especiais também.
O mais grave é que as regras são submetidas a reformas ortográficas periódicas, o que torna o aprendizado um esforço permanente. O sujeito mal conseguiu memorizar as mudanças quando é informado que em algum ponto do universo foram aprovadas novas regras por motivos que só estão claros para quem reside em outra galáxia.
Profissional que lida com a língua portuguesa há quatro décadas, confesso que freqüentemente me vejo às voltas com dúvidas e até cometo erros que poderiam ser motivo de humilhação pública num país onde a falta de educação formal chega a ser motivo de ofensa e preconceito.
No caso do ENEM, esse comportamento se agrava por um esforço para condenar uma postura descontraída e irreverente dos estudantes. Tudo bem que é meio esquisito um sujeito interromper uma redação e dar uma receita de Miojo. Ou fazer um elogio a seu time de coração.
Mas eu pergunto se isso é o mais importante. Provas de redação devem medir a capacidade de uma pessoa se expressar. Muito mais importante, portanto, é saber se a receita está bem redigida, com pontos, vírgulas e frases no local correto, do que implicar com o assunto escolhido. Basta ler a imprensa pátria para confirmar que a distinção entre assuntos sérios e assuntos leves, questões relevantes, puro entretenimento e bobagens comerciais tornou-se muito difícil de definir, certo?
Essa postura de afirmar autoridade sobre a juventude é um traço de comportamento daninho. Reflete insegurança em relação ao futuro.
No caso do ENEM, há um agravante. O combate a todo esforço de melhorar a qualidade do ensino público é uma das bandeiras sagradas que unem os meios de comunicação, a rede privada e a indústria de vestibulares.
Com muito mais virtudes do que defeitos, o ENEM é uma ameaça à ordem criada pela privatização da educação que se transformou em política de Estado durante o regime militar – e nunca foi questionada como era preciso.
Cabe às autoridades aprimorar o ENEM, sem impressionar-se com reações histéricas nem cair na armadilha de fazer inúteis demonstrações de autoridade diante de uma garotada que, desde o início dos tempos, apenas irá dar risada daqueles que não se esforçam para compreendê-la.
sábado, 23 de março de 2013
CONSELHOS DO CONSELHEIRO
Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Não tive uma infância pobre. Meu pai era comerciante e se não tínhamos luxo, ao menos, não vivíamos na miséria. Mas minha infância foi triste, pois perdi minha mãe, Maria Joaquina de Jesus, com apenas seis anos. Nunca superei essa perda.
Fui maltratado pela madrasta e até por meu pai em seus delírios de alcoolista, e por isso, construí um mundo só meu, onde me escondia para sobreviver a tanta amargura.
Para acelerar meu tempo nesse mundo só meu, estudei por conta própria português, geografia, francês e latim. Li de tudo, era um apaixonado por leitura, especialmente de lendas populares.
Lhe tenho amor, Lhe tenho horror. Lhe faço amor, Eu sou um ator
Aos 27 anos perdi também meu pai. Passei a cuidar da loja e cuidar de minhas três irmãs. Graças às minhas leituras e meu talento me tornei uma espécie de advogado sem diploma, que chamam de rábula. Dava aulas numa escolinha de fazenda, lá, depois do fim do mundo e ainda me tornei escrivão de cartório.
Diria, então, que estava com minha vida arrumada.
Nunca fui de muita sorte e tive o azar de casar com uma mulher que não me amava. Brasiliana Laurentina, minha prima de 15 anos, linda e deliciosa. Resultado? Numa noite sem estrelas ela fugiu com outro. Mais uma vez me senti sozinho e me escondi no mundo que criei pra mim.
Você sabe o que significava ser abandonado pela mulher numa cidade pequena do nordeste no final do século 19? Significava deboche, piadas, risadas escondidas, enfim, muita humilhação. Resolvi largar tudo, profissão que pagava bem, emprego que a mim sobrava. Tudo. Larguei e fui embora.
Eu quero dizer agora, o oposto do que eu disse antes
Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante
Passei a andar pelo mundo como alguém que nada mais espera da vida. Claro que queria encontrar aqueles dois, mas, felizmente, jamais os encontrei. Perambulei não só pelo Ceará como também por outros estados e, para sobreviver dei uma de pedreiro, ofício que aprendi de meu pai, para restaurar capelas, igrejas e cemitérios.
Passei a ler os Evangelhos com desespero e fervor. E, repassei esse fervor aos humildes, aos analfabetos. Os pobre passaram a confiar na minha palavra e a me pedir conselhos. Consolava como podia e meus conselhos tornaram-se a panacéia dos miseráveis.
Tornei-me conhecido por Antonio Conselheiro e a ter meus passos seguidos por essa gente desamparada.
É chato chegar a um objetivo num instante
Eu quero viver nessa metamorfose ambulante
Padres e fazendeiros me odiavam. Os padres pela perda de prestígio junto ao povo que me seguia. Os fazendeiros pela perda de mão de obra abundante e barata que, comigo, ia embora.
Brasiliana morreu e fui acusado de tê-la assassinado. Queriam se livrar de mim, mas no julgamento provei minha inocência e tiveram que me soltar e meu povo passou a me ver como mártir e um perseguido, como eles próprios sempre foram.
Dezessete anos depois de começar minhas andanças, em 1893, me estabeleci numa fazenda abandonada às margens do rio Vaza-Barris, numa remota região do sertão baiano, conhecida como Canudos. Ali, fundei um povoado, o” Belo Monte”. Rapidamente, o vilarejo se transformou numa cidade de aproximadamente 20 mil habitantes.
Vivíamos da agricultura familiar, não havia propriedade da terra os lucros da venda de nossos produtos eram por todos divididos igualmente. Não havia patrão ou senhor. A constituição de nosso mundo estava escrita nas nossas responsabilidades que eram iguais, para todos e nos Evangelhos dos humildes.
Era um mundo paralelo, um mundo alternativo à dura realidade do sertão. Uma sociedade alternativa.
Em 1887, o arcebispo, junto ao presidente da província, me acusou de pregar doutrinas subversivas. Fui acusado de louco e anarquista e, após a proclamação da república, de monarquista. A Igreja e o latifúndio se uniam para afastar aquilo que não entendiam e que temiam.
Mundo igualitário? Justiça social? Ausência de propriedade? Era demais pra eles.
Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Um dia, mandei arrancar das paredes e queimar, os editais que determinavam novas cobranças de impostos da gente do interior, que já não tinha mais como pagar e meus homens derrotaram os policiais que tentaram detê-los.
Depois disso, o sistema declarou guerra.
Entre outubro de 1896 e outubro de 1897 o governo do Presidente Prudente de Moraes enviou 4 expedições militares para nos matar. Vencemos as três primeiras, pois conhecíamos aquela região como a palma de nossa mão, mas fomos massacrados na quarta expedição cujo cerco a Canudos durou um mês e terminou no dia 5 de outubro de 1897.
Não houve prisioneiros, nem rendição. Perto de 25 mil pessoas, incluindo mulheres e crianças morreram. Segundo Euclides da Cunha, militar e escritor autor do livro “Os Sertões” sobre a Guerra de Canudos, um velho, um homem coxo e uma criança foram os últimos a tombar.
Antes disso, no início de setembro chamei meus ajudantes diretos e anunciei que iria morrer no final daquele mês. E, exatamente como previ me encontraram morto no leito no dia 22 de setembro de 1897. Tinha então, 67 anos.
Se hoje eu sou estrela amanhã já se apagou
Se hoje eu te odeio amanhã lhe tenho amor.
E como eu previ? Previ porque aprendi no meu mundo que morremos quando morrem nossos sonhos e que nossos sonhos morrem quando não são sonhados por todos. O sistema não nos deixa sonhar nos educando para um mundo de exploração e ganância, nos fazendo crer que essa é a única maneira de viver.
Aprendi que um outro mundo é possível sim, mas somente se abdicarmos do mundo que nos é imposto e jogarmos nos Vaza-barris da vida, todas as máscaras que nos fazem mal e que se deixarmos aderem ao nosso rosto e nossa alma.
Temos que acreditar que tudo é possível até o impossível como o sertão virar mar e o mar virar sertão.
Mesmo que isso doa, mesmo que a gente chore, mesmo que se magoe temos que perder o medo de trocar de planos, de mudar de idéia e de chorar por todos.
Mesmo que isso te transforme numa metamorfose ambulante.
Eu vou lhe desdizer aquilo tudo que eu lhe disse antes
Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante
Obs. Realmente o sertão virou mar com a construção entre 1951 e 1967 da Represa de Cocorobó que alagou toda a região de canudos, vista, atualmente somente em épocas de grandes secas.
Prof. Péricles
“Metamorfose ambulante”
Letra de Raul Seixas
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