quarta-feira, 3 de abril de 2013

TESTAMENTO DE UM POVO



Após a independência, proclamada em 04 de julho de 1776 e ratificada pelo Tratado de Versalhes em 1781, os Estados Unidos viram-se como o maior potencial em desenvolvimento das Américas.

Não tendo sido colonizados na forma de exploração tipo “plantation” ou mineração, puderam criar um mercado local único, que apesar de humilde, nos primeiros tempos, iria se ampliar e ratificar o novo país como uma potência futura.

A industrialização era viável desde que houvesse a expansão de sua produção interna e consumo.

Entretanto, havia um grave problema: pelas próprias características de ocupação do terreno, as colônias existiam na prática apenas na parte leste do atual mapa. Para ampliar sua indústria nascente e seu mercado, era necessário ocupar e fazer crescer, também o oeste do país.

Ocorreu então a chamada “marcha para o oeste”.

Na ocupação do oeste, o ouro que apareceu na Califórnia foi decisivo para atrair colonos, ávidos por riqueza. E dois povos tiveram um encontro com o destino.

Primeiro foram os mexicanos que derrotados em guerras territoriais perderam quase metade de seu território aos Yankes.

Outro foi o povo indígena, verdadeiros proprietários das terras invadidas.

O que aconteceu com essa gente na chamada “conquista do oeste” foi um verdadeiro holocausto.

O governo norte-americano financiou várias “Guerras Indígenas”, sempre culpando os índios, claro, e ao final, os sobreviventes foram colocados em reservas, sem a menor preocupação e respeito por suas culturas. Povos das montanhas, como os Navajos foram retidos em reservas na planície enquanto povos de planície como os Apaches foram presos às montanhas.

Uma verdadeira chacina cultural que regada à muito álcool prostou esse povo à uma situação de mendicância..

Uma vez, questionado, o General nazista Humller confessou que os campos de concentração de judeus na II Guerra Mundial foram inspirados nas reservas indígenas dos Estados Unidos.

Ao cidadão norte-americano sempre foi divulgada a idéia de que índio era selvagem. Povo sem Deus e sem compaixão, justificando o massacre hediondo. Apenas em 1970, com o lançamento do filme “O Pequeno Grande Homem” (Little Big Man) de Arthur Penn, magistralmente interpretado por Dustin Hoffman, a opinião pública norte-americana conheceu o outro lado da história, a versão dos índios.

Em 1855, Chefe Seattle, cacique da tribo Suquamish, escreveu uma carta ao presidente dos Estados Unidos (que ele chamava de O Grande Chefe de Washington) que muitos consideram o testamento, o último suspiro de um povo em fase de extermínio. Nessa carta temos uma grande lição sobre preservação da natureza, respeito ao meio-ambiente e crescimento sustentável.

De certa forma, é uma carta profética e embora bem conhecida do público, sempre merece uma releitura pela sua incrível atualidade.

Leia a seguir a carta de um índio e tire suas conclusões sobre quem é o “selvagem”.



"O grande chefe de Washington mandou dizer que quer comprar a nossa terra. O grande chefe assegurou-nos também da sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não necessita da nossa amizade. Nós vamos pensar na sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará a nossa terra. O grande chefe de Washington pode acreditar no que o chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na mudança das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas, elas não empalidecem.

Como pode-se comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal idéia é estranha. Nós não somos donos da pureza do ar ou do brilho da água. Como pode então comprá-los de nós? Decidimos apenas sobre as coisas do nosso tempo. Toda esta terra é sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, todas as praias de areia, cada véu de neblina nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir são sagrados nas tradições e na crença do meu povo.

Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um torrão de terra é igual ao outro. Porque ele é um estranho, que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, nem sua amiga, e depois de exaurí-la ele vai embora. Deixa para trás o túmulo de seu pai sem remorsos. Rouba a terra de seus filhos, nada respeita. Esquece os antepassados e os direitos dos filhos. Sua ganância empobrece a terra e deixa atrás de si os desertos. Suas cidades são um tormento para os olhos do homem vermelho, mas talvez seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende.
Não se pode encontrar paz nas cidades do homem branco. Nem lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o zunir das asas dos insetos. Talvez por ser um selvagem que nada entende, o barulho das cidades é terrível para os meus ouvidos. E que espécie de vida é aquela em que o homem não pode ouvir a voz do corvo noturno ou a conversa dos sapos no brejo à noite? Um índio prefere o suave sussurro do vento sobre o espelho d'água e o próprio cheiro do vento, purificado pela chuva do meio-dia e com aroma de pinho. O ar é precioso para o homem vermelho, porque todos os seres vivos respiram o mesmo ar, animais, árvores, homens. Não parece que o homem branco se importe com o ar que respira. Como um moribundo, ele é insensível ao mau cheiro.
Se eu me decidir a aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo que possa ser de outra forma. Vi milhares de bisões apodrecendo nas pradarias abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais valioso que um bisão, que nós, peles vermelhas matamos apenas para sustentar a nossa própria vida. O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem os homens morreriam de solidão espiritual, porque tudo quanto acontece aos animais pode também afetar os homens. Tudo quanto fere a terra fere também os filhos da terra.

Os nossos filhos viram os pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio e envenenam seu corpo com alimentos adocicados e bebidas ardentes. Não tem grande importância onde passaremos os nossos últimos dias. Eles não são muitos. Mais algumas horas ou até mesmo alguns invernos e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nestas terras ou que tem vagueado em pequenos bandos pelos bosques, sobrará para chorar, sobre os túmulos, um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.
De uma coisa sabemos, que o homem branco talvez venha a um dia descobrir: o nosso Deus é o mesmo Deus. Julga, talvez, que pode ser dono Dele da mesma maneira como deseja possuir a nossa terra. Mas não pode. Ele é Deus de todos. E quer bem da mesma maneira ao homem vermelho como ao branco. A terra é amada por Ele. Causar dano a terra é demonstrar desprezo pelo Criador. O homem branco também vai desaparecer, talvez mais depressa do que as outras raças. Continua sujando a sua própria cama e há de morrer, uma noite, sufocado nos seus próprios dejetos. Depois de abatido o último bisão e domados todos os cavalos selvagens, quando as matas misteriosas federem à gente, quando as colinas escarpadas se encherem de fios que falam, onde ficarão então os sertões? Terão acabado. E as águias? Terão ido embora. Restará dar adeus à andorinha da torre e à caça; o fim da vida e o começo pela luta pela sobrevivência.

Talvez compreendêssemos com que sonha o homem branco se soubéssemos quais as esperanças transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, quais visões do futuro oferecem para que possam ser formados os desejos do dia de amanhã.

Mas nós somos selvagens. Os sonhos do homem branco são ocultos para nós. E por serem ocultos temos que escolher o nosso próprio caminho. Se consentirmos na venda é para garantir as reservas que nos prometeste. Lá talvez possamos viver os nossos últimos dias como desejamos. Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará a viver nestas florestas e praias, porque nós as amamos como um recém-nascido ama o bater do coração de sua mãe. Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Protege-a como nós a protegíamos. Nunca esqueça como era a terra quando dela tomou posse. E com toda a sua força, o seu poder, e todo o seu coração, conserva-a para os seus filhos, e ama-a como Deus nos ama a todos.

Uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus. Esta terra é querida por Ele. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum."


Prof. Péricles
Agradecemos a colaboração do amigo Hilton.

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