terça-feira, 26 de fevereiro de 2013
LINCOLN
A proclamação de independência dos Estados Unidos da América do Norte, de 04 de julho de 1789, é uma ode à liberdade.
Escrita em sua maior parte pelo iluminista Thomas Jefferson, a declaração enaltece o direito dos livres e se rebela contra a servidão a que a Inglaterra e suas Leis Intoleráveis queriam submeter os americanos.
Tudo muito bonito. Porém, muito hipócrita.
A hipocrisia está na raiz da visão de mundo livre que eles defendiam simplesmente porque mantinha a escravidão negra no novo país (os Estados Unidos assim como o Brasil recebeu grande quantidade de mão de obra escrava africana para trabalhar principalmente nas áreas rurais).
Os “heróis da liberdade” eram também proprietários de escravos e por isso, bem, esquece isso de abolição.
As conseqüências dessa deliberada covardia seriam nefastas.
Ao longo dos anos seguintes, os Estados Unidos ampliaram drasticamente seu território com as Guerras contra o México e a Marcha para o Oeste.
O capital acumulado (apenas Estados Unidos pode criar um mercado próprio ao longo no colonialismo), o crescimento populacional e a política externa fizeram nascer uma pujante indústria na região e com isso surgiram “dois Estados Unidos”.
Um era composto pelos estados do sul, onde a economia era basicamente agrária, quase um plantation como no Brasil, sustentada pela mão-de-obra escrava.
Outro era formado pelos estados do norte, em avassalador processo industrial, precisando cada vez mais de consumidores e de assalariados para mover a engrenagem.
O resultado foi uma guerra terrível, a Guerra de Secessão, entre os do norte (chamados de União, capital Washington) e os do Sul (chamados de Confederados, capital Richmond, Virginia) que sangrou esse país entre 1860 e 1865.
O presidente da união era Abraham Lincoln, político do Partido Republicano que desde o início de sua carreira posicionara-se a favor da abolição da escravatura.
Em 1863, aproveitando que a sorte da guerra começava a lhe sorrir, Lincoln proclamou o fim da escravidão nos estados do norte e áreas conquistadas do inimigo.
Seu temor, porém, era que os estados do sul vendo-se militarmente perdidos, negociassem a paz impondo a manutenção da escravidão nos seus territórios como condição.
Para acabar com essa possibilidade Lincoln propõem uma mudança na Constituição norte-americana, a 13ª Emenda, que decretaria o fim da escravidão em todo o território nacional.
A corrida desesperada pela aprovação dessa emenda na Câmara de Deputados, nos quatro últimos meses da guerra é retratada no Filme “Lincoln”.
Dirigido por Steven Spielberg com uma interpretação extraordinária, quase mediúnica de Daniel Day-Lewis, no papel principal, o filme narra a guerra de bastidores entre os homens do presidente que tentam convencer deputados a apoiar a aprovação da Emenda, e os contrários ao fim da escravidão.
O filme não se dedica a falar da Guerra de Secessão, atendo-se basicamente a aprovação da Emenda.
Interessante reparar que, de forma sutil, o cineasta que utilizou como roteiro o Livro Team of Rivals: The Political Genius of Abraham Lincoln de Doris Kearns Goodwin, mostra que para a aprovação da Emenda Lincoln, não titubeia em recorrer a um mensalão, para “convencer os indecisos”.
Os esforços do presidente e de seu mensalão atingem pleno sucesso em sessão parlamentar de janeiro de 1865.
Vale à pena conferir no cinema.
Quanto ao presidente Lincoln, após a vitória, deu andamento a medidas que buscavam a emancipação dos negros recém libertos visando integrá-los plenamente ao mercado de trabalho e a vida civil da nação (coisa que nunca aconteceu no Brasil). Mas, infelizmente suas medidas e idéias acabaram silenciadas pela ignorância e violência que o atingiram em 14 de abril daquele ano de 1865, quando foi assassinado a tiros nas dependências do Teatro Ford.
Prof. Péricles
sábado, 23 de fevereiro de 2013
CACHORRO VIRA LATA
Somos jovens traumatizados.
Na nossa infância, o período colonial, aprendemos que éramos o pior tipo de colônia, o mais desprezível. Não tínhamos ouro como no México, ou prata como no Peru. Nossos índios andavam nus ou com apetrechos diversos, mas sem nenhum resquício de qualquer metal precioso. Fomos o que chamamos hoje de “colônia de exploração”.
Sim, éramos uma colônia revoltante, distante, suja, doente, que devia agradecer à Metrópole por cada moeda investida no nosso povoamento.
Naquela época um grama de ouro e um grama de açúcar tinham quase o mesmo valor e o Brasil produziu toneladas e toneladas incalculáveis. Apenas 5% dos lucros ficavam aqui, mas, não importa, éramos o patinho feio do grande império português.
Quando saímos de casa, proclamando a independência, o fizemos quase sem querer, com um grito tímido que mal e mal foi percebido além do pequeno riacho Ipiranga. Tanto que após a independência e antes da independência mantivemos o mesmo caráter: monarquia escravagista de economia primário-exportador. O que mudou na vida dos escravos com a independência?
No período imperial, fomos adolescentes problemáticos e cheios de complexos. Usávamos uma roupa totalmente fora da moda, uma roupa que não tinha nada a ver conosco, a monarquia. Única monarquia da América do Sul. Pobre se denominando Império. Até na Guerra (do Paraguai) o inimigo zoava dos militares brasileiros perguntando se gostavam de beijar a mão de um homem. Nosso Imperador e nossa corte do Rio de janeiro eram como um baile de carnaval constante e fora de hora. Além disso, a ferida fétida da escravidão nos marcava a carne com a vergonha da exploração humana.
Na idade adulta, mantivemos nossas dificuldades e nossas múltiplas carências.
Primeiro, na República Velha, carência de democracia, de exercício livre do voto e da prática partidária. Acabamos com a escravidão, mas continuamos massacrando os mais pobres como em Canudos e no Contestado.
Na Era Vargas, especialmente no Estado Novo carentes de liberdade e de cidadania.
Nos anos pós a Vargas carentes de paz e de respeito pelas inúmeras tentativas de golpes, grandes e pequenos, da UDN.
E na Ditadura Militar, carentes de tudo.
Talvez por tudo isso desenvolvemos no íntimo da nação aquilo que poderíamos chamar de “Complexo de Vira lata”.
Ninguém fala pior do Brasil do que os próprios brasileiros. Ninguém descrê mais de nosso futuro e de nossa história do que nós mesmos.
O brasileiro não acredita na possibilidade do Brasil criar asas e voar. Persiste entre muitos a idéia de que somos apenas aquela colônia metida à besta, uma monarquia ridícula e ultrapassada e ai meu Deus tomara que não saia no Times.
Nosso povo se constrange em vez de se orgulhar, quando mecanismos econômicos internacionais afirmam que nosso Produto interno Bruto é o 6º ou 5º do mundo. As pessoas não acreditam quando se noticia que estamos em pleno emprego enquanto na Europa o desemprego é uma verdadeira tragédia.
Não é possível um ex-metalúrgico governar direito se a “obrigação” do metalúrgico um simples representante do proletariado é ser um pobre obediente e agradecido, um figurante, jamais o protagonista. Não pode uma mulher (uma mulher, meu Deus!) governar o país e ele progredir. Algo deve estar errado. Cadê meu privilégio que estava aqui? Estão roubando, mentindo, iludindo, não é possível. Onde está os Estados Unidos que não vê uma coisa dessas?
A corrupção é fenômeno e problema no mundo inteiro, mas no Brasil é maior. Ninguém rouba mais do que nosso corrupto, não senhor!
Lateja em nossa mente que somos apenas uma nação de mestiços e de escravos. De negros que não embranqueceram como deveriam e que agora querem até fazer faculdade, de mulheres que parem pobres desavergonhadamente, de plantadores de cana, da Casa Grande e da Senzala. Não merecemos a riqueza e o desenvolvimento é uma ilusão que deverá terminar já no próximo governo.
Enquanto os Europeus e os Estados Unidos nos causam inveja e posam de cachorro de raça, nós insistimos em ser um cachorro vira-lata.
Insistimos em ver nossas crianças mais burras do que a dos outros, nossas mulheres mais vulgares do que as outras e nosso destino mais determinado à pobreza do que qualquer um.
Talvez esteja na hora de acreditar na possibilidade de diminuir as desigualdades sociais. A distância abismal entre ricos e pobres não obedece a um mandamento determinista. Nosso pobre pode deixar de ser pobre e o nosso abandonado, pode sim, ser acolhido.
Talvez esse seja o momento de deixar de ser colônia moral.
Talvez esteja na hora de respeitar nossa cultura, que não é nem melhor, nem pior do que a dos outros, mas digna e moldada na lágrima de dor e esperança do escravo martirizado, na perplexidade e coragem do índio violado, na saudade do imigrante e na brasilidade de tudo isso misturado.
Não, definitivamente, não somos um cachorro vira lata.
Prof. Péricles
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013
O SEGREDO DE ATLÂNTIDA
Quando o velho vulcão, tão conhecido, rugiu mais alto do que jamais havia sido ouvido, nuvens sombrias cobriram os olhos surpresos de todos. Mal podiam imaginar que o vulcão estivesse apenas limpando a garganta.
Aquela sociedade desenvolvida como nenhuma outra, havia se acostumado a ter o controle de tudo e algo tão surpreendente como aquele rugido assustou como um pressentimento de morte.
Assim, num tempo em que as cidades-estados gregas ainda não existiam, todas as atenções voltaram-se para a maior autoridade daquele mundo – a sacerdotisa.
A Ilha de Thera, a poucos quilômetros de Creta, era o centro orgulhoso da cultura minóica. Centro comercial dos quatro cantos da civilização. As leis desenvolvidas e o humanismo eram valorizados. Um oásis entre o inóspito mundo da força bruta. As mulheres eram protegidas pela lei diante de qualquer abuso masculino e valorizadas como somente dali a 4 mil anos seriam valorizadas no ocidente. Dessa forma, não é de estranhar que a maior autoridade religiosa, com poder equivalente ao poder político, fosse uma mulher, sendo sua sociedade essencialmente matriarcal.
Ao cair da tarde daquele dia, seguida por olhares aflitos, precedido por mais dois fortes abalos, a sacerdotisa dirigiu culto e oferendas à Posseidon, o deus protetor da cidade.
Mas, durante a noite e a madrugada, o mau humor do vulcão piorou e as erupções se seguiram espalhando o pânico e tornando impossível adormecer.
Nos primeiros raios de sol, a pedra pome, quente e ácida, passou a cair em quantidade. Mas, o pior eram as cinzas. Invadindo silenciosamente as vias aéreas e tomando o pulmão, as cinzas vulcânicas foram capazes de matar por asfixia, aos milhares.
Pela manhã o povo de Thera não veria o sol, tendo a impressão, devido às cinzas na atmosfera, que a noite havia se tornado eterna.
A população passou a guardar seus bens em poços e buracos, nas paredes das grutas e residências, com a intenção de recuperar tudo novamente quando o pesadelo passasse.
Muitos desses bens só seriam descobertos pela arqueologia, recentemente, nos anos 2000.
Um novo abalo perto do meio dia destruiu a parte norte da montanha vulcânica causando um barulho tão forte que pôde ser ouvido a quilômetros de distância provocando a surdes de várias pessoas. A partir desse instante o mar começou a deslocar-se em direção as lavas.
No início da tarde, enquanto a desmoralizada Sacerdotisa fazia solitariamente um último apelo a Posseidon, os primeiros barcos levando parte da população.
As 16 hs. as lavas incandescentes e as águas do mar se encontraram produzindo uma cortina de fumaça e ácido sulfuroso, verdadeiro fluído mortal que se espalhou em todas as direções. Esse fluído “caminhante” passou a deslizar sobre as terras da ilha e depois sobre as águas indo alcançando os navios que haviam partido em busca da salvação.
À tardinha, 24 horas depois de limpar a garganta, o vulcão explodiu no maior fenômeno sísmico da história da humanidade.
A explosão lançou material até na estratosfera. Por meses o sol não conseguiria romper as nuvens negras produzidas. O barulho da explosão foi tão grande que chegou a ser ouvido a milhares de quilômetros, no Egito. Quatro vezes pior que a explosão de Cracatoa, 40 mil vezes pior que a explosão de Hiroshima.
O tsunami de ondas gigantes foi tão destruidor que em muitas culturas foi descrito como o dilúvio do fim do mundo.
Nem Thera, nem Creta, nem a própria cultua minóica sobreviveram.
A destruição abalou de tal forma o mundo desenvolvido e precoce que, por milhares de anos deixaria sem respostas perguntas que fizeram crescer o mistério em torno de sua Armageddon. Embora a falta de registros e o atraso de qualquer cultura contemporânea, a recordação dolorosa permaneceu na forma de lendas e de histórias incompletas.
Muitos anos depois o filósofo ateniense Platão registraria a morte desse mundo fascinante e desenvolvido, engolido pelo mar em uma só noite.
Platão não deu maiores explicações (provavelmente porque não as tivesse) e seu relato passaria para a história como um estranho e misterioso relato.
Teria o discípulo de Sócrates tomado umas a mais?
Enquanto Platão a chamou simplesmente de Atlântida, nenhum outro pensador clássico fez qualquer citação ao fato.
Onde ficava essa terra exatamente? No Oceano Atlântico? No Caribe, no chamado Triângulo das Bermudas? No Egito ou até na Antártida, abaixo da camada de gelo.
Eles conheciam o avião, computador, armas de fogo? Imaginações dedicaram vidas inteiras a essas buscas.
Mas, agora sabemos que as testemunhas da extensão da destruição cataclísmica repousa em Thera, bela ilha que Posseidon, um dia, abandonou.
Finalmente, o mundo encontrou Atlântida.
Prof. Péricles
terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
ASSIM NASCEU A IGREJA
O homem sentado no meio da sala vazia estava muito preocupado. E sobravam razões para sua carranca.
O Homem era o Imperador Constantino, um político latino de visão larga e que percebia que o grande, o extraordinário Império agonizava.
Além de ter que enfrentar Licínio, outro candidato ao trono, Constantino se amargurava pela constante desvalorização da moeda, pelo desemprego urbano causado pelo excesso de escravos nas cidades e da baixa produtividade agrícola pela falta desses mesmos escravos no campo e ainda, pelas dificuldades naturais de administrar um Império de dimensões continentais cuja população não parava de crescer.
Constantino foi dormir naquela noite com a amarga sensação de fim de festa.
Durante a noite o imperador teve sonhos agitados e confusos, e ao despertar, um plano começava a tomar força em sua mente.
Usando a própria esposa como ouvinte-teste ele argumentou: “Nesse momento de crise intestina o que eu mais preciso para derrotar Licinio e para normalizar a vida do Império? Apoios. Mais que isso, dinheiro. Existe algum grupo hoje, em todo império que possa apoiar mais e contribuir mais? Existe claro que existe. Os cristãos”.
Fausta, a esposa, ansiosa para parecer mais inteligente que ex, Minervina, ousa levantar a mão (com a qual segurava a tiara) e contrapor: “mas o cristianismo não é proibido no Império? Não é por causa disso que eles se escondem nas catacumbas?”
“Eureka (como havia dito Arquimedes), isso mesmo!” Brada Constantino I, “devemos deixar de fazer de conta que não percebemos o crescimento do cristianismo, e os trazermos para a luz da legalidade (e da taxação)”.
“Mas você já ouviu falar no mestre deles?”, disse o secretário Calixtos entrando no salão, “É um homem que não concorda que Cezar seja também um deus. Nega a existência de nossos deuses e diz haver apenas um deus. Além do mais, fala em perdoar os inimigos e nosso império é um império guerreiro... E o pior de tudo, prega que todos são iguais, servos, nobres e imperador. Poderemos aceitar essas coisas?”
Constantino se ergueu e disse: “depende, meu caro Calixtos, se for ou não vantajoso. Iremos nos unir aos cristãos. Mas alteraremos o cristianismo. Faremos uma aliança com sua alta liderança (clero) e estabelecer que Cristo é esse, e quais os fundamentos do Cristianismo que nos interesse, claro”.
Em 313 Constantino assinou o Edito de Milão. O documento final afirmava que o Império Romano seria neutro em relação ao credo religioso acabando oficialmente com toda e qualquer perseguição ao cristianismo. As propriedades que haviam sido confiscadas, anteriormente, foram devolvidas aos cristãos.
Doze anos depois, em 325, após muitas negociações, Constantino e os líderes da Igreja (já chamados de Papas desde o século II) reúnem-se na cidade de Nicéia (atualmente área da Turquia) para estabelecer o Cristianismo que o Estado e a nobreza poderiam suportar.
É em Nicéia que se define a questão cristológica, isso é, quem deveria ser Jesus e quais dos seus ensinamentos deveriam ser ressaltados. Foi então que a figura de Jesus se afastou do homem comum e revolucionário, morto sob tortura, para se tornar o próprio Deus, fundindo Pai e Filho num só. É construído um credo (conjunto de pontos a serem aceitos), fixada a data da Páscoa, necessariamente uma Páscoa separada da Páscoa dos judeus, apagado o conceito de reencarnação e ocorre a promulgação da lei canônica que estabelece o jogo hierárquico e legal do clero (os degraus até chegar a Papa).
O plano de Constantino funcionou e ele pode morrer imperador de um Império inteiro e compacto.
Finalmente, em 27 de fevereiro de 380, foi decretado o Édito de Tessalônica, pequena cidade da Grécia (Província Romana) pelo imperador Teodósio, seguidor da política de Constantino. A religião Católica tornava-se a religião oficial e exclusiva do estado, sendo abolidas todas as praticas politeístas dentro do Império Romano e fechados todos os templos pagãos.
E foi assim que uma pequena religião do oriente se tornou a maior religião do ocidente. E atravessaria o tempo moldando destinos
Dessa forma surgiu uma igreja fortemente centralizada e hierarquizada. Estruturada umbilicalmente com o poder político e com as classes dominantes. Uma Igreja afastada dos excluídos e próxima do poder.
Foi dessa maneira que a forma se tornou mais importante que o conteúdo, a interpretação exclusividade do clero e o pobre perdeu Jesus para ganhar seu Papa.
O final dessa história? Bem, ela ainda não terminou.
Ela continua hoje com a renúncia anunciada de Bento XVI.
Num mundo em tremendas transformações que apresentam questões cruciais como homofobia e cidadania, células tronco e avanços da genética, a Igreja irá definir seus caminhos.
Ou elege o terceiro Papa ultra-conservador seguido e escolhe o caminho reacionário continuando a fingir não existir casos de pedofilia e nem escândalos financeiros, ou cingi um Papa da ala mais progressista que signifique discutir velhos dogmas e tabus e optar por mudanças corajosas.
O caminho escolhido poderá levar, ou não, ao maior racha que a Igreja já conheceu em tempos modernos ou o reencontro da Igreja com seu povo.
Prof. Péricles
domingo, 17 de fevereiro de 2013
JÁ VAI TARDE
Por Márcia Denser
Inspirada em várias fontes, eis algumas reflexões (e revelações para quem não sabe) sobre a renúncia de Beto XVI: um mix de dinheiro, poder e sabotagens, corrupção, espionagem, escândalos sexuais – a presença ostensiva desses ingredientes de filme de terror no noticiário constituía o dia-a-dia do Vaticano.
Tal frequência e a intensidade anunciavam algo nem sempre inteligível ao mundo exterior: o acirramento da disputa sucessória de Bento XVI nos bastidores da Santa Sé. Desta vez, mais do que nunca, a fumaça que anunciará o “habemus papam” refletirá o desfecho de uma fritura política de vida ou morte entre grupos radicais de direita na alta burocracia católica.
Mais que de saúde, razões de Estado teriam levado Bento XVI a anunciar a renúncia de seu papado. (...)
Sua desistência oficializa a entrega de um comando de que já não dispunha. Devorado pelos grupos dos quais inicialmente tentou ser o porta-voz e controlar, Bento XVI jogou a toalha. (...)
Quadro ecumênico da teologia, inicialmente um simpatizante das elaborações reformistas de pensadores como Hans Küng, Joseph Ratzinger escolheu o apoio da direita para galgar os degraus do poder interno no Vaticano.
Em meados dos anos 70/80, ele consolidaria essa comunhão emprestando seu vigor intelectual para se transformar em uma espécie de Joseph McCarthy do fundamentalismo católico. Foi assim que exerceu o comando da temível Congregação para a Doutrina da Fé. À frente desse arremedo da Santa Inquisição, Ratzinger foi diretamente responsável pelo desmonte da Teologia da Libertação.
O teólogo brasileiro Leonardo Boff, um dos intelectuais mais prestigiados desse grupo, dentro e fora da igreja, foi um dos seus alvos: advertido, punido e desautorizado, seus textos foram interditados e proscritos. Por ordem direta do futuro papa. Antes de assumir o cargo supremo da hierarquia, Ratzinger “entregou o serviço” cobrado pelo conservadorismo. (...)
E dá-lhe pedofilia por debaixo dos paramentos sacrossantos!
Sob a inspiração de Ratzinger, seu antecessor, João Paulo II, liquidou a rede de dioceses progressistas no Brasil, por exemplo. As pastorais católicas de forte presença no movimento de massas foram emasculadas em sua agenda “profana”. A capilaridade das comunidades eclesiais de base da igreja ficou restrita ao catecismo convencional e, naturalmente, à Nova Carismática e o nunca por demais esquecido Padre Marcelo Rossi (cruzes!).
Ratzinger recebeu o Anel do Pescador em 2005, no apogeu do ciclo histórico que ajudou a implantar. Durou pouco. Três anos depois, em setembro de 2008, as finanças do conservadorismo sofreriam um abalo do qual não mais se recuperaram. (...)
Fome, exclusão social, desolação juvenil não são mais ecos de um mundo distante. Formam a realidade cotidiana no quintal do Vaticano, em uma UE destroçada para a qual a Igreja Católica não tem mais nada a dizer há séculos. Sua tentativa de dar uma dimensão terrena ao credo conservador perdeu qualquer sentido perante a crise social devastadora.
Será lembrado (ou esquecido) como o Papa dos ricos e pedófilos.
Vade retro!
Ou melhor: já vai tarde.
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013
ESPAÇO AÉREO DE PORTO ALEGRE
O espaço aéreo de Porto Alegre sempre foi foco de atenção, expectativas e encantos.
Em agosto de 1961, durante os momentos mais críticos da Campanha pela Legalidade, que impediu o golpe militar que só ocorreria em março de 1964, olhava-se para o céu de Porto Alegre com grande aflição. Notícias desencontradas davam conta de um provável bombardeio ao centro da cidade, ao Palácio Piratini e arredores, onde a população armada pelo Governador Brizola transitava, disposta à luta. O bombardeio não veio, sabe-se hoje, graças a uma heróica resistência de militares gaúchos na Base Aérea de Canoas.
Antes, em 1923, os céus de Porto Alegre já haviam assistido gaúchos rumando para bombardear gaúchos, quando aviões do governador Borges de Medeiros atacaram forças de Assis Brasil, na chamada Revolução Assisista.
Hoje, felizmente, não se observam vôos de guerra mas, o espaço aéreo de Porto Alegre ainda apresenta seus mistérios.
Por exemplo: é conhecida de todos a presença de uma perigosa gang de papagaios na cidade.
Todos os dias eles partem da Praça da Alfândega, cruzam o centro histórico e se jogam debochadamente nas árvores do Parque Farroupilha (Redenção). Passam o dia por lá, matraqueando o tempo todo, discutindo política, a situação da dupla Grenal e, claro, falando das papagaias. À tardinha, retornam barulhentos para as Árvores da Praça da Alfândega e adjacências, onde fazem amor despudoradamente e dormem com as últimas luzes da cidade.
Já as centenas de pombos, mais antigos, são presença obrigatória em qualquer fotografia tirada na Praça Montevideo e do Mercado Público. E não adianta reclamar e pedir que se retirem pois, estranhamente, eles se sentem mais donos da cidade do que qualquer outro porto-alegrense.
Dia desses, um filhote apareceu no “fumódromo” localizado no 12º andar do prédio onde trabalho. Nasceu com a pata atrofiada e, sem poder voar, foi abandonada pela mãe. Foi adotada pelos freqüentadores daquele antro de perdição. Cuidamos dele com zelo, água, pão e carinho, talvez porque fumante saiba bem o que é ser discriminado. Duas semanas depois, crescido, ele finalmente conseguiu voar e se foi a povoar nosso céu, o que provou duas coisas: fumante também tem coração e pombinhas são mal agradecidas, pois se foi sem nem dizer adeus.
Porém, existem novidades nos céus de Porto Alegre.
Recentemente um casal de abutres aderiu ao cenário.
Esqueça o urubu, aquele bicho sinistro. Esses são abutres altivos, orgulhosos, cabeças erguidas e ar solene. Voam com estilo e olham pombos, papagaios e pessoas, literalmente de cima. Dão vôos longos (acho que apostam quem chega primeiro a próxima nuvem), descrevem curvas sinuosas e largas. Um menino e uma menina. Únicos. Sem bando. Provavelmente personagens de um amor não compreendido entre os abutres, que resolveram abandonar tudo, menos um ao outro e escolheram Porto Alegre como sua Verona.
Os biólogos e urbanistas não sabem explicar, pois não tem sentido biológico o que os dois fazem aqui. Fui um dos primeiros, mesmo antes dos jornais, a percebê-los enquanto queimava a vida no fumódromo aquele. Inclusive quando dei a notícia exultante, recebi frieza e ainda fui acusado de estar fumando outra coisa além do cigarro lá no12. Tudo bem, dessa vez eles estavam errados, mas não guardo rancor.
Tudo isso somado à presença inexplicável de alguns pequenos gaviões perdidos (provavelmente bêbados) fazem do espaço aéreo de Porto Alegre, moldurado pelo Guaíba que cerca a cidade como um caminho de prata brilhante, um espaço de encantos e de mistérios. Enquanto cidadãos apressados arrastam suas rotinas sem tempo de erguerem os olhos aos céus, seres alados, de outros tempos e de outros espaços, trazem beleza à vida, até mesmo de fumantes.
Prof. Péricles
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