quarta-feira, 7 de novembro de 2012

GUERRA EM SÃO PAULO


Nos ataques em São Paulo, em 2006, o PCC (Primeiro Comando da Capital) ordenou e fez executar policiais. Militares e civis. Indiscriminadamente. Neste ano de 2012, oitenta e oito policiais militares já foram assassinados. Só cinco deles mortos trabalhando. Quando a morte é fora do trabalho, a família não recebe benefícios. E o PCC sabe que essa regra ainda vigora.

Além desses 88 PMs, supostamente mortos por ordem do PCC, 16 agentes penitenciários e 10 integrantes da Polícia Civil foram mortos em 2012; mas esses, os dez da polícia civil, mortos por reação a assalto, em ação, ou outras situações não caracterizadas como de execução.

Em todo o Estado, até este outubro, os homicídios chegam a 3.330. Só na capital, até setembro, 919 cidadãos assassinados; 96% a mais do que em setembro do ano passado.

Antonio Ferreira Pinto é o Secretário de Segurança Pública. Numa dessas coletivas para a imprensa, há pouco tempo, ele disse que os assassinatos de PMs não tinham "nenhuma vinculação com a facção". A "facção", como diz o secretário sem citar o nome, é o PCC.

Não há quem não saiba que está em andamento uma guerra particular entre o PCC e a PM. Uma PM, pelo que informam alguns dos seus, com divisões; digamos assim. Segundo oficiais da corporação, teriam sido rompidos, de parte a parte, "códigos de conduta".

Há quem negue a existência de tais códigos, mas eles existem. A polícia tem códigos próprios, não escritos, e os criminosos também têm os seus. E ambos têm um código em comum, também não escrito, onde certas atitudes não são aceitas. Pela quantidade de mortos, é evidente que algum tipo de código, ou de acordo – ou de acordos -, foi rompido.

Criminosos matam de um lado? Vem a resposta: alguns, quase sempre em motos, muitas vezes com munição de uso exclusivo de forças policiais, dão o troco e também matam. Fica no ar uma pergunta que talvez contenha a resposta: por que, nesta guerra nas ruas, apenas policiais militares, e não policiais civis, estão sendo executados?

A Inteligência do Estado certamente deve ter respostas para essa inquietante pergunta.

O secretário de Segurança nega, ou negava até outro dia, o que é óbvio. E, diante de câmeras e microfones, atua como se fosse o Durango Kid. Enquanto o secretario atua, e nega o óbvio, perceba-se a ousadia dos ataques: um tenente trabalha na Casa Militar e na escolta do governador Geraldo Alckimin. As iniciais do seu nome são SCS. O tenente foi atacado; não no trabalho. Recebeu um tiro de raspão, no rosto, reagiu e matou o agressor.

Essa informação é da experiente repórter Fátima Souza, a mesma que, em 1995, pela primeira vez enunciou a existência do PCC.

O Major Olímpio, deputado estadual pelo PDT, em recente ato na Praça da Sé, disse com todas as letras:

- Policiais estão sendo dizimados e não adianta negar e dizer que é lenda. O PCC está matando policiais.

O troco, ou os trocos, vem sendo dado nas ruas. Isso nunca funcionou. Nem no Velho Oeste, nem com as milícias no Rio de Janeiro, nem aqui e Brasil afora com os antigos e os novos esquadrões da morte. Isso só serviu e serve para produzir mais mortes, muitas vezes de inocentes. Serviu e serve, também, para eleger oportunistas, com discursos e práticas fascistóides.

Fato é que, antes de tomar posse, o governador Geraldo Alckimin pensou em substituir o secretário Ferreira Pinto. No final de 2006, um importante emissário do governo procurou e sondou o jurista Wálter Maierovitch. Antes mesmo de começar a conversar, Maierovitch impôs algumas condições. Uma delas nomear os comandos das polícias militar e civil. A conversa nem andou. E Ferreira Pinto aí está.

O bang-bang, as execuções, os acertos de contas avançam no interior e, principalmente, nas franjas da cidade de São Paulo. Até quando?

Bob Roberts
http://goo.gl/nWiDj

domingo, 4 de novembro de 2012

NARIGUDOS, RUIVOS E INTELIGENTES



Quem eram eles? Ou melhor seria perguntar, o que eram eles?

Com certeza nós, os homens sapiens modernos não somos uma continuidade deles já que foram extintos, sem deixar, aparentemente, herdeiros.

Os Neandertais foram os reis, os donos da Terra por 100 mil anos. Habitaram a Europa e partes da Ásia entre 130.000 e 30.000 anos atrás. Desapareceram misteriosamente, da Europa a 50 mil e da Ásia há 30 mil anos.

Alguns acreditam que eram inferiores na escala humana, degraus menores de uma escada cujo topo somos nós, os maravilhosos.

Mas então, como explicar que seus cérebros eram maiores do que o nosso? Sim, se a atividade cerebral é maior quanto maior for o cérebro, como explicar que eles tivessem um cérebro 10% maior que o nosso?

Mas, não falavam como nós. Eram macacões que faziam uga-uga...

Essa certeza caiu por terra em 1983 quando um osso hióide de neandertal foi encontrado na caverna Kebara em Israel. O osso encontrado é praticamente idêntico ao dos humanos modernos. O hióide é um pequeno osso que segura a raiz da língua no lugar, um requisito para a fala humana e, dessa forma, sua presença nos neandertais implica, no mínimo, alguma habilidade para a fala.

São tantas dúvidas e tão poucas certezas.

Com certeza tratavam melhor suas mulheres do que nós, construtores de sociedades machistas, pois está comprovado que suas sociedades eram matriarcais. Elas eram a lei não escrita de seu tempo (qualquer semelhança com os tempos atuais é mera coincidência).

Poderosas, mas feinhas se comparadas às gatinhas sapiens.

Tinham cerca de 1,65m de altura, pele muito branca já que habitavam lugares muito frios, narizes mais curtos, mais largos e volumosos e cabelos ruivos. Talvez, por causa desse mesmo frio outras atividades fossem mais selvagens. Gostou?

Nada sabemos sobre os olhos, orelhas e lábios.

Por que não migraram como as outras espécies ficando, praticamente 100 mil anos no mesmo espaço, relativamente reduzido?

E, principalmente, a pergunta mais perseguida pelo mundo científico: por que se extinguiram?

Há poucos anos foi descoberto um fóssil que deixou a todos encucados. Era um fóssil de humano? Ou de algum animal nunca antes identificado? Tinha formas estranhas e confusas.

Depois que todos os nóbeis e phds do mundo paleontológico se debruçaram sobre esses ossos, conhecidos como o “Menino de Lapedo" (Lapedo é o Vale de Portugal onde ele foi encontrado) descobriu-se que eram ossos de uma criança de apenas 4 anos e (incrível descoberta), era o produto de um cruzamento entre uma Neandertal com um homem moderno, o “homo sapiens”, nós.

Mais importante que demonstrar que os sapiens tinham uma quedinha por ruivas de narizinho arrebitado, isso provava que esses grupos tão distintos entre si, se conheceram, provavelmente trocaram informações, trocaram cultura, e transaram, e que tiveram filhos e esses filhos, mais altos, menos corpulentos e com nariz mais rechonchudo se espalharam por aí.

Cai por terra a teoria mais aceita para a sua extinção (que não resistiram ao crescimento e ao predomínio dos sapiens).

Veja que coisa intrigante: nós que nos imaginamos todos descendentes dos sapiens sapiens, talvez não tenhamos todos esses mesmos ancestrais. Talvez alguns descendam dos neandertais. Talvez Eva fosse baixinha, atarracada e nariguda.

Aquele político safado e corrupto... sapiens ou neandertal? E aquela guria metida a dar ordens... quem sabe netinha de neandertal? E o teu chefe brucutu, aquele baixinho?

Qual a causa do desaparecimentos dos neandertais? Se não foi o fato das mulheres mandarem, então, o que foi?

Ou seriam eles realmente mais inteligentes e ao perceber que dominaríamos o planeta e o que faríamos com ele, resolveram se auto-extinguir?

Quem pode saber?

Mas, calma, antes de correr para o espelho para examinar o tamanho do seu nariz, pense que, tudo isso são apenas teorias e nada são certezas.

Ou não?


Prof. Péricles

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

ILUSÕES DA VELHA MÍDIA


Imaginemos alguém que só lesse, escutasse ou visse a velha mídia. Que visão teria do Brasil e do mundo?

Em primeiro lugar, não poderia entender por que um “governo – corrupto, incompetente, com a economia à deriva, nomeando ministros como troca-troca eleitoral, que cobra muitos impostos, que está atrasado na entrega de todos as obras, do PAC, do Mundial e das Olimpíadas, que tem política exterior aventureira etc, etc” – tem 75% de apoio do povo.

Não entenderia como um líder como o Lula – que tem 80% de referências negativas na mídia – consegue que 69,8% dos brasileiros queiram que ele volte a ser o presidente do Brasil em 2014.

Não poderiam entender como o PT – “partido corrupto, protagonista do maior escândalo da historia do Brasil” – sai fortalecido das eleições municipais, eleja mais prefeitos e mais vereadores e tire dos tucanos a prefeitura mais importante do Brasil, a de São Paulo – “tão bem administrada pela competência dos tucanos”[sic].

Não saberiam por que a economia brasileira não naufraga, se lêem todos os dias que “tudo vai mal, que o governo faz tudo errado, que a economia não cresce”. Por que “o governo continua a estender as políticas sociais, sem os recursos que a economia deveria lhe dar”.

Não entende por que o FHC dá seu apoio e participa da campanha do candidato tucano no Rio – junto com o Aécio e o Álvaro Dias -, mas o candidato tem apenas 2,47% dos votos. Como os tucanos e o DEM perderam 332 prefeituras, sendo “os mais preparados para governar” [sic].

Lêem, numa revista semanal, que a Argentina é “governada por autoridades cada vez mais repressoras”, que “bloqueiam as liberdades individuais, como o acesso à livre informação, a bens de consumo e ao capital”. Que o governo “já tem o controle autoritário de 80% (sic) dos canais de radio e TV do país”. Que “na ilha de Cristina, os cidadãos só lêem o que ela quer”. Que as grifes “Escada, Armani e Yves Saint-Laurent fecharam suas lojas no país”, assim como a Vuitton e a Cartier. Que a “Avenida Alvear está com ares de fim de feira”. Que “na ilha de Cristina os investidores são tratados como piratas”.

E, no entanto, a Cristina é reeleita no primeira turno. Como entender isso, vendo a velha mídia?

Como entender que “a Venezuela está se desfazendo, entre a ineficiência da sua economia, a corrupção e a violência”, mas o Hugo Chavez é reeleito para um quarto mandato?

Que a América Latina vai bem enquanto os EUA e a Europa vão mal?

Tudo parece de cabeça pra baixo, o mundo parece absurdo, incompreensível, para quem depende da velha mídia, dos seus jornais, das suas revistas, dos rádios e da suas TVs.

Por Emir Sader

domingo, 28 de outubro de 2012

FENÍCIOS, O POVO DO MAR



Eles descendiam dos Semitas. Eram, portanto, irmãos dos hebreus e Assírios.

Primeiro se fixaram na região da Palestina, mais exatamente, onde hoje, é o Líbano.

Mas uma paixão os chamava para além das terras do Oriente.

O chamado era do mar.

No tempo em que a agricultura fincava o homem na terra, eles se espalharam por vales e montanhas, percorreram litorais e mergulharam no desconhecido.

Povo marinheiro. Povo sem dono e que seguia os ventos.

Seu governo único entre os povos é denominado de Talassocracia, ou seja, comandado por homens ligados ao mar.

Sua escrita estava muito a frente de seu tempo.

Num tempo em que a escrita era pictográfica, onde as letras representavam imagens e por isso eram numerosas (a escrita hieroglífica possuía mais de 3000 símbolos) a deles era fonética, ou seja, a primeira escrita cujas letras reproduziam sons (conseqüentemente suas idéias) e não imagens. Mais simples e perfeita possuía apenas 23 símbolos e depois de imitada por séculos deu origem ao nosso alfabeto atual.

Seus navios aparentemente frágeis eram de uma iluminada engenharia visto que podiam, literalmente, serem desmontados, e depois de transportados por carretas, remontados, graças à simplicidade da codificação de suas letras que apontavam um encaixe perfeito e impossível para a escrita de outros povos.

O mar os fez viajantes destemidos. Foram pioneiros nos quatro cantos do planeta. Provavelmente estiveram na América, a mais de 2.500 anos.

Estranhas inscrições fenícias na Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro, suscitam dúvidas e espanto até hoje (foto).

Em 1963 o arqueólogo e professor Bernardo A. Silva traduziu as inscrições: LAABHTEJ BAR RIZDAB NAISINEOF RUZT que lido de trás para a frente TZUR FOENISIAN BADZIR RAB JETHBAAL significa, em linguagem fenícia: Badezir primogênito de Jethbaal.

Badezir foi um jovem que assumiu o trono dos fenícios no ano de 856 a.C. quando morreu seu pai e sobre sua vida e morte, pouco se sabe. Seria a Pedra da Gávea um túmulo fenício? Local de repouso de um rei viajante?

Sítios fenícios foram encontrados em outros pontos do Brasil, aparentemente confirmam que eles estiveram por aqui.

Foram eles que inventaram as lendas sobre monstros que destruíam navios que ainda eram crenças na época dos descobrimentos de Colombo.

Ser viajantes os fez comerciantes.

Andarilhos e vendedores precisavam descansar das longas jornadas e por isso criaram colônias que sobreviveram ao tempo como cidades-estados.
Tiro, Sidon, Biblos, e a extraordinária Cártago, no norte da África, que um dia seria o maior desafio dos romanos.

Aliás, foram com eles que os romanos descobriram a funcionalidade do dinheiro, além de aprender as técnicas comerciais que enriqueceriam o Império dos latinos. Diziam os latinos que os fenícios haviam sido os inventores do dinheiro.

Sua religião possuía divindades que incentivavam os prazeres do sexo, da alegria, da música e da dança. Baal era o deus principal, associado ao sol e às chuvas. Aliyan, seu filho, era a divindade das fontes. Astarteia, muito popular, era uma deusa vinculada à riqueza e à fecundidade.

Andarilhos do mar, os fenícios deixaram uma herança que, ainda hoje, o próprio ocidente desconhece.

Que Baal os tenha em boas ondas e em águas calmas!


Prof. Péricles

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

A PATALOGIA DOS TRIBUNAIS



Tribunais, uma invenção humana, também ficam doentes. Nas últimas décadas, vários tribunais se perderam, cometeram barbaridades e passaram a se meter com políticas atrasadas. Uma verdadeira patologia, contrária ao espírito das leis e aos anseios de justiça neutra e cega. Uma vez doente, o tribunal dificilmente consegue cura.

Eis algumas doenças que afetam os tribunais.

Tribunal espetáculo

Stalin mandava prender a pessoa sob acusações falsas, e a enviava a um tribunal de juízes sectários. Achem o acusado, dizia ele, que acharei o parágrafo. Do pódio, três juízes perguntavam coisas triviais- você fala bem o russo? Já conversou com estrangeiro? Está contente com seu chefe? As respostas, quaisquer que fossem, eram apresentadas como prova contra o réu. Se fala bem o russo, porque se meteu com…? Se não fala bem o russo, porque se meteu com…? A cada tentativa de se explicar o apavorado réu se enredava mais. Chamados de show-trial em inglês, os tribunais eram transmitidos por radio para toda a União Soviética, justamente para amedrontar o povo. Não era tribunal justo, era o terror sob o manto de juízes. Algumas dezenas de milhares morreram.

Os tribunais da Alemanha dos anos 30 faziam o mesmo, com um toque de arapongagem, denúncia anônima, delação de vizinho. Juízes lenientes inquiriam, Salomão, você foi à sinagoga? Se sim, você deve ser judeu e não é bom cidadão do III Reich. Se não, você está mentindo e não é bom cidadão do III Reich. O réu era sempre condenado, sob microfones de radio e câmeras de filme que tudo mostravam em vinhetas antes das sessões de cinema. Hollywood ainda não se cansou de contar essa história.

O tribunal do faz-de-conta

Mock trial em inglês, acontece quando o juiz entra em sala com a decisão já tomada e deixa de fora provas essenciais ao processo. Caso famoso foi o Monkey trial, um bisonho tribunal que, ha um século, condenou um professor que explicava a evolução das espécies em escola primaria de uma região atrasada dos Estados Unidos. O juiz, cristão radical, condenou o professor mas, antes, rejeitou o testemunho de geólogos, arqueólogos, botânicos, médicos, historiadores, porém acatou o de fazendeiros que afirmaram haver sido a Terra criada há quatro mil anos, às nove horas da manhã. Foi também um dos mais divertidos shows de rádio do país. Próxima atração: o filme “O Vento Será Tua Herança”.

No Brasil, os tribunais da época da ditadura condenaram centenas de réus por atos políticos que sequer eram crimes.

Circo da mídia

O julgamento de O J Simpson durou meses sob holofotes das TVs dos Estados Unidos e por isso foi chamado de media circus; esse tipo de tribunal roda como espetáculo, muda o horário das próprias sessões para atender ao noticiário nacional das TVs, repete a cada meia hora as imagens dos advogados em cena. A injustiça é cometida quando a mídia, sob o imperativo de não parar o espetáculo, acaba influenciando as testemunhas, as provas, os peritos, os jurados e os próprios juízes. No caso Simpson, o juiz fez plástica facial para aparecer bem, perante as câmeras.

Tribunal abortado

Um tribunal aborta quando o juiz erra tudo, não define claramente qual é o verdadeiro crime, vacilando entre alegações, especulações, suspeitas e indícios sem prova. Caso famoso, hoje no currículo de alguns cursos de direito, foi o dos Irmãos Nave, acontecido em Minas Gerais dos anos 40. Acusados de haver assassinado um homem, os irmãos Nave foram torturados até confessarem. O juiz sequer perguntou se alguém havia visto o cadáver, mas, mesmo assim, os condenou. Da cadeia os Naves só saíram muitos anos depois, quando o homem reapareceu na cidade. Ele havia fugido sem avisar a ninguém.

Outro exemplo de aborto de justiça foi a condenação de Nelson Mandela à prisão perpetua por tribunal racista do apartheid, em cuja sala negros não entravam.

Os tribunais, constituídos de seres humanos, às vezes ficam doentes. Como estamos no Brasil?

por Milton Nogueira

domingo, 21 de outubro de 2012

A LOUCURA DE TODOS NÓS



Alonso Quijano era chamado pelos vizinhos de “O Bom”. Dono de pequena propriedade, já com idade avançada, levava uma vida pacata e sem aventuras.

Esperava a morte como quem não tem nada mais importante para fazer.

Tinha verdadeira adoração por leitura e terminava seus dias, invariavelmente, debruçado sobre seus livros.

Mas, não eram livros quaisquer. Eram livros de aventuras.

Histórias de heroísmo e de nobreza repletas de cores, as mesmas cores que lhe faltavam na sua vida em preto e branco.

Cavaleiros de espadas sagradas. Donzelas ameaçadas por perversos. A religião agredida por bárbaros. Que mundo violento meu Deus!

Era tamanho seu encantamento que, um belo dia, ninguém sabe exatamente quando, ele viajou para dentro de suas ilusões. Pulou de sua vida miserável mergulhando de cabeça no seu mundo de sonhos.

Para muitos. Alonso enlouqueceu. Para ele próprio, era um despertar.

Assim começa “Dom Quixote de La Mancha” obra imortal do espanhol Miguel de Cervantes, publicada pela primeira vez, em Madri, no ano de 1605.

No livro D. Quixote (nome fictício criado pelo próprio Alonso Quijano) acompanhado pelo vistoso cavalo Rocinante (um pobre e acabado pangaré) e por Sancho Panza, um amigo companheiro de todas as suas aventuras, enfrenta gigantes imaginários investindo contra moinhos, combate um exército inteiro de infiéis (um rebanho de ovelhas) e busca, em todos os momentos, encontrar sua donzela, Dulcinea Del Topozo, jovem “dona” de seu coração.

Enquanto D. Quixote salta de ilusão em ilusão Sancho Panza o acompanha, sendo o lado seguro da realidade, buscando salvar o amigo das enrascadas que se mete.

Sonho e realidade. Ilusão e pé no chão.

No final, momentos antes de morrer e novamente em suas perfeitas faculdades mentais, Alonso Quijano pergunta ao amigo Sancho, afinal, qual deles dois é o mais realista. Se aquele que vive a dura realidade da vida ou o que busca nos sonhos um novo sentido e um novo destino transformando a própria realidade.

Com certeza, todos nós temos em nosso íntimo um D. Quixote. E um Sancho.

E nosso D. Quixote também enfrenta moinhos e exércitos de ovelhas.

O problema é que, cada vez mais querem sonhar em nosso lugar e nos vender até os sonhos.

Sonhos que geralmente acabam quando começa um novo dia, e nosso Sancho Panza atento ao despertar, pula da cama para mais uma jornada de trabalho, de tédio e de toda a previsibilidade que a sociedade nos exige.

Se ousarmos enxergar no bêbado um aliado ferido, nos que sofrem sem teto e sem trabalho um reflexo de nós e de nossa incapacidade de criar uma sociedade mais justa, seremos classificados como loucos.

Se demonstrarmos incerteza, se dermos flores sem que seja aniversário de alguém, se amarmos só por amar sem querer ser proprietário da pessoa amada, nos chamarão de doidos.

Talvez só reste mesmo à esperança de que, em algum lugar, nos espere a nossa Dulcinéia, de braços abertos, olhos cúmplices e repletos de desejos.

Se desapareceram os gigantes, infiéis sanguinários e nobre de coração negro ainda existe o poder surreal da mídia, o neoliberalismo e a ganância para serem combatidos.

Quando próximo da morte, os amigos de D. Quixote queimaram todos os seus livros por considera-los culpados de sua loucura. Queimaram os livros, mas, não acabaram com os sonhos.

De Miguel de Cervantes “D. Quixote de La Mancha”. Obra imortal da Literatura Renascentista.

Leia. Você não perderá seu tempo e talvez encontre nos protagonistas muitas respostas para perguntas balbuciadas na embriagues das festas.


Prof. Péricles