sexta-feira, 19 de agosto de 2011

19 de agosto - DIA DO HISTORIADOR

A Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) deu parecer favorável, recentemente (09/09/2008) ao projeto de lei que institui o Dia Nacional do Historiador. A proposta que homenageia os historiadores é de autoria do senador Cristovam Buarque (PDT-DF).
Originalmente, o texto estabelecia que a data seria celebrada no dia 12 de setembro.


Mas o relator da proposição na CE, senador Augusto Botelho (PT-RR), propôs uma emenda - aprovada pela comissão - que altera a comemoração para o dia 19 de agosto. A nova data foi escolhida para homenagear Joaquim Nabuco, que nasceu em 19 de agosto de 1849 e também foi historiador.



JUSTIFICAÇÃO (por Cristovam Buarque)


Um povo sem história é um povo sem memória. Essa afirmação, mais que um dito já popular, é também uma verdade histórica, pois todos os agrupamentos humanos que não preservaram sua memória - em histórias, documentos, objetos de arte e arquitetura -
acabaram sucumbindo a ditaduras e até acabaram por desaparecer da face da Terra. Por essa razão, não apenas a disciplina que trata das histórias dos povos deve merecer nossa atenção, mas também os cientistas que se dedicam a essa tarefa tão nobre. Obviamente, a história se faz por seus protagonistas: lideranças políticas, religiosas e econômicas, por um lado; grupos populares, lutas contra a opressão e pela libertação, por outro. E para registrar tudo, o historiador. E de tal modo é importante o papel dos historiadores que,
por vezes, eles ajudam, também, a reconfigurar a história de um País.Ao lado da Filosofia e da Literatura, a História está presente desde os primeiros momentos da nossa tradição ocidental, constituindo um dos saberes mais antigos de nossa civilização. (...)


Fonte: café história

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

FREI TITO 02: AS PRÓPRIAS PEDRAS GRITARÃO

O texto é intenso, mas peço, encarecidamente, que o leiam até o final.

Foi escrito pelo próprio Frei Tito em fevereiro de 1970 e saiu clandestinamente da prisão sendo publicado, entre outros, pelas revistas Look e Europeo sob o título “As Próprias Pedras Gritarão”.

Leiam em nome de todas as vítimas. Em nome de Frei Tito.



Fui levado do presídio Tiradentes para a "Operação Bandeirantes", no dia 17 de fevereiro de 1970, 3ª feira, às 14 horas. O capitão Maurício veio buscar-me em companhia de dois policiais e disse: "Você agora vai conhecer a sucursal do inferno". Algemaram minhas mãos, jogaram me no porta-malas da perua. No caminho as torturas tiveram início: cutiladas na cabeça e no pescoço, apontavam-me seus revólveres.

Preso desde novembro de 1969, eu já havia sido torturado no DOPS. Em dezembro, tive minha prisão preventiva decretada pela 2ª auditoria de guerra da 2ª região militar. Fiquei sob responsabilidade do juiz auditor dr Nelson Guimarães. Soube posteriormente que este juiz autorizara minha ida para a OB sob “garantias de integridade física”.

Ao chegar à OB fui conduzido à sala de interrogatórios. A equipe do capitão Maurício passou a acarear-me com duas pessoas. O assunto era o Congresso da UNE em Ibiúna, em outubro de 1968. Queriam que eu esclarecesse fatos ocorridos naquela época. Apesar de declarar nada saber, insistiam para que eu “confessasse”.

Pouco depois levaram me para o “pau-de-arara”. Dependurado nu, com mãos e pés amarrados, recebi choques elétricos, de pilha seca, nos tendões dos pés e na cabeça. Eram seis os torturadores, comandados pelo capitão Maurício. Davam-me "telefones" (tapas nos ouvidos) e berravam impropérios. Isto durou cerca de uma hora. Descansei quinze minutos ao ser retirado do "pau-de-arara".

O interrogatório reiniciou. As mesmas perguntas, sob cutiladas e ameaças. Quanto mais eu negava mais fortes as pancadas. A tortura, alternada de perguntas, prosseguiu até às 20 horas. Ao sair da sala, tinha o corpo marcado de hematomas, o rosto inchado, a cabeça pe sada e dolorida. Um soldado, carregou-me até a cela 3, onde fiquei sozinho. Era uma cela de 3 x 2,5 m, cheia de pulgas e baratas. Terrível mau cheiro, sem colchão e cobertor. Dormi de barriga vazia sobre o cimento frio e sujo.

Na quarta-feira fui acordado às 8 h. Subi para a sala de interrogatórios onde a equipe do capitão Homero esperava-me. Repetiram as mesmas perguntas do dia anterior. A cada resposta negativa, eu recebia cutiladas na cabeça, nos braços e no peito. Nesse ritmo prosseguiram até o início da noite, quando serviram a primeira refeição naquelas 48 horas: arroz, feijão e um pedaço de carne. Um preso, na cela ao lado da minha, ofereceu-me copo, água e cobertor. Fui dormir com a advertência do capitão Homero de que no dia seguinte enfrentaria a “equipe da pesada”.

Na quinta-feira três policiais acordaram-me à mesma hora do dia anterior. De estômago vazio, fui para a sala de interrogatórios. Um capitão cercado por sua equipe, voltou às mesmas perguntas. "Vai ter que falar senão só sai morto daqui", gritou. Logo depois vi que isto não era apenas uma ameaça, era quase uma certeza. Sentaram-me na "cadeira do dragão" (com chapas metálicas e fios), descarregaram choques nas mãos, nos pés, nos ouvidos e na cabeça. Dois fios foram amarrados em minhas mãos e um na orelha esquerda. A cada descarga, eu estremecia todo, como se o organismo fosse se decompor.

Da sessão de choques passaram-me ao "pau-de-arara". Mais choques, pauladas no peito e nas pernas a cada vez que elas se curvavam para aliviar a dor. Uma hora depois, com o corpo todo ferido e sangrando, desmaiei. Fui desamarrado e reanimado. Conduziram-me a outra sala dizendo que passariam a carga elétrica para 230 volts a fim de que eu falasse "antes de morrer". Não chegaram a fazê-lo.

Voltaram às perguntas, batiam em minhas mãos com palmatória. As mãos ficaram roxas e inchadas, a ponto de não ser possível fechá-las. Novas pauladas. Era impossível saber qual parte do corpo doía mais; tudo parecia massacrado. Mesmo que quisesse, não poderia responder às perguntas: o raciocínio não se ordenava mais, restava apenas o desejo de perder novamente os sentidos. Isto durou até às 10 h quando chegou o capitão Albernaz.

"Nosso assunto agora é especial", disse o capitão Albernaz, ligou os fios em meus membros. "Quando venho para a OB - disse - deixo o coração em casa. Tenho verdadeiro pavor a padre e para matar terrorista nada me impede... Guerra é guerra, ou se mata ou se morre. Você deve conhecer fulano e sicrano (citou os nomes de dois presos políticos que foram barbaramente torturados por ele), darei a você o mesmo tratamento que dei a eles: choques o dia todo. Todo "não" que você disser, maior a descarga elétrica que vai receber".

Eram três militares na sala. Um deles gritou: "Quero nomes e aparelhos (endereços de pessoas)". Quando respondi: "não sei" recebi uma descarga elétrica tão forte, diretamente ligada à tomada, que houve um descontrole em minhas funções fisiológicas. O capitão Albernaz queria que eu dissesse onde estava o Frei Ratton. Como não soubesse, levei choques durante quarenta minutos.

Queria os nomes de outros padres de São Paulo, Rio e Belo Horizonte "metidos na subversão". Partiu para a ofensa moral: "Quais os padres que têm amantes? Por que a Igreja não expulsou vocês? Quem são os outros padres terroristas?". Declarou que o interrogatório dos dominicanos feito pele DEOPS tinha sido "a toque de caixa" e que todos os religiosos presos iriam à OB prestar novos depoimentos. Receberiam também o mesmo "tratamento". Disse que a "Igreja é corrupta, pratica agiotagem, o Vaticano é dono das maiores empresas do mundo".

Diante de minhas negativas, aplicavam-me choques, davam-me socos, pontapés e pauladas nas costas. À certa altura, o capitão Albernaz mandou que eu abrisse a boca "para receber a hóstia sagrada". Introduziu um fio elétrico. Fiquei com a boca toda inchada, sem poder falar direito. Gritaram difamações contra a Igreja, berraram que os padres são homossexuais porque não se casam. Às 14 horas encerraram a sessão. Carregado, voltei à cela onde fiquei estirado no chão.

Às 18 horas serviram jantar, mas não consegui comer. Minha boca era uma ferida só. Pouco depois levaram-me para uma "explicação". Encontrei a mesma equipe do capitão Albernaz. Voltaram às mesmas perguntas. Repetiram as difamações. Disse que, em vista de minha resistência à tortura, concluíram que eu era um guerrilheiro e devia estar escondendo minha participação em assaltos a bancos. O "interrogatório" reiniciou para que eu confessasse os assaltos: choques, pontapés nos órgãos genitais e no estomago palmatórias, pontas de cigarro no meu corpo. Durante cinco horas apanhei como um cachorro. No fim, fizeram-me passar pelo "corredor polonês". Avisaram que aquilo era a estréia do que iria ocorrer com os outros dominicanos.

Quiseram me deixar dependurado toda a noite no "pau-de-arara". Mas o capitão Albernaz objetou: "não é preciso, vamos ficar com ele aqui mais dias. Se não falar, será quebrado por dentro, pois sabemos fazer as coisas sem deixar marcas visíveis". "Se sobreviver, jamais esquecerá o preço de sua valentia".

Na cela eu não conseguia dormir. A dor crescia a cada momento. Sentia a cabeça dez vezes maior do que o corpo. Angustiava-me a possibilidade de os outros padres sofrerem o mesmo. Era preciso pôr um fim àquilo. Sentia que não iria aguentar mais o sofrimento prolongado. Só havia uma solução: matar-me.

Na cela cheia de lixo, encontrei uma lata vazia. Comecei a amolar sua ponta no cimento. O preso ao lado pressentiu minha decisão e pediu que eu me acalmasse. Havia sofrido mais do que eu (teve os testículos esmagados) e não chegara ao desespero. Mas no meu caso, tratava-se de impedir que outros viessem a ser torturados e de denunciar à opinião pública e à Igreja o que se passa nos cárceres brasileiros. Só com o sacrifício de minha vida isto seria possível, pensei.

Como havia um Novo Testamento na cela, li a Paixão segundo São Mateus. O Pai havia exigido o sacrifício do Filho como prova de amor aos homens. Desmaiei envolto em dor e febre.

Na sexta-feira fui acordado por um policial. Havia ao meu lado um novo preso: um rapaz português que chorava pelas torturas sofridas durante a madrugada. O policial advertiu-me: "o senhor tem hoje e amanhã para decidir falar. Senão a turma da pesada repete o mesmo pau. Já perderam a paciência e estão dispostos a matá-lo aos pouquinhos".

Voltei aos meus pensamentos da noite anterior. Nos pulsos, eu havia marcado o lugar dos cortes. Continuei amolando a lata. Ao meio-dia tiraram-me para fazer a barba. Disseram que eu iria para a penitenciária. Raspei mal a barba, voltei à cela. Passou um soldado. Pedi que me emprestasse a "gillete" para terminar a barba. O português dormia. Tomei a gillete. Enfiei-a com força na dobra interna do cotovelo, no braço esquerdo. O corte fundo atingiu a artéria. O jato de sangue manchou o chão da cela. Aproximei-me da privada, apertei o braço para que o sangue jorrasse mais depressa.

Mais tarde recobrei os sentidos num leito do pronto-socorro do Hospital das Clínicas. No mesmo dia transferiram-me para um leito do Hospital Militar. O Exército temia a repercussão, não avisaram a ninguém do que ocorrera comigo. No corredor do Hospital Militar, o capitão Maurício dizia desesperado aos médicos: "Doutor, ele não pode morrer de jeito nenhum. Temos que fazer tudo, senão estamos perdidos". No meu quarto a OB deixou seis soldados de guarda.

No sábado teve início a tortura psicológica. Diziam: "A situação agora vai piorar para você, que é um padre suicida e terrorista. A Igreja vai expulsá-lo". Não deixavam que eu repousasse. Falavam o tempo todo, jogavam, contavam-me estranhas histórias. Percebi logo que, a fim de fugirem à responsabilidade de meu ato e o justificarem, queriam que eu enlouquecesse.

Na segunda noite recebi a visita do juiz auditor acompanhado de um padre do Convento e um bispo auxiliar de São Paulo. Haviam sido avisados pelos presos políticos do presídio Tiradentes. Um médico do hospital examinou-me à frente deles mostrando os hematomas e cicatrizes, os pontos recebidos no hospital das Clínicas e as marcas de tortura. O juiz declarou que aquilo era "uma estupidez" e que iria apurar responsabilidades. Pedi a ele garantias de vida e que eu não voltaria à OB, o que prometeu.

De fato fui bem tratado pelos militares do Hospital Militar, exceto os da OB que montavam guarda em meu quarto. As irmãs vicentinas deram-me toda a assistência necessária Mas não se cumpriu a promessa do juiz. Na sexta-feira, dia 27, fui levado de manhã para a OB. Fiquei numa cela até o fim da tarde sem comer. Sentia-me tonto e fraco, pois havia perdido muito sangue e os ferimentos começavam a cicatrizar-se. À noite entregaram-me de volta ao Presídio Tiradentes.

É preciso dizer que o que ocorreu comigo não é exceção, é regra. Raros os presos políticos brasileiros que não sofreram torturas. Muitos, como Schael Schneiber e Virgílio Gomes da Silva, morreram na sala de torturas. Outros ficaram surdos, estéreis ou com outros defeitos físicos. A esperança desses presos coloca-se na Igreja, única instituição brasileira fora do controle estatal-militar. Sua missão é: defender e promover a dignidade humana. Onde houver um homem sofrendo, é o Mestre que sofre. É hora de nossos bispos dizerem um BASTA às torturas e injustiças promovidas pelo regime, antes que seja tarde.

A Igreja não pode omitir-se. As provas das torturas trazemos no corpo. Se a Igreja não se manifestar contra essa situação, quem o fará? Ou seria necessário que eu morresse para que alguma atitude fosse tomada? Num momento como este o silêncio é omissão. Se falar é um risco, é muito mais um testemunho. A Igreja existe como sinal e sacramento da justiça de Deus no mundo. "Não queremos, irmãos, que ignoreis a tribulação que nos sobreveio.

Fomos maltratados desmedidamente, além das nossas forças, a ponto de termos perdido a esperança de sairmos com vida. Sentíamos dentro de nós mesmos a sentença de morte: deu-se isso para que saibamos pôr a nossa confiança, não em nós, mas em Deus, que ressuscita os mortos" (2Cor, 8-9).

Faço esta denúncia e este apelo a fim de que se evite amanhã a triste notícia de mais um morto pelas torturas.

Frei Tito de Alencar Lima, OP
Fevereiro de 1970

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

FREI TITO: EM CAMPO SANTO

Como falar de uma pessoa como Frei Tito sem se emocionar? Como contar sua história sem sentir a alma presa a uma tempestade?
Conheça nesse Blog a história de Frei Tito em 3 Atos:

ATO 01: EM CAMPO SANTO
Tito de Alencar Lima nasceu em Fortaleza (CE) em 14/05/1945.

Estudou em Fortaleza, sua terra natal, com os padres jesuítas e, mais tarde, foi aluno de Filosofia da USP, em São Paulo. Atuou como dirigente regional e nacional da Juventude Estudantil Católica (JEC).

Em 1965, ingressou na Ordem dos Dominicanos, sendo ordenado sacerdote em 1967.
Foi preso em 1968, sob a acusação de ter alugado o sítio onde se realizou o famoso 30º Congresso da UNE, em lbiúna (SP).

Foi preso novamente em 04/11/1969, em companhia de outros frades dominicanos acusados de manterem ligações com a ALN e seu líder Carlos Marighella.

Frei Tito foi torturado durante 40 dias pela equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury e, em seguida, transferido para o Presídio Tiradentes, onde permaneceu até 17 de dezembro. Nesse dia, foi levado para a sede da OBAN (Operação Bandeirantes), onde o conhecido torturador capitão Maurício Lopes Lima lhe disse: “Agora você vai conhecer a sucursal do inferno”.

Depois de mais dois dias de intensa tortura, tentou o suicídio com uma gilete, sendo conduzido às pressas para o Hospital Central do Exército, no Cambuci, onde ficou cerca de uma semana sob tratamento médico. No entanto, em nenhum momento os agentes pararam de torturá-lo psicologicamente.

Banido do país em 13/01/1971, em troca do embaixador suíço no Brasil, viajou para o Chile, seguindo depois para a Itália e França. Após algum tempo, instalou-se na comunidade dominicana de Arbresle, onde lutou desesperadamente contra os crescentes tormentos de sua mente, abalada pela tortura.

Até junho de 1973, Frei Tito viveu no convento S. Jacques, em Paris, onde retomou seus estudos na Universidade de Sorbonne. A tortura deixara nele seqüelas profundas e rompeu definitivamente seu equilíbrio psíquico.

Apesar dos cuidadosos tratamentos a que se submeteu na França, sua unidade interior havia se partido. Foi mandado para o convento dominicano de Sainte Marie de la Tourette, em Eveux, província de Lyon, onde poderia encontrar um clima mais calmo para estudar Teologia. Nada adiantou, pois os torturadores
haviam tomado conta de seu próprio psiquismo.

No dia 07/08/1974, com 31 anos, Frei Tito enforcou-se em uma árvore de um bosque ao redor do convento, conforme bem retratado no filme Batismo de Sangue, do diretor Helvécio Ratton, exibido em todo o Brasil em 2006 e 2007.

A morte foi seu último ato de coragem e protesto. Foi enterrado no cemitério de Sainte Marie de la Tourette. Registre-se que os Frades Dominicanos, que não enterram suicidas em "Campo Santo", o enterraram, colocando em sua lápide, como data de sua morte o dia da prisão, e não o dia do suicídio. Para eles, Frei Tito já estava morto, assassinado pela ditadura brasileira, quando se suicidou.

Em 25/03/1983, seus restos mortais foram trasladados para o Brasil e acolhidos solenemente na igreja dos Dominicanos, em Perdizes, na capital paulista, onde, ao lado dos restos mortais de Alexandre Vannucchi Leme, morto em 17/03/1973 e enterrado como indigente no cemitério de Perus, recebeu homenagens e manifestações de saudade.

Dom Paulo Evaristo Arns, símbolo da defesa dos Direitos Humanos no Brasil, coordenou a celebração litúrgica, sendo que em seguida os ossos de Frei Tito foram trasladados a Fortaleza.



Adaptado da Revista “O Berro”.

sábado, 13 de agosto de 2011

HERÓIS DO POVO

Cidade de Rio Grande, no Rio Grande do Sul.
Domingo, 1º de Maio de 1950. Dia do Trabalhador.
Barraquinhas coloridas e bandas de música animam a festa popular.
Gente animada, homens, mulheres, crianças.
E discursos, muitos discursos que não poderiam faltar numa festa organizada pelos comunistas para comemorar a data.

Criticavam a opção do governo brasileiro, do Presidente Eurico Gaspar Dutra, em se atrelar ao bloco capitalista liderado pelos Estados Unidos na Guerra Fria. Protestavam também contra a ameaça nuclear, o arrocho salarial e pela falta de liberdade.

Tentando esvaziar a festa, as autoridades locais organizaram uma partida de futebol entre o Esporte Clube Rio Grande, uma paixão local e o C.R. Vasco da Gama, do Rio de Janeiro. É claro que uma multidão preferiu prestigiar a partida.

No meio da pequena multidão, sorridente, estava a jovem tecelã Angelina Gonçalves, sempre acompanhada de sua filhinha Shirley de 10 anos. Uma mulher feliz, no limite do que era permitido ser feliz a uma mulher trabalhadora em 1950.

Após os festejos os trabalhadores resolveram terminar as comemorações de seu dia com uma passeata que se dispersaria em frente à sede da União Operária, que havia sido fechada pelo governo que acusava a entidade de ser um “antro de comunistas”.

Punhos fechados a passeata seguiu seu rumo. Angelina carregava numa das mãos, uma enorme bandeira do Brasil, enquanto com a outra segurava Shirley.

"A Bandeira na frente, companheiros" gritou alguém, e abriu-se o espaço para que Angelina pudesse expor o estandarte nacional à frente dos companheiros.

Já próximo de seu destino um delegado do DOPS interceptou a marcha. Acompanhado de vários agentes armados da Brigada Militar, exigiu que dispersassem. Houve discussão, empurrões e o dia festivo virou dia de guerra.

Tiros, gemidos, gritos desesperados. Uma batalha campal.

Após um tempo que ninguém sabe determinar com precisão, um soldado da Brigada Militar estava caído no chão, gravemente ferido (morreria pouco depois no Hospital). Do outro lado, quatro operários jaziam mortos, atingidos por balas covardes. Ao lado de um dos corpos ensangüentados uma pequena menina, chorava copiosamente.

Segundo testemunhas, Angelina resistira bravamente, quando tentaram lhe tirar a bandeira de sua mão, e por isso foi mortalmente atingida.

No outro dia, enquanto muitos ainda convalesciam nos hospitais e as lideranças dos trabalhadores era perseguida, os jornais mancheteavam o enterro do soldado, morto pelos comunistas.

Sobre Angelina, Shirley e os outros três operários mortos, nenhum comentário.

Aos mortos pela repressão sempre pesa a condenação ao anonimato nos livros da história oficial.

A Angelina Gonçalves, heroína do povo, um túmulo com o nome mal rabiscado.
Uma filha, de nome Shirley, pra contar sua história.
E os versos, publicados em 1954, pela poetisa comunista Lila Ripoli:


Foi num primeiro de maio,
na cidade de Rio Grande.
O céu estava sem nuvens.
O mês das flores nascia.
O vento lembrava as flores
no perfume que trazia.

O povo reuniu-se em festa
pois a festa era do povo.

Crianças, homens, mulheres,
o povo unido cantava.
O povo simples da rua,
comovido se abraçava.

Foi num primeiro de maio,
de pensamento profundo.
"Uni-vos, ó proletários,
ó povos de todo o mundo".
(...)

A tecelã Angelina,
vivaz e alegre cantava,
Recchia - o líder operário
ria e confraternizava.

Era primeiro de maio,
dia de festa do mundo.
(...)

"Amigos, a rua é larga.
Unidos vamos partir.
A nossa 'União Operária'
nós hoje vamos abrir."
(...)

Alguém arrebata
das mãos de Angelina
a verde Bandeira
que ondula no ar.


O rosto em tormento,
cabelos ao vento,
retorna Angelina,
mais alta e mais fina.

"A nossa Bandeira,
nas mãos da polícia?"
E à luta regressa,
com febre no olhar.
(...)

A grande alegria caindo dos olhos,
Das vozes, das flores, do dia sem nuvens:
"Poder Popular!"
Num dia, tão perto, tão claro, tão certo,
Meus olhos verão.
Não morre a semente lançada na terra.
Os frutos virão!

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

CRISES E RADICALISMOS

Quando a Europa do pós-I guerra mundial se percebeu em ruínas, a fome bateu à sua porta. E quando a essas ruínas se adicionaram os efeitos da grande depressão iniciada com a crise da Bolsa de Nova York, à fome se juntou o desespero.

Navegando no vácuo das esperanças o radicalismo cresceu. Situações desesperadas permitem surgir idéias radicais, assim como o afogado que se agarra a qualquer coisa como tábua de salvação.

Quando o Fascismo deu suas caras na Itália e o Nazismo, pouco depois, ascendeu na Alemanha, poucos perceberam a materialidade da ameaça que surgia.

Homens como Mussolini e Adolf Hitler não foram levados a sério por muitos.

O genial Charles Chaplin confessaria anos depois da guerra que, quando um amigo alemão lhe enviou uma foto de Hitler discursando em praça pública, com os olhos esbugalhados, e batendo furiosamente com as mãos no próprio peito, ele simplesmente achou graça, observou apenas o bigodinho estúpido, e guardou a foto numa gaveta qualquer. Tempos depois, revendo a mesma foto, ele não entendia como não havia percebido o que aquele olhar esbugalhado podia significar

A falta de dinheiro trás discussões e incômodos inúteis aos lares assim como a crise financeira trás Hitleres e Mussolines aos governos.

A Europa atual apresenta, novamente, um panorama econômico de gravidade que ameaça sair do controle de seus falascianos sistemas financeiros, impulsionados a todo vapor pela crise na maior economia global, a dos Estados Unidos.

A Grécia literalmente faliu ano passado. A Irlanda e até mesmo Espanha e Itália, ameaçam seguir o mesmo rumo.

O Euro se equilibra na corda bamba enquanto o desemprego crescente bate à porta da comunidade européia.

E “coincidentemente” velhos e conhecidos personagens estão de volta.

A discriminação que já destilou ódio aos judeus, ciganos, eslavos, negros, homossexuais entre outros, já desfila por países como Portugal, Inglaterra, Áustria...

A xenofobia, revigorada, agora se volta aos imigrantes, em especial, aos muçulmanos.

A cabeça raspada substitui a suástica, mas a receita é a mesma...violência.

Bananas são jogadas aos gramados acompanhando sons que imitam macacos, agredindo jogadores de futebol negros e até um brasileiro já foi morto na estação do metro de Londres por ser “parecido” com o tipo árabe.

A história tem, como objetivo maior impedir que se repitam erros do passado.

Por isso, é importante que nós não achemos graça de piadinhas aparentemente inocentes de cunho racista, homofóbico ou xenófobo.

Foi com piadinhas sobre inocentes bigodes que eles, os senhores do ódio, chegaram lá.

Que não cheguem novamente. Que não se permita outra vez que o radicalismo do desespero crie novos pesadelos mundiais.

Prof. Péricles

GUERRILHA DO ARAGUAIA NA VISÃO DO PC DO B

A Guerrilha do Araguaia ocorreu no início da década de 70. Uma batalha entre combatentes revolucionários e as forças do regime reacionário imposto ao país com o golpe de 1964. Mesmo atualmente é difícil conseguir informações sobre o confronto ocorrido no Sul do Pará a partir de um ataque do Exército em 12 de abril de 1972 – "o único movimento rural armado contra o regime militar - cujo combate mobilizou o maior número de tropas brasileiras desde a II Guerra Mundial”.

Dos 69 militantes do Partido Comunista do Brasil que estavam na área, 59 morreram no conflito, além de moradores da região também assassinados e das baixas das Forças Armadas - as estimativas variam entre quatro e 200 (!) militares mortos. Do lado do governo, segundo O Globo, houve "casos de militares mortos no combate à Guerrilha cujos corpos foram entregues às famílias em caixões lacrados, acompanhados da explicação de que a morte ocorrera por acidente durante uma manobra de treinamento".

As Forças Armadas desencadearam três campanhas militares contra a Guerrilha. "Os guerrilheiros não se tornariam prisioneiros de guerra. Simplesmente deixariam de existir. Todos, com a exceção de Ângelo Arroyo, que escapou, foram mortos. Os oficiais do Exército avaliavam que a Guerrilha do Araguaia duraria décadas, caso não fosse combatida da forma criminosa que foi: "Mesmo os oficiais condecorados por bravura na repressão à Guerrilha evitam falar no assunto. Ao contrário dos militares que lutaram na II Guerra Mundial, que exibem com orgulho as medalhas que conquistaram na luta contra o nazifascismo, os heróis das Forças Armadas no Araguaia são discretos. Afinal, como justificar as condecorações numa guerra que, oficialmente, não houve?"

A Guerrilha do Araguaia foi organizada e dirigida na clandestinidade pelo Partido Comunista do Brasil. Destinava-se a organizar a resistência armada contra a ditadura. Outras formas de luta não tinham espaço para se concretizar nas cidades. O objetivo político da Guerrilha do Araguaia estava expresso em um documento, largamente distribuído entre a população do Sul do Pará, intitulado Proclamação da União pela Liberdade e Pelos Direitos do Povo. Um movimento intimamente ligado à população camponesa, pobre e sofrida da região. Tentativas de resistências armadas já haviam ocorrido no país, organizadas por outras correntes políticas, no Vale da Ribeira e em Caparaó. Mas duraram pouco tempo. O Araguaia resistiu por três anos.

No Araguaia encontravam-se pessoas de diferentes formações: operários, camponeses, bancários, médicos, engenheiros, geólogos e, principalmente, estudantes universitários. Dentre os que para lá se dirigiram, estava Maurício Grabois, constituinte de 1946. Tomaram conhecimento da região e estabeleceram ampla relação com a população local. Enfrentavam, porém, tremenda desigualdade no que diz respeito ao armamento, em contraste com as armas sofisticadas das Forças Armadas. Essa luta era a luta de cem contra vinte mil, Davi contra Golias.



As Forças Armadas atuaram no Araguaia como bárbaros. Cometeram crimes imperdoáveis. Degolaram guerrilheiros, expuseram corpos mutilados nas vilas e nas cidades para atemorizar a população. Violentaram as próprias leis de guerra (a convenção de Genebra). Mataram prisioneiros indefesos. Torturaram – muitos dos torturados enlouqueceram. As Forças Armadas destruíram tudo que podia lembrar a Guerrilha. Incendiaram os barracos construídos pelos guerrilheiros. Destruíram até os móveis primitivos que eles haviam improvisado. Aplicaram a política de terra arrasada, de não deixar vivo nenhum dos combatentes. Foi assim que acabaram matando Ângelo Arroyo, um dos comandantes da guerrilha, um ano e meio depois de terminada a luta, na Chacina da Lapa, em 1976.


Nas Forças Armadas havia setores que condenavam as barbaridades cometidas – pois elas são instituição paga com o dinheiro do povo, não podem tê-lo como inimigo principal. É necessário que essas Forças repudiem tais crimes, condição para que possam contar com a simpatia do povo, preparando-se para as grandes batalhas que poderão advir em defesa da soberania e da independência da pátria.