segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

OS DONOS DA MORAL


A moral é mutável e temporal.

Muita coisa que hoje é imoral um dia já foi moralmente correto, e vice e versa.

O que direciona esse frágil conceito de moral é, basicamente, a economia e não, como imagina a maioria, a religião.

Aquilo que se considera a moral imutável e perfeita, na verdade é apenas o espelho de seu tempo, de sua economia e das relações sociais.

É assim que o casamento sem compromissos legais que, considerado correto nas sociedades helênicas, tornou-se uma imoralidade nas sociedades cristãs já que, a hereditariedade dos bens, nas sociedades cristãs fortaleceu a própria dominação do privado em relação ao coletivo.

Mais ou menos como a homossexualidade que, na antiguidade clássica era aceitável e até estimulada, tornou-se pecado mortal nas sociedades judaicas-cristãs.

Por ser temporal a moral também possui características geográficas, isso é, dentro do mesmo tempo, em lugares diferentes, os conceitos do que seja ou não moral podem variar radicalmente.

O aborto, a pena de morte e a eutanásia, atualmente considerados crimes em alguns lugares são legalmente permitidos em outros.

Diante desse rápido raciocínio, e sem maiores aprofundamentos, salta aos olhos uma realidade prática: o que é ou não moral é extremamente relativo e subjetivo.

Entretanto existem pessoas que se consideram luminares da moralidade.

Essas pessoas não aceitam de forma lógica a possibilidade de enxergar questões polêmicas um pouco além das suas próprias convicções.

Se o problema fosse apenas esse não haveria maiores danos pois tratar-se-ia apenas de questões pessoais, de dificuldade de alguns para aceitar o contraditório e a opinião alheia, mas a questão é muito mais grave que isso.

Na verdade, pessoas assim acabam provocando e alimentando prejuízos sociais muito maiores ao se arvorarem donos da moral (e dos bons costumes), senhores da verdade e bastiões do comportamento alheio.

São os reacionários que se julgam vigilantes do que seja correto.

Fazem oposição irracional ao que seja oposto às suas próprias ideias, adulam conceitos que discriminam e, acabam tornando-se agentes do ódio e da intolerância.

Os donos da verdade e da moral tornam-se carrascos insensíveis daqueles que não vivem ou enxergam a vida como eles mesmos enxergam.

Foram essas pessoas que ainda ontem isolavam leprosos em verdadeiros infernos de horror condenando os enfermos à morte pela solidão.

Foram pessoas assim que jogaram gays, lésbicas e deficientes físicos nos campos de concentração nazistas.

Déspotas do comportamento dos outros, são esses os críticos dos muçulmanos que apedrejam as mulheres do islã, mas que, há pouco tempo aplaudiam a morte pela fogueira da Inquisição das mulheres do mundo cristão.

Carimbadores de rótulos, censores das mães solteiras e das “mulheres sem marido”.

Os donos da verdade e da moral se acreditam vetores da vontade divina e isso amplia o rastro de ódio por onde passam porque juntam fanatismo ao conservadorismo.

Dedo em riste são ávidos em condenar sem olhar para si mesmos. Muitos apedrejam prostitutas, as mesmas que buscam avidamente no anonimato da noite. Ou que instigam seus filhos a “comerem todas” mas querem matar a tiros os namorados cabeludos que consideram indignos de suas filhas.

Não é de se admirar, portanto, que as marchas da “Família com deus pela Liberdade” estejam de volta às ruas brasileiras, se bem que, na verdade, jamais tenham se afastado delas.

Nem que um golpe de corruptos tenha tido sucesso em derrubar uma presidente honesta que representava trabalhadores, que Trump seja eleito e que o Brasil tenha se transformado numa fauna de patinhos de borracha e batidas insanas de panelas.

Ou que hajam eleitores de representantes da intransigência no Brasil, na Europa, nos Estados Unidos.

Isso é uma velha e conhecida história que apenas se repete e perpetua.

E dessa forma, mais uma vez se evidencia que, aos defensores de valores humanistas como a liberdade e a tolerância, reste como única opção a união em defesa desses valores que são universais e não esmaecem com o tempo nem se alteram pela geografia.

Ao contrário dos que buscam tolher o comportamento, os que prezam a democracia, a inclusão e o direito à diferença praticam a solidariedade e o perdão, lições que os mestres do amor jamais cansaram de ensinar.

Contra os donos da moral, os conservadores e reacionários as mais poderosas armas serão sempre a educação, o exemplo, a força do voto e a razão.

E, se parar para pensar, talvez se conclua que a única coisa realmente imoral, seja a arrogância dos hipócritas.




Prof. Péricles

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