quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O SEGREDO DE CALABAR


Em 1624 os holandeses invadiram sukerland (como chamavam Brasil) a “terra do açúcar”. Enquanto uma guerra de grandes proporções explodia na Europa, o Brasil, praticamente abandonado por Portugal, parecia um alvo fácil, quase gratuito, às necessidades holandesas de manter o ciclo do comércio do açúcar, responsável pela maior parte de seu PIB.

Entretanto. O inesperado: Liderados por um bispo com alma de militar chamado D. Marcos Teixeira, os luso-brasileiros embrenharam-se nas matas e deram início a uma guerra de guerrilha que enlouqueceria o invasor. Como resultado ficaram restritos à Salvador e tiveram que bater em retirada em 1625. A terra do açúcar lhe fora demasiadamente amarga.

Cinco anos depois, eles retornaram. Mas, nada de se meter com o bispo louco. Dessa vez os batavos preferiram invadir Pernambuco.

Na falta de um estrategista do calibre de D. Marcos, o rei enviou para o Brasil o militar Matias de Albuquerque, que assumiria as funções de governador das terras livres e empreenderia a resistência aos holandeses.

Matias de Albuquerque criou no coração da mata uma aldeia, chamada de Arraial do Bom Jesus, arregimentou homens, e dali partia para incursões de guerrilhas muito parecidas com as usadas com sucesso na Bahia. Tão parecidas que, novamente o inimigo estancou e parecia não saber o que fazer.

Embora o comandante militar fosse Matias de Albuquerque, o estrategista e comandante de fato era Domingos Fernandes Calabar, um sujeito que nascera em Alagoas (então parte integrante da Capitania de Pernambuco), mulato (ou mameluco, há controvérsias), profundo conhecedor da região, que tinha, na época, aproximadamente 30 anos.
Inteligente, havia feito fortuna com o contrabando de drogas do sertão e vaquejadas, chegando até a se tornar dono de terras e de engenhos.

Pois quando a guerra adquiria cada vez mais um gosto de filme já visto, tudo mudou, de forma dramática e inesperada.
Ninguém, jamais, conseguiu explicar porque, mas o fato é que, em abril de 1632, depois de dois anos muitas vitórias e atos de heroísmo, além de dois ferimentos graves em batalha, quando os holandeses já haviam desistido de Olinda e recuado, ocupando apenas Recife, Calabar, simplesmente, mudou de lado.

Será que ele pretendia mais riqueza (que se saiba não ganhou nenhuma moeda dos holandeses)? Terras? Poder? Como pode um guerreiro entusiasmado mudar de lado como quem muda de roupa?

Com Calabar a seu lado a guerra muda completamente de rumo. Os neerlandeses conquistam as vilas de Goiana e de Igaraçu, a ilha de Itamaracá, o forte do Rio Formoso. Os nativos com espanto enxergam Calabar à frente das tropas decretando a virtual vitória dos invasores.

Pessoalmente, Domingos Fernandes procura lideranças entre cristãos-novos (judeus), negros, índios e mulatos e os convencem a lutar contra os luso-brasileiros.

Matias de Albuquerque é forçado a recuar cada vez mais. O Arraial do Bom Jesus vira fumaça. Seus melhores homens mortos ou presos e a tática de guerrilha já não dava mais resultados, pois o inimigo conhecia as matas, tanto ou melhor do que ele. Amaldiçoava Calabar, que um dia chegara a considerar um amigo, todos os dias.

Em março de 1635, próximo ao Porto Calvo é informado da presença, na região, de um grupo de 380 holandeses. Entre eles, o próprio Calabar. Febrilmente Albuquerque cria uma cilada, pede ajuda dos moradores locais, promete recompensa, fala da traição e acaba obtendo êxito. Os holandeses caem prisioneiros, Calabar está lá.

Não há julgamento, nem mesmo um enforcamento oficial. Calabar é declarado traidor e condenado à morte. É garroteado, isso é, seu pescoço é apertado por uma corda até ser transpassado completamente por um prego. Depois, seu corpo esquartejado fica exposto em praça pública.

Os holandeses prestariam homenagens fúnebres de herói a ele, que, inclusive, já ocupava o posto de Major de suas forças.

No silêncio das cinzas, Calabar tornou-se um dos maiores mistérios da história do Brasil.

A vingança pessoal de Matias de Albuquerque, não evitou a derrota, e os holandeses acabaram ocupando toda a região açucareira que objetivavam.

Ele foi um traidor? Mas, a quem traiu? Ao Brasil que ainda não existia como nação? A Portugal, então dominado pelos reis Felipes da Espanha, ou à Espanha a quem ele sequer conhecia?

Na única concessão antes da execução, Calabar pode confessar seus pecados ao Frei Manuel do Salvador. Apesar de toda a pressão esse religioso morreu sem jamais dizer o que o condenado lhe dissera.

Para muitos Calabar era um agente holandês que primeiro se infiltrou nas forças brasileiras para depois repassar informações privilegiadas a seus comandantes.

Para outros foi um vil traidor por dinheiro, mesmo sem provas sobre isso.

Para outros ainda, Domingos Fernandes Calabar era um brasileiro de visão à frente de seu tempo que entendia ser mais vantajoso ao futuro do Brasil pertencer aos domínios holandeses do que ser colônia portuguesa.

Para os criadores de mito, Domingos Fernandes Calabar em carta dirigida a Matias de Albuquerque, teria afirmado que passara para o outro lado não como traidor, mas como patriota.

Esse, será, talvez, para sempre, o segredo de Calabar.


Prof. Péricles




domingo, 27 de outubro de 2013

HOJE NÃO HAVERÁ SESSÃO


Na minha cidade de Porto Alegre, havia um cinema chamado “Cine Astor”.

Levado pela onda dos shoppings, de exibições em salas menores, praticamente, todos os cinemas tradicionais da cidade fecharam.

No dia seguinte a seu fechamento, após o última filme, alguém colocou na frente do prédio, um cartaz, feito a mão, que quase passava despercebido. Nele se lia “Hoje não haverá sessão”.

Todos sabiam do fechamento definitivo da casa. Mas, alguém, acalentou a ilusão de que um dia o velho cinema voltaria a ser freqüentado, que um dia voltaria a ter platéia. A prova estava lá no teimoso “hoje” não haverá sessão.

Certas coisas nas nossas vidas são assim mesmo.

Gostaríamos de poder negar seu fim.

Gostaríamos de acreditar que tudo o que é bom dura para sempre.

Que o romantismo jamais será superado pelo mercado, que a modernidade nunca tornará obsoleto os nossos maiores prazeres.

Que bom seria poder dizer “hoje não seremos jovens” ou “apenas hoje estaremos morrendo”.

“Hoje não te amarei” na esperança pueril de que o amor retorne um dia, com seu antigo vigor, reconquistando seu lugar no coração vazio.

Enquanto queremos que as coisas boas sejam eternas, queremos provisórias as coisas que nos machucam.

Estamos doentes, mas somos saudáveis, estamos deprimidos, mas somos felizes.

O que é bom é definitivo, o que é ruim é temporário. Ou, pelo menos, deveria ser.

Foi sábio o autor do cartaz do cine Astor.

A teimosia em anunciar uma transitoriedade e não o final deveria inspirar todos os finais.

Hoje, somente hoje, e nada mais.

Quando estivermos com raiva, com desejos de vingança, nos sentindo menores do que somos. Quando o sentimento for de ser a última das opções, não esqueçamos, lá no fundo do coração, escrever “hoje”, mantendo aberta a porta para a ilusão benevolente.

E quando chegar nossa última sessão, que nosso cartaz seja rebelde, teimoso e repleto de confiança e coragem, mesmo que escrito numa simples folha de papel.

Prof. Péricles


sexta-feira, 25 de outubro de 2013

ENTULHOS DA DITADURA


Por Chico Otávio e Aloy Jupiara

Isolado na tropa, o capitão Aílton Guimarães Jorge pediu demissão do Exército no dia 9 de março de 1981. O gesto do oficial, ao trancar a farda no armário, selou uma aliança que mudaria o perfil do crime organizado no Brasil: a de agentes da ditadura com a contravenção. Capitão Guimarães é a face mais exposta desse processo, mas não a única. A partir dos anos 1970, um pequeno pelotão de agentes migrou dos porões da tortura para as fileiras do jogo do bicho, levando junto a brutalidade, a arapongagem e a disciplina da guerra suja contra as esquerdas. Bicheiros ajudaram a perseguir inimigos do regime, e a ditadura retribuiu com proteção e impunidade.

Sob a influência da doutrina militar e ao custo de uma guerra nas ruas, o jogo do bicho antes fracionado e informal tornou-se centralizado e organizado.

Esvaziados pelo processo de distensão política ou excluídos por envolvimento em crimes comuns, agentes da repressão encontraram abrigo na máfia do jogo do bicho quando a guerra suja perdia a força na metade dos anos 1970. O coronel Freddie Perdigão Pereira, os capitães Ronald José Motta Baptista de Leão e Luiz Fernandes de Brito, o sargento Ariedisse Barbosa Torres, o cabo Marco Antônio Povoleri, os delegados Luiz Cláudio de Azeredo Vianna, Mauro Magalhães e Cláudio Guerra, e o detetive Fernando Gargaglione, além do Capitão Guimarães, todos com folha de serviços prestados à ditadura, são citados por essas fontes e documentos como integrantes desse pelotão arregimentado pelo bicho.

Com eles, a experiência de violência e espionagem adquirida nos porões somou-se às práticas da contravenção.

Guimarães, que caíra em desgraça no Exército ao ser flagrado comandando uma quadrilha de contrabandistas fardados, encontrou na jogatina fora dos quartéis o caminho para o topo de uma nova hierarquia, à paisana. Aniz Abraão David, o Anísio da Beija-Flor, estabeleceu seu clã político na Baixada Fluminense e se blindou da ação da polícia sobre seus negócios. Castor Gonçalves de Andrade e Silva, o Castor da Mocidade Independente, íntimo de agentes da repressão, negociou com o regime, sendo beneficiado quando sua metalúrgica beirava a falência. Ângelo Maria Longas, o Tio Patinhas, expandiu seus negócios em Niterói com a ajuda de Guimarães.

Assassinatos do período misturaram interesses militares e civis, envolvendo bicheiros e ex-torturadores, desde o de pequenos contraventores, como Agostinho Lopes da Silva Júnior, o Guto (em junho de 1979), cujos pontos em Niterói, São Gonçalo e Itaboraí foram assumidos pelo Capitão Guimarães, a crimes famosos, como o de Misaque José Marques e Luiz Carlos Jatobá (em janeiro de 1981), acusados de invadir a casa de Anísio em Piratininga, Niterói, e do policial Mariel Maryscotte de Mattos (em outubro de 1981), depois de tentar comprar os pontos do bicheiro Jorge Romeu, o Jorge Elefante, em Niterói.

A guarnição da 1ª Companhia de Polícia do Exército (PE), da Vila Militar, em Deodoro, foi a gênese desse fenômeno. No final dos anos 60, a PE desencadeou uma repressão contra políticos da Baixada Fluminense, a maioria prefeitos e vereadores cassados pelo regime sob acusação de corrupção. Foi essa limpeza que abriu o terreno para que, em Nilópolis, o clã liderado por Anísio assumisse o controle político local e se apoderasse dos pontos de pequenos bicheiros. Nos anos 1970, Guimarães, Luiz Fernandes e Povoleri, todos da PE e integrantes de um grupo processado por extorquir contrabandistas, começaram seu movimento em direção à contravenção.

Dois dos principais centros de tortura do Rio, o Destacamento de Operações de Informações (DOI) da Rua Barão de Mesquita, na Tijuca, e a Casa da Morte, aparelho montado pelo Centro de Informações do Exército (CIE) em Petrópolis, também foram incubadoras de capangas da contravenção. Na Casa, por exemplo, atuou o então comissário e depois delegado da Polícia Civil Luiz Cláudio, codinome na repressão Laurindo, mais tarde braço-direito de Anísio. O sargento Torres, que teria feito parte da equipe de interrogadores do ex-deputado Rubens Paiva, desaparecido em 1971, é outro que migrou do DOI à contravenção. Ele se tornou segurança de Anísio e chefe de barracão da escola de samba Beija-Flor.

Os resultados dessa aliança, pouco depois, seriam vistos com a consolidação de uma nova cúpula do bicho a verticalização do poder, a eliminação gradual de lideranças de pequeno e médio porte, a anexação de territórios antes fracionados e a organização de rotinas. São dessa época a adoção do sistema de atas nas reuniões e o mapeamento dos pontos, até então distribuídos de forma improvisada. Também foram os agentes da ditadura que ensinaram os bicheiros a grampear seus adversários.

Unidos pelos interesses da contravenção e por um projeto de poder, Castor, Anísio e Guimarães (que passara a controlar a Unidos da Vila Isabel) fundaram em 1984 a Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa). Castor foi o primeiro presidente, entre 1984 e 1985; Anísio, o segundo, entre 1986 e 1987; Guimarães reinou entre 1987 e 1993, e, depois, entre 2001 e 2007.

O sistema discricionário de acusações, apurações e punições da ditadura militar deu poder excepcional a certos grupos ligados às polícias, ao SNI e ao sistema DOI-Codi. Deu-lhes, especialmente, tecnologia e know-how para conseguir ou fabricar informações que custavam vidas e rendiam muito dinheiro. Montou-se com a ajuda desses operadores da repressão e da tortura a quase inexpugnável rede mafiosa do jogo do bicho e empresas de arapongas.

A Liga das Escolas de Samba é patrocinada e dirigida por contraventores. Ironicamente, no carnaval, nenhum político ou governante posa ao lado de seus organizadores.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

O PASTOR E A FLOR


O vento curtia seu corpo franzino.

No deserto é acompanhado por milhares de fragmentos de areia que machucam a pele nua, como pequenos cacos de vidro.

Seu trabalho era estafante.

Cuidava das ovelhas, todos os dias, desde manhã quando as levava ao pasto, até a noite quando as fazia retornar ao cercado.

Apesar de uma família feliz, da esposa jovem e companheira e de filhos saudáveis, sentia-se infeliz pela rotina. Achava tudo monótono e que todos os dias eram o mesmo que apenas se repetia infindáveis vezes.

Um dia, enquanto abrigava-se sobre a sombra de um cedro, viu uma pequena flor branca que nunca havia antes reparado.

Arrancou uma de suas pétalas e a levou a boca.

Sentiu-se estranho. Sentiu-se embriagar, da forma mais forte que já sentira, mais até do que com o vinho que sorvia nas noites mais frias.

Colocou outra pétala e mais outra à boca.

Viu-se então num carrossel invisível.

Sem perceber passou a dançar sozinho no deserto sobre os olhares opacos de suas ovelhas.

E dançou e dançou e dançou, volvendo a areia num turbilhão ciclônico.

Ao despertar já era noite.

As cabras juntaram-se para se proteger do frio, outras haviam se desgarrado, enquanto ao longe o uivo dos lobos alertava para o perigo.

Com a boca seca e o coração batendo muito forte, empurrou em meio às trevas os animais que podia enxergar.

Foi o retorno mais longo e dolorido pra casa, onde a esposa aflita e os filhos em prantos o imaginavam morto.

Nos dias seguintes não contou a ninguém sua estranha experiência.

Continuou seu trabalho de pastoreio, mas nunca mais pode ficar sem aquelas estranhas pétalas e seus efeitos.

Dançava sozinho ao vento, mugia como animal cantava músicas sem rima, ria e fazia discurso às cabras.

Não percebeu quando o prazer deu lugar à loucura.

Por sua negligência seus animais foram se perdendo, devorados por predadores ou roubados pelos salteadores, até não restar mais nenhum.

Ele mesmo muitas vezes ficou nu após ser impiedosamente atacado e agredido por ladrões.

Misturava sangue às lágrimas e já não as mais distinguiam.

Sem as cabras, não havia porque retornar ao deserto, mas ele retornava todos os dias, apenas para provar o sabor das pétalas.

Logo a fome se abateu sobre o seu lar e sua esposa recolhendo seus filhos se foi embora, tratar da sobrevivência.

Ficou só e sem ninguém para retornar passou a dormir no deserto, encolhido entre os trapos que se tornaram suas roupas e alimentando-se apenas das pétalas que, se não lhe davam substância, lhe tiravam a fome.

Um dia, quando o vento do deserto lhe bateu mais forte na pele nua, se percebeu um velho prematuro, coberto de andrajos, com o olhar eternamente voltado para baixo, em busca das migalhas e tendo apenas o prazer efêmero da flor, e de seu prazer esdrúxulo.

Então o vento solitário do deserto fez uma curva e foi balançar as flores estranhas. A ventania se fez tornado e seu gemido dolorido se tornou rugido levando uma a uma todas as flores que ainda restavam.

Ele correu em círculos mas não pode pega-las.

Ao mesmo tempo se fez noite e uma lágrima silenciosa acompanhou distante o uivo derradeiro de um predador faminto. Só então ele percebeu que as flores brotaram de sua própria alma mesquinha e faminta de aventuras. Flores do jardim árido de sua alma preocupada apenas consigo e com seus desejos.

Ninguém é feliz sozinho, foram as derradeiras palavras que lhe chegaram aos ouvidos.

Foi numa noite distante, a última de seus devaneios que ele percebeu que, nenhuma flor verdadeira nasce de terra árida, regada pelo egoísmo, que não seja à flor da loucura.


Prof. Péricles
Texto psicografado de uma vítima das drogas

sábado, 19 de outubro de 2013

LOUCURAS NO MUNDO GREGO


A crise da Grécia é tão profunda que provoca pânico nos analistas e alucinações coletivas.

A mídia, por sua vez, joga mais lenha na fogueira, e nós, distantes da velha Grécia até acreditamos numa nova mitologia.

Olha só o que já se falou sobre a crise grega nos últimos dias:

Zeus loteou o Olimpo e o vendeu à vários grupos imobiliários.

Aquiles está tratando do seu calcanhar ferido pelo SUS, grego, naturalmente.

Eros inaugurou sexshop e emprega ninfas que viraram mania nacional.

Dionísio abriu uma vinícola que fatura alto graças a uma campanha publicitária que promete “vinho dos deuses”.

Os 12 trabalhos de Hércules tornaram-se 6 devido aos cortes no orçamento.

Narciso está vendendo produtos da Avon.

O Minotauro aceitou um trabalho no circo.

O Partenom foi vendida para a Igreja Universal do Reino de Deus.

Já, nossa amiga Medusa, está pedindo emprego no Butantã.

Embora Angela Merkel afirme que a União Européia não deixará a Grécia na mão, ninguém tem certeza que a casa não vai cair e a luta pela sobrevivência é intensa.

Afrodite, finalmente, depois de inúmeras negativas, aceitou posar para a Playboy.

Sócrate e Platão criaram uma dupla certaneja e já vão lançar o primeiro CD, “Minha Hélade Querida”.

Leônidas vende literatura de Cordel na entrada do desfiladeiro das Termófilas, que, aliás, ganhou um mirante e uma lancheria Mc Donalds para atender os turistas do mundo todo.

Hermes passou em concurso público e trabalha nos correios, no setor de entregas rápidas.

Diógenes tenta criar um empresa de energia privada, cujo símbolo é uma lanterna.

Helena trabalha numa rádio como consultora de casos sentimentais.

Safo abriu um Parque temático na Ilha de Lesbos.

Pitágoras trabalha como professor de Matemática num colégio público.

Ares, p deus da guerra, foi preso em flagrante negociando armas com Al Qaeda.

Licurgo apareceu e pretende faturar alto com as vendas de um livro sobre o mistério de seu desaparecimento.

Édipo se formou em psiquiatria e é especialista em casos de filhos apaixonados pela mãe.

A turma do Oráculo de Delfos foi contratada pela Globo pra fazer previsões econômicas no lugar do Sademberg que não acerta uma.

Realmente, a crise pegou a Grécia de jeito e agora, cada mito que se vire.

Tempos difíceis, tempos difíceis, pelos deuses!

Prof. Péricles



quarta-feira, 16 de outubro de 2013

A FILHA ESCONDIDA DE AUSCHWITZ


Por Thomas Harding


Vive na zona de Washington desde 1972. Mas ainda não contou a sua
história aos netos: o seu pai era Rudolf Höss, o Kommandant de
Auschwitz e aquele que concebeu e construiu o campo, transformando-o
numa máquina de morte capaz de assassinar duas mil pessoas numa hora.

Desde 1972 que Brigitte Höss vive discretamente numa rua arborizada e
pouco central da Virgínia do Norte.
Foi Rudolf Höss quem concebeu e construiu Auschwitz a partir de umas
casernas velhas na Polónia, transformando-as numa máquina de morte,
capaz de assassinar duas mil pessoas numa hora. No final da guerra,
1,1 milhões de judeus tinham morrido no campo, juntamente com 20 mil
ciganos e dezenas de milhares de polacos e presos políticos russos.
Como tal, o pai de Brigitte foi um dos maiores assassinos em massa da
História.

Durante cerca de 40 anos, ela manteve o seu passado longe dos olhares
públicos, e por analisar. Nem sequer partilhou a sua história com os
familiares mais próximos.

Quando o assunto Holocausto é abordado, desvia a conversa. "Se alguém
me pergunta sobre o meu pai, digo que morreu na guerra."

Mas ela acabou de fazer 80 anos e interroga-se se não está na altura
de contar aos netos o seu passado. Foi uma jovem apanhada nas
forças épicas de uma história que ela pouco conseguia entender, muito
menos ser responsabilizada por ela. Será agora a altura de digerir a
sua história familiar? Irá acabar com o medo de ser descoberta que a
perseguiu durante toda a sua vida? Ou irá levar a sua história para o
túmulo?

De acordo com os registros do pessoal das SS - que estão nos Arquivos
Nacionais em College Park -, Inge-Brigitt Höss nasceu a 18 de Agosto
de 1933, numa quinta perto do Mar Báltico. O seu pai, Rudolf, e a sua
mãe, Hedwig, conheceram-se nessa quinta, que era um paraíso para os
jovens alemães obcecados com idéias de pureza de raça e utopia rural.
Brigitte foi a terceira de cinco irmãos.

Brigitte teve uma infância extraordinária, mudando de uma quinta para
um campo de concentração a seguir a outro à medida que o pai subia na
hierarquia das SS: Dachau até aos cinco anos, Sachsenhausen entre os
cinco e os sete; e dos sete aos onze, no campo de morte mais famoso de
todos, Auschwitz.

Entre 1940 e 1944, a família Höss vivia numa vivenda de dois andares
em estuque cinzento no limiar de Auschwitz - tão perto que da janela
do andar de cima dava para ver os barracões da prisão e o velho
crematório. A mãe de Brigitte descrevia o sítio como "um paraíso":
tinham cozinheiros, amas, jardineiros, motoristas, costureiras,
cabeleireiras e mulheres de limpeza, alguns dos quais prisioneiros.

A família decorou a casa com mobília e obras de arte roubadas aos
prisioneiros quando eram selecionados para as câmaras de gás. Era uma
vida de luxo que se desenrolava a poucos passos do horror e do
tormento. Quase todos os domingos, o Kommandant levava às crianças a•verem os cavalos aos estábulos. Adoravam ir aos canis fazer festinhas
nos pastores alemães.

Em Abril de 1945, quando o fim da guerra já estava à vista, Rudolf
Höss e a família fugiram para o Norte. Separaram-se. A mulher ficou
com as crianças e refugiou-se por cima de uma antiga fábrica de açúcar
em St. Michaelisdonn, uma aldeia perto da costa. O Kommandant assumiu
a identidade de um trabalhador e escondeu-se numa quinta a 6,5
quilômetros da fronteira dinamarquesa. A família Höss ficou à espera
do momento certo para fugir para a América do Sul.

"Lembro-me de quando eles vieram a nossa casa fazer perguntas", diz,
com a voz firme. "Estava sentada à mesa com a minha irmã. Tinha cerca
de 13 anos. Os soldados britânicos não paravam de gritar: "Onde está o
teu pai? Onde está o teu pai?”Fiquei com umas dores de cabeça
terríveis. Fui lá para fora chorar, debaixo de uma árvore. Obriguei-me
a acalmar. Obriguei-me a parar de chorar, e a minha dor de cabeça
desapareceu. Mas depois disso tive sempre enxaquecas. Essas enxaquecas
pararam há alguns anos, mas, desde que recebi a sua carta, voltei a
tê-las."

O Kommandant foi a primeira pessoa com uma posição elevada na
hierarquia a admitir a extensão da chacina em Auschwitz. Foi entregue
aos americanos, que o fizeram testemunhar em Nuremberg. Depois, Höss
passou para os polacos, que o processaram e o enforcaram num cadafalso
ao lado do crematório de Auschwitz.

Na década de 1950, Brigitte conseguiu deixar a Alemanha e começar uma
vida nova em Espanha. Era uma jovem deslumbrante, com cabelo loiro
comprido, uma figura esbelta e uma atitude do tipo "não te metas
comigo". Trabalhou como modelo durante três anos com a emergente casa
de moda Balenciaga. E conheceu um engenheiro americano que trabalhava
em Madrid para uma empresa de comunicações sediada em Washington.

Casaram em 1961.
A vida de Brigitte está agora cheia de médicos, hospitais e
comprimidos. Divorciou-se do marido em 1983.
O sobrinho de Brigitte, Reiner Höss, filho de Hans Hürgen, é o único
membro da família que fez perguntas sobre o passado. Em 2009, fui com
ele a Auschwitz. A certa altura, ele vira-se para mim e diz
categoricamente: "Se eu soubesse onde o meu avô está enterrado, mijava
na campa dele."

Talvez uma das conseqüências de manter o passado em privado é que ele
fica por analisar. Brigitte diz-me que nunca visitou o Museu Nacional
do Holocausto. E, apesar de entender o valor de um museu para nos
recordar as atrocidades do passado, diz que deveria ser em Auschwitz
ou Israel e não em Washington. "Eles fazem sempre a coisa pior do que
ela é", diz. "É horrível, não suporto."

Quando lhe refiro que o seu pai confessou ser responsável pela morte
de mais de um milhão de judeus, argumenta que os britânicos
"arrancaram-lhe isso com tortura". "E o seu pai, o que recorda dele?",
pergunto.

"Era o homem mais simpático do mundo", responde. "Era muito bom para nós."

Brigitte acredita que o pai era um homem sensível e que sabia estar
envolvido em algo mau. "Tenho a certeza de que por dentro ele estava
triste", recorda. "É apenas uma sensação. A forma como ele estava em
casa, a forma como ele estava conosco, às vezes ele parecia triste
quando voltava do trabalho."

Brigitte luta por conciliar a dupla natureza do pai. "Ele tinha de ter
dois lados. Aquele que eu conhecia e o outro..."

Todas as noites a octogenária Brigitte dorme sob o olhar atento do seu
amado pai, Rudolf Höss.


Thomas Harding é autor de Hanns and Rudolf: The True Story of the
German Jew Who Tracked Down and Caught the Kommandant of Auschwitz
(Simon & Schuster Hardcover, Setembro de 2013).

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

O QUE É BOM PARA ELES


Por Paulo Moreira Leite


Primeiro embaixador em Washington depois do golpe de 64, Juracy Magalhães entrou para a história com uma frase famosa: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil.”

Hoje, costuma-se justificar uma postura de submissão até risível diante dos Estados Unidos, naquela época, pelo contexto da Guerra Fria. Não era. Havia países que procuravam uma alternativa que não fosse nem alinhamento automático pró-Moscou nem pró-Washington. Antes do golpe, o Brasil era um desses países, com uma política externa que procurava ser independente, iniciada por Jânio Quadros e assumida por João Goulart.

Lembro da frase lendária do embaixador para tentar entender a reação de muitas pessoas ao discurso de Dilma Rousseff na ONU. Até a imprensa internacional deu um tratamento respeitoso ao pronunciamento, uma forma de reconhecer sua importância.

Entre observadores brasileiros, cheguei a ouvir comentários em tom de ironia. Com aquele jeito de quem sabe de realidades ocultas que escapam a mim e a você, ouvi dizer que nos Estados Unidos, ninguém mais dá importância a denúncias dessa natureza. A sugestão é que isso é coisa de gente atrasada – ou de político demagogo, populista…
Há bons motivos para suspeitar que se pretende, com essa atitude, ressuscitar o espírito do embaixador Juracy Magalhães. O segredo dessa postura é nunca inverter a ordem dos fatores e perguntar, por exemplo, se o que é bom para o Brasil é bom para os EUA.

Na verdade, é difícil acreditar que o tratamento seja tão descontraído assim, digno de piadinhas. Bradley Manning, o soldado que cedeu documentos secretos da diplomacia americana para o Wikileaks, acaba de ser condenado a mais de 35 anos de prisão. Julius Assange, que publicou o material, vive há mais de um ano trancafiado na embaixada do Equador, em Londres, sob o risco de ser expatriado para os EUA. Edward Snowden conseguiu refúgio na Rússia pelo receio do que poderia lhe acontecer se fosse capturado pelo Exército norte-americano. O presidente da Bolívia, Evo Morales, chegou a fazer um pouso forçado, na Europa, porque se suspeitava de que pudesse estar levando Snowden para fora do velho mundo.

A espionagem é assunto tão grave e tão sério, nos EUA, como em qualquer outro lugar. Até mais, na verdade.

Acusados de trabalhar como espiões para a União Soviética, o casal Julius e Ethel Rosemberg foi condenado a pena de morte, na década de 1950. Vinte anos depois, Richard Nixon foi forçado a renunciar em função do escândalo Watergate, uma história de espionagem interna, quando operadores do partido republicano tentaram fotografar documentos e instalar sistemas de escuta para captar os planos e diálogos dos adversários.

Conclusão: ao contrário do que procuram nos fazer acreditar, a população norte-americana sabe muito bem onde se encontram seus interesses – e não trata com piada assuntos que são sérios de verdade. A soberania nacional e o direito a privacidade estão entre eles, vamos combinar.

sábado, 12 de outubro de 2013

GIAP E O IMPOSSÍVEL



Sexta-feira, dia 4 de outubro, morreu um querido colega, professor de história.
Querido apesar de nunca tê-lo visto pessoalmente. Mas para nós que ousamos acreditar na utopia do mundo mais justo, distâncias, tempo e formalidades não existem de verdade e professores de história costumam fazer do tempo seu aliado.

Vo Nguyen Giap tinha 102 anos. Tempo de vida totalmente imprevisto para alguém que desde os 14 anos fazia parte de organização clandestina que lutava contra o poder instituído. Para militantes assim, a expectativa média de vida não passa de 2 anos.

Mas, esse homem era especialista em impossibilidades.

Era impossível que a Indochina, frágil e ocupada, expulsasse as forças francesas de seu território. Nguyen Giap os derrotou e expulsou.

Era impossível que meio Vietnam em luta contra a maior máquina de guerra do mundo, as forças armadas dos Estados Unidos, tivesse qualquer chance de êxito militar. Giap não só os enfrentou como os derrotou e os fez sair do país humilhação jamais esquecida pelo Império.

Era impossível que o povo vietnamita sobrevivesse aos bombardeios de napalm ou que suas matas sobrevivessem aos efeitos do agente laranja, mas sobreviveram.

Para um homem assim, sobreviver até mais de cem anos foi apenas mais uma improbabilidade.

Deve estar agora contando alguns de seus feitos à sua esposa, a tailandesa DangThiQuang, uma militante comunista, presa e morta sob torturas, assim como seu filho recém-nascido. Juntos, finalmente.

Giap foi fundador e comandante supremo do Exército do Povo do Vietnam.

Abandonou a carreira de professor de história em 1937, para organizar colegas e alunos na luta revolucionária.

Estrategista notável tornou-se um fantasma à frente de um exército de fantasmas, atacando sempre e recuando sempre que necessário.


Criou uma série complexa de túneis que interligavam pontos chaves e enlouqueciam o exército americano.

Não tendo aeronáutica, teve que suportar os mais terríveis e covardes bombardeios da história, quando foram usados, inclusive, armas químicas e biológicas, sem nenhum protesto do mundo ocidental.

Na chamada Ofensiva do Tet,
suas tropas chegaram a combater nas ruas da capital do Vietnam do Sul, Saigon, o
que levou os Estados Unidos a se retirarem, de forma humilhante, do Vietnam.

A última imagem vista pela televisão dessa guerra mostra funcionários e autoridades americanas brigando a tapas para entrarem no helicóptero que lhes permitiria a fuga.

Em 1975, ocorreu a reunificação do país.

Giap continuou Ministro da Defesa e, por um curto período, foi Primeiro-Ministro. Mas em 1991 se retirou em definitivo da vida pública. Morreu em Hanói
aos 102 anos.

Ele agora, não é mais um professor de história que atravessava as matas para ensinar seus alunos.

Vo Nguyen Giap, agora, é a própria história que seu povo revive nas noites da floresta.


Prof. Péricles

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

PELOS DEUSES DO EGITO


Todo o espaço era coberto por Nun, as águas do caos, até que Ben-Ben, uma clina sagrada levantou-se das entranhas da água. No pico de Ben-Ben a silhueta de Atum, o primeiro deus.

Atum gerou Shu, o deus do ar e Tefnut, que tiveram dois filhos, Geb, deus da terra e Nut, deusa do céu. E, Shu (ar) ergueu o corpo de Nut (deusa do céu), colocando-o acima de Geb (terra), e esta se tornou a abóboda do céu. Nut e Geb tiveram por sua vez quatro filhos: Osíris, Isís, Seth e Néfti.

Assim começa, na mitologia Egípcia, a história do mundo. Todas essas imagens remetem para os elementos da natureza, ar, água, terra, céu, etc...

Povo de extraordinários conhecimentos sobre a vida, sobre os homens e sobre a morte.

Osíris tornou-se deus e rei da terra; Isís foi a sua mulher, rainha e irmã. Mas Seth o deus do deserto invejava profundamente a Osíris e um dia, usando artimanhas rasteiras, o matou. Osíris foi para o mundo subterrâneo e Seth tornou-se rei da terra. Hórus, filho de Osíris e Ísis vingou a morte do pai e reconquistou o trono.

Conheciam tão bem o deserto como conheciam o caráter humano a ponto de destacar em sua mitologia, sentimentos como amor, inveja, vingança.

Osiris ainda vivia no reino subterrâneo. Néftis que nutria uma secreta paixão por ele, um dia se disfarçou de Ísis e deitou-se com Osíris dando a Luz a Anúbis o deus com corpo de homem e cabeça de cão que presidia o mundo dos mortos.

O Deus dos mortos, senhor dos mundos além da vida, era filho de uma mentira, assim como a morte é uma mentira. Assim como Néftis enganou Osiris disfarçando-se de Isis, a morte é um disfarce para outras verdades muito mais profundas, do lado de lá da existência.

Grande mistério, de tantos mistérios, das crenças e mitologias desse povo fantástico, são os oito deuses de Hermóplis.

São deuses inexplicáveis no contexto maior do panteão divino. Deuses que, para alguns seria os primeiros e mais antigos deuses de todos, para outros seriam a essência de tudo, e para alguns, mestres de outra civilização desconhecida, cultuados, especialmente na cidade de Hermópolis.Eram eles: Nun e Naunet, o caos, o oceano primordial;Heh e Hehet, o infinito; Kek e Kauket, as trevas e Amon e Amaunet, o oculto.

De onde viemos, o que somos, para onde vamos. O que existe depois da morte... Todas as explicações estavam nas divindades. E toda a divindade estava na alma e na potencialidade criativa do ser humano.

O que eram os oito deuses?

Egito, terra de mistério e de respostas perdidas entre as areias do tempo.

Prof. Péricles

domingo, 6 de outubro de 2013

PT, POR ONDE ANDAS?


A transição é uma etapa fundamental em qualquer processo. É mais do que apenas passagem. É uma transformação, uma intermediação. Através dela teremos algo novo, mas esse algo novo carrega consigo parte do que já foi. Num sincretismo entre duas situações que trazem a uma terceira.

A adolescência, por exemplo, é uma transição da infância para a idade adulta. É a fase mais rica do ser humano no sentido de fazer suas definições. O adulto que resultará após essa transição da adolescência será alguém novo, mas não estranho à criança que o precedeu.

Muitas vezes as pessoas se confundem e tomam a transição pelo definitivo. Dessa forma poderemos ter adultos que jamais abandonam a adolescência pois se acreditam completos.

O PT – Partido dos Trabalhadores, surgiu na década de 80, fruto das greves do ABC paulista, ainda na fase de abertura da Ditadura Militar. Quando surgiu, o PT era a maior novidade no quadro político brasileiro em mais de 50 anos, pois se pretendia de esquerda sem ser identificado com o trabalhismo, historicamente ligado ao sindicalismo, nem com os partidos ou ideais marxistas. Dizia-se a nova esquerda.

Por muito tempo fulgurou como oposição ao antigo, a nova estrela e o resgate das esperanças soterradas pela queda do muro de Berlim.

Os cenários do teatro político, porém, se alteram, e o PT varou os tempos de oposição ao conservadorismo dos apoiadores da ditadura, cruzou as águas da Constituinte, se colocou como contraponto ao neoliberalismo, e, finalmente, chegou ao poder.

Poucos perceberam que o PT deveria ser uma transição, uma passagem da rebeldia para o amadurecimento político onde deveria dar o lugar a um novo partido de esquerda que unisse todas as aspirações e sonhos de um Brasil novo e realmente popular.

Embriagado pelo poder, o PT se esqueceu de ser transição para se tornar o definitivo. Com uma pitada de autoritarismo aqui, uma porção de personalismo por lá, recriou a receita do “daqui não saio, daqui ninguém me tira”.

Em nome do imponderável conceito de “governabilidade” fez alianças com a direita mais arcaica e com os setores mais conservadores, distribuindo favores, partilhando ministérios, como se sua pureza fosse impermeável e inatingível.

O PT é hoje governo, junto com aliados que foram, mais do que combatidos, desprezados e humilhados por ele mesmo, o PT, num passado muito recente. Tomam cafezinhos juntos, no barzinho do Planalto, coronéis e jagunços, junto com torturadores e torturados.

É contra CPIs, instrumento político que mais defendeu em sua existência. Perde constantemente militantes que continuam idealistas e está envolvido com seus parceiros políticos naquilo que mais denunciava, a corrupção.

Dessa forma, negando-se ao seu papel histórico de transição tomou o espaço que deveria caber a um partido de esquerda mais moderno e coeso, que continuasse as lutas erguendo as bandeiras históricas da construção de uma sociedade mais justa, mais fraterna e igualitária.

Hoje, não é mais um partido de esquerda, e sim, de centro-esquerda. Não é um partido revolucionário, mas reformista. Não é mais popular, mas, populista.

Ainda representa a melhor resposta eleitoral para barrar os projetos da direita, especialmente ao neoliberalismo, mas precisa entender que vitória eleitoral não é tudo e que política não se faz apenas nos corredores e nos conchavos, mas, onde, um dia ele foi rei, nas ruas, nos bares, na comunidade.

A maior vitória do PT será se entender uma transição e permitir que um novo estágio na busca das utopias (ao invés de se entender como a própria utopia), se consolide.

Seu maior tesouro, a militância diferenciada e que ganhava eleições no grito e no entusiasmo, desapareceu e foi desaparecida pelo próprio partido, cada vez mais, parecido com os partidos mais tradicionais do Brasil.

Agora com a privatização silenciosa de nosso petróleo que ocorre com os leilões do Poço de Libra, arrisca perder o último brilho de sua estrela e a dignidade de seu passado.

Prof. Péricles

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

PEPE MUJICA


Trechos do discurso do Presidente do Uruguai José Alberto Mujica Cordano, conhecido popularmente como Pepe Mujica, na Assembléia Geral da ONU.

Amigos, sou do sul, venho do sul. Esquina do Atlântico e do Prata, meu país é uma planície suave, temperada, uma história de portos, couros, charque, lãs e carne. Houve décadas púrpuras, de lanças e cavalos, até que, por fim, no arrancar do século 20, passou a ser vanguarda no social, no Estado, no Ensino. Diria que a social-democracia foi inventada no Uruguai.

Durante quase 50 anos, o mundo nos viu como uma espécie de Suíça. Na realidade, na economia, fomos bastardos do império britânico e, quando ele sucumbiu, vivemos o amargo mel do fim de intercâmbios funestos, e ficamos estancados, sentindo falta do passado.

Quase 50 anos recordando o Maracanã, nossa façanha esportiva. Hoje, ressurgimos no mundo globalizado, talvez aprendendo de nossa dor. Minha história pessoal, a de um rapaz — por que, uma vez, fui um rapaz — que, como outros, quis mudar seu tempo, seu mundo, o sonho de uma sociedade libertária e sem classes. Meus erros são, em parte, filhos de meu tempo. Obviamente, os assumo, mas há vezes que medito com nostalgia.

Quem tivera a força de quando éramos capazes de abrigar tanta utopia! No entanto, não olho para trás, porque o hoje real nasceu das cinzas férteis do ontem. Pelo contrário, não vivo para cobrar contas ou para reverberar memórias.

Me angustia, e como, o amanhã que não verei, e pelo qual me comprometo. Sim, é possível um mundo com uma humanidade melhor, mas talvez, hoje, a primeira tarefa seja cuidar da vida.

Carrego as culturas originais esmagadas, com os restos de colonialismo nas Malvinas, com bloqueios inúteis a este jacaré sob o sol do Caribe que se chama Cuba. Carrego as consequências da vigilância eletrônica, que não faz outra coisa que não despertar desconfiança. Desconfiança que nos envenena inutilmente. Carrego uma gigantesca dívida social, com a necessidade de defender a Amazônia, os mares, nossos grandes rios na América.

Carrego o dever de lutar por pátria para todos.

Parece que nascemos apenas para consumir e consumir e, quando não podemos, nos enchemos de frustração, pobreza e até auto-exclusão.

Nossa civilização montou um desafio mentiroso e, assim como vamos, não é possível satisfazer esse sentido de esbanjamento que se deu à vida. Isso se massifica como uma cultura de nossa época, sempre dirigida pela acumulação e pelo mercado.

Arrasamos a selva, as selvas verdadeiras, e implantamos selvas anônimas de cimento. Enfrentamos o sedentarismo com esteiras, a insônia com comprimidos, a solidão com eletrônicos, porque somos felizes longe da convivência humana.

A política, eterna mãe do acontecer humano, ficou limitada à economia e ao mercado. De salto em salto, a política não pode mais que se perpetuar, e, como tal, delegou o poder, e se entretém, aturdida, lutando pelo governo. Debochada marcha de historieta humana, comprando e vendendo tudo, e inovando para poder negociar de alguma forma o que é inegociável. Há marketing para tudo, para os cemitérios, os serviços fúnebres, as maternidades, para pais, para mães, passando pelas secretárias, pelos automóveis e pelas férias. Tudo, tudo é negócio.

O homenzinho médio de nossas grandes cidades perambula entre os bancos e o tédio rotineiro dos escritórios, às vezes temperados com ar condicionado. Sempre sonha com as férias e com a liberdade, sempre sonha com pagar as contas, até que, um dia, o coração para, e adeus. Haverá outro soldado abocanhado pelas presas do mercado, assegurando a acumulação. A crise é a impotência, a impotência da política, incapaz de entender que a humanidade não escapa nem escapará do sentimento de nação. Sentimento que está quase incrustado em nosso código genético.

Hoje é tempo de começar a talhar para preparar um mundo sem fronteiras. A economia globalizada não tem mais condução que o interesse privado, de muitos poucos, e cada Estado Nacional mira sua estabilidade continuísta, e hoje a grande tarefa para nossos povos, em minha humilde visão, é o todo.

Talvez nosso mundo necessite menos de organismos mundiais, desses que organizam fórums e conferências, que servem muito às cadeias hoteleiras e às companhias aéreas e, no melhor dos casos, não reúne ninguém e transforma em decisões…

Continuarão as guerras e, portanto, os fanatismos, até que, talvez, a mesma natureza faça um chamado à ordem e torne inviáveis nossas civilizações. Talvez nossa visão seja demasiado crua, sem piedade, e vemos ao homem como uma criatura única, a única que há acima da terra capaz de ir contra sua própria espécie. Volto a repetir, porque alguns chamam a crise ecológica do planeta de consequência do triunfo avassalador da ambição humana. Esse é nosso triunfo e também nossa derrota, porque temos impotência política de nos enquadrarmos em uma nova época. E temos contribuído para sua construção sem nos dar conta.

A cobiça, tão negativa e tão motor da história, essa que impulsionou o progresso material técnico e científico, que fez o que é nossa época enosso tempo e um fenomenal avanço em muitas frentes, paradoxalmente,essa mesma ferramenta, a cobiça que nos impulsionou a domesticar aciência e transformá-la em tecnologia nos precipita a um abismonebuloso. A uma história que não conhecemos, a uma época sem história,e estamos ficando sem olhos nem inteligência coletiva para seguir colonizando e para continuar nos transformando.

Ouçam bem, queridos amigos: em cada minuto no mundo se gastam US$ 2 milhões em ações militares nesta terra. Dois milhões de dólares por minuto em inteligência militar!! Em investigação médica, de todas as enfermidades que avançaram enormemente, cuja cura dá às pessoas uns anos a mais de vida, a investigação cobre apenas a quinta parte da investigação militar.

Até que o homem não saia dessa pré-história e arquive a guerra como recurso quando a política fracassa, essa é a larga marcha e o desafio que temos daqui adiante. E o dizemos com conhecimento de causa. Conhecemos a solidão da guerra.

O homem pode levar a agricultura ao mar. O homem pode criar vegetais que vivam na água salgada. A força da humanidade se concentra no essencial. É incomensurável. Ali estão as mais portentosas fontes de energia. O que sabemos da fotossíntese? Quase nada. A energia no mundo sobra, se trabalharmos para usá-la bem. É possível arrancar tranquilamente toda a indigência do planeta. É possível criar estabilidade e será possível para as gerações vindouras, se conseguirem raciocinar como espécie e não só como indivíduos, levar a vida à galáxia e seguir com esse sonho conquistador que carregamos em nossa genética.

Mas, para que todos esses sonhos sejam possíveis, precisamos governar a nos mesmos, ou sucumbiremos porque não somos capazes de estar à altura da civilização em que fomos desenvolvendo.