domingo, 23 de dezembro de 2012
CHIMANGOS E MARAGATOS - OS MITOS (2)
Gumercindo Saraiva é considerado um dos maiores estrategistas da Revolução Federalista (1893/1895) ocorrida no Rio Grande do Sul. Certamente, o mais destacado militar entre os Maragatos.
Após uma batalha vencida pelos lenços vermelhos, Gumercindo, como estrategista que era, passou em revista o campo de batalha. Sozinho, no lombo de seu cavalo, percorreu o terreno onde se dera o entrevero, buscando entender melhor, o que fizera de correto e o que poderia ter sido feito melhor.
Um pouco além as forças dos Chimangos batia em retirada. Haviam perdido o confronto, mas ainda assim, levavam consigo alguns prisioneiros. Um desses prisioneiros, olhando para trás, reconhecendo a figura quase mítica de seu líder, exclamou, baixo, porém audível, “o general”!
Os Chimangos estancaram. Quem? O prisioneiro não repete, nega a informação involuntária, mas é tarde. Os federalistas já sabiam que, aquele senhor montado a cavalo, absolutamente sozinho, era Gumercindo Saraiva, caudilho responsável pela resistência e pelas vitórias maragatas.
Fiel ao ódio e a total falta de cavalheirismo, que caracterizaram aquele conflito, um atirador de elite foi enviado o mais próximo possível do homem a cavalo. Na distância de um tiro, o soldado chimango fez pontaria, calma e demoradamente e então, disparou.
O projétil atingiu Gumercindo no abdômen. Ele se curvou para a frente, mas agarrou a crina de sua montaria, e não caiu. Enquanto o atirador se afastava, feliz e sorrateiro, Gumercindo foi alcançado por suas ordenanças. O pânico se estabeleceu. O ferimento era gravíssimo.
Sendo a estratégia federalista (maragatos), o deslocamento constante, para evitar o certo dos republicanos (chimangos), em número muito maior, ao meio da tarde já se encontravam longe de onde acontecera a batalha, Gumercindo perdia muito sangue e também a consciência. Ao cair da noite, entre revoltados e desesperados, seus homens perceberam que o Patrão Velho chamava o velho caudilho para os Pagos celestes. Gumercindo Saraiva estava morto.
Seu corpo foi enterrado numa cova à beira da estrada, em local não identificado. Foi coberto com terra entre soluços disfarçados de seus guerrilheiros (pois Maragato não chora), que inconscientemente percebiam que a guerra estava sendo perdida ali. Em seguida, partiram como o General teria ordenado, mas agora, numa montaria muito mais solitária, acompanhada apenas, pelo clarão da lua. Não puderam nem mesmo colocar uma cruz na sepultura improvisada, para não chamar a atenção do inimigo.
O inimigo, aliás, reforçado por outras tropas, chegou logo no primeiro canto do Quero-Quero naquele ponto da estrada. Seguiam a pista deixada pelos cavalos dos maragatos, e sabiam do grave ferimento de seu comandante. Olhos atentos em qualquer indício de parada, ou movimento estranho. Foi então que um batedor percebeu a terra remexida, no início de uma curva.
Excitados pela possibilidade do que poderiam encontrar, desenterraram a cova, com as próprias mãos. Ao retirar o último punhado de terra que recobria o rosto do morto, urraram de prazer.
Impulsos cruéis levaram a que se decapitasse a cabeça do defunto, que foi, em seguida, colocada numa caixa de chapéu. Um emissário, usando o mais rápido cavalo disponível, voou para Porto Alegre. Missão: entregar a carga macabra ao Presidente do estado e líder máximo republicano: Júlio de Castilhos. Em dois dias no lombo do tordilho o mensageiro atinge o Palácio governamental.
A coisa que Júlio de Castilhos mais queria, era saber da prisão ou morte de Gumercindo Saraiva, ciente do seu valor como líder militar e estrategista. Porém, Júlio de Castilhos, jornalista e político positivista, não pertencia às batalhas, dirigidas pelo seu estado-maior. Não se contaminara pela barbárie e pelo sadismo daquela guerra. Sua civilidade estava intacta. Por isso, longe de se rejubilar com o “presente”, se horrorizou diante da visão bestial e jogou para distante a caixa com a cabeça, já em decomposição. Em seguida, recuperado do susto, ordenou a seu secretário que levasse dali aquele inominável “troféu” e o enterrasse com todo o respeito que o falecido merecia.
A partir daqui, os fatos se confundem com as lendas. A cabeça do comandante, jamais foi enterrada, ou se foi, o local de seu repouso, jamais foi revelado. Dizem os velhos guerreiros que Gumercindo ressurgiu da morte devido à grave ofensa que seu corpo insepulto sofrera. Dizem os sobreviventes daqueles tempos de ódio, que Gumercindo Saraiva vaga pelas noites de Porto Alegre, procurando sua cabeça e vingança.
Por isso, forasteiro, observe o silêncio das ruas do centro antigo. Da Duque de Caxias ao Mercado Público. Da Praça D. Feliciano ao Gasômetro. Na Riachuelo (Rua da Ponte), na General Câmara (Rua do Ouvidor), na Caldas Júnior ou na Borges de Medeiros. Se a sensação de ser observado acelerar teu coração, ou se um arrepio, sem motivo aparente, percorrer a tua espinha...evite olhar para trás. Se o fizer, talvez veja, entre as brumas noturnas que vem do Guaíba, um homem, com um chapéu na mão e encoberto por um velho ponche. Não estranhe se ele estiver sem cabeça. Nesse caso, não corra, nem grite. Faça a saudação dos maragatos e tente seguir o seu caminho... talvez consiga.
Prof. Péricles
Texto postado no Blog em 04/2011
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4 comentários:
Que história amigo!
meu Deus!!! as pessoas jão eram tão impiedosas assim!!
Olá Prof. Péricles, eu já conheço esta história de longa data, tenho um livro que conta este relato, " A cabeça de Gumercindo Saraiva". Autores: Tabajara Ruas e Elmar Bones,este último revolucionário dos tempos de chumbo. Ditadura Militar.
Impressionante! E por ter morado no centro de Porto Alegre onde justamente na tenta idade da descoberta da juventude "campeei" madrugadas nas ruas do centro voltando pra casa, quão nítida me foi essa sensação. Tudo bem. O saudosismo de quem ha quase 11 anos saiu do pago ajuda e justifica. Mas prefiro confiar na impressão inicial da lembrança fidedigna. Ate porque o centro de POA reserva tantas outras histórias e lendas que nao me espantaria se outros leitores tivessem a mesma percepção. Parabéns pelo relato! Leonardo Mitidiero Mansor
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