quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

VÍTIMAS DA DITADURA 5 - LÁGRIMAS DE MÃE

Honestino Monteiro Guimarães era goiano de Itaberaí e foi casado com Isaura Botelho Guimarães, com quem teve a filha Juliana.

Com apenas 17 anos, passou no vestibular de 1965 para cursar Geologia na Universidade de Brasília, obtendo o primeiro lugar entre os vestibulandos de todos os cursos. Seu irmão relata que ele somou 257 pontos num total de 260, sendo que o segundo colocado estava 43 pontos atrás dele.

Foi presidente do Diretório Acadêmico da Geologia e foi eleito presidente da Federação dos Estudantes da Universidade de Brasília (FEUB).

Em 29/08/68, a violenta e desastrosa invasão policial do campus da Universidade de Brasília teve como um de seus objetivos localizar Honestino, que foi preso sob intensa pancadaria, enquanto os estudantes queimaram viaturas policiais, ocorrendo detenções em massa.

Passou a viver na clandestinidade, sendo dessa forma impedido de concluir os últimos três meses que faltavam para se formar geólogo.

Três dias antes da edição do AI-5, deixou Brasília e se escondeu em Goiânia. A mãe de Honestino relatou que, naquele período, sua casa chegou a ser invadida mais de dez vezes por agentes policiais. Numa dessas invasões de domicílio, Norton, o irmão mais novo de Honestino, de 18 anos, foi levado ao DOPS e, depois, ao Pelotão de Investigações Criminais do Exército, para revelar seu paradeiro.

Na luta para soltar Norton, o pai de Honestino ficou praticamente três noites sem dormir e, como conseqüência, dormiu ao volante no trânsito, morrendo em 17/12/1968.

Entre 1969 e 1972, Honestino viveu em São Paulo desempenhando as atividades de dirigente da UNE e militante da AP.

No final de 1972, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde foi preso pelo CENIMAR em 10/10/1973. Sua mãe o procurou por todos as unidades de segurança e chegou a obter a promessa de que poderia visitá-lo, no PIC de Brasília no Natal daquele ano, o que se comprovou ser mais um engodo.

Seu nome consta na lista de desaparecidos políticos, tinha 26 anos.

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Jeito suave de gesticular, o olhar terno e a voz aveludada provam que o tempo foi generoso com Maria Rosa Leite Monteiro, mãe de Honestino Guimarães.

Companheira de primeira hora do filho revolucionário, Dona Rosa, como prefere ser chamada, viu de perto quase todo tipo de injustiça. Uma mistura de mãe e militante.

Ela compartilhou também vitórias importantes. A memória emocional reservou mais espaço para as lembranças boas, nenhuma amargura. “Eu nunca chorei pelos cantos. Eu choro de alegria. Poucas vezes, choro de tristeza. E eu não tenho tristeza”, diz a senhora de 76 anos.

Nos momentos mais duros da ditadura, aprendeu a conciliar trabalho com maternidade.

Protegeu Honestino até o limite do impossível. Mesmo como diretora de colégio, Rosa fazia questão de ir a comícios organizados pelo filho. “Já que não consegui impedi-lo, resolvi acompanhá-lo”, recorda.

Durante a invasão da polícia na Universidade de Brasília (UnB), em 29 de agosto de 1968, Rosa não conseguiu chegar a tempo. “Havia muitos soldados armados. Não consegui entrar e não sabia se meu filho estava vivo ou morto”, completa.

Cheguei a falar para ele desistir da luta. Ele não deixava de ouvir, mas tinha os argumentos dele. Falava que tinha de ser feito, era uma missão. Ele me dizia: “Mamãe, e se todo mundo fugir? Quem é que fica? Quem é que vai defender?”. Eu disse a ele que se ficasse iria morrer. Ele me respondeu: “Eu prefiro viver pouco tempo aqui a viver no exterior. Lá eu estarei morto. Se eu morrer na minha pátria, morro feliz”. Ele era realmente brasileiro. Um dos motivos de eu estar aqui viva e forte até hoje é não deixar a luta dele morrer junto.

O dia anterior ao AI-5, 12 de dezembro de 1968, foi o dia em que ele ficou foragido. Foi para a clandestinidade. Meu marido estava no trabalho, ele trabalhava na W3 Norte e foi para Taguatinga, pois estávamos montando uma loja. Tínhamos ficado três noites sem dormir porque eles pegaram o Norton em casa e ficaram com ele três dias. Eles (o Exército) nos ligaram e mandaram a gente ir pegar o Norton. Fui buscá-lo. O Monteiro saiu cedo com o Norton para deixá-lo em proteção. E ainda ficou até tarde da noite, pois o serviço estava todo atrasado e estávamos perto do Natal. Dia 17. Atrasou o trabalho que ele estava fazendo na montagem da loja. Aí ele cochilou e bateu num caminhão e morreu na hora. E eles ainda se aproveitaram da situação para pegar o Honestino. O pai estava morto e no enterro havia muitos policiais à paisana. Honestino queria muito vir. Ele era apaixonado pelo pai. E não o deixaram vir. Mas seria até melhor porque assim ele seria preso na presença de todos e aí não poderiam matá-lo.

Mesmo depois de prenderem Honestino, ou melhor, depois de matarem. Eu nunca chorei pelos cantos. Eu choro de alegria. Poucas vezes eu choro de tristeza. E eu não tenho tristeza. Nossa vida não começou aqui e nem vai acabar aqui.

Se tivesse uma última chance de falar com ele, iria abraçá-lo, beijá-lo, fazer todas as coisas que ele gostava de fazer. A parte mais importante para mim do Honestino é ele, como filho. Embora, eu ache que o que ele deu ao Brasil foi muito grande e importante.

Até hoje, falo com Honestino. Não sou uma mãe chorosa. Eu não preciso querer ver meu filho, eu tenho meu filho. Eu estou aqui e é como se ele estivesse aqui com a gente, naquele retrato, olhando para nós. Para mim, morte não é morte.


Adaptado do Jornal "O Berro"

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