sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

FELIZ 2012

Foi mais um ano de profundas mudanças e de agravamentos no plano internacional e de afirmações no terreno nacional.

Estaremos iniciando o último ano do resto de nossas vidas, como alguns dizem que os Mais profetizaram?

Não sei, mas, realmente, coisas incríveis andam acontecendo.

A UE – União Européia – o mais sólido bloco econômico do pós-guerra, agoniza. Sua moeda única, o Euro está anêmica, perdendo força, e aparentemente não existe remédio para seu desbotamento. Sete chefes de estado perderam o emprego por causa da crise: Islândia, Irlanda, Portugal, Eslováquia, Grécia, Itália e Espanha.

A “patricinha” Noruega conheceu o terror através... de um norueguês. Não foi muçulmano nem latino, mas um típico cidadão nórdico que matou dezenas de pessoas por, adivinhe, xenofobia.

O Planeta atingiu 7 bilhões de habitantes. Nunca tantos moraram no mesmo orbe. Talvez seja a era dos encontros, ou reencontros.

Outra grande notícia de 2011 foi a consolidação da “Primavera Árabe”. Iniciada na Tunísia ganhou corpo na Praça Tahir, no Egito e se espalhou, por mil turbantes! Quatro governos decapitados: Tunísia, Egito, Iêmen e Líbia (com intromissão decisiva do ocidente) e mais dois no balança mais não cai: Irã e Síria.

Dois caminhos agora se abrem para os árabes: substituir seus ditadores e junto velhos dogmas escravizantes, como os que humilham a mulher, avançando no campo democrático e dos direitos humanos ou mergulhar ainda mais profundamente no fundamentalismo. Que a “Fraternidade Islâmica” do Egito vacile e que as mulheres sejam ágeis no mundo de Alá. Oremos, de preferência voltados para Meca.

Aqui seguimos redescobrindo nossa dignidade. Negamos, soberanamente, a extradição de Battisti e ampliamos o leque das parcerias comerciais. O Brasil descobriu que existe vida além dos Estados Unidos.

Informações da própria Europa acusam que nossa economia já é a 6ª do Mundo, superando a Grã-Bretanha. Agora só falta lutar para que tamanha riqueza seja melhor distribuída entre os brasileiros, pois não podemos esquecer que nossos pobres continuam tão pobres como os pobres de Serra Leoa, o menor PIB do mundo.

Iniciamos esse ano uma nova experiência criando esse Blog. Experiência humilde que tinha inicialmente a única pretensão de ser útil na complementação dos estudos dos nossos alunos.

Ao longo dos 9 meses de existência, porém, ele foi recebendo mais e mais visitantes de fora do espaço de aula. Acabou se espalhando e hoje, felizmente, faz parte dos “favoritos” de muita gente. Graças a vocês alguns de nossos textos já não nos pertencem, criando vida própria e fazendo parte do domínio público.

Se isso nos traz alegria e incentivo, traz também maior responsabilidade e intensifica nossa dedicação e comprometimento.

Agradecemos por todo o apoio. Agradecemos nossos alunos, colegas, amigos e amigas que nos prestigiaram.

Esperamos contar com todos em 2012, além de ampliar nossas amizades... em quanto houver tempo.

Assim como esperamos pelo fim da tortura no Brasil. Não da tortura dos porões da repressão, como nos tempos do AI-5, mas da tortura da fome, da miséria e do maior mal de todos os povos, a solidão.

Esperamos por um mundo melhor, por um Brasil melhor que melhore pelos méritos da participação de seu povo e não por “milagres” caídos do céu, pois, como diz Padre Quevedo, “isso nom ecxiste”.

Que os que venderam o Brasil por ninharias, em privatarias formuladas na calada da noite sejam reconhecidos e execrados como merecem.

E que o Grêmio volte a ser o grande campeão que sempre foi.

A todos, um brinde, e feliz 2012!


Prof. Péricles

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O REI DO SERTÃO

Pernambucano, ele nasceu em 4 de junho de 1898 na cidade de Vila Bela, atual Serra Talhada, no nordeste semiárido e semiárida seria sua alma durante toda a vida.

Dizem que quando ele nasceu nenhuma ave do céu cantou em respeitoso silêncio, pelo nascimento de um Rei.

Sempre chamou a atenção seu estranho gosto pela leitura. Afinal, o que lê um menino condenado pela condição de pobre no sertão nordestino? Seria ele um feiticeiro? Teria poderes no olhar para juntar as letras e entender o que diziam?

Até os 21 anos de idade seus óculos eram citados como uma estravagância... “coisa de quem sabe ler”, cochichavam.

Naquelas terras onde o ódio deixa rastro no chão abrasado e onde a propriedade, por menor que seja, é dádiva e também tragédia por atrair a cobiça, sua família travava uma disputa angustiante com outras famílias locais, tidas como honradas.

Onde a Casa Grande dita as normas e a Senzala ainda vive nas almas, seu pai acabou morto em confronto com a polícia, a soldo das famílias honradas, em 1919.

Virgulino não teve tempo de chorar, pois no sertão a seca as vezes é nos olhos. Jurou vingança com a mesma serenidade com que virava uma página de seus livros.

E a vingança não tardou.

O jovem menino de pele queimada de sol, queimaria a bala, um a um os assassinos de seu pai. Não houve tocaia, armamento, bandoleiro ou suborno que aplacasse sua fúria. Da família rival sobreviveram apenas as mulheres e crianças, junto com os que nada tinham a ver com a pendenga.

Virou lenda. Mas teve que fugir.

Nos 19 anos seguintes (até os 40 anos de idade), o menino leitor se tornaria Lampião. Junto com seu bando viveria em nomadismo pelas estradas e picadas do sertão. Superando o sol impassível e os espinhos da caatinga perambulou pela pobreza de sete estados do Brasil, dos anos 20 e 30. Terra de abandonados e, miseráveis que não possuindo nem o direito de ter heróis de forma clandestina fariam daquele cangaceiro de pele rachada e pobre como eles mesmos, o seu herói, seu super-homem.

Lampião virou mito. Foi rei, mas, além disso, foi herói. Um herói transfigurado como fora Batista Campos no Pará ou Raimundo Jutai, o Cara Preta, no Maranhão, um século antes, no imaginário de um povo sofrido, só compreendido pelo carcará.

Foi um dos maiores estrategistas de combate do Brasil. Líder natural, disciplinador e leal a seus homens e seus juramentos, Lampião usou e abusou das táticas de guerrilha para desmoralizar o exército brasileiro.

Até os coronéis à ele se curvariam, e o próprio poder público o requereu para combater a Coluna Prestes, outro expoente da guerrilha.

Sua namorada, Maria Gomes de Oliveira, conhecida como Maria Bonita, foi sua rainha. Assim como as demais mulheres do grupo, participou de muitas das ações do bando. Maria Bonita, Maria mulher, Maria como tantas Marias do Brasil.

Virgulino e Maria Bonita tiveram uma filha, Expedita Ferreira, nascida em 13 de setembro de 1932. Há ainda a informação controversa de que eles tiveram mais dois filhos: os gêmeos Ananias e Arlindo Gomes de Oliveira, mas nunca foi comprovada a veracidade da informação.

Calcula-se que por volta das 5:15 da manhã, do dia 28 de julho de 1938, quando despertavam para um novo dia, Lampião, Maria Bonita e seu bando foram covardemente massacrados pelos macacos (policiais), na fazenda de Angicos, no sertão de Sergipe. Não houve nenhuma possibilidade de resistência e quase todos morreram sem nem tocar em suas armas.

Lampião foi um dos primeiros a morrer. Logo em seguida, Maria Bonita foi gravemente ferida (seria degolada, ainda viva).

Para os poderosos herdeiros das Casas Grandes nordestinas, Lampião foi o terror.

Para os historiadores é símbolo do chamado “Banditismo Social” característico da América Latina na primeira metade do século. Um banditismo que mistura questões de latifúndio com ausência do estado e situação de abandono nas camadas mais pobres.

Para o povo ele é apenas o Capitão Virgulino, o Lampião. Rebelde e Robin Hood. Mas sempre e simplesmente Virgulino, um pobre menino que sabia ler.


Prof. Péricles

sábado, 24 de dezembro de 2011

AUTO DE NATAL

Vocês conhecem Jesus cristo,
Aquele que nasceu na manjedoura
De um acampamento palestino
De um assentamento do MST
Conviveu com os pobres,
Os fracos, desesperados e suicidas
E viveu toda a sua vida
Correndo sério risco?

Pois ele está aqui, agora, entre nós
Para mais uma vivencia sobre sua palavra e luz
Humanista, humanitária, humanizadora
Com seu olhar atento, atencioso, acalentador
Na construção de tantos bairros libertos
E suas populações libertas da miséria.
(...)

Um cristo dos direitos humanos
Cristo de um povo atento
Mesmo errante
Povo que se achou no meio de suas lutas
Um povo de luta
Contra suas misérias, vaidades, hipocrisias
E calamidades sociais.

Venham, venham ver
O cristo que voltou!
O cristo resistente que, em verdade
Nunca saiu daqui
Nunca nos abandonou
Nunca morreu
Nunca se evaporou.
(...)

Este é o seu reino:
Um cristo sem igrejas
Sem templos, seitas, bolsa de valores
Do livre comércio da fé
Um cristo das ruas
Amigo das Marias Nuas
Sem propriedade de ninguém.
(...)

Cristo somos todos nós!
Negros e brancos
Índios e ciganos
Palestinos e judeus
Comunistas e socialistas
De povos em fé
Na sua busca pela liberdade
Na construção das democracias

Cristo pobre
Cristo miserável
Morando, vivendo e morrendo
Nas favelas do mundo
Faminto, subnutrido
Desempregado e sem teto
Indignado com as balas perdidas
(...)

Um cristo revoltado
Um cristo palestino
Um pobre cristo menino
Sem pão, sem terra
E sem liberdade.
É este o Cristo que nos ensinaram
E que levamos com o nosso coração aberto
Para nossas vidas famintas
Nossas famílias aflitas
Nossa esperança em luta
Contra todas as injustiças

Pedro Osmar
Poeta, músico e dramaturgo
_______________________________________________
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http://serverlinux.revistaoberro.com.br/mailman/listinfo/cartaoberro

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

A CARTA

“Brasil, 26 de julho de 1969

Aos meus filhos,

Vivo falando de vocês com meus companheiros, eles estão longe dos filhos
também e falam nos filhos deles. Um só é o desejo de todos nós, é que nossos filhos sejam revolucionários. O que é um revolucionário? È toda a pessoa que ama todos os povos, ama a Humanidade, tem uma imensa capacidade de amar, ama a justiça, a Igualdade. Mas ele tem de odiar também, odiar os que impedem que o revolucionário ame, porque é uma necessidade amar. Odiar aos que odeiam o povo, a Humanidade, a Justiça social. Odiar aos que dominam e exploram o povo, odiar aos que corrompem, ameaçam e alienam as mentes, aos que degradam a Humanidade, aos injustos, falsos, demagogos, covardes.

O revolucionário ama a Paz, faz a guerra como instrumento para Ter a Paz, a
Paz justa, sem exploração do homem pelo homem. O revolucionário tem que ser
capaz de todos os sacrifícios pela causa, de até se separar dos seus filhos
para libertar todos os filhos, de se separar dos pais porque outros pais
precisam dele. Quando vocês sentirem saudades de mim, lembrem-se que aqui no Brasil existem muitas crianças que passam fome, que andam descalças, sem
escolas, que sofrem e vêem seus pais sofrerem.

Lembram-se quando conversei com vocês no quarto e pedi a vocês que deixassem eu lutar para acabar com isso. Eu lembro bem que a Claudinha bateu palmas e o Cesar disse: " Muito bem, papai". Combinamos que tínhamos de ficar longe um do outro, e que guardaríamos no coração a esperança de nos encontrarmos novamente.

(...) Amem muito a mamãe, eu não posso beijá-la, todos os dias beijem
duas vezes a ela, uma vez por mim. Tenho tantas saudades de vocês, mas não
choro, não beijo fotografias, encho o peito de ar e pego firme no meu
trabalho. Penso em vocês e em todas as crianças, então ganho forças para
lutar. Quando sentirem saudades, então estudem mais, perguntem tudo que não
entenderem, perguntem sempre o porquê das coisas- perguntar e pensar- ver se é certo, se não for, falem, discutam- ver se é justo, se não for, lutem para mudar.

Sejam disciplinados, façam somente o que for certo, justo. Ser disciplinado não é ser obediente, quem obedece tudo sem pensar não presta.

Como vai o treinamento de tiro? Não se esqueçam de colocar algodão no
ouvido, e também de olhar sempre pra mira e puxar o gatilho bem devagar. Já
mandaram consertar a pistola de ar comprimido? Espero que pratiquem corrida, natação e todos os jogos. Alimente-se bem, vocês que tanto gostam de frutas devem estar satisfeitos, aí ninguém passa fome (...)

Como vai o jogo de botão? Você, Cesar, tem ensinado aos meninos? Seguem
junto 29 bolinhas de cortiça, que fiz treinando a paciência, que eu tinha
pouco, é preciso ser paciente, sem ser passivo, claro.

E você Claudinha, continua fazendo discursos? Como eu gostava, você vai ser
uma grande agitadora.

Cuidem bem dos dentes para que possam mastigar bem. Não se esqueçam de
cantar e dançar. O Cesar gosta muito de desenhar e a Claudia de pintar,
procurem praticar bastante, procurem criar, não imitem ninguém.

Não chamem ninguém de senhor porque ninguém é senhor de ninguém. Mas ouçam
os mais velhos e procurem fazer coisas melhor que eles, porque tudo que é
novo é superior ao velho. Respeitem os mais velhos, mas exijam que respeitem vocês- exijam mesmo.

Contei para os companheiros que o Cesinha usava nome de guerra e eles
acharam engraçado. Já usei o nome Cesar mas tive de mudar.

Não sei como acabar essa carta porque é como se estivesse conversando com
vocês. Espero receber uma carta de vocês, se não for possível, continuarei
pensando muito em vocês.

A maior alegria que vocês podem me dar é aproveitar muito o estudo,
preparando-se para fazer a Revolução em qualquer país. Muitos beijos para a
minha esposa querida e meus filhos, com todo amor, cheio de saudades”.

Carlos Lamarca


Militar apontado como jóia rara do exercito brasileiro, Lamarca jamais aceitou o golpe de 64 que considerava um ataque à democracia.

Desertou do exército onde era paparicado e entrou na clandestinidade levando consigo farto material militar para ser usado na guerrilha.

Lutou contra a Ditadura militar de 1969 até sua morte em 1971.

Foi o inimigo mais odiado pelos militares a ponto de até hoje seu nome provocar irritação e desconforto entre militares.

Seu nome foi raspado da Pedra em que figurava como um dos formandos do Colégio Militar de Porto Alegre.

Foi membro dirigente da VPR e morreu pouco depois de se transferir para o MR-8.

Defendia a luta de guerrilha rural como única forma de derrotar as forças armadas convencionais, mas, não obeteve o apoio esperado numa época em que a maioria das organizações apostava na guerrilha urbana.

Foi um dos líderes da embrião de Guerrilha no Vale do Ribeira (onde escapou espetacularmente de um cerco numeroso) e do famoso assalto ao Cofre do Ademar.

Doente, foi morto praticamente sem poder reagir em 17 de setembro de 1971, aos 33 anos, na zona agreste baiana, no município de Ipupiara, após cerco militar que contou com milhares de homens do exército, aeronáutica e organismos da repressão.

A mulher de Lamarca, Yara Iavelberg, fora morta dias antes, em circunstâncias não esclarecidas, em um apartamento em Salvador (BA).

Os filhos ainda guardam as cartas do pai.



Prof. Péricles

domingo, 18 de dezembro de 2011

A REVOLTA DA CHIBATA, 101 ANOS

No dia 22 de novembro de 1910, um marinheiro da tripulação do encouraçado Minas Gerais era duramente castigado, conforme praxe, na época. O castigo era de 250 chibatadas na presença, como de costume, de todos os outros marujos. O jovem marinheiro desmaiou, mas, mesmo assim, os açoites continuaram. Mas não seriam concluídos...

Desta vez, a indignação tomaria forma de revolta. A mão do agressor foi estancada no último golpe pelos marujos, até então, contemplativos daquele absurdo. O que se seguiu entraria para a história como o nome de “A Revolta da Chibata”.

Os revoltosos mataram o comandante do navio e mais cinco oficiais, que resistiram. Já na Baía de Guanabara, outros marujos assumiram o controle dos navios São Paulo, Bahia e Deodoro. Dois mil marinheiros aderiram à revolta.

Dois anos antes, o marinheiro de primeira classe, João Cândido aproveitando a oportunidade de uma viagem à Inglaterra, em serviço, participara de reuniões sindicais de marinheiros ingleses. Além disso, conheceu os fatos históricos do motim dos marinheiros do encouraçado Potemkin de 1905. Quando retornou, João Cândido trazia consigo a idéia de acabar com os maus-tratos na marinha brasileira.

Nascido em Rio Pardo no Rio Grande do Sul, em 24 de junho de 1880 filho de ex-escravos, João Cândido entrou para a corporação em 1894, aos 14 anos — época em que as Forças Armadas aceitavam menores e a Marinha, em particular, recrutava-os junto à polícia. Este não foi o caso de João Cândido. Recomendado por um almirante, que se tornara seu protetor, logo desponta como líder e interlocutor dos marujos junto aos oficiais.

Na manhã do dia 23 de novembro, sob a liderança de João Cândido Felisberto e com redação de Francisco Dias Martins, foi enviado um ultimato ao governo: Ou sediam às suas exigências (o fim dos castigos físicos, melhorias na alimentação e anistia para os amotinados) ou bombardeariam a cidade do Rio de Janeiro e as outras embarcações não rebeladas.

A Marinha, inicialmente, apostou na inabilidade de simples marinheiros para manobrar as modernas embarcações sem o conhecimento técnico que tinham os oficiais. Boquiabertos perceberam que os amotinados possuíam positivamente a perícia e a habilidade necessárias. Esboçaram, então, um ataque com dois navios menores que foram postos a correr pelos rebelados.

Alguns tiros de advertência passaram raspando pelo Palácio do Catete (sede do Poder Executivo) e o presidente, recém empossado, Hermes da Fonseca resolveu blefar e anunciou que aceitava todas as exigências.

Os marinheiros confiaram na palavra do presidente, mas depois de entregarem as armas e abandonarem os navios, foram presos.

Dezoito dos principais líderes dos marinheiros envolvidos na ação foram jogados numa solitária do Batalhão Naval, na Ilha das Cobras. Antes de encarcerá-los, o pequeno catre que os receberia é "desinfetado", jogando-se baldes de água com cal. Nos quentes dias de Dezembro, a água evapora e a cal começa a penetrar nos pulmões dos prisioneiros. Sob os gritos lancinantes de dor, as ordens são claras: a porta deve permanecer trancafiada. É aberta, ao que se sabe, apenas no dia 26 de Dezembro. Naquela sala de horrores, dos dezoito marinheiros ali trancafiados, dezesseis estão mortos, alguns já podres. João Cândido sobrevive. Apenas ele e um outro marinheiro saem vivos, ainda que muito mal, daquele desafio infernal.

Todavia, os 59 anos de vida que teria pela frente após estes momentos de glória e de terror seriam árduos. Banido da Marinha, com uma tuberculose que o acompanhou durante os seus oitenta e nove anos de vida, teve de lutar muito pela sobrevivência. Trabalhou fazendo bicos em navios de carga, que logo tratavam de despedi-lo se descobriam quem era. Ganhou por muito tempo a vida na estiva, descarregando peixes na Praça XV, no Rio de Janeiro. Mesmo velho, pobre e doente, permaneceu sempre sob as vistas da Polícia e do Exército, por ser considerado um "subversivo" e perigoso "agitador".

"Nós queríamos combater os maus-tratos, a má alimentação (...). E acabar com a chibata, o caso era só este" — declarou João Cândido, em 1968, em depoimento ao Museu de Imagem e do Som.

Apesar de traída e esmagada, a Revolta da Chibata provocou profundas modificações na Marinha Brasileira, e nunca mais, nenhum marinheiro sofreu castigos físicos e humilhantes.

Em 1973 Aldir Blanc e João Bosco fizeram uma música em homenagem a João Cândido, o Almirante Negro. Sem dúvida uma das mais belas letras da música brasileira, a canção sofreria forte censura, sendo liberada apenas com três modificações na letra original.

Abaixo temos essa magistral composição, que foi interpretada por João Bosco e Elis Regina, sem cortes:

Almirante Negro

Há muito tempo nas águas da Guanabara
O Dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo marinheiro
A quem a história não esqueceu.

Conhecido como o almirante negro
Tinha a dignidade de um mestre sala,
E ao navegar pelo mar com seu bloco de fragatas
Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas,
Jovens polacas e por batalhões de mulatas.

Rubras cascatas jorravam das costas
Dos negros pelas pontas das chibatas
Inundando o coração de toda tripulação,
Que a exemplo do marinheiro gritava então

Glória aos piratas, às mulatas, às sereias,
Glória à farofa, à cachaça, às baleias,
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esquecemos jamais.

Salve o almirante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais


Prof. Péricles
Agradecemos à colaboração do colega “musical” Eduardo Xavier

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

VÍTIMAS DA DITADURA 5 - LÁGRIMAS DE MÃE

Honestino Monteiro Guimarães era goiano de Itaberaí e foi casado com Isaura Botelho Guimarães, com quem teve a filha Juliana.

Com apenas 17 anos, passou no vestibular de 1965 para cursar Geologia na Universidade de Brasília, obtendo o primeiro lugar entre os vestibulandos de todos os cursos. Seu irmão relata que ele somou 257 pontos num total de 260, sendo que o segundo colocado estava 43 pontos atrás dele.

Foi presidente do Diretório Acadêmico da Geologia e foi eleito presidente da Federação dos Estudantes da Universidade de Brasília (FEUB).

Em 29/08/68, a violenta e desastrosa invasão policial do campus da Universidade de Brasília teve como um de seus objetivos localizar Honestino, que foi preso sob intensa pancadaria, enquanto os estudantes queimaram viaturas policiais, ocorrendo detenções em massa.

Passou a viver na clandestinidade, sendo dessa forma impedido de concluir os últimos três meses que faltavam para se formar geólogo.

Três dias antes da edição do AI-5, deixou Brasília e se escondeu em Goiânia. A mãe de Honestino relatou que, naquele período, sua casa chegou a ser invadida mais de dez vezes por agentes policiais. Numa dessas invasões de domicílio, Norton, o irmão mais novo de Honestino, de 18 anos, foi levado ao DOPS e, depois, ao Pelotão de Investigações Criminais do Exército, para revelar seu paradeiro.

Na luta para soltar Norton, o pai de Honestino ficou praticamente três noites sem dormir e, como conseqüência, dormiu ao volante no trânsito, morrendo em 17/12/1968.

Entre 1969 e 1972, Honestino viveu em São Paulo desempenhando as atividades de dirigente da UNE e militante da AP.

No final de 1972, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde foi preso pelo CENIMAR em 10/10/1973. Sua mãe o procurou por todos as unidades de segurança e chegou a obter a promessa de que poderia visitá-lo, no PIC de Brasília no Natal daquele ano, o que se comprovou ser mais um engodo.

Seu nome consta na lista de desaparecidos políticos, tinha 26 anos.

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Jeito suave de gesticular, o olhar terno e a voz aveludada provam que o tempo foi generoso com Maria Rosa Leite Monteiro, mãe de Honestino Guimarães.

Companheira de primeira hora do filho revolucionário, Dona Rosa, como prefere ser chamada, viu de perto quase todo tipo de injustiça. Uma mistura de mãe e militante.

Ela compartilhou também vitórias importantes. A memória emocional reservou mais espaço para as lembranças boas, nenhuma amargura. “Eu nunca chorei pelos cantos. Eu choro de alegria. Poucas vezes, choro de tristeza. E eu não tenho tristeza”, diz a senhora de 76 anos.

Nos momentos mais duros da ditadura, aprendeu a conciliar trabalho com maternidade.

Protegeu Honestino até o limite do impossível. Mesmo como diretora de colégio, Rosa fazia questão de ir a comícios organizados pelo filho. “Já que não consegui impedi-lo, resolvi acompanhá-lo”, recorda.

Durante a invasão da polícia na Universidade de Brasília (UnB), em 29 de agosto de 1968, Rosa não conseguiu chegar a tempo. “Havia muitos soldados armados. Não consegui entrar e não sabia se meu filho estava vivo ou morto”, completa.

Cheguei a falar para ele desistir da luta. Ele não deixava de ouvir, mas tinha os argumentos dele. Falava que tinha de ser feito, era uma missão. Ele me dizia: “Mamãe, e se todo mundo fugir? Quem é que fica? Quem é que vai defender?”. Eu disse a ele que se ficasse iria morrer. Ele me respondeu: “Eu prefiro viver pouco tempo aqui a viver no exterior. Lá eu estarei morto. Se eu morrer na minha pátria, morro feliz”. Ele era realmente brasileiro. Um dos motivos de eu estar aqui viva e forte até hoje é não deixar a luta dele morrer junto.

O dia anterior ao AI-5, 12 de dezembro de 1968, foi o dia em que ele ficou foragido. Foi para a clandestinidade. Meu marido estava no trabalho, ele trabalhava na W3 Norte e foi para Taguatinga, pois estávamos montando uma loja. Tínhamos ficado três noites sem dormir porque eles pegaram o Norton em casa e ficaram com ele três dias. Eles (o Exército) nos ligaram e mandaram a gente ir pegar o Norton. Fui buscá-lo. O Monteiro saiu cedo com o Norton para deixá-lo em proteção. E ainda ficou até tarde da noite, pois o serviço estava todo atrasado e estávamos perto do Natal. Dia 17. Atrasou o trabalho que ele estava fazendo na montagem da loja. Aí ele cochilou e bateu num caminhão e morreu na hora. E eles ainda se aproveitaram da situação para pegar o Honestino. O pai estava morto e no enterro havia muitos policiais à paisana. Honestino queria muito vir. Ele era apaixonado pelo pai. E não o deixaram vir. Mas seria até melhor porque assim ele seria preso na presença de todos e aí não poderiam matá-lo.

Mesmo depois de prenderem Honestino, ou melhor, depois de matarem. Eu nunca chorei pelos cantos. Eu choro de alegria. Poucas vezes eu choro de tristeza. E eu não tenho tristeza. Nossa vida não começou aqui e nem vai acabar aqui.

Se tivesse uma última chance de falar com ele, iria abraçá-lo, beijá-lo, fazer todas as coisas que ele gostava de fazer. A parte mais importante para mim do Honestino é ele, como filho. Embora, eu ache que o que ele deu ao Brasil foi muito grande e importante.

Até hoje, falo com Honestino. Não sou uma mãe chorosa. Eu não preciso querer ver meu filho, eu tenho meu filho. Eu estou aqui e é como se ele estivesse aqui com a gente, naquele retrato, olhando para nós. Para mim, morte não é morte.


Adaptado do Jornal "O Berro"

sábado, 10 de dezembro de 2011

MÚSICA BRASILEIRA E A DITADURA MILITAR - Final

Belchior, que durante muito tempo foi considerado autor marginal, teve a música “Os Doze Pares de França” (Belchior – Toquinho) censurada, porque para os censores, os autores vangloriavam a França, fazendo dele um país melhor para se viver do que o Brasil.

Também a canção “Pequeno Mapa do Tempo” (Belchior), de 1977, uma crítica implícita ao regime, por causa dos versos “eu tenho medo e medo está por fora” e “eu tenho medo em que chegue a hora, em que eu precise entrar no avião“, uma alusão ao exílio, os censores concluíram que a música trazia mensagem de protesto político.

Ao contrário do que se pensa, o cantor e compositor Luiz Ayrão foi um dos artistas brasileiros que mais contestou a ditadura militar. A sua música “Quem Eu Devo é Que Deve Morrer”, tem como tema uma dívida pessoal que só será paga se Deus quiser. Também a dívida externa brasileira encontrava-se nessas condições. A canção é vetada, sendo a proibição justificada pela censura porque a letra era um incentivo ao homicídio, com uma mensagem de caráter negativo.

Sueli Costa deu a canção “Cordilheira” (Sueli Costa – Paulo César Pinheiro) para Erasmo Carlos gravar. Feito o registro, a canção jamais saiu, sendo proibida. Os autores chegaram a ir a Brasília em busca de uma explicação para o veto. Encontram o silêncio dos censores, sem nenhuma justificativa. Mas os versos falavam por si: “Eu quero ver a procissão dos suicidas, caminhando para a morte pelo bem de nossas vidas”. “Cordilheira” é uma das mais belas canções de teor contestatório já feita no Brasil. Quando liberada, seria gravada por Simone, em 1979, no álbum “Pedaços”. O registro de Erasmo Carlos só saiu em uma caixa de cds comemorativos à carreira do cantor.

O Brega ou Popularesco, nada escapa à Censura.

A censura da ditadura militar não obedecia a nenhum critério. Qualquer ameaça não só ao regime por ela imposto ao país, como à sociedade conservadora que a ajudou a ascender ao poder e nele continuar por mais de duas décadas. Vestido de uma moral hipócrita, o regime militar barrava qualquer obra que suspeitasse ofender à moral, ou que se mostrasse obscena a essa moral.

Em um mesmo contesto, tanto Chico Buarque, quanto Odair José, um cantor e compositor de sucessos popularescos, sem vínculos com qualquer militância política, ou mesmo o genial e popular Genival Lacerda, sofriam os reveses da censura. “Tanto Mar” (Chico Buarque), “Pare de Tomar a Pílula” (Odair José) e “Severina Xique Xique”, apesar de canções antagônicas, de vertentes diversas dentro da música brasileira, oscilando entre a canção política e a considerada “brega”, eram consideradas pela censura um perigo latente ao regime e à moral que se construía naquela época.

Em 1975, Genival Lacerda tinha transformado a sua música “Severina Xique Xique” (Genival Lacerda – João Gonçalves) em um grande sucesso de público no nordeste brasileiro, quando foi vítima do preconceito das famílias do Ceará, que acusavam a palavra “boutique” de ter duplo sentido, ofendendo os bons costumes do lugar. Diante do protesto, o departamento regional da polícia federal do Ceará encaminhou a letra à Divisão de Censura de Brasília. Surpreendentemente, o técnico de censura de Brasília, mantém a liberação da música e afirma que a canção “é um veículo de integração da nacionalidade“. Este fato prova que a censura não vinha só do regime militar, mas da sociedade que apoiava este regime, e que muitas vezes, era mais repressiva e conservadora do que ele.

Dentro do popularesco da canção brasileira, Odair José foi um dos compositores que mais sofreu com a censura. “O Motel” (Odair José), teve só pelo seu título, o veto da censura. O autor mudou o título da canção para “Noite de Desejos”, conseguindo liberá-la e gravá-la. A mais polêmica música de Odair José foi “Pare de Tomar a Pílula”, onde ele pedia para a namorada deixar de usar anticoncepcionais para que pudesse engravidá-la. Vista à ótica do tempo, a canção chega a ser ingênua, de uma simplicidade quase grotesca, absolutamente inofensiva para um público atual, mas aviltante para as velhas senhoras que em 1964, saíram às ruas de rosários nas mãos, saudando, em nome da família brasileira, os golpistas militares.

Dentro da corrente popularesca, a censura não poupou nem mesmo a dupla Dom e Ravel, que em 1970, tornara-se a menina dos olhos da repressão, com uma música que exaltava a nação, tornando-se o hino da ditadura: “Eu Te Amo, Meu Brasil”. O motivo que levou o regime a interrogar Dom e Ravel, foi quando eles apresentaram, em 1972, a canção “A Árvore”, os censores desconfiaram do trecho “venha, vamos penetrar”. Além de imaginar que o tema que falava de árvores, seria supostamente sobre a canabilis (planta da maconha). A música foi proibida, apesar de ter uma gravação da banda Os Incríveis, nunca foi lançada.

A esta altura, a incoerência da censura já dava passagem para uma certa esquizofrenia social e política, sem ideologia ou razão.

Dentro de um processo repressivo, todos os argumentos tornam-se incoerentes, a razão é substituída pela força bruta. A censura não constrói uma lógica, muitas vezes ela percorre movida pelas decisões pessoais dos censores.

Para manter as necessidades de uma ditadura, a censura fazia parte da arma de propaganda do estado repressivo, podava a liberdade de expressão, principalmente as que feriam os princípios que justificam um governo ilegítimo, emanado da força, da opressão e da traição aos princípios da democracia.


eltheatro11@eltheatro.com
Editor: Elpídio Navarro

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

PINTORES DA NOITE

Ela olhou pra mim como quem está prestes a fazer uma grande revelação e disse “sabe, eu nunca te contei, mas, detesto cachorros”.

Comecei a rir baixinho distraído. Mas o riso foi crescendo e ela, escorando a cabeça no meu ombro foi me acompanhando, e quando vimos as gargalhadas já não podiam ser contidas.

Ergui os olhos pras estrelas e perguntei pra uma delas: mas do que mesmo estou rindo?

Do fato de estar pendurado no alto de um poste numa dessas madrugadas de Porto Alegre?

Ou da escada velha que rangia e que ainda por cima, teve que ser inclinada entre o muro da calçada e o poste por dentro do terreno?

Talvez fosse dos dois cachorros furiosos que babavam de ódio por não poder nos alcançar e que ansiavam por nossa queda?

Ou do jeito de madame daquela guria com tinta nos ombros e na testa me sussurrando ter medo de cachorros?

Até hoje não sei.

Eram tantas coisas que precisavam de respostas e tantas respostas que não valiam à pena naqueles tempos.

Só sei que nossas gargalhadas calaram os cachorros como se nem eles entendessem, afinal, qual era a graça da situação grotesca.

Quando paramos de sacolejar de tanto rir, a escada diminuiu seu rangido, e continuamos a gloriosa tarefa de prender no poste, com arame pouco resistente, mais uma placa pintada à mão com a sigla de nosso partido.

Não só uma sigla, não senhor! Muito mais que isso. Um sentimento de resistência materializado na forma de três letras recém pintadas no quintal da casa de algum companheiro de sonhos.

Descemos altivos diante da indignação dos cachorros e recolhemos o material restante, pois era preciso ter pressa, pois outros postes nos esperavam, outros cachorros talvez, e com certeza, o sol, não demoraria.

A polícia odeia a hora entre o fim da madrugada e o início da manhã, e chamávamos esse momento de, a hora boa.

Os cachorros odeiam escadas e ela odiava cachorros. E eu achava graça. Uma graça que carecia de argumentos mas que transbordava de dor e de energia.

Que nos importam os vadios da madrugada que vagueiam embriagados?

Não estavam, com certeza, mais embriagados do que nós, em nossos desatinos.

Lá, em cima do poste, vendo a cidade “do alto” a gente desafiava a repressão, os medos, os ventos do inverno, os cachorros e o destino.

As vezes, virávamos artistas e pintávamos muros.

Muros estreitos e largos. Inteiros e lascados. Muros simpáticos e carrancudos. De casas, de cemitérios, de colégios. Muros de ruela e de avenidas.

Tinta vermelha de cheiro forte, artesanal, feita por nós mesmos, em balde que abraçávamos para que não derramasse enquanto a velha kombi sacudia sobre as ruas de uma Porto Alegre adormecida. "Cuidado gente, a tinta é cara"...

Pintávamos palavras de ordem. Pintávamos ultimatos. Pintávamos desafios de forma altiva, e imaginávamos Picasso pintando Guernica.

Ela, como ninguém desenhava nossos símbolos.

Ao contrário de Picasso, não podíamos assinar nossas obras. Mas no outro dia... ah no outro dia ninguém podia impedir o orgulho que sentíamos ao ver expostas nos muro da cidade em cores fortes com a tinta que ainda nos fedia, o nosso trabalho noturno. Depressa, dizia em silêncio ao mundo, leiam antes que eles apaguem.

Talvez seja assim mesmo.

Quando nos tiram os livros inventamos arte.

Quando nos tiram as montanhas, escalamos escadas que rangem.

Quando nos tiram oportunidades descobrimos talentos, e somos Picassos que pintam Guernicas com tinta barata em muros estreitos.

Quando nos tiram a graça rimos de nós, rimos a sós, e rimos das dores.

Mas nunca... nunca jamais, deixamos de rir, pois, muitas vezes, em nosso riso, mais do que em mil manifestos, está a força de nossa resistência.

Prof. Péricles

MÚSICA BRASILEIRA E A DITADURA MILITAR - 04

Outro exemplo eloqüente da ignorância e do despreparo dos censores foi com o compositor e cantor Adoniran Barbosa. Conhecido como o mais paulista dos compositores, Adoniran Barbosa usava em suas canções o jeito coloquial de falar dos paulistanos.

Não querendo problemas com a censura, em 1973 o artista decidiu lançar um álbum com várias canções já gravadas na década de cinqüenta.

Inesperadamente, cinco das suas canções foram vetadas, mesmo não sendo inéditas.

Diante da linguagem coloquial de “Samba do Arnesto” (Adoniran Barbosa – Alocin), que trazia nos seus versos:

“O Arnesto nos convidou prum samba, Ele mora no Brás
Nóis fumo, Num encontremo ninguém.
Fiquemo cuma baita duma réiva,
Da outra veiz nóis num vai mais (Nóis num semo tatu)”,

O censor só liberaria a música se ele regravasse cantando assim:
“Ficamos com um baita de uma raiva,
Em outra vez nós não vamos mais (Nós não somos tatus)”.

Adoniran Barbosa não mudou a sua obra, deixou para gravar as músicas mais tarde, quando a burrice já tivesse passado.

Também a belíssima canção “Valsa do Bordel” (Vinícius de Moraes – Toquinho), sobre a vida de uma velha prostituta, esteve proibida por dez anos. Vinícius cantava esta música em shows, ironicamente chamando-a de “A Valsa da Pura”, por causa da censura.

Paulinho da Viola, em 1971, teve no seu álbum “Paulinho da Viola”, duas canções proibidas: “Chico Brito” (Wilson Batista – Afonso Teixeira), música composta em 1949, e “Um Barato, Meu Sapato” (Paulinho da Viola – Milton Nascimento), ambas vetadas sob a alegação de que evidenciavam o clima marginal do samba.

Sérgio Bittencourt, jornalista e compositor, filho de Jacob do Bandolim, em 1970, teve a sua música “Acorda, Alice”, proibida pela censura da ditadura militar por causa do verso “Acorda, Alice/ Que o país das maravilhas acabou”. Esta canção seria gravada por Waleska já na época da abertura política.

Rita Lee teve as músicas “Moleque Sacana” (Rita Lee e Mu) e “Gente Fina” (Rita Lee) censuradas, a primeira por causa da palavra sacana, considerada obscena, a segunda porque poderia ferir os bons costumes da época.

Carlos Lyra sentiu o gosto da censura com a sua música “Herói do Medo”, proibida por causa dos versos “odeio a mãe por ter parido” e “o passatempo estéril dos covardes“.
Carlos Lyra não alterou o conteúdo da letra, preferiu sair do país.



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Editor: Elpídio Navarro

sábado, 3 de dezembro de 2011

ANARQUISTAS E SOCIALISTAS

Os anarquistas buscam eliminar as distâncias entre os seres humanos criando um companheirismo maior que o individualismo. O gigantismo do Estado afasta as criaturas. Dessa forma, ao contrário do que muitos afirmam, os anarquistas não querem o fim da sociedade, mas, ao contrário, querem estreitar os laços sociais.
A idéia principal é, basicamente, reverter a ordem do poder que se apresenta acachapante do Estado sobre o indivíduo, para o indivíduo acima do Estado.

Diferentemente dos Marxistas, os Anarquistas jamais pregaram qualquer tipo de governo sobre o cidadão, como a ditadura do proletariado.

Enquanto Marx é citado como o antecessor do comunismo, Proudhon e Bakunin se tornariam os fundadores do anarquismo.

Sobre Karl Marx, sociólogo, historiador e pensador do chamado socialismo científico, nos diz Bakunin:

“Marx e eu éramos amigos naquela época. Nos víamos com freqüência, pois o respeitava por sua sabedoria e devoção séria e apaixonada, ainda que com uma certa vaidade pessoal, à causa do proletariado, e o procurava por sua conversa sempre inteligente e instrutiva. Mas não havia intimidade entre nós. Nossos temperamentos não se adaptavam. Ele me chamava de idealista sentimental, e estava certo. Eu o chamava de vaidoso, traiçoeiro e ardiloso, e eu também estava certo!”

Enquanto o pensamento marxista via nas revoluções contemporâneas (Inglesas e francesa) apenas conquistas burguesas sem avançar em direção a uma sociedade justa, devendo essa ser conquistada por uma revolução do proletariado, Bakunin ou Proudhon consideraram a possibilidade de que tal revolução do proletariado apenas trocasse uma elite por outra. Para eles uma revolução que não se desfaz da autoridade criará sempre um poder mais penetrante e mais duradouro do que aquele a que substitui.

Marx reconhecia o que significava o poder, mas acreditava que era possível criar uma nova forma de poder, o poder do proletariado, através do partido, que ao fim se dissolveria e produziria uma sociedade anarquista ideal, a que ele acreditava ser o objetivo final do esforço humano, enquanto que a dupla de anarquistas profetizava que a organização política marxista se tornaria uma rígida oligarquia de funcionários e tecnocratas.

Proudhon foi preso em 1849 por suas críticas a Luís Napoleão (sobrinho de Napoleão e que se tornaria imperador com o título de Napoleão III). Passou o resto de sua vida na prisão ou no exílio. Morreu em 1865 sustentando que os partidos políticos eram operados por membros de uma elite social e que os trabalhadores só controlariam seus próprios destinos quando criassem e controlassem suas próprias organizações para mudar a sociedade. Seus seguidores formaram um movimento denominado mutualista que queriam atingir seus resultados pacificamente, através da cooperação entre produtores.


O conflito entre Marx e Bakunin não apenas refletiu diferenças de temperamento entre os protagonistas, mas também diferenças fundamentais de idéias, ou seja, de finalidades entre socialistas autoritários e anarquistas libertários.

O debate transformou-se em conflito, e em 1872 os marxistas expulsaram Bakunin.

As idéias marxistas, adaptadas por Lênin, chegaram ao poder com a revolução bolchevique na Rússia, em 1917.

O movimento anarquista sobreviveu como uma ideologia e não como organização.

(adaptado do texto de George Woodcock)