Por Antonio Luiz M. C. Costa
Há cem anos, em 15 de março de 1917, o tsar Nicolau II foi obrigado a abdicar e pôr um fim a séculos de monarquia russa e de relativa estabilidade social das elites europeias.
Não foi coincidência a revolução começar na data hoje comemorada como o Dia Internacional da Mulher. A partir da campanha das militantes alemãs Clara Zetkin e Luise Zietz, o movimento socialista do início do século XX aceitara incorporar pautas feministas não especificamente trabalhistas e um Dia Internacional da Mulher foi organizado pela primeira vez pelo Partido Socialista dos EUA, em 23 de fevereiro de 1909, em apoio à campanha pelo voto feminino.
A iniciativa fora assistida pela Internacional Socialista no ano seguinte e dias de reivindicação feminista foram celebrados em diferentes datas de fevereiro e março de 1911 a 1914, quando a irrupção da Primeira Guerra Mundial desorganizou o movimento internacional.
Em 1917, porém, a situação na então Petrogrado era insuportável. Com a convocação dos homens válidos para a frente de batalha, mulheres haviam ocupado grande parte das vagas industriais. A guerra e um inverno rigoroso haviam se combinado para desabastecer as cidades de alimentos, matérias-primas e combustíveis. A inflação disparava e a comida faltava, enquanto as fábricas paravam e demitiam por falta de materiais.
Que o Dia da Mulher surgisse de uma greve de 1857 é lenda. Mas nesse ano nasceu Clara Zetkin, sua inspiradora.
Em 18 de fevereiro, os operários e operárias da maior fábrica local, a Companhia Putilov, entraram em greve. No dia 23, trabalhadoras de toda a cidade, organizadas pelas companheiras mais militantes, aproveitaram o Dia Internacional da Mulher para arregimentar apoio aos grevistas nas ruas e fábricas e a elas se juntaram donas de casa enregeladas nas filas.
As lideranças revolucionárias de médio escalão de Petrogrado julgavam a rebelião prematura e se enfureceram.
A paralisação da Putilov tornou-se uma greve geral. O tsar ordenou às tropas de Petrogrado disparar contra os manifestantes de ambos os sexos, se fosse necessário, mas, ao contrário do que temiam dirigentes como Kayurov, os soldados se amotinaram, atiraram contra os comandantes e populares tomaram ou incendiaram os quartéis da polícia.
Sergei Mstislavski, um dos líderes do Partido Social-Revolucionário, confessou o espanto: “A revolução apanhou a nós, o pessoal do partido, cochilando como as virgens tolas da Bíblia”. Leon Trotski escreveu, mais tarde: “As massas quase não tiveram lideranças. Os jornais estavam silenciados pela greve. Sem olhar para trás, elas fizeram a própria história”.
Foi a partir desse 23 de fevereiro, tornado 8 de março com a mudança do calendário, que a Internacional Comunista fixou, em 1922, o Dia Internacional da Mulher. Por muito tempo foi comemorado quase exclusivamente por partidos e sindicatos comunistas e ignorado ou repudiado pelo chamado “mundo livre”.
Segundo historiadoras do feminismo, a lenda de sua origem na repressão violenta a uma imaginária greve de operárias da confecção dos EUA de 1857 surgiu em um artigo de 1955 do jornal comunista francês L’Humanité.
Se com isso pretendia desvincular a data feminista do comunismo soviético e ampliar sua aceitação, teve sucesso. Durante os anos 1960, as feministas dos EUA aderiram à comemoração, internacionalizada pela ONU em 1975. Neste ano de 2017, até conservadores como Donald Trump e Michel Temer precisaram assinalá-la. À sua maneira, é claro.
Logo surgiu quem se dispusesse a dirigir as massas. No dia 27, com mais de 100 mil soldados já rebelados, líderes operários presos foram libertados e organizaram o Soviete (Conselho) de Petrogrado, presidido pelo menchevique Nikolay Chkheidze com esse objetivo. Os políticos tradicionais e a própria nobreza perceberam então o risco de iminente atropelamento pela história e tentaram recuperar a iniciativa.
O presidente da Duma (Parlamento) Mikhail Rodzianko, que na véspera implorara ao tsar por reformas para acalmar a população sem receber resposta, decidiu tomar o poder. Assumiu o comando dos militares não rebelados, prendeu os ministros, fez deter o trem do tsar que voltava à capital e proclamou um governo provisório, liderado pelo príncipe “cadete” Georgy Lvov.
Este não tinha parentesco próximo com a família imperial, mas o próprio grão-duque Kirill Vladimirovich, primo do imperador, hasteou uma bandeira vermelha no seu palácio e juntou-se à revolução.
Muitos aristocratas, assim como políticos burgueses, ansiavam por se livrar da inabilidade militar de Nicolau II e da incompetência política da tsarina Alexandra e julgavam estar em posição de controlar as massas e comandar a transição. Não conseguiram, porém, obrigar o gênio a voltar para a garrafa. O Soviete de Petrogrado continuou a controlar vários ramos do governo e das Forças Armadas e, em plena guerra com a Alemanha, digladiou pelo poder com o Parlamento por meses, enquanto diferentes partidos disputavam as duas casas. Lev Kamenev, Josef Stalin e outros vieram da Sibéria nas semanas seguintes.
Vladimir Lenin, Grigori Zinoviev, Grigori Sokolnikov e demais exilados bolcheviques na Suíça tiveram o retorno facilitado pela Alemanha com a expectativa de um acordo de paz mais favorável e chegaram em 3 de abril. Trotski chegou de Nova York no mês seguinte.
As consequências para a Rússia são bem conhecidas e vale mais a pena lembrar o impacto no resto do mundo. Em 1918, operários e soldados rebelaram-se contra a continuação da guerra em vários países da Europa e em várias regiões chegou-se a proclamar repúblicas soviéticas. Essas insurreições foram esmagadas, mas o fantasma do comunismo passou a assombrar como nunca as elites europeias.
Apesar do enrijecimento do regime russo com Stalin e sucessores, 1917 continuou em boa parte do mundo a inspirar progressos sociais e políticos – ou, pelo menos, inibir certos retrocessos – até o colapso soviético em 1991.
sábado, 6 de maio de 2017
quarta-feira, 3 de maio de 2017
DISCURSO ARRASADOR
Por Miguel do Rosário
Luigi Ferrajoli, um dos maiores autores jurídicos do mundo, faz uma análise política brilhante do golpe no Brasil no parlamento italiano: “o impeachment completamente insensato e infundado da presidenta Dilma ilumina o sentido político da operação contra Lula. E vice-versa! O processo de fúria judicial, a demonização, a espetacularização, tudo isso ilumina o verdadeiro sentido do impeachment”.
O discurso de Ferrajoli é um violento tapa na cara da comunidade jurídica brasileira, incluindo os operadores da Lava Jato, que gostam de citar o autor.
Ferrajoli rechaça veementemente qualquer vínculo entre a Operação Mãos Limpas, que, segundo ele, está longe de ser um modelo de garantismo penal, pois cometeu muitos abusos, e a Lava Jato. A Mãos Limpas respeitava o processo penal. A Lava Jato, não.
Faz um discurso emocionado contra a Lava Jato e contra Sergio Moro, acusando-os de repetir procedimentos enterrados desde o fim da idade média do direito penal:
(…) podemos reconhecer, neste processo, além das extraordinárias violações, como a difusão e a publicação de interceptações, feitas pelo próprio juiz, as características típicas da Inquisição.
Outros trechos do discurso proferido em 11 de abril de 2017:
(…) por isso tem se falado em golpe de Estado que é, de um lado, judicial, e, por outro, parlamentar.
Ou seja, uma operação contra uma presidenta legitimamente eleita, Dilma Rousseff, e um impedimento de outro candidato do mesmo grupo de se candidatar, evidenciam uma mudança de linha política, inclusive institucional, visto que o governo tinha implementado programas como o Bolsa Família. Haviam sido implementadas medidas sociais de direito à saúde e à educação.
Então devemos nos preocupar porque, além de um caso judicial que é realmente escandaloso, e além do processo que atingiu a presidenta do Brasil, estamos diante de uma operação que se apoia num processo de deformação do espírito público, do senso comum, da informação, para controlar, instrumentalizando meios judiciais e pseudoparlamentares, o poder institucional do Brasil. ”
(…) Isso nos lembra da figura do juiz inquisidor, descrita por Beccaria, ou seja, “quando o juiz se torna inimigo do réu, e se atormenta, e receia perder o jogo, se não consegue comprovar uma acusação”.
Isso não é admissível.
É preciso proteger, antes de tudo, a jurisdição e o Estado de Direito, que requer um respeito às leis, as quais foram criadas sem o intuito de declarar guerra a ninguém!
Por isso é importante, e eu acredito nessa ideia de uma organização de magistrados ativos que precisam analisar esses processos, criticá-los, denunciar os abusos, nem que seja só para discutir opiniões.
São atitudes que podem colocar um freio e deslegitimar essa operação [Lava Jato], que é de uma gravidade enorme, porque além de suas intenções políticas, contingentes, que são as eleições de 2018, ela está produzindo uma mudança na estrutura do Estado de Direito, com base na indiferença, na desinformação e no consenso geral.
Porque a forma mais terrível de populismo não é o populismo político, e sim o populismo judiciário.
E isso pode representar um perigo para o qual a comunidade jurídica deve olhar de maneira muito atenta, para proteger a jurisdição e a própria dignidade do direito!
Luigi Ferrajoli, um dos maiores autores jurídicos do mundo, faz uma análise política brilhante do golpe no Brasil no parlamento italiano: “o impeachment completamente insensato e infundado da presidenta Dilma ilumina o sentido político da operação contra Lula. E vice-versa! O processo de fúria judicial, a demonização, a espetacularização, tudo isso ilumina o verdadeiro sentido do impeachment”.
O discurso de Ferrajoli é um violento tapa na cara da comunidade jurídica brasileira, incluindo os operadores da Lava Jato, que gostam de citar o autor.
Ferrajoli rechaça veementemente qualquer vínculo entre a Operação Mãos Limpas, que, segundo ele, está longe de ser um modelo de garantismo penal, pois cometeu muitos abusos, e a Lava Jato. A Mãos Limpas respeitava o processo penal. A Lava Jato, não.
Faz um discurso emocionado contra a Lava Jato e contra Sergio Moro, acusando-os de repetir procedimentos enterrados desde o fim da idade média do direito penal:
(…) podemos reconhecer, neste processo, além das extraordinárias violações, como a difusão e a publicação de interceptações, feitas pelo próprio juiz, as características típicas da Inquisição.
Outros trechos do discurso proferido em 11 de abril de 2017:
(…) por isso tem se falado em golpe de Estado que é, de um lado, judicial, e, por outro, parlamentar.
Ou seja, uma operação contra uma presidenta legitimamente eleita, Dilma Rousseff, e um impedimento de outro candidato do mesmo grupo de se candidatar, evidenciam uma mudança de linha política, inclusive institucional, visto que o governo tinha implementado programas como o Bolsa Família. Haviam sido implementadas medidas sociais de direito à saúde e à educação.
Então devemos nos preocupar porque, além de um caso judicial que é realmente escandaloso, e além do processo que atingiu a presidenta do Brasil, estamos diante de uma operação que se apoia num processo de deformação do espírito público, do senso comum, da informação, para controlar, instrumentalizando meios judiciais e pseudoparlamentares, o poder institucional do Brasil. ”
(…) Isso nos lembra da figura do juiz inquisidor, descrita por Beccaria, ou seja, “quando o juiz se torna inimigo do réu, e se atormenta, e receia perder o jogo, se não consegue comprovar uma acusação”.
Isso não é admissível.
É preciso proteger, antes de tudo, a jurisdição e o Estado de Direito, que requer um respeito às leis, as quais foram criadas sem o intuito de declarar guerra a ninguém!
Por isso é importante, e eu acredito nessa ideia de uma organização de magistrados ativos que precisam analisar esses processos, criticá-los, denunciar os abusos, nem que seja só para discutir opiniões.
São atitudes que podem colocar um freio e deslegitimar essa operação [Lava Jato], que é de uma gravidade enorme, porque além de suas intenções políticas, contingentes, que são as eleições de 2018, ela está produzindo uma mudança na estrutura do Estado de Direito, com base na indiferença, na desinformação e no consenso geral.
Porque a forma mais terrível de populismo não é o populismo político, e sim o populismo judiciário.
E isso pode representar um perigo para o qual a comunidade jurídica deve olhar de maneira muito atenta, para proteger a jurisdição e a própria dignidade do direito!
segunda-feira, 1 de maio de 2017
VAZA TEMER
Como se sentiu na sexta-feira, golpista?
Não adianta fingir. Se desse, teria baixado o pau, né? Mas não baixou, porque lhe deu paúra.
Gente demais. Mais de 30 milhões de trabalhadores paralisados em todo o País.
E seu ministro da porrada, aquele da bancada ruralista, chama isso de pífio. A raposa falando das uvas. Para quem não tem popularidade e é avaliado como o pior "governante" da história do Brasil, tanta gente na rua não é um bom presságio.
Pífios são vocês. Traidores mesquinhos. Gente feia. Smeagols.
Poderia ter entrado para a memória como pacificador, dando apoio à Presidenta Dilma Rousseff e articulando sua base parlamentar, mas preferiu comprar bancada para golpeá-la pelas costas com o Eduardo Cunha, que hoje apodrece na cadeia em Curitiba.
E agora você distribui cargos num descarado clientelismo, como se a República fosse res privata sua. A FUNAI, por exemplo, não serve mais aos povos indígenas, serve ao PSC, "é do André Moura"...
Nada mais impressiona nesse arrastão que você e sua turma promovem no governo.
Política indígena, assim como a educacional, a de saúde, a de moradia... tudo deixou de existir. As pastas que deveriam dar suporte às políticas públicas foram transformadas em regalos para os politiqueiros sem princípios que lhe dão apoio por pura ganância e ambição. Nunca o Brasil chegou tão baixo.
Já não nos comovem cenas deprimentes como aquela experimentada semana passada por seu ministrinho da falta de educação, o Mendoncinha, que gosta de conselhos de ator pornô. Saiu da Universidade Federal da Bahia cortando a cerca, para não ser vaiado pelos estudantes.
Neste seu "governo", nada mais surpreende. Nem mesmo manter nos seus cargos oito ministros investigados por corrupção.
Você conseguiu zerar o investimento público neste ano. Assaltou o BNDES, desviando 1 bilhão de reais de seus cofres. Tudo para debelar uma crise que você e os seus criaram para derrubar uma Presidenta eleita com 54 milhões de votos. Depois a aprofundaram com um déficit primário artificial de 170 bilhões de reais, para distribuir 50 bilhões a amigos. E este ano quis fazer a mesma coisa, não fossem os cofres vazios.
Para alimentar sua rede de favores, resolveu desnacionalizar o Brasil, vendendo campos de petróleo a preço de banana para companhias estrangeiras, abrindo o mercado aéreo para empresas não brasileiras, permitindo a venda de terras a estrangeiros sem qualquer limite e por aí vai.
É o jeito de manter seu cassino funcionando, né? Ou será o butim que coube a seus aliados do Norte na guerra que moveu contra nossa jovem democracia?
E acha que nós aceitamos pagar a conta desse seu jogo contra a sociedade? Claro que não.
Quando as instituições se omitem na defesa da democracia, devolve-se ao detentor da soberania popular – ao povo – o direito de resistir à arbitrariedade.
Somos nós os verdadeiros e originários guardiões da Constituição!
Os próximos dias de seu "governo" serão seu ocaso. É bom se acostumar. Sexta-feira foi só o começo. Quem sabe a gente se surpreenda em algum momento próximo com um lampejo de dignidade que em toda sua vida não mostrou e possa aceitar seu pedido de renúncia na paz? Sonhar é de graça. Mas seria melhor assim. Seria melhor você sair pela porta dos fundos da história, para não ter que passar por seu corredor polonês pela frente.
Agora, se insistir nessa coisa bandida de destruição da previdência pública para enriquecer seus sócios de fundos financeiros e em pensar que o trabalhador brasileiro é otário e se submeterá a seu capricho de nos catapultar de volta para o regime constitucional de 1891, estará escolhendo o caminho mais doloroso.
O povo vai se transformar no pior pesadelo de sua malta. Pense bem antes de testar. Ano que vem – ou até antes – haverá eleições. Ainda é tempo de recuar.
O dia 28 de abril de 2017 foi nossa primeira resposta, a da sociedade brasileira, ao espetáculo deprimente que você e seus ratos no Congresso protagonizaram em 17 de abril de 2016.
Foi uma resposta à altura e é bom ouvi-la. Sua liga de super-heróis, a Rede Globogolpe e os MBLs da vida, não tem tamanho para enfrentar o que começamos sexta-feira.
Quem viver verá.
Vaza, Temer, vaza!
Por Eugênio José Guilherme de Aragão jurista, membro do Ministério Público Federal desde 1987, foi último Ministro da Justiça de Dilma Rousseff em 2016
domingo, 30 de abril de 2017
OUSANDO MAIS DEMOCRACIA
Por Eugênio José Guilherme de Aragão
O "depoimento" de Emílio Odebrecht é nauseabundo. Merece as aspas, pois mais parece um monólogo em conversa de botequim. A narrativa vem recheada de suposições e visões pessoais, particulares, miúdas. Confirma os estereótipos sobre a política nacional como negócio imundo.
Inevitável é a comparação com a ira ensaiada do discurso de Roberto Jefferson da tribuna da Câmara, que abriu o escândalo do chamado "mensalão". A diferença está no estilo. Enquanto o burguesão Odebrecht se dá ao luxo de olhar com desprezo arrogante para a inhaca em que seu grupo se meteu, o canastrão Roberto Jefferson deblatera com oratória digna advogado de num júri de arrabalde. Já a semelhança está na atitude e no objetivo político. Ambos não estão "arrependidos", de suas confissões. Querem criar uma comoção social para desviar a atenção da gravidade dos seus malfeitos.
É tudo farinha do mesmo saco. Jefferson e Odebrecht são delinquentes que se gabam da sua "coragem". Querem passar de gatunos a heróis, às custas da estabilidade política e econômica do país e com a preciosa ajuda da mídia comercial. Esta perdoa a gatunagem ao gatuno delator do inimigo político. Festeja-o como se mocinho fosse, permitindo-lhe posar e esbanjar deboche e cinismo na cara da platéia idiotizada.
Quando a infração à norma vira regra, é preciso avaliar se não há algo de errado com ela, porque nesse contexto a infração se sobrepõe à norma, ao aparentemente correto, talvez não tão correto assim.
Para começar, seja qual for a atitude do observador político, de dar ou não crédito ao deboche cínico de Odebrecht, tal atitude deverá ser uniforme diante dos malfeitos de gregos e troianos. Não dá para considerar, de antemão, 100% verdadeiras as afirmações sobre uns e 100% erradas as sobre outros, conforme a simpatia política. As circunstâncias e personalidades envolvidas sugerem ser mais fácil achar que a turba em volta de Temer esteja enterrada até o pescoço na lama do que acreditar no locupletamento pessoal de Lula.
Quem conhece a turba, sabe do que seus são capazes.
Quem armou um golpe contra a democracia e dele se beneficiou tem menos credibilidade do que quem honrou a soberania popular, fortaleceu no seu mandato os órgãos da persecução penal, dinamizou a economia brasileira e praticou uma política externa "ativa e altiva" e deu ao Brasil uma visibilidade internacional que ele nunca antes tivera.
Mas isso não faz a delação de Odebrecht parecer mais ou menos crível. Sua mácula está no método da sua extração ou extorsão, já que seu autor não parece minimamente arrependido para fazê-la de livre e espontânea vontade.
Emílio Odebrecht delatou por temer não só a violência processual contra si e seu filho, mas também o desmoronamento do seu império empresarial. Por isso, tomou uma decisão estratégica que implica entrega tática de informações selecionadas e com endereço conhecido. Isso nada tem a ver com a verdade toda que se quer colocada a nu.
Para o Ministério Público, esse defeito – estético apenas, não processual – parece irrelevante. Tornou pública a delação, assumindo dolosamente o risco da turbulência política que causaria. Mais importante e igualmente dolosa foi a intenção de salvar a própria pele. Tamanha foi a escala de informações, que estas não poderiam ficar em segredo por muito tempo. Pior ainda teria sido o vazamento seletivo, a sepultar de vez a credibilidade da instituição. Importou agora fingir a isenção que o Ministério Público não mostrara antes. Tal atitude revela mais desespero do que um esforço de transparência.
Na operação "Lava Jato", a violência processual e o desrespeito aos direitos fundamentais dos investigados e dos acusados são rotina, a começar pela presunção de inocência, esfolada com a exibição pública de presos e conduzidos.
Escutas e outras provas sensíveis tem sido escancaradas à curiosidade coletiva, para destruir reputações perante a sociedade. Tudo foi feito num timing para causar o máximo de impacto político.
Juiz e procuradores anunciaram sem qualquer pejo que o apoio da opinião pública era fundamental para o sucesso de sua missão, como se estivessem à cata de uma legitimidade que só o voto pode dar. Paralelamente lançaram anteprojeto corporativo de lei, disfarçado de iniciativa popular, para alavancar seus poderes.
Questionados sobre os abusos cometidos, reagiram e reagem sempre com histeria e histrionismo, acusando os críticos de querer inviabilizar seu "combate à corrupção".
Nesse clima de conflagração, a delação, menos do que um prêmio, é uma proteção mínima contra a continuidade do linchamento público. Quem a faz não tem convicção de nada, a não ser da necessidade de se preservar.
É importante que a sociedade tenha clareza sobre o que está acontecendo no Brasil, para não se deixar enganar pela balbúrdia decorrente do trato midiático de indícios processuais de pouco valor. Sempre é bom lembrar que no Estado de Direito é melhor absolver um culpado pela imprestabilidade da prova do que condenar um inocente: In dubio pro reo.
O verdadeiro desafio para a democracia brasileira, neste momento, não está no noticiário da delação de Emilio Odebrecht, mas na forma como lidaremos com a própria delação. Os inimigos da democracia são os que, tendo se omitido diante do golpe, destroem de forma irresponsável o país, vendendo moralismo barato em troca de reconhecimento público.
Diante de corruptos não cabe ser tolerante, mas depois de produzida a prova prestável e rejeitada a prova imprestável, sem qualquer parti pris e sem qualquer esforço de fortalecimento corporativo.
É fundamental, também, distinguir entre o que é genuíno desvio de recursos públicos e locupletamento ilícito do que é admitido e tolerado na prática dos embates eleitorais. A criminalização da política não revigora o regime democrático, antes o debilita. Se tais práticas são agora percebidas como inaceitáveis, deverão ser mudadas daqui para frente, por meio de ampla reforma política, que conte com a participação da sociedade e seja feita por quem tenha condições políticas de fazê-la.
Não esqueçamos, porém, que essa reforma é tão importante como a reforma do Estado, que restitua os poderes em seu leito normal, impeça o uso de atribuições funcionais para o reforço de pretensões corporativas e devolva a credibilidade e autoridade às instituições.
Só assim sairemos da crise em que nos encontramos, limpando a mancha do golpe e – para citar o famoso lema de Willy Brandt na campanha eleitoral de 1969, da qual ele saiu como chefe de governo da República Federal da Alemanha – “ousando mais democracia”.
Eugênio José Guilherme de Aragão jurista, membro do Ministério Público Federal desde 1987, foi último Ministro da Justiça de Dilma Rousseff em 2016
sábado, 29 de abril de 2017
DESCOBRIMENTO, ACHAMENTO OU CULPA DO LULA?
Nesse mês de abril, em comemoração aos 517 anos de chegada de Cabral ao Brasil, o Blog apresenta as três versões para o fato, até hoje, um dos mais polêmicos de nossa história.
Versão 01: Uma poderosa esquadra é enviada para a rota já conhecida do contorno da África em direção ao oriente. Além da tripulação envolvendo 13 navios, sendo um de apoio levando água e mantimentos, a expedição era composta por militares, comerciantes e padres para dar início ao ambicioso plano de estabelecer negócios e estruturar monopólio na região produtora das especiarias. Durante a viagem, para evitar área de calmarias, o comandante Pedro Álvares Cabral determina um desvio para o oeste e durante a operação é surpreendido por uma tempestade. Resultado – a enorme expedição chega por acaso ao Brasil em 22 de abril de 1500. Um descobrimento norteado por amplas coincidências felizes.
Essa é a versão oficial, reproduzida nos livros de história até metade do século passado.
Versão 02: Em um acordo assinado por Portugal e Espanha em 1494, ficou acertado que toda a terra que viesse a ser descoberta à leste de uma linha imaginária traçada a 370 léguas a oeste da ilha de Santo Antão no arquipélago de Cabo Verde, seriam de Portugal, independente de quem chegasse ali primeiro. Portanto, mesmo antes de Cabral, o Brasil já seria de Portugal. Acontece que um ano antes do Tratado de Tordesilhas, houve uma proposta para estabelecer a mesma linha imaginária a 100 léguas de Cabo Verde (Bula Intercoetera), coisa que Portugal não aceitou exigindo empurrar essa linha imaginária mais para o oeste. Havia, portanto, o receio que a Espanha se sentisse ludibriada e a descoberta de terras naquelas longitudes provocassem um conflito entre ambas as nações. Dessa forma, o descobrimento do Brasil sem querer foi uma fraude e o que houve foi um “achamento” meramente oficial de algo que Portugal já sabia existir.
Essa é a versão mais considerada atualmente, de acordo com os poucos documentos possíveis, como o Diário de Bordo da expedição e pela lógica.
Versão 03: Essa versão da direita enviada ao Congresso através de MP afirma que o fidalgo decadente, mas adorado pela classe média, Pedro Álvares Cabral teve seu sublime trabalho patriótico sabotado por marinheiros petralhas ligados à CUT, que organizaram uma greve ilegal durante a expedição para sabotar os desejos de estabelecimento de monopólios e imperialismos, coisa que, todos sabem, a esquerda é profundamente contra. Por isso, os navios deram uma guinada para a esquerda (do ponto de vista de quem está olhando o mapa de cima) chegando acidentalmente ao Brasil em 1500. Como é de hábito dos esquerdistas, estes iniciaram a organização sindical dos índios. Além disso um ancestral de Lula defendeu a delimitação das terras indígenas, o que atrasou o progresso, fazendo com que a colonização propriamente dita começasse apenas 30 anos depois, com a chegada do coxinha Martim Afonso de Sousa.
Essa é a versão da Globo, Fiesp e defensores dos bons costumes e do ódio às esquerdas.
E você, caro leitor, qual versão prefere?
Prof. Péricles
sexta-feira, 28 de abril de 2017
VOCÊ TAMBÉM ESCREVE A HISTÓRIA
A greve geral, deflagrada no dia de hoje, é legítima e justa.
Também pode-se dizer que é tardia.
Tanta água já passou por essa ponte sem nenhuma reação das forças progressistas que, tem-se a impressão que estavam reféns de alguma letargia provocada pela descrença em si mesma.
Patos amarelos da Fiesp, bonecos agressivos ao ex-presidente e a presidente, campanhas difamatórias e provocativas sem resposta à altura talvez se explique pela falta de jeito da esquerda em estar no poder.
A greve, sempre foi vista como um instrumento válido da classe trabalhadora manifestar sua inconformidade e apresentar suas reivindicações.
No Brasil e no mundo sempre foi temida pelas classes dirigentes, especialmente a do tipo “Greve Geral”.
Na França, Inglaterra, Alemanha, Rússia, já mudou a história política dessas nações e de seus povos.
No Brasil ela estava desaparecida desde a chegada do PT ao poder em 2003, e manteve-se desaparecida em todo o episódio golpista que depôs a presidenta Dilma Rousseff.
Sim, houve aqui e acolá algumas manifestações de rua, principalmente os que diziam que não haveria golpe e haveria luta, mas greve no sentido real da palavra não.
A de hoje nos traz algum alento.
Vale o “antes tarde do que nunca”.
Uma das coisas mais engraçadas de se ver ou melhor, ouvir, é a reação da imprensa conservadora.
Por uma questão de imagem eles são obrigados a reconhecer nos microfones a legitimidade da greve como um instrumento que faz parte do jogo democrático.
Mas, por outro lado, é evidente o ranço contra o movimento, tanto que a cobertura dos fatos se restringe aos problemas de circulação, ônibus parados, metrô, etc. destacando que muitos trabalhadores estão parados porque não puderam chegar ao trabalho.
No Brasil ela estava desaparecida desde a chegada do PT ao poder em 2003, e manteve-se desaparecida em todo o episódio golpista que depôs a presidenta Dilma Rousseff.
Sim, houve aqui e acolá algumas manifestações de rua, principalmente os que diziam que não haveria golpe e haveria luta, mas greve no sentido real da palavra não.
A de hoje nos traz algum alento.
Vale o “antes tarde do que nunca”.
Uma das coisas mais engraçadas de se ver ou melhor, ouvir, é a reação da imprensa conservadora.
Por uma questão de imagem eles são obrigados a reconhecer nos microfones a legitimidade da greve como um instrumento que faz parte do jogo democrático.
Mas, por outro lado, é evidente o ranço contra o movimento, tanto que a cobertura dos fatos se restringe aos problemas de circulação, ônibus parados, metrô, etc. destacando que muitos trabalhadores estão parados porque não puderam chegar ao trabalho.
É uma forma evidente de diminuir o fato político.
O foco só muda quando ocorre algum episódio de violência quando então a postura é mostrar o ato sempre como vandalismo dos manifestantes.
O direito de ir e vir é sempre destacado, como se nosso povo pobre pudesse mesmo ir e vir quando e onde quisesse.
O foco só muda quando ocorre algum episódio de violência quando então a postura é mostrar o ato sempre como vandalismo dos manifestantes.
O direito de ir e vir é sempre destacado, como se nosso povo pobre pudesse mesmo ir e vir quando e onde quisesse.
Na verdade,o direito de ir e vir explorado pela imprensa está ligado à obrigação do trabalho e da produtividade. Não é, verdadeiramente uma preocupação com um direito democrático.
Mas e quanto à violência?
Óbvio que toda violência é lamentável, mas, é inegável que é uma ´possibilidade que o trabalhador e manifestante devem entender como possível.
Quem só participa de um movimento paradista se tiver garantias de que não haverá violência não entendeu direito do que está fazendo parte.
A violência policial no brasil é bem conhecida, e ânimos exaltados de quem luta por seus direitos algo que pode ser considerado normal.
A greve é bem-vinda, e você que participou dela entenda que isso também é participar da história. Sua consciência deve estar em paz com suas obrigações de cidadania e com o que poderá dizer aos netos um dia.
Espera-se que os congressistas sejam sensíveis às manifestações e cumpram seu papel de representantes da vontade do povo quando votarem os projetos polêmicos que ameaçam direitos conquistados e garantias do povo brasileiro.
Mas e quanto à violência?
Óbvio que toda violência é lamentável, mas, é inegável que é uma ´possibilidade que o trabalhador e manifestante devem entender como possível.
Quem só participa de um movimento paradista se tiver garantias de que não haverá violência não entendeu direito do que está fazendo parte.
A violência policial no brasil é bem conhecida, e ânimos exaltados de quem luta por seus direitos algo que pode ser considerado normal.
A greve é bem-vinda, e você que participou dela entenda que isso também é participar da história. Sua consciência deve estar em paz com suas obrigações de cidadania e com o que poderá dizer aos netos um dia.
Espera-se que os congressistas sejam sensíveis às manifestações e cumpram seu papel de representantes da vontade do povo quando votarem os projetos polêmicos que ameaçam direitos conquistados e garantias do povo brasileiro.
Prof. Péricles
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