sexta-feira, 3 de junho de 2016

TRAIÇÃO, UMA TRADIÇÃO BRASILEIRA


O Brasil é um país que tem tradição em traição.

Um dos mais clássicos dos traidores é Domingos Fernandes Calabar.

Homem aventureiro e de muitos recursos provindos da experiência com contrabando, lutou ao lado dos brasileiros liderados por Mathias de Albuquerque contra os holandeses quando esses invadiram Pernambuco, em 1630.

Porém, por razões desconhecidas, o homem endoidou e em abril de 1632 procurou as autoridades militares batavas. Entregou tudo. Número de combatentes, caminhos escolhidos e até a posição do Arraial de Bom Jesus, sede da resistência brasileira.

Para uma luta de guerrilha, o segredo é fundamental e por isso, as informações de Calabar foram fatais e os holandeses tomaram Bom Jesus prenderam e expulsaram Mathias Albuquerque e seus homens.

Derrotado e em retirada, Mathias de Albuquerque por um desses golpes do destino, conseguiu capturar Calabar que foi garroteado e esquartejado em 1635.

Sem dúvida Calabar traiu, pelo menos, seus amigos da resistência, embora não se possa falar de traição a um Brasil que ainda não existia.

Outro traíra clássico é Joaquim Silvério dos Reis.

Em troca do perdão de suas dívidas entregou os bons meninos que sonhavam libertar Minas Gerais da tirania lusitana, especialmente, da cobrança da derrama.

Todos presos, muitos torturados, um suicidado na prisão e uma execução exemplar, a de Tiradentes, tudo por causa do trairão Silvério dos Reis.

Há muitos outros, comprovados e suspeitos de trairagem.

O pai de Pedro Ivo, líder da Revolta Praieira de 1848 em Pernambuco, Clemente Malcher na Cabanagem, Costa e Silva que traiu Jango, Gregório Fortunato que teria traído Getúlio Vargas, Getúlio Vargas que teria traído Borges de Medeiros, Bento Manoel e principalmente David Canabarro que traiu os negros e a Revolução Farroupilha, entre outros.

Fulgura até um traidor responsável por inúmeras prisões, torturas e mortes (inclusive da própria namorada que estava grávida) na ditadura militar... o sinistro Cabo Anselmo.

Enfim, temos vários tipos e características de traidores e traições. Clássicos, militares, civis. Traidores ao gosto nesse Brasil varonil.

Agora testemunhamos um caso de traição acompanhada pela nação, passo a passo.

A traição aberrante de um vice-presidente de olho no cargo de Presidente e de olho nos interesses em jogo.

O processo de impeachment não passaria na Câmara dos Deputados sem a traição do PMDB e o mais irônico é que o PT sempre suportou a presença desse partido no governo, em nome da tal governabilidade, que implicava, exatamente, a defesa desse aliado em caso de necessidade.

A traição de Temer pode ser vista de vários ângulos, todos eles nefastos.

Tendo a imagem de televisão, minutos após encerrada a contagem oficial dos votos, mostrando uma Dilma emocionada ao lado de um Temer, teoricamente também emocionado, lembra a traição de Calabar a seus companheiros de luta.

Sabendo que o principal motivo do golpe é proteger parcelas importantes de golpistas envolvidas em corrupção, lembra Silvério dos Reis para se livrar da derrama.

Entendendo que na verdade, as classes médias conservadoras, apoiam e exigem o golpe para manter distante as classes mais pobres favorecidas pelo governo que cai, nos fazem recordar Malcher, um homem das classes mais abastadas, traindo os miseráveis cabanos.

O aliado traiu a aliada. O vice traiu a titular. O homem traiu a mulher.

Talvez o garboso vice, agora presidente interino, devesse atentar para o seguinte detalhe: assim como a traição é constante na história brasileira, o desprezo pelo traidor também é e o povo costuma execrar sua memória.

E o rótulo virtual de traidor não se apagará da testa e dos olhos do personagem.

Assim como os apoiadores da ditadura militar negavam que apoiassem uma ditadura, chamando o golpe de “revolução”, os atuais golpistas também rejeitam o título de golpe e de traição ao ato perpetrado por Temer e seus aliados.

Porém, apesar belos discursos exibidos com o lustre da mídia tentem justificar sua infâmia, a história, essa fofoqueira, sempre usará a definição exata de sua ação: traição.

E traição é um ato repugnante, e sempre será.



Prof. Péricles





domingo, 29 de maio de 2016

LAERTE BRAGA PAROU DE ESCREVER

A partida de um grande guerreiro para o outro lado da existência, deixa o Brasil mais pobre e ainda mais carente de corações sem medo.

Mas, Laerte Braga não é uma perda. Laerte Braga jamais seria uma perda. Ele sempre será um ganho, nem que seja junto a outros guerreiros que hoje ainda lutam por justiça e por suas utopias nas grande padrarias celestes.

Prof. Péricles




Por Celso Lungaretti

Só mesmo a morte podia fazer Laerte Braga parar de escrever.

Veterano do jornalismo e do comunismo, Laerte Braga faleceu dia 15 de maio, vítima de enfarte aos 70 anos de idade.

Foi um companheiro com quem travei contato apenas virtual, mas logo percebi tratar-se de um militante da velha guarda, sincero e dedicado às suas causas.

Entendemo-nos bem, com mútuo respeito, no início. Depois, fomos arrastados a uma polêmica acalorada, em que tínhamos fortes motivos para assumir posições antagônicas.

Dois idosos que moram em cidades distantes acabam se encontrando apenas por acaso, e isto acabou não ocorrendo conosco (certa vez ele esteve para vir a São Paulo, mas cancelou a viagem à última hora). Então, eu não teria informações suficientes para traçar um perfil do Laerte com a qualidade deste que a jornalista Hildegard Angel, filha da Zuzu do filme, escreveu em 2012, quando ele disputava pela primeira vez a prefeitura de Juiz de Fora:

Dos candidatos de esquerda a prefeito no país, que se saiba, o mineiro Laerte Braga é o único que tinha direto acesso ao líder palestino Yasser Arafat, conversa em tête à tête com o iraniano Mahmoud Ahmadinejad e consegue, sem grande dificuldade, uma audiência quer seja com o venezuelano Hugo Chavez quer seja com o cubano Raul Castro. Enfim, um mineiro internacional!

Um comunista atípico, que professa religião, veste-se de branco às sextas-feiras, obedecendo à tradição da umbanda, aprecia a boa mesa, a bebida de qualidade, os valores familiares, é filho respeitoso da mãe de 98 anos, cultiva as frases, a memória e os conceitos transmitidos pelo pai, gosta de escutar jazz e blues, admira e assiste aos filmes de Fellini, Godard e Woody Allen, e quando casa é com mulher bonita e jovem, como a Fernanda Tardin, com quem constituiu sua segunda família depois de enviuvar.

Enfim, nada a ver com o perfil clássico do comunista iconoclasta, barbado, desajustado e avesso aos gostos tradicionalmente cultivados pela burguesia…

Tem uma história tecida com os fios da coerência, desde os 13 de idade, quando se ligou ao PCB, em 1958, ao qual (o dito Partidão) agora retorna.

Jornalista nascido e vivido em Juiz de Fora, onde trabalhou no extinto Diário Mercantil e no Diário da Tarde, da cadeia dos Diários Associados. Depois, saltou para os jornais graúdos, como Estado de Minas e Jornal do Brasil.

Hoje, abraça com todo o fôlego a mídia virtual, aquela que dá liberdade total, escrevendo para o jornal espanhol Diário Liberdade, blogs e sites como Juntos Somos Fortes, Pueblos de Nuestra America, Quem Tem Medo da Democracia?, Jornal O Rebate, enfim, a imprensa realmente livre, aquela em que se pode expressar opinião própria sem se submeter à tirania dominante da opinião única, que atualmente envergonha a imprensa brasileira…

Laerte participou da resistência à ditadura, quer ligado ao MDB, quer como jornalista, acolhendo e veiculando denúncias em veículos da mídia internacional, à época a única a relatar as torturas e assassinatos perpretados no país…

Quatro filhos, seis netos, Laerte acredita em debater a cidade em que vive como “a primeira realidade de cada um de nós –onde nascemos, onde está nossa família, onde crescemos, nos formamos, vendemos nossa força de trabalho, em família temos nossos filhos, netos, onde terminamos nossos dias”…

Diz mais: “Dentro dessa visão, a cidade é o ponto de partida para uma nação forte e isso só será possível com participação popular”… (por Hildegard Angel)



Celso Lungaretti, jornalista e escritor, participou da Vanguarda Popular Revolucionária. Preso e processado, escreveu o livro Náufrago da Utopia.

sexta-feira, 27 de maio de 2016

IMPRÓPRIA PARA MAIORES DE 50 ANOS


O jovem desolado, mãos nos bolsos, caminha tenso pela calçada vazia de uma noite que ficou para trás.

Sua rebeldia acumulada luta para escapar do peito e transformada em gritou assustar a fauna noturna que já dorme nos becos.

A repressão dos tempos negros daquela época em que qualquer tipo de comportamento rebelde era perigoso para saúde estava sempre atenta a gritos fugitivos que se escondiam nos becos.

Eram tempos em que, quem não suportava as injustiças e as ordens opressoras não tinha para quem apelar, a não ser, para seus próprios deuses imaginários. E esses deuses eram seus únicos amigos confiáveis, naqueles tempos.

Dia haverá de chegar, pensava ele, em que todos os ouvidos estarão abertos aos apelos dos perseguidos.

Não há madrugada que não acabe, pensava ele enquanto chutava uma lata, sempre haverá um novo amanhecer.

Muitos anos depois o jovem já não é mais jovem, embora seus sonhos esqueçam disso e insistam em ter as mesmas cores de antigamente.

E para sua imensa surpresa ele se pega novamente chutando lata.

Novos gritos se recusam às masmorras da ordem estabelecida.

A repressão dessa vez, não tem a face suja de sangue como antigamente, mas tem nos olhos aparência mais sinistra, talvez, devido aos comerciais.

A quem apelar em pleno estado de direito, se são os juízes que escolhem o que ouvir, a quem julgar, que listas devem ser apuradas ou esquecidas?

A quem pedir justiça se ela foi privatizada e agora tem dono?

Nos tempos antigos os perseguidos eram listados por organismos cujas siglas tornaram-se sinônimas de terror: DOPS, OBAN, SNI e tantas outras.

Nos tempos novos os perseguidos são selecionados em gabinetes refrigerados, por equipes profissionais que escolhem as notícias e as versões que serão impostas ao povo.

São nos estúdios e editoras que se traçam destinos e se praticam torturas.

Se antes os profissionais se envergonhavam, de sua própria brutalidade escondendo da própria família sua “rotina de trabalho” hoje, os profissionais da mentira vestem roupas limpas, ganham bons salários e se orgulham do que fazem.

Antes o inimigo era bem definido, usava farda. Agora, é invisível, ou melhor, é bem trajado e maquiado.

Dia virá em que tudo isso será reescrito e redefinido.

Dia virá... bolas, mas até lá, como esconder tanta patifaria e canalhice?

A geração mais velha prefere a luta direta do que a farsa de uma democracia prostituída.

Essa é uma ditadura imprópria para maiores de 50 anos.

Muito difícil jogar um jogo de cartas marcadas. Melhor mesmo a fria bala do fuzil.

É mais dura, porém mais sincera.



Prof. Péricles

quarta-feira, 25 de maio de 2016

AS INSTITUIÇÕES ESTÃO FUNCIONANDO

Por MARCELO ZERO

Após o golpe, tudo volta ao normal. Tudo volta ao que manda a tradição. As instituições funcionam.

O poder voltou para seus detentores tradicionais: homens brancos, ricos e conservadores. Homens de religiosidade rígida e moral flexível. Homens de contas suíças e política hondurenha, como manda a tradição. As mulheres voltam ao lar e os negros à senzala, como impõe a tradição.

Para conciliar a nação e unir o país, iniciou-se à caça às bruxas contra petistas, progressistas, “bolivarianos”, defensores dos direitos humanos, gays, “abortistas”, “artistas vagabundos” e toda essa fauna que nunca deveria ter chegado perto do poder. Estão fora, como sempre foi na nossa normalidade democrática. Talvez sejam presos, talvez torturados, como reza nossa mais bela tradição.

Na Esplanada, os ministros, na falta de ideias e propostas, dedicam-se a “rever tudo o que foi feito”. Não fazem; reveem o que foi feito. Editam e reeditam a mesma medida provisória várias vezes. Fazem e desfazem ao mesmo tempo, num confuso ioiô cultural. Desfazem até o que eles mesmos fizeram. Esse governo não governa. Esse governo desgoverna. Como era a tradição. Como era normal.

Fazer, mesmo, só o déficit monumental. Deram a si mesmos um enorme cheque em branco para evitar as acusações que eles mesmos utilizaram. À população darão os tradicionais e sombrios pacotes de maldades. Tudo como esperado.

No Senado, prepara-se o rito sumário do julgamento de cartas marcadas iniciado por Eduardo Cunha por vingança política. Segue-se escrupulosamente o rito, faz-se a inescrupulosa condenação sem crime. Sem mérito, mas com muitas formalidades e salamaleques. Como manda a tradição.

Na Câmara, o chefão acusado por um cruel, malvado e anônimotrust suíço continua a mandar no país, mediante seus subordinados no Planalto. Tudo certo.

A mídia plutocrática, antes o maior partido de oposição, volta a ser um diligente partido da situação, defendendo os verdadeiros donos do poder. Como determinam a tradição e a normalidade.

Após cumprir o cívico papel de criminalizar o PT, as gavetas das instituições de controle voltarão a se encher com processos incômodos. Como era a tradição.

As ruas voltam a ficar vazias e as bandeiras do Brasil regressam aos baús cínicos da indignação seletiva. Como sempre foi. As panelas tornam a silenciar em homenagem à normalidade restaurada.

O Itamaraty, que fez silêncio obsequioso ante o atentado à democracia, agora dirige decibéis grosseiros contra potências imperialistas como Nicarágua e El Salvador, que ameaçam a soberania e a imagem do golpe. Volta-se a falar grosso com a perigosa Bolívia. Promete-se, no entanto, mansidão de trato com países pacíficos e modestos, como os EUA. Volta-se ao normal.

Os pobres, que haviam entrado de modo solerte no Orçamento, preparam-se para dele sair. A pinguela para o passado prepara os cortes no Bolsa Família, no Minha Casa Minha Vida, na saúde pública, no Prouni, no Fies, no Pronatec, nos institutos federais, nas universidades. Afinal, a constituição cidadã e os pobres não cabem no Orçamento. Nele cabem apenas rentistas e ricos. Como reza a nossa gloriosa tradição de exclusão.

Os médicos estrangeiros sairão do país, os negros e pobres sairão das universidades, as crianças do Bolsa Família sairão das escolas. Os sem casa voltarão às ruas, as crianças retornarão aos sinais, pobres e negros voltarão às favelas e às filas do desemprego. Gays e transexuais voltarão á marginalidade. Mulheres regressarão ao seu lugar. Trabalhadores deixarão a proteção legal da CLT e voltarão à precariedade e ao subemprego. Quem foi à classe média retornará à pobreza.

Toda essa “herança maldita” de igualdade será revista, seguindo nossos sólidos cânones históricos, que sempre privilegiaram os privilegiados. Como deve ser.

Os aeroportos serão, de novo, apenas dos abastados e o poder será somente de quem pode. Tudo voltará ao normal. Reza a tradição que o Brasil é para poucos.

Quem entrou na Casa Grande, voltará à Senzala. Como sempre foi, como deve ser.

Não se preocupem. No Brasil, as instituições estão funcionando.



MARCELO ZERO é Sociólogo, especialista em relações internacionais e assessor da Liderança do PT no Senado








sábado, 21 de maio de 2016

PEDALADAS DO AMOR


Transformar o ódio em diálogo e a intolerância em arte.


Os caminhos da paz são mais suaves do que os da guerra.


A Praça Salvador, em Laranjeiras, Zona Sul do Rio de Janeiro sempre foi uma espécie de local de encontro de militantes onde debates espontâneos sobre a triste conjuntura atual brasileira é discutida.


Ali nasceu o coletivo “A Esquerda da Praça.


Muitas vezes, de seus encontros surgiram planos de mobilização e resistência contra o vergonhoso golpe impetrado no Brasil.


Todas as atividades sempre foram pacíficas e ordeiras, tendo, inclusive o apoio dos moradores locais.


Dia 18 desse mês de maio, os estabelecimentos comerciais daquela região amanheceram pichados com mensagens de intolerância e homofobia típicas do fascismo, com apologia ao ódio aos partidos de esquerda.


A indignação da militância esquerdista, no entanto, lançou um outro olhar sobre como reagir às agressões fascistas.


Seu Luiz, dono de uma papelaria que teve suas portas pichadas adorou a ideia da meninada de, por cima das inscrições beligerantes permitir que artistas de rua criassem uma obra em grafite (foto).


Outros comerciantes invejaram seu Luiz e pediram também uma obra em seus estabelecimentos.


Alguns artistas grafiteiros, mesmo não participando do coletivo “’A Esquerda da Praça”, compareceram voluntariamente para ajudar nos trabalhos.


Ideia interessante e feliz.


Das agressões visuais surgiu uma Praça mais bela e humana.


Seria uma benção ao nosso povo se fosse possível transformar toda agressão em arte, toda intolerância em aproximação.


A arte acalma as feras e agrada ao coração.


Dizem que Hitler tornava-se dócil como criança ouvindo Wagner.


Talvez o melhor mesmo seja implantar outras “Praça Salvador” ao longo de nossas ruas e cidades.


Que se produza arte ao sabor da paz, como foi “Pedaladas do Amor” o trabalho em grafite na papelaria do seu Luiz.




Prof. Péricles

quarta-feira, 18 de maio de 2016

O HOMEM QUE SE APAIXONOU POR UMA PAINEIRA



Por Moisés Mendes

Contei ao biólogo Flávio Barcelos Oliveira que uma figueira da Avenida Juca Batista, na zona sul de Porto Alegre, é a minha árvore preferida. Flávio é funcionário da Secretaria do Meio Ambiente (Smam) e quem mais conhece as árvores de Porto Alegre.

Quando falei da figueira, ele me disse: eu sei qual é. E sabia. A figueira está perto da rótula da Serraria e foi mantida sobre a calçada quando alargaram a avenida, há mais de 10 anos. É uma árvore vulnerável.

Se um dia o progresso alargar de novo a Juca Batista, a figueira será ameaçada, mesmo que todos os Flávios da Smam tentem protegê-la. Durante a semana, passo pelo menos duas vezes por dia pela figueira e penso se em algum momento ela não será um estorvo para os carros.

Flávio me ouve e depois me conta a história da sua árvore preferida. É uma das mais belas histórias de árvore que já ouvi. Começa em 1978, quando ele, aos 23 anos, é técnico agrícola da Smam.

Determinam que Flávio examine as copas das árvores da Avenida João Pessoa, para implantação do corredor de ônibus. Sobre a calçada, passando a esquina com a Princesa Isabel, do lado esquerdo de quem vai para o centro, ele e um colega veem uma muda de paineira de um metro de altura.

A árvore iria crescer e as raízes poderiam estourar a calçada. Decidem cavar e retirar a paineira. No lugar, colocam uma muda de jacarandá. É quando um homem grita da janela do prédio em frente:

— Parem, seus ladrões de mudas. Essa paineira é minha.

O homem desce. Eles argumentam que a Smam cuida do espaço público e que a paineira estaria bem em outro lugar. O homem não aceita. A paineira é dele. Vencidos, os dois retiram o jacarandá, recolocam a paineira no buraco e recomendam que o homem faça uma espécie de proteção com leivas, para que as raízes se acomodem ali.

Seis anos depois, o homem aparece, ao acaso, na sala de Flávio na Smam. Diz que uma paineira está estourando a calçada. O agora biólogo percebe que o dono da paineira não o reconhece e então se apresenta:

— Eu era o ladrão de mudas lá de 1978. Mas agora é tarde demais.

O homem vai embora. Mas volta à Smam mais duas vezes para tentar remover a paineira. Os vizinhos viam as raízes como ameaça. A árvore chegara aos oito metros. Flávio resiste e vence. A paineira sobrevive. As raízes se esparramaram e hoje quase tomam conta da calçada.

O biólogo vai se aposentar no dia 18 de agosto, no exato dia em que completará 42 anos de Smam. Essa é a história que mais emociona o protetor das árvores de Porto Alegre. Flávio me disse:

— Depois da tempestade, a primeira coisa que fiz foi ver como ela estava. Está bem. É a paineira mais bonita da cidade. Podem até dizer que não é, mas eu me apaixonei por ela.



Moisés Mendes era jornalista do jornal golpista Zero Hora de Porto Alegre/RS.
Por ser voz solitária em defesa da democracia foi desvinculado do jornal no mês de março.
Ao Moisés Mendes nosso respeito e nossa solidariedade.