quarta-feira, 18 de maio de 2016

O HOMEM QUE SE APAIXONOU POR UMA PAINEIRA



Por Moisés Mendes

Contei ao biólogo Flávio Barcelos Oliveira que uma figueira da Avenida Juca Batista, na zona sul de Porto Alegre, é a minha árvore preferida. Flávio é funcionário da Secretaria do Meio Ambiente (Smam) e quem mais conhece as árvores de Porto Alegre.

Quando falei da figueira, ele me disse: eu sei qual é. E sabia. A figueira está perto da rótula da Serraria e foi mantida sobre a calçada quando alargaram a avenida, há mais de 10 anos. É uma árvore vulnerável.

Se um dia o progresso alargar de novo a Juca Batista, a figueira será ameaçada, mesmo que todos os Flávios da Smam tentem protegê-la. Durante a semana, passo pelo menos duas vezes por dia pela figueira e penso se em algum momento ela não será um estorvo para os carros.

Flávio me ouve e depois me conta a história da sua árvore preferida. É uma das mais belas histórias de árvore que já ouvi. Começa em 1978, quando ele, aos 23 anos, é técnico agrícola da Smam.

Determinam que Flávio examine as copas das árvores da Avenida João Pessoa, para implantação do corredor de ônibus. Sobre a calçada, passando a esquina com a Princesa Isabel, do lado esquerdo de quem vai para o centro, ele e um colega veem uma muda de paineira de um metro de altura.

A árvore iria crescer e as raízes poderiam estourar a calçada. Decidem cavar e retirar a paineira. No lugar, colocam uma muda de jacarandá. É quando um homem grita da janela do prédio em frente:

— Parem, seus ladrões de mudas. Essa paineira é minha.

O homem desce. Eles argumentam que a Smam cuida do espaço público e que a paineira estaria bem em outro lugar. O homem não aceita. A paineira é dele. Vencidos, os dois retiram o jacarandá, recolocam a paineira no buraco e recomendam que o homem faça uma espécie de proteção com leivas, para que as raízes se acomodem ali.

Seis anos depois, o homem aparece, ao acaso, na sala de Flávio na Smam. Diz que uma paineira está estourando a calçada. O agora biólogo percebe que o dono da paineira não o reconhece e então se apresenta:

— Eu era o ladrão de mudas lá de 1978. Mas agora é tarde demais.

O homem vai embora. Mas volta à Smam mais duas vezes para tentar remover a paineira. Os vizinhos viam as raízes como ameaça. A árvore chegara aos oito metros. Flávio resiste e vence. A paineira sobrevive. As raízes se esparramaram e hoje quase tomam conta da calçada.

O biólogo vai se aposentar no dia 18 de agosto, no exato dia em que completará 42 anos de Smam. Essa é a história que mais emociona o protetor das árvores de Porto Alegre. Flávio me disse:

— Depois da tempestade, a primeira coisa que fiz foi ver como ela estava. Está bem. É a paineira mais bonita da cidade. Podem até dizer que não é, mas eu me apaixonei por ela.



Moisés Mendes era jornalista do jornal golpista Zero Hora de Porto Alegre/RS.
Por ser voz solitária em defesa da democracia foi desvinculado do jornal no mês de março.
Ao Moisés Mendes nosso respeito e nossa solidariedade. 

segunda-feira, 16 de maio de 2016

BRASIL LILIPUT















Por Mino Carta



O afastamento de Eduardo Cunha da presidência da Câmara estava escrito no script da conspirata. Ele paga o pato (obviamente, não o da Fiesp) para que Michel Temer e outros não paguem por coisa alguma.

Passo seguinte: a devolução das investigações a respeito de Luiz Inácio Lula da Silva à sanha de Sergio Moro. Ousada demais a previsão da condenação final do ex-presidente da República, último e principal objetivo de caudalosa manobra?

Como disse Massimo D’Alema, a prisão de Lula acentuaria o sabor do golpe e abriria a perspectiva de “um confronto lacerante”. Mas não seria a detenção de Lula a última passagem do script? O impeachment de Dilma Rousseff não passa de uma etapa do golpe, outras hão de vir.

Nunca aos meus olhos foi tão evidente a prepotência dos eternos donos do poder, prontos a aproveitar o momento de fragilidade de um país, por eles mesmos condenado a não passar de exportador de commodities, para desferir um golpe de feitio inédito.

Os conspiradores vitoriosos não hesitam em se apresentar como patriotas quando nada fizeram por sua terra ao satisfazer apenas e tão somente a sua ganância.

Elite da pior qualidade, incapaz até de entender as vantagens que o capitalismo tem condições de oferecer à nação em peso pelos caminhos que em outros tempos Antonio Gramsci definiu como fordismo.

Devemos à dita elite nativa a permanência da senzala, a educação precária do povo, a saúde mais ainda. Mas os próprios autores da desgraça não primam pela sabedoria, pela cultura, pela visão profunda das coisas da vida e do mundo. Em geral, toscos até a medula, embora arrogantes.

De certa forma criaram o país que lhes convém, e tragaram na esteira dos seus comportamentos quem haveria de resistir e apontar a direção certa. Aludo inclusive ao PT. Imaginou ter atingido o estágio senhorial e se portou no poder como os demais pretensos partidos.

Na tentativa de imaginar o que virá, é fácil antever o futuro. O loteamento dos bens brasileiros, o distanciamento dos BRICS para a alegria de Tio Sam, Alca em lugar de Mercosul. Etc. etc. Antes ainda, a punição do trabalho, e aqui a alegria será da Fiesp e quejandos. Antes de tudo, a punição do Brasil e da maioria abandonada ao seu destino, em boa parte incapaz de perceber e avaliar a imponência da tragédia.

O que espanta é a profusão de bandeiras desfraldadas, a enfeitarem fachadas e carros, ou envolverem cidadãos ignaros. Celebra-se, igual à conquista de uma Taça do Mundo, o enterro do Estado de Direito. O espetáculo é assustador sem deixar de ser patético, reação parva, para não dizer demente, à fatal prepotência cometida contra qualquer propósito democrático. Se quiserem, contra quem se embandeira.

Suponho que, se Gulliver decidisse hoje partir na rota de Lilliput, não teria maiores dificuldades ao aportar no Brasil.

sábado, 14 de maio de 2016

O MAIS TRISTE


Deixando de lado o discurso político e as palavras doces, e definindo as coisas pelo seu nome popular, tudo isso que vimos acontecer na política brasileira deve ser definido como golpe, imoralidade, mas, acima de tudo, como algo muito triste.

Mas, de todas as tristezas, qual foi a mais dolorosa?

O fato de 54 milhões de votos serem desconsiderados é chocante, claro.

Assistir ao vivo uma rede de televisão, a maior do país, despir-se do manto da neutralidade e atuar mais do que qualquer partido político. Destacar pessoas e falas e omitir outras, é assustador.

E sem dúvida, que ver a Polícia Federal, que por coerência em suas funções sempre foi discreta, aparecer todos os dias na televisão, ou juízes incorporando bocejos de celebridade, foi de lascar.

E o STF, nossa suprema corte, sempre a última esperança, o bastião da neutralidade? Como doeu ver a suprema corte tomando partido pelo golpe.

De todos os fatos absurdos dois, provavelmente, serão sempre lembrados sem muito esforço: o caso de um ex-presidente ser levado coercitivamente a depor sem nunca ter sido chamado antes e o fato de um processo que pedia a exclusão do presidente da Câmara dos Deputados ter ficado cinco longos meses engavetado no STF e desengavetado depois que tudo já tinha se decidido.

O golpe impetrado pela maioria do parlamento, tido como pior já eleito no Brasil, teve a parceria vital da mídia e do sistema jurídico do Brasil.

Homens como Tche Guevara alegavam que a revolução armada era necessária pois, nas regras da democracia burguesa jamais um governo popular seria eleito e se fosse não teria governabilidade e se tivesse seria derrubado.

Vendo o que aconteceu no Brasil somos obrigados a concordar com ele.

Mas, o que foi mais triste nessa sujeira histórica praticada do Brasil, ainda não foi nada disso.

A maior de todas as tristezas foi ver parcela majoritária da classe média despejar seu ódio contra qualquer avanço das classes mais pobres.

No golpe nazista na Alemanha utilizou-se o anti-sionismo como combustível na fogueira do ódio. No Brasil o fascismo usou o antipetismo.

Mas, o petismo não é uma etnia, nem uma ideologia, muito menos uma religião.

O petismo, no caso, representava políticas sociais que alavancaram os mais infelizes do Brasil do pior estado de miséria para uma situação remediada.

Por isso o antipetismo é, na verdade, anti-pobre, anti-melhorias sociais, anti-negro na faculdade.

O que mais dói é perceber como nosso povo é anti.

É perceber, sem direito a qualquer ilusão, o quanto é medíocre o pensamento do dito, brasileiro médio.

O mais triste de tudo isso é perceber que ainda estamos longe de ser uma nação e como estamos próximos das mais mesquinhas sensações, moralmente indigentes e egoístas.



Prof. Péricles

quinta-feira, 12 de maio de 2016

LAMENTO SOBRE O BRASIL






Por Hermes C. Fernandes

Ai de ti, Brasília! Ai de ti, Brasil! Porque, se nos dias que precederam o golpe de 64 a população tivesse acesso a tantas informações quanto se tem atualmente, certamente teria se mobilizado e impedido que a democracia fosse ultrajada e o país mergulhasse em vinte e um anos de ditadura militar.

Portanto, que sejamos menos rigorosos em julgar os brasileiros daquela época que saíram às ruas clamando por um golpe, do que em julgar os que hoje, mesmo alertados pela história, seguem coniventes com o que está sendo engendrado contra a jovem democracia brasileira.

A primeira vez é tragédia. Mas a segunda, farsa.

E tu, República Federativa do Brasil, que te levantaste até o céu para desfrutares da liberdade de uma pungente democracia, tornando-se a quinta economia mundial, terás teu orgulho abatido até o inferno ao vires o retrocesso a que serás submetida por aqueles que se unem para devorá-la e negociar tuas riquezas.

Os brasileiros que enfrentaram a ditadura e que saíram às ruas nas “Diretas Já” se levantarão e condenarão tua letargia e cinismo.

As grandes democracias do mundo olharão com desdém e te censurarão por haver permitido tal descalabro, deixando-se seduzir por teus próprios algozes.

As gerações futuras se envergonharão ao descobrirem a maneira como esta geração se deixou manipular por aqueles que almejavam retomar o lugar que ocuparam por quinhentos anos.

Não há desculpas para esta geração. Não depois da internet. Não depois que o Brasil se tornou protagonista no tabuleiro político e econômico internacional. Não depois que 36 milhões de cidadãos brasileiros deixaram a miséria. Não depois que o analfabetismo foi quase inteiramente banido. Não depois que o fluxo migratório foi revertido.

Em 64, o número de jovens que ingressavam na universidade era ínfimo, na casa dos milhares. Hoje são quase oito milhões, incluindo negros e outras minorias que antes eram excluídos.

Não se trata de ser a favor de um governo ou de um partido em particular, mas de ser a favor da democracia, contrariando interesses econômicos dos que se locupletam da opressão exercida sobre as camadas mais humildes.

Não chegamos ainda à terra prometida. Quando muito, encontramos um oásis ou outro no meio do caminho. Mas, ainda há meio deserto pela frente. Mas não se pode dar ouvidos aos que pretendem nos levar de volta para o Egito.

Você pode não gostar da presidente, de sua maneira de discursar, das alianças que fez em nome da governabilidade, e até da corrupção cometida por membros de seu governo, mas daí se prostrar diante de um enorme pato amarelo em frente à sede de uma instituição que pretende acabar com os direitos trabalhistas conquistados a duras penas pelas gerações que nos antecederam, isso é inadmissível.

As próximas gerações não nos perdoarão. Nossos filhos e netos colherão o que hoje está sendo plantado sob a justificativa de se combater o comunismo e a corrupção, a mesma usada para desmoralizar Getúlio, destituir Jango, exilar Juscelino e decretar o AI-5.

Que o Senhor da História tenha compaixão da nossa geração durante a travessia desta encruzilhada.

Que Sua providência nos guie na direção da justiça, da liberdade e da esperança.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

O IMPEDIMENTO VENCEU MAS O GOLPE SERÁ DERROTADO


Por Wanderley Guilherme dos Santos


Não há reversibilidade possível no processo de afastamento da presidente Dilma Rousseff. 

O atual Supremo Tribunal Federal não tem coesão para tanto ousar, declarando inconstitucional a decisão iniciada pela Câmara dos Deputados e completada pelo Senado Federal.

Os fundamentos da acusação à presidente são precários, a sentença é notoriamente desproporcional, mas a convergência de conspirações entre agentes econômicos, maiorias parlamentares conservadoras, ressentimentos de ricos e remediados, com a liga propiciada pelo oligopólio dos meios de comunicação, historicamente antidemocráticos, alcançou eficácia inédita na contra-história golpista brasileira.

Em vão a tonelada de argumentos e evidências da insustentabilidade de processos em que maioria decide que 2 e 2 são 5 porque ela assim quer.

O impedimento se deu porque a maioria assim o quis. Qualquer objeção jurídica ou lógica à decisão é pura perda de tempo.

Por isso o golpe fracassou.

As sucessivas ilegalidades da força-tarefa da Lava-Jato, com prisões injustificadas, humilhações de investigados, difamações, tortura psicológica de presos, vazamentos operados com oportunismo, incansável repetição de incriminação e degradação de investigados ou mesmo réus em curso de julgamento, linguagem virulenta de procuradores, policiais federais e procurador-geral da República, cultivando hostilidade e ódio na opinião pública e, finalmente, o apelo dos homiziados de Curitiba aos movimentos sociais conservadores e mídia golpista para continuado apoio, esquecendo as instâncias judiciárias e de outros poderes a que estão subordinados, substituiu a indumentária de cavaleiros pelo restabelecimento da moralidade pelo descarado uso da força bruta, e só ela, contida nas leis.

Não há salvação: Michel Temer é um usurpador e seu governo não deve ser obedecido.

Não deve e não o será.

O golpe fracassou socialmente e o usurpador só governará mediante violência física, repressão sem disfarce.

Ou a sublevação social pela democracia é submetida pela força (e aí o golpe, finalmente, será vitorioso), ou a coerção servirá de combustível à sublevação.

Então, de duas uma: ou Michel Temer renuncia e o STF convoca novas eleições ou as forças armadas intervirão.





segunda-feira, 9 de maio de 2016

A BANALIDADE DO MAL





Exmo. sr. capitão paraquedista reformado
Deputado Jair Messias Bolsonaro (PSC/RJ)

Sou Maria Garcia Meirelles, amazonense de Parintins, mãe de Thomaz Antônio da Silva Meirelles Neto, ex-secretário geral da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), preso, torturado e assassinado na prisão.

Escrevo-lhe porque o senhor matou meu filho outra vez no domingo passado, em sessão da Câmara de Deputados, ao fazer uma apologia do crime exaltando seu colega de armas, coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, torturador e assassino reconhecido, responsável por 60 mortes e por mais de 500 casos de torturas cometidos no Doi-Codi entre 1970-1974.

Neste período, capitão Bolsonaro, Thomazinho combatia o golpe militar que rasgou a Constituição, derrubou o presidente eleito pelo voto popular, instituiu a censura e suprimiu as liberdades democráticas. Por isso, em 1970, foi preso e torturado no Doi-Codi. Condenado, cumpriu pena. Libertado dois anos depois, teve que se esconder. Foi aí que viajei ao Rio para encontrá-lo, na clandestinidade, levando um pouco do sabor de sua infância – uma paçoquinha que eu mesma fiz no pilão e que ele gostava tanto.

Nosso encontro foi numa noite de fevereiro de 1973 em Copacabana. Senti dor imensurável ao ver o fruto das minhas entranhas machucado, lanhado, com marcas de tortura e cicatrizes no corpo. Era um pedaço de mim que estava ferido. Provou a paçoquinha e deitou a cabeça no meu regaço, sempre calado, discreto e triste. Eu lhe fiz muito carinho, sem saber que era uma despedida. Essa foi a última vez que o vi.

Meu filho voltou a ser preso em 7 de maio de 1974, quando viajava do Rio a São Paulo, conforme documentos do DOPS/SP e relatório do Ministério da Marinha assinado pelo ministro Ivan Serpa. Cinco anos depois, o nome de Thomazinho constava numa lista publicada pelo Correio da Manhã (03/08/79) com 14 presos mortos pelos serviços secretos das Forças Armadas, mas somente em 1995 ele foi considerado oficialmente desaparecido. O corpo até hoje não foi localizado.

Durante anos, não assumi o luto por meu filho, sempre com a esperança de reencontrar a quem me fez mãe. É que quando ele nasceu, eu também nasci como mãe. Admitir sua morte era, além de amputar uma parte de mim, matar minha maternidade. Meu filho era muito inteligente, doce, educado, generoso. Um príncipe. Todos gostavam dele. Eu não o esqueci nem um minuto, não podia imaginar um amanhã sem ele. Nunca soube de seu paradeiro. Levou tempo para ter a certeza de seu assassinato.

A notícia foi confirmada quatro décadas depois pelo seu colega, capitão Bolsonaro, o ex-delegado do DOPS, Cláudio Guerra, atirador de elite, que escreveu o livro “Memória de uma Guerra Suja” para exorcizar os demônios que o atormentavam. Em entrevista a Alberto Dines, em junho de 2012, no Observatório da Imprensa, ele contou histórias de assassinatos e torturas durante a ditadura militar:

– “Hoje mais uma historia triste para esclarecer é (do) desaparecido político Thomaz Antônio da Silva Meirelles. É…recebi um chamado do coronel Perdigão e fui ao quartel da Barão de Mesquita (…) Ali o coronel Perdigão me entregou um corpo num saco preto, né, (…), quando chegou em Campos abri o saco, vi que se tratava de um homem aparentando ter mais ou menos 40 anos. E muito machucado, ele estava apenas vestido com um calção, não tinha as unhas das mãos, estavam arrancadas, o rosto bem desfigurado pelas torturas, com sinais de queimaduras…”.

A brutalidade da cena agride a humanidade. Quanta dor! Não desejo esse sofrimento para ninguém, capitão Bolsonaro, nem para dona Olinda – a sua mãe, nem para Michelle – sua esposa, nem para qualquer um de seus filhos – Eduardo, Flávio, Carlos, Renan e Laura. Ninguém merece isso, nem mesmo um execrável torturador. No meio da barbárie, luto para preservar minha humanidade. Vocês tiraram duas vidas: a minha e a do meu filho. Aconselhada a pedir indenização, não o fiz. O que queria era a verdade, nada mais, saber o paradeiro do meu filho em cujo túmulo em lugar desconhecido não pude colocar uma flor ou acender uma vela.

O assassinato de Thomazinho como de tantos outros foi uma extrema covardia. Ele estava preso, desarmado, legalmente sob proteção do estado. Os assassinos, com salários pagos pelo contribuinte, envergonham o Exército nacional por praticarem um crime abjeto contra a humanidade, conforme definido pelo Direito Internacional. Como pode um ser humano se degradar tanto a ponto de torturar ou de apoiar a tortura? O senhor defendeu a tortura cometida por um coronel armado contra Dilma Roussef, uma mulher indefesa.

A sua declaração de voto, capitão Bolsonaro, revela covardia, que não me surpreende, pois o senhor é um notório agressor profissional de mulheres. Ofendeu Maria do Rosário (PT-RS) quando ela defendeu a Comissão da Verdade, insultou Benedita da Silva (PT-RJ), ameaçou a advogada indígena Joênia Wapichana, a cantora Preta Gil, a ministra Eleonora Menucucci (PT/MG), a senadora Marinor Brito (PSOL-PA) e até Marta Suplicy (PMDB/SP) quando ela defendia projeto de lei que criminaliza a homofobia. Tudo isso escancaradamente, publicamente.

Racista, homofóbico e fascista, a sua declaração em favor da tortura ecoou como o grito necrófilo e insensato de “Viva la Muerte” do general espanhol José Millán-Astray, em 12 de outubro de 1936, criticado por Miguel de Unamuno, reitor da Universidade de Salamanca, para quem só um mutilado mental carcomido pelo ódio é capaz de gritar “morra a vida”.

Capitão Bolsonaro, no Congresso do Cunha comandado por um réu no STF, o senhor votou e declarou que votava “sim” porque era a favor da tortura. Mais claro não canta um galo. Sua declaração de voto a favor da tortura me deu a certeza de que aquilo que está acontecendo no Brasil é mesmo um golpe. O Fora Dilma equivale a um Fora Thomazinho e Fora todos aqueles que combateram o outro golpe, o de 1964.

Tenho pena do senhor pela besta-fera em que se transformou. Morro de vergonha de vê-lo representando parcela do povo brasileiro no Congresso Nacional. Se viva fosse, diante de tanta afronta e de tanto escárnio, me sentiria representada pela reação do deputado Jean Wyllys (PSOL/RJ) e pela ação atribuída à torcida do Corinthians na montagem da foto que circulou nas redes sociais.





Carta “psicografada” de dona Maria Garcia Meirelles, falecida em 1999.