quinta-feira, 17 de março de 2016

INCLUSIVE OS TOLOS


Fim das horas que antecede a guerra e abrasa a Terra, que abraça o mar e que alerta a todos.

Calor das ondas que se espreguiçam na areia e bocejam cansadas.

É fugaz a vida quando se mira o horizonte e se percebe a distância entre um ponto e qualquer outro ponto.

Sem dúvida mais fácil que ser gigante para poucos é se fazer pequeno para muitos, por isso, o sol permitiu o pensamento de que ele girava sobre a Terra e não o contrário.

Para muitos a terra gira sobre si e só seus problemas são importantes e importam.

A reflexão sobre a história não nos faz poetas, mas, nos obriga a perceber a condição humana como uma poesia sem rimas e perdida num papel dobrado e esquecido ao largo da vida.

De quantos renascimentos precisa o homem para entender que seu maior fracasso é não ter construído uma sociedade verdadeiramente justa?

Engana-se quem pensa que a história meramente agrupa fatos em ordem cronológica.

Mai que isso, a história coleciona vidas que se tornam relatos ao longo do tempo, relatos que importam mais que a cronologia dos fatos.

E em cada vida um rosário de consequências, que podem ser futuras, imediatas ou perdidas, para serem recuperadas lá na frente com algum bisneto ou tataraneto e essa soma toda na verdade é nossa história, tão nossa e tão íntima como nosso travesseiro preferido.

Grandes conquistadores estabeleceram fronteiras.

Ciro, da Pérsia, Alexandre da Macedônia, Júlio Cesar de Roma, Atila, o Huno, Carlos Magno, Napoleão Bonaparte, entre outros, mas nenhum conseguiu conquistar a felicidade plena de todos os seus súditos.

Muitos lutaram pela paz.

Jesus, Gandhi, Luther King, entre outros, e todos que defendiam a paz foram mortos pela violência, o que não quer dizer que a tirania é maior que o amor, pois enquanto o sonho de um tirano é egoísta e morre com ele, o sonho da paz é universal e permanece nas próximas gerações.

A história nos conta, mas dependendo da forma que a história é contada uma versão se sobrepõe a outra, e será verdadeira aquela que mais interessa aos vencedores do momento, entretanto, a história dos pequenos nunca será esquecida graças, justamente, aos historiadores.

O Brasil teve muitos massacres como a Revolta dos Alfaiates, a Conjuração Baiana, a Praieira, a Cabanada, Balaiada, Canudos, Contestado, mas não chamamos a isso de massacres e sim de revoltas, como se os culpados fossem os revoltados e não o Estado facínora.

Nosso país já teve guerras civis. Confederação do Equador, Farroupilha, Federalista, Constitucionalista Paulista, mas não as chamamos de Guerra Civil e sim de Revoluções como se fosse cruel demais imaginar brasileiros matando brasileiros e assim, preferimos criar mitos de que somos um povo pacífico.

Temos a paz, mas as vezes apenas a paz dos cemitérios.

Na nação do faz de conta a miscigenação cultural deu-se por afeição e falta de opções e não pela escravidão criminosa.

E o culto é livre desde que abaixem os sons dos tambores e se apaguem os incensos.

Já faz tempo que se amarelaram as mais antigas esperanças e se amarelaram as folhas do meu primeiro livro de história.

Que o brasileiro saiba que mais importante que lutar por si, é lutar por todos.

Inclusive os tolos.



Prof. Péricles















segunda-feira, 14 de março de 2016

TRUMP VERSUS HILLARY


Por José Inácio Werneck

O inverno chega ao fim nos Estados Unidos e a campanha eleitoral se intensifica na primavera do lado Republicano com Primárias em que Donald Trump, Marco Rubio e Ted Cruz apresentam um panorama de lamentável indigência intelectual e completa ausência de boas maneiras.

O Partido Republicano tem dois outros candidatos em suas Primárias: John Kasich, governador de Ohio, o único capaz de manter um nível de discussão mais elevado, e Ben Carson, um cirurgião que explora evangélicos incautos e está na contenda apenas como instrumento de divulgação de seus livros de “autoajuda”.

Alguns leitores poderão perguntar o que vem a ser as Primárias. Elas são o meio pelo qual os dois principais partidos – o Republicano e o Democrático – escolhem seu candidato na eleição presidencial que vai ocorrer no próximo mês de novembro.

É um sistema confuso, pois os chefões republicanos e democratas guardam ainda no bolso o direito de conchavos e discussões nas duas convenções partidárias.

Há delegados, super-delegados e a possibilidade de que, num campo não muito definido, a Convenção acabe escolhendo um candidato que não tenha necessariamente reunido o maior número de vitórias nas Primárias.

É a esperança de muita gente no Partido Republicano para evitar a candidatura do magnata Donald Trump, que vem por enquanto ganhando as Primárias com uma mistura de racismo, xenofobia, insultos e ameaças, dirigidas não apenas a seus opositores, mas a outras nações.

Donald Trump é o homem que promete deportar 11 milhões de imigrantes, construir um muro entre o México e os Estados Unidos, obrigando o governo mexicano a pagar, proibir a entrada de muçulmanos no país, usar contra eventuais inimigos métodos de tortura piores do que o “water-boarding” (afogamento simulado), invadir países do Oriente Médio, bombardeá-los e – por último mas de modo derradeiro – “colonizar” os postos de petróleo do Iraque, apoderando-se de sua produção.

Os coronéis do Partido Republicano prefeririam um candidato aparentemente mais moderado, como Marco Rubio, filho de imigrantes cubanos.

Mas Rubio é a Hillary Clinton dos republicanos, capaz de dizer tudo e qualquer coisa, se vislumbrar a possibilidade de angariar votos. Muda permanentemente de opinião, como na questão da imigração, e deve sua carreira a um bilionário investidor da Flórida.

Mas, fundamentalmente, de moderado ele não tem nada e sua política externa baseia-se muito mais em ameaçar outras nações com o poderio militar americano (à la Donald Trump) do que em negociações diplomáticas.

Ted Cruz, nascido no Canadá, filho de cubano com americana, é, como Ben Carson, um explorador da ingenuidade dos evangélicos, mas mais perigoso, pois realmente tem algum cacife político, coisa que o cirurgião – uma criatura que prova que um especialista bem-sucedido em seu campo de atividades pode ser também um completo idiota em tudo o que ocorre fora de sua sala de operações – não possui.

Na disputa, os insultos voam, descendo até ao terreno escatológico, com Rubio insinuando que Trump mijou nas calças. Trump vinha ofendendo Rubio e Cruz equitativamente, mas nas últimas horas desfechou seu fogo mais em Rubio, tendo para tanto alinhado o apoio do governador de New Jersey, Chris Christie, inimigo declarado de Rubio.

Christie, cuja campanha nas Primárias fracassou, obrigando-o a retirar a candidatura, culpa o “estabelecimento” republicano por seu infortúnio e apoia Trump como vingança – além, claro, de promessas de cargos numa futura administração, se ela vier a se concretizar.

No lado dos democratas, Hillary Clinton vai liderando, apesar de todas as críticas quanto à sua confiabilidade e honestidade. Hillary se encontra sob fogo pesado, entre outras coisas, por vir se recusando a publicar as transcrições de palestras que fez para firmas de Wall Street – ao preço de 750 mil dólares para algumas delas e um pouco menos para outras.

Em um ano e pouco mais, Hillary Clinton arrecadou 11 milhões de dólares com tais palestras.

A pergunta geral: os banqueiros e donos de fundos de risco estariam lhe dando tanto dinheiro só pelos seus belos olhos e a eloquência de sua prosa?

Num pleito sério, os republicanos concorreriam com John Kasich e os democratas com o senador Bernie Sanders.

Mas de séria a atual campanha presidencial nada tem.



José Inácio Werneck, jornalista e escritor, trabalhou no Jornal do Brasil e na BBC, em Londres. Colaborou com jornais brasileiros e estrangeiros. É intérprete judicial em Bristol, no Connecticut, EUA, onde vive.

sábado, 12 de março de 2016

A LEI DE MURICI


O Muricizeiro é uma espécie rústica que se desenvolve muito bem em solos arenosos com poucos nutrientes. Por isso, o seu fruto, o murici, é típico do sertão nordestino.

Aliás, o Muricizeiro permanece florido, e muito bonito, mesmo na seca mais tenebrosa, daí nasceu o provérbio popular de que, quanto mais florido o muricizeiro, mais difícil é a vida do sertanejo.


Em 1896, tropas federais, promoveram uma campanha contra o Arraial rebelde de Canudos, no sertão da Bahia. Essas tropas eram comandadas pelo general Moreira César, militar importante na época.


Os “homens do Conselheiro” promoveram uma emboscada e as forças oficiais caíram como patinhos. Moreira César foi mortalmente atingido e o comando deveria passar ao coronel Pedro Nunes Tamarindo, porém, o coronel tomado de enorme pavor teria abandonado a luta gritando “em terra de murici cada um cuida de si”.

Até hoje, naquela parte do país chamasse de “lei de murici” a idéia de que, no perigo, cada um que trate de salvar a própria pele.

De certa forma se repete muitas vezes o mesmo comportamento.

Diante das ameaças, muitos pensam apenas em si e nas suas vantagens.

O PMDB é o partido político que encarna perfeitamente o coronel Tamarindo.

Desde o fim da ditadura militar, em 1985, tem se mantido no poder sem assumir a responsabilidade do poder, alterando apoios conforme o sabor das ondas.

Nas eleições presidenciais de 1989 apoiou Fernando Color jogando a candidatura do presidente do próprio partido,  Ulisses Guimarães no lixo, mas abandonou a barca assim que os escândalos do caso PC Farias bateu à porta do presidente.

Seus deputados votaram em peso pelo impeachment sem nenhum rubor na face.

Manteve-se no poder nos oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso, do PSDB (que surgiu de uma dissidência do próprio PMDB em 1985).

Em troca de ministérios e cargos em todos os escalões, apoiou os governos Lula e Dilma do PT, sendo o mais importante partido da base governista, porém, sempre com um pé dentro e outros fora, atento ao menor ruído.

Quando a atual crise política chegou perto de Dilma, o vice-presidente (também presidente do PMDB) divulgou uma carta patética que beirava a infantilidade política mas, importante para assinalar sua postura de “se apertar, não conte comigo”.

Dessa forma, ao entrarmos na parte final de pedido de impeachment de Dilma quando as decisões do presidente do senado (do PMDB) e os votos de seus parlamentares se tornam decisivos para a continuidade da ordem institucional ou não, pergunta-se qual será, afinal, a postura do PMDB?

Embora nada possa ser antecipado no jogo político que se trava hoje no Brasil, mas, diante dos antecedentes históricos desse partido e de sua clássica estratégia oportunista para se manter no poder, não será surpreendente se ele, novamente, aplicar a “Lei de Murici”.



Prof. Péricles

quinta-feira, 10 de março de 2016

O ENCANTO DAS ESTRELAS E O CAPITALISMO



Por Laerte Braga


A extinção das estrelas como astros capazes de gerir, influenciar, ou despertar o amor, a solidariedade, a beleza da Criação, está determinada.

O jornalista Natan de Guarulhos divulgou em seu Jornal Regional News, notícia publicada no Jornal da Chapada, anunciando a descoberta de uma nuvem de petróleo no interior da nebulosa de Orion, com 200 vezes a quantidade de água existente nos oceanos da Terra.

Tudo bem que a distância de 1 400 anos luz de nosso planeta dificulta a exploração desse petróleo por empresas do setor, mas, certamente, a partir de agora, o perfil da corrida espacial tem um ingrediente dominante. O petróleo. É o capitalismo se expandindo para além das galáxias, ameaçando o Universo com sua sanha destruidora.

Imagino que os republicanos, por exemplo, nos EUA, vão querer verbas astronômicas para pesquisas e investimentos em viagens de espaçonaves tanques para buscar o petróleo farto e capaz de assegurar o futuro do modelo de exploração do homem pelo homem. Os astronautas, terão que ser muitos, deverão ser as próximas vítimas do sistema.

“Ora direis ouvir estrelas...” É por aí que o fim – nada a ver com os Maias, vai se espraiando de forma irreversível. É na destruição pura e simples do que existe, inclusive o próprio ser.

A descoberta foi feita por astrônomos do Instituto Max Planck, Alemanha, usando um radiotelescópio de 30 metros, do Instituto de Radioastronomia Milimétrica, esse na Espanha.

O brilho intenso de uma estrela próxima faz com que determinadas partículas no interior da nebulosa se transformem em petróleo.

Deve ser sina.

No Fórum Social Mundial de 2003, em Porto Alegre, a freira conhecida como irmã Sherine, em palestra para mais de 15 mil pessoas, falou sobre a perspectiva de guerra contra seu país, o Iraque e ao final disse que “nossa maior riqueza, o petróleo, é também a nossa maior tragédia”.

Não deu outra.

No Brasil não é muito diferente. O pré-sal está sendo quase que inteiramente entregue a empresas estrangeiras e a Petrobras, desde o fim do monopólio estatal do petróleo (governo FHC), vive um constante processo de esvaziamento e transformação em acessório do mundo capitalista do petróleo. Um pouco foi disfarçado no governo de Lula, está escancarado o seu sucateamento no governo neoliberal de Dilma Roussef (a que não sabe para que lado vai e não vai a lado algum, é refém das elites políticas e econômicas).

Se pensarmos, por um instante, que Mitt Romney tivesse vencido as eleições presidenciais dos EUA, lógico que ele diria aos norte-americanos que “Deus nos abençoou com um futuro de poder para guiar o mundo”. Ou palavras semelhantes. Obama disfarça, enfrenta a jocosa tentativa de separação do Texas. O estado de George Bush quer se desligar da União e virar república. Segundo os especialistas seria a 15ª economia do mundo.

Um novo Álamo? A história desmentiu a “tragédia” transformada em filme. Não foi bem aquilo que se vê nas telas.

Orion seria entronizada no altar do capitalismo como uma espécie de anjo e logo cuidariam de um tratado internacional, nos moldes do que rege a exploração do continente Antártico, assegurando os direitos dos primeiros a chegar.

Em caso de problema diriam que uma parte da nebulosa, particularmente a do petróleo, seria reservada ao estado de Israel, como forma de reparar as atrocidades cometidas pelo nazismo. Hoje a versão é nazi/sionismo, só questão de atualizar a barbárie.

Foi-se o encanto das estrelas, foi-se a poesia, o universo, pelo jeito, vai virar um mar de petróleo e ao invés de “tu pisavas os astros distraída...” vamos ter refinarias e todo o complexo tecnológico do poder capitalista. Se pisar os “astros distraída”, vai sujar os pés e sumir também a doce imagem de “sem saber que a maior ventura dessa vida é o luar, a cabrocha e o violão” (versos de Orestes Barbosa, que alguns pretendem seja o Hino Nacional).

Já imagino o Jornal Nacional transmitindo ao vivo a chegada do homem a Orion e aquele jorro tradicional de petróleo, com William Bonner anunciando uma “nova era para o mundo”. Ao fundo, ao invés do plim plim, o símbolo, a bandeira dos EUA.





Laerte Braga é jornalista em Juiz de Fora/MG

segunda-feira, 7 de março de 2016

O PODER COMO ALGO PRIVADO


A questão de fazer parte é decisiva para entender a oposição quase irracional que alguns indivíduos fazem ao PT, e em especial, ao ex-presidente Lula.

O país sempre foi governado por um representante das elites, assim como sempre houve parcela da classe média que julga fazer parte dos mesmos interesses.

Os presidentes da república velha, por exemplo, sempre foram grandes produtores de café ou aliados dos grandes cafeicultores.

Dos 10 presidentes entre 1894 a 1930 seis eram grandes fazendeiros.

Getúlio Vargas derrubou a linhagem decadente do café especialmente ferida com a crise internacional de 1929, mas só chegou ao poder aliado de novas elites em crescimento no país: os industriais.

Mesmo assim, deixou de ser reconhecido como aliado quando passou se aproximar em demasia dos movimentos sindicais.

Morto Getúlio, em 1954, tivemos a crise dos três Jotas.

JK chegou lá, mas, por ser médico ligado Getúlio e do PSD, não foi identificado como “da turma”, quase não tomou posse, e no poder teve que enfrentar dois movimentos militares golpistas.

Jânio, apesar de polêmico e populista extremado abençoado pelo apoio fascista da UDN, mas era tão doido que nem a Casa Grande conseguiu manobra-lo e renunciou antes de começar a governar de fato.

Os presidentes da Ditadura Militar (1964-1985) não eram elite, mas filhos da classe média domesticada.

Collor, cuja famíia é dona de metade do estado das Alagoas, sim, esse fazia parte, tanto que foi eleito pela mídia.

FHC também, apesar do rótulo equivocado de intelectual de esquerda que ele mesmo pediu para apagar.

Mas, Lula não. Esse definitivamente nunca fez e jamais fará parte da turma da Casa Grande.

Nordestino, sem lustro da educação formal, líder sindical, definitivamente, Lula faz parte da Senzala.

Nem seu partido, o PT, tido como partido de mulambentos, de pobres e de intelectuais e teóricos.

É por isso que Lula não é aceito, mesmo governando de forma que beneficiou enormemente os interesses dos ricos.

Numa análise descompromissada de seu governo veremos que poucas vezes as elites lucraram tanto.

Por isso, o ódio à Lula não se dá por questões econômicas, mas, sociais.

É por isso que Dilma não é aceita, mesmo tendo enterrado velhas machadinhas de guerra da esquerda brasileira, como a reforma agrária, e utilizado até ministros e acenado com receitas neoliberais como “reforma previdenciária”.

O PT no poder, nunca foi, de fato, um governo de esquerda.

Mesmo assim  jamais será aceito por nossas elites.

Nem qualquer outro governo do PT. Isso porque as elites brasileiras acreditam, realmente, que o poder tem dono, é seu, é privado.

Lula, simplesmente não faz parte.





Prof. Péricles

domingo, 6 de março de 2016

O IMPÉRIO DA OPINIÃO


Por Sheila Sacks.

O noticiário dos blogueiros nas redes sociais é olhado com desconfiança.

Na série de TV americana Good Wife, ambientada nos tribunais de Chicago, uma das magistradas possui determinada característica que desarma os bacharéis que recorrem à sua jurisdição. Dependendo do viés interpretativo adotado pelos advogados de defesa ou de acusação em relação ao tema em julgamento, a juíza interrompe a argumentação com o bordão “na sua opinião”, sinalizando aos contendores e aos membros do júri que o raciocínio expresso pelo profissional em questão representa um ponto de vista pessoal e não necessariamente uma visão verdadeira ou correta dos fatos em exame.
Diferente dos tribunais, cujos parâmetros legais dificultam e restringem eventuais manipulações na construção de um raciocínio, a imprensa é um campo aberto a observações pessoais especulativas pela própria natureza de seu serviço voltado à livre difusão da informação e por extensão ao livre exercício da opinião. 
Ainda que o comentário afronte conceitos éticos e apresente visões distorcidas da realidade, o jornal lhe confere visibilidade e, essencialmente, o crédito da confiabilidade.
O historiador americano Christopher Lash (1932-1994), crítico dos processos de disseminação da informação no mundo globalizado, teve essa percepção ao enunciar em seu livro “Cultura do Narcisismo” (de 1979), que “para algo ser aceito como real, basta que apareça como crível ou plausível, ou como oferecido por alguém confiável”.
Consulta divulgada pelo Ibope, em dezembro de 2014, apontou que 58% dos entrevistados confiam “muito ou sempre nos jornais impressos”, percentual superior a outros meios de comunicação como televisão, rádio e internet.
Em relação às novas mídias, a pesquisa indicou que 71% dos entrevistados confiam pouco ou nada nas notícias veiculadas pelas redes sociais. O percentual de desconfiança chegou a 69% em relação aos blogs e 67% no que se refere aos sites.
Entre os vários itens pesquisados, ficou patente que o jornal é o meio de comunicação que recebe maior nível de atenção exclusiva, ou seja, metade dos leitores não faz nenhuma outra atividade durante a sua leitura.
Com a credibilidade em alta, aumenta naturalmente a responsabilidade daqueles que dispõem de espaços em jornais para emitir, formar e direcionar opiniões.
Sabe-se que o texto opinativo visa o assentimento às ideias, teorias e juízos apresentados, e que cabe ao leitor a nem sempre fácil tarefa de separar o que se enquadra efetivamente no real daquilo que se configura em um ideário de aparências e enganos.
No livro “A arte de argumentar”, o professor Bernard Meyer da Universidade de Rouen, na França, destaca que a argumentação age basicamente sobre os indivíduos e não sobre conceitos como o da verdade. E explica: “Ela (a argumentação) não procura determinar se uma tese é verdadeira ou falsa, mas influenciar outra pessoa, logo, ela nunca será automática ou obrigatoriamente aceitável, como o é a demonstração matemática.” De acordo com Meyer, a argumentação é bem sucedida quando convence o destinatário e não, como muitos pensam, atinge a verdade.
Na última década, ampliando a influência subjetiva das páginas opinativas que interferem na formação e avaliação da realidade, a imprensa vem agregando a esse plantel de profissionais de jornalismo uma plêiade de personalidades do mundo artístico, aparentemente em prol da diversidade de ideias e conceitos que balizam a liberdade de expressão nas democracias.
Se antes, cineastas, compositores, músicos e outros astros populares “bons de escrita” se expressavam nos suplementos de cultura ou “segundo caderno” sobre a sua arte, agora migraram para as páginas reservadas à prática e observação jornalísticas das cenas político-sociais, concorrendo em igualdade de espaço e mérito com os textos do “pessoal da casa”. O cineasta Cacá Diegues e os compositores Nelson Motta e Aldir Blanc, por exemplo, ocupam regularmente as páginas de opinião de “O Globo”, emitindo conceitos, análises, avaliações e críticas sobre temas que envolvem políticos, diretrizes de governo, relações internacionais etc.
A seu favor, os próprios currículos festejados pela imprensa e a admiração dos leitores-fãs, dois referenciais de peso a embasar pontos de vista individuais e impositivos que caracterizam “a superioridade bem informada” conceituada pelo filósofo e sociólogo alemão Theodor W. Adorno (1903-1969).
Na obra “Minima Moralia: reflexões a partir da vida lesada” (1951), Adorno então em seu exílio nos Estados Unidos chama a atenção para a responsabilidade que deve prevalecer entre a elite formadora de opinião – “os inteligentes” – quando se propõe a expressar suas ideias e opiniões valendo-se de um meio de comunicação de massa. “Nenhum pensamento é imune à comunicação e proferi-lo no lugar errado e por meio de entendimento errado é suficiente para solapar sua verdade”, escreveu.
Para o professor de Ciências da Comunicação da Universidade Nova Lisboa, João Pissarra Esteves, aqueles que têm acesso à mídia estão investidos de um poder extraordinário, “porque impõem a sua própria realidade perante os outros, de acordo com os seus valores e interesses próprios” (“A Ética da Comunicação e os Media Modernos”, de 1998).
Maior contundência mostra o autor de “Nossa Cultura ou o que restou dela” (2005), o psiquiatra e escritor inglês Theodore Dabrymple, de 65 anos, um implacável analista da sociedade globalizada com uma dezena de livros publicados. Ele credita aos artistas, diretores de cinema, romancistas, dramaturgos, jornalistas e até cantores populares – além de economistas e filósofos sociais – o poder de indução e controle das sociedades. “São eles os legisladores invisíveis do mundo e devemos prestar muita atenção àquilo que dizem e como dizem”, assinala no prefácio do livro.
Sobra ao leitor consciente, diante de certas leituras nitidamente comprometidas com dogmas ideológicos, a desagradável sensação de impotência diante da leitura de textos bem articulados, produzidos por uma elite inteligente respaldada por veículos de comunicação de grande tiragem e influência social. 
Nesse caso soa perfeita a observação do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, de 89 anos, quando afirma que “nunca fomos tão livres e tão incapazes para mudar as coisas”.

Sheila Sacks, jornalista formada pela PUC-RJ sempre trabalhou em assessoria de imprensa.Tem artigos publicados nos sites Observatório da Imprensa e Rio Total. Desde 2009 mantém o blog “Viajantes do tempo”.