domingo, 2 de novembro de 2014

SEMELHANÇAS PERIGOSAS




Em 1964 a presidência era exercida por João Goulart, democraticamente eleito para o cargo de vice-presidente, em 1960 e legalmente empossado com a renúncia do presidente em agosto de 1961.

Hoje o cargo de presidente é exercido por Dilma Roussef, democraticamente eleita em 2010 e reeleita em 2014.

Em 1964 as forças conservadoras e golpistas eram lideradas no Brasil, por partidos travestidos de democratas, como a UDN, mas que, na verdade conspiravam contra a democracia. Suas lideranças populistas contavam com políticos como Carlos Lacerda, vulgo, o Corvo, um notório conspirador e alimentador de golpes, além de Ademar de Barros, governador de São Paulo, Magalhães Pinto, governador de Minas Gerais e outros.

Hoje, as forças conservadoras e reacionárias não encontram em nenhum partido ou liderança pessoal, capacidade de vitória nas urnas, e são lideradas pela própria mídia que no uso de concessões públicas assumiram o papel de oposição ao governo instituído.

Em 1964 os interesses externos e seus aliados internos temiam perder privilégios a partir do reconhecido nacionalismo de Jango que, havia conseguido um grande triunfo ao aprovar no Congresso a Lei que criava embaraços ao envio dos lucros das multinacionais ao exterior, exigindo que esse capital ficasse no Brasil por um tempo mínimo estabelecido.

Atualmente, o capital supranacional sofre com os limites impostos à exploração do pré-sal brasileiro e sonha com os astronômicos lucros que poderiam angariar sem esses limites.

Em 1965 haveria eleição para presidente e os golpistas temiam que João Gourlart fosse lançado candidato o que seria fatal para a candidatura de Lacerda.

Atualmente o país saiu de um disputado processo em que as forças conservadoras, mais uma vez foram derrotadas e temem a volta de Lula em 2018 o que, praticamente decretaria nova derrota desses grupos.

Em 1964, os reacionários organizaram as “Marchas da Família Com Deus pela Pátria”, movimentos de forte apelo a valores tradicionais que pretendiam contrastar com o suposto “comunismo” do presidente da república, exemplificado por esses movimentos, com as Reformas de Base, defendidas por Jango.

Atualmente essas mesmas forças buscam criar movimentos que defendam os mesmo valores “patrióticos” contra uma esquerdização do governo, exemplificado em seus programas sociais, como o Bolsa Família.

Em 1964, o presidente não agiu de forma firme contra esses grupos acreditando na fidelidade do governo, garantida pelo Ministro da Guerra Assis Brasil, e foi derrubado em 31 de março daquele ano. Não resistiu ao golpe, e preferiu o exílio. O país mergulhou num movimento militar que se anunciava “democrático”, mas que se tornou ditadura e se radicalizou em 1968, mergulhando o país em 20 anos de trevas onde prisões ilegais, torturas, mortes e todo tipo de violência do estado foi permitida.

Hoje, não se percebe do governo, disposição para radicalizar a democracia e ir fundo no desmascaramento de golpistas que seguem impunes formulando suas teorias de conspiração.

As semelhanças são muitas. O final será o mesmo?

Para que serve a história se não para impedir que se recorra aos mesmos erros?

Fique atento. A história, somos nós.


Prof. Péricles
















sexta-feira, 31 de outubro de 2014

VICTOR JARA, A VOZ CALADA DO POVO


Por Nashla Dahás

Segundo o historiador Gabriel Salazar, desde que o Chile iniciou sua vida independente, o "baixo povo" já estava preso, proibido de manifestar-se nas ruas e praças públicas. O carnaval, chamado la challa, foi excomungado justo quando essas pessoas não tinham trabalho estável nem reconhecimento social como cidadãos; a população mestiça passava por processo de estigmatização e desterramento, todos classificados como vagabundos.

Seguiu-se a repressão moral policial, ou a opressão pela via do mercado (exclusão), que, gradualmente, foram extinguindo as formas de expressão cultural popular. Diz Salazar que até 1890 essas expressões teriam mesmo desaparecido.

Na década de 1910, porém, um intervalo de meio século nesse quadro de repressão das festividades populares foi possível por conta da criação das "casas asiladas", ou prostíbulos onde a "classe trabalhadora buscou refúgio para reavivar e celebrar o 'carnaval' de sua identidade, reacendendo no sangue do corpo a historicidade da alma".

Mas após 1973, e até os dias atuais, esse refúgio foi desmantelado pela repressão cultural da ditadura e, depois, do neoliberalismo. Exilada por completo do espaço público, a festa popular estaria agora em qualquer parte, em qualquer lugar, e de qualquer modo, a propósito de qualquer coisa, com mais violência que alegria, com muito mais agressividade do que liberação.

Foi nesse intervalo, porém, que Victor Jara se tornou conhecido.

Diretor de teatro e professor universitário; viu suas canções ganharem a forma de representações do sentimento popular chileno e foi acolhido nas áreas mais pobres do país. Sempre acompanhado de um violão, circulam hoje versões sobre sua morte que incluem um capítulo em que os militares arrancam as suas unhas e depois cortam partes da ponta de seus dedos para que ele nunca mais possa tocar. "Victor tocava com a pele dos dedos e não com as unhas, tinha uma técnica própria e continuou tocando e desafiando a ditadura a calar o nosso povo", contam alguns.

Dizem outros que ele teve as duas mãos quebradas e posteriormente decepadas. Joan Jara, a viúva do cantor, afirma que o oficial que coordenava a sessão de tortura ainda teria mandado sadicamente que ele cantasse depois disso. Jara teria levantado e cantado "Venceremos", um dos hinos dos movimentos revolucionários chilenos e das mobilizações dos anos 70.

Amigos que estiveram com ele no campo de concentração do Estádio Nacional, por sua vez, dizem que ele foi um dos primeiros a serem espancados publicamente, e depois seu corpo só tornaria a ser visto morto numa das primeiras levas de corpos que saíram do estádio no dia 16 de setembro de 1973, menos de uma semana após o golpe civil-militar que levou o general Augusto Pinochet ao poder.

Mitos, depoimentos, memórias individuais e coletivas; esses fragmentos de histórias do golpe e da ditadura, são hoje elementos de uma crise moral republicana que, a cada dia, experimenta formas de lidar com essas lembranças.

Onde foi parar o "mal estar interno" sobre os qual as músicas de Victor Jara falavam e ou traduziam; ou a ira que caracterizou grupos políticos como o Movimiento de Izquierda Revolucionario, a unir teorias e fuzis em nome de um projeto de nação alternativo ao que se vivia?

Perguntando-nos hoje se algo como a “Unidade Federativa das Nações Latino Americanas sob o regime socialista” defendida por alguns movimentos políticos chilenos nos anos 60 e 70 era possível, a resposta tenderá a ser negativa e a ideia provavelmente parecerá muito mais velha do que realmente é.

Talvez isso decorra do empenho, em parte bem sucedido, das ditaduras latino-americanas em construir uma memória desqualificadora do pré-golpe, em eliminar os seus vestígios humanos e institucionais. Ou ainda, talvez resulte do efeito que o fracasso das guerrilhas causou em alguns de seus líderes, convertidos voluntariamente nas décadas seguintes, ou, talvez, sob tortura, em novos adeptos das democracias capitalistas.

Não convém, entretanto, aprofundar-nos nestas questões, mas denunciar e, se possível, conceituar a ação do terrorismo de Estado, e a dor pelos mortos, o temor e a passividade gerados pela violência golpista, não apenas no Chile, mas também no Brasil.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

A SOLIDÃO DAS AREIAIS




Heródoto, considerado o primeiro historiador, conta na sua famosa obra Histórias o caso de 50.000 soldados persas que desapareceram no deserto, tendo sido apanhados por uma tempestade de areia, por volta de 524 a.C., no século VI a.C.

O rei persa Cambises II já tinha conquistado cidades egípcias como Mênfis ou Tebas, expandindo o império persa até àquela região. Mas o estranho desaparecimento daqueles soldados passou a ser um mistério para os arqueólogos, que desde o século XIX procuraram por vestígios desse exército.

Agora, dois blocos descobertos de um templo romano indicam que estes 50.000 soldados foram, afinal, derrotados pelas forças de Petubastis III, um líder rebelde egípcio que durante um par de anos conseguiu recuperar parcialmente o império egípcio aos persas e foi coroado faraó.

“Heródoto viajou no Norte do Egito e escreveu o que ouviu", explica Olaf Kaper um egiptólogo da Universidade de Leiden, na Holanda. Do que ouviu, "o desaparecimento do exército era claro, mas os persas tornaram o acontecimento menos devastador ao culparem o clima", defende.

Sem provas físicas, os historiadores têm tentado interpretar as palavras de Heródoto com a ajuda do contexto: a geografia, o que já se conhece sobre os impérios egípcios e persas daquela altura, até os fenômenos meteorológicos como as tempestades de areia.

O templo descoberto em 2005 pertence a uma vila romana chamada Amheida, no oásis de Dakhla. "Em dez anos, escavamos algumas casas, uma que tem pinturas nas paredes, banhos romanos e uma igreja, além dos vestígios do templo", explica Olaf
Kaper.

O oásis de Dakhla é enorme, tem um comprimento de 80 quilômetros de leste a oeste, e uma largura máxima de 25 quilômetros. A área situa-se a 500 quilômetros a oeste da antiga cidade egípcia de Tebas, hoje Luxor, que fica junto ao rio Nilo, a cerca de 600
quilômetros a sul do Cairo.

Os primeiros indícios sobre Petubastis III surgiram logo em 2005, quando descobriram uma cartela com o nome real Petubastis - a cartela é um bloco com o nome de um faraó em hieróglifos e uma linha ovalada à volta da inscrição. Em 2014, com a descoberta de uma segunda cartela onde estava escrito "shr-ib-Ra", o nome de coroação de Petubastis III, que reinou entre 522 e 520 a.C., foi possível identificar o faraó certo.

“O fato de este rei desconhecido e efêmero, que governou apenas parte do país durante a ocupação persa, ter construído um templo em Dakhla, mostra que este local era muito especial para ele. Os templos são construídos com dinheiro público, e
normalmente isto é feito em grandes cidades ou nos locais de origem dos reis", defende o egiptólogo. "A única explicação para a existência deste templo é que Petubastis III usou o oásis como um centro de poder.”

É neste lugar que os escritos de Heródoto, o desaparecimento do exército persa de Cambises II e a origem de Petubastis III se conjugam. Segundo as investigações, o rebelde egípcio era uma força a temer. Por isso, Cambises II pôs os seus homens em movimento - num exército com um tamanho bastante razoável para a época - por volta de 524 a.C.: "O exército desapareceu, Heródoto apresenta-nos a história de uma tempestade de areia. Isto é demasiado improvável para ser verdade, certamente não é para ser tido como um fato, uma explicação muito melhor é que o exército tenha sido derrotado. Agora que temos um poderoso inimigo dos persas em Dakhla, este cenário é o mais provável.”

Apesar de o exército persa estar mais equipado, Olaf Kaper especula que as forças de Petubastis III conheceriam melhor o terreno, o que lhes daria uma vantagem determinante.

Cambises II ficou por Tebas enquanto o seu exército tomou o caminho do deserto e desapareceu nos confins da História. Depois, o rei voltou para a Pérsia onde acabou por morrer. Dois anos depois, Petubastis III entrava em Mênfis, onde foi coroado, mas foi faraó por pouco tempo. Dario I, que sucedeu a Cambises II, lançou as suas forças contra o recém-coroado monarca e em 519 a.C. já tinha recuperado o território.

Mas, os 50 mil nunca voltaram para casa e a história da tempestade de areia fatal e dos seus condenados permaneceu sendo contada por gerações.

A escuridão que envolve esta batalha deve-se primeiro a Cambises II e principalmente a Dario I. "Quando Cambises II soube do desastre, ele fez com que a notícia não se espalhasse para não encorajar mais uma revolta", defendeu o egiptólogo na apresentação que fez no congresso de Arqueologia junho. Depois, "Dario I conseguiu restabelecer o controle [do Egito] e apagou todas as referências a Petubastis III nas listas dos reis".

O novo monarca do império persa quis, por isso, refazer a História. É um hábito antigo dos vencedores. Mas os acontecimentos deixam lastro e deixam rasto e afunção da história é resgata-los.

A descoberta feita no oásis de Dakhla transformou agora o destino daqueles 50.000 homens: a tempestade de areia foi engolida por uma batalha.

Talvez agora, depois de vagar por 2550 anos nas areias do deserto, tendo sido sua história descoberta e recontada, eles possam, finalmente, voltar pra casa.

Prof. Péricles
Fonte – texto informativo de Nicolau Ferreira (Portugal)

sábado, 25 de outubro de 2014

AOS INDECISOS - MEDITE ANTES DE VOTAR


O PT chegou ao poder, 20 anos depois de ter sido fundado, sem o glamour e o romantismo que o fazia diferente dos outros partidos. Para chegar lá, Lula fez alianças espúrias, incompreensíveis para muitos e por isso perdeu quadros importantes além de assumir uma interesseira companhia.

Ao transigir para governar deixou fugir alguns dos sonhos mais caros de seus fundadores e de certa forma, vendeu a alma ao diabo em nome da governabilidade.

Falta de execução de uma verdadeira reforma agrária, política mais justa e igualitária aos diferentes servidores militares e civis da união, pressão real por um reforma fiscal e administrativa, repactuação federativa, mão firme contra a corrupção e Lei de regulação das mídias, são apenas alguns dos erros dos governos do PT.

Mas, os governos do PT tiveram acertos também. E muito importantes.

Os programas sociais produziram resultados mensuráveis de notável importância, como o “Fome Zero” e o Bolsa Família, apontados pela ONU como os mais concretos modelos de sucesso no combate à miséria.

O controle da dívida externa e da inflação, a construção de faculdades e escolas técnicas, o revolucionário programa “Mais Médicos”, o investimento em infraestrutura como nas ferrovias, praticamente mortas no Brasil pós JK.

O desemprego, antiga chaga degradante de nosso povo, desapareceu como fenômeno sendo substituído por índices de emprego pleno.

Também é notável a mudança de nossa política externa que buscou novas parcerias abandonando a excessiva influência dos Estados Unidos e abrindo novos horizontes comerciais e políticos. O Brasil tornou-se protagonista assumindo lugar de destaque como jamais assumiu em outros governos.

Talvez o que seja ainda mais importante, o PT no poder barrou a continuidade do neoliberalismo na governança.

Esse novo estágio do capitalismo internacional, o neoliberalismo, nascido a partir da década de 80 com a decadência do bloco soviético, foi verdadeiro câncer disseminado pelo mundo que infelicitou centenas de nações e jogou milhões de pessoas na mais profunda fossa econômica e desespero social.

Defendendo a globalização da economia e o fim das políticas baseadas nas barreiras alfandegárias, o estado mínimo com a demissão de funcionários públicos e a terceirização das atividades públicas, desfazendo conquistas históricas do trabalho, promovendo privatizações e a venda do patrimônio público e estimulando aquilo que o capitalismo tem de mais desumano que é a concorrência e o lucro desenfreado, o neoliberalismo mostrou a face mais horrenda e cruel do sistema.


Numa lógica perversa, o estado cobra menos impostos, automaticamente arrecada menos e por isso investe menos, e onde se dá o menor investimento? Nas políticas sociais, ou seja, na saúde pública, na previdência, etc.

O jargão da modernização da economia refere-se sempre ao interesse privado, ao capital. Aos que tem mais, associando o lucro de terceiros com o bem do país, como se o enriquecimento de uns representasse o bem do país.

Como resultado, milhões de pessoas despencaram de patamares sociais mais elevados e a miséria e o desespero multiplicaram-se.
Na América Latina, além dos resultados nocivos citados ainda acrescentasse o crescimento da dependência econômica dos países pobres em relação aos países ricos, particularmente os Estados Unidos, útero que gestou o monstro durante o governo Ronald Reagan.

Nessas eleições de 2014, mais do que qualquer nome, estão em disputa dois projetos, distintos e antagônicos.
Por um lado temos a proposta encabeçada na reeleição da presidente Dilma.

Do outro está a proposta da volta do neoliberalismo apresentada pelo mesmo partido, o PSDB do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, agora na candidatura de Aécio Neves.

Importante todo eleitor entender que, mais do que simpatias pessoais o que deve se decidir é que projeto deverá governar nosso país a partir de 2015.

Ousamos pedir, em nome dos mais caros programas sociais e de seus beneficiados, que talvez não seja você, mas que se contam aos milhões. Em nome dos avanços obtidos nos últimos anos que colocaram o Brasil a frente de projetos reconhecidos no mundo inteiro e em nome da confiança que por acaso você deposite em nós, pedimos, a você eleitor indeciso, que reflita, pense no todo e em todos e vote em Dilma Roussef no próximo domingo.

Mesmo que você não simpatize com Dilma ou com o PT pense não estar votando em pessoas e sim votando na “não volta” do neoliberalismo ao poder. Não permita que essa lepra social infelicite novamente nosso povo.

Pense com o coração e com a razão e não com aversões.

Seja feliz no seu voto, o Brasil e milhões de brasileiros desafortunados, agradecem.

Prof. Péricles

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

NUNCA FIZ MINHA PRÓPRIA CAMA



Por Paulo Moreira Leite


Em fevereiro de 1977 o jovem Aécio da Cunha Neves talvez nem pensasse que um dia estaria na reta final para disputar a presidência da República, mas viveu uma aventura curiosa fora do país.

Como tantos jovens brasileiros de sua condição social, naquele ano Aécio foi cumprir um programa de intercambio escolar nos Estados Unidos.

Certa vez, durante um momento de descanso, Aécio visitava uma estação de esqui quando conheceu um rapaz de sua idade, Glenn, que o convidou a passar um fim de semana hospedado na casa de seus pais, o casal Pat e Roger Davis, em Middlebush, em Nova Jersey.

Ali, numa pequena comunidade que hoje possui 2000 habitantes, distribuídos em pouco mais de 800 casas, a presença de um jovem brasileiro logo se tornou motivo de atração. Com direito a foto e tudo, Aécio foi parar nas páginas do FranklinNews-Record, pequeno jornal da região, que na edição de 24 de fevereiro de 1977 publicou uma pequena reportagem a seu respeito.

Descrevendo Aécio como um adolescente “igual a todos os outros”, o repórter Bob Bradis registrou seus conjuntos de rock prediletos: Led Zeppelin, The Who, Crosby, Stills, Nasch and Young e sublinhou que ele “realmente gosta de Bob Dylan.” O jornal fala dos programas de TV favoritos do rapaz: Kojak, série policial que fazia muito sucesso na época em torno de um detetive careca, e Waltons, sobre a vida de uma família da zona rural dos Estados Unidos, às voltas com os rigores da Grande Depressão da década de 30. Esportes favoritos? Futebol e vôlei. Demonstrando um interesse por automóveis bastante comum entre garotos de sua idade, ele contou ao Franklin News que a idade mínima para tirar carta de motorista no Brasil é 18 anos mas que não é incomum ver jovens dirigindo carros antes de chegar a essa idade.

Falou de automóveis americanos, como Ford e Chevrolet, mas também elogiou o Puma, um carro nacional, “muito confortável.”

Mas nem tudo era igual entre jovens norte-americanos e brasileiros — e isso não escapou a observação de Bob Bradis. No frescor dos 17 anos, Aécio expressou várias observações sobre a vida social brasileira.

Falando sobre a condição feminina no Brasil, Aécio disse, conforme o Franklin-News, que a vida das mulheres é fácil no Brasil. Segundo as palavras de Bob Bradis, Aécio lhe disse que as mulheres brasileiras não tem necessidade financeira de trabalhar, e podem passar a maior parte de seu tempo na praia ou fazendo compras. Era uma diferença importante em relação à sociedade norte-americana, onde, desde a Segunda Guerra Mundial, muitas mulheres saiam de casa para trabalhar e dividir despesas com o marido.

Falando da vida doméstica, Aécio disse: “todo mundo tem uma empregada ou duas; uma para cozinhar, outra para limpar.” Falando de sua rotina dentro de casa, no Brasil, assinalou outra novidade: “Eu nunca fiz minha própria cama.” Outra diferença, como se sabe.

Bob Bradis conta que Aécio lamentava, naquele fevereiro de 1977, que estivesse fora do Brasil por causa do carnaval. Há uma grande festa antes do início da Quaresma, disse Aécio. O jovem brasileiro contou como todos dançam nas ruas, comem, bebem até altas horas e então vão para casa dar um mergulho, para aí retornar para mais festas. “É a melhor época do ano.” Segundo o Franklin-News, Aécio disse ainda: “Essa é a única época em que a classe baixa e a classe alta se reúnem.”

Perguntado sobre seu próprio futuro, Aécio disse que pretendia estudar engenharia, mas falou que provavelmente acabaria entrando na vida política, como seu pai, que era deputado pela Arena, o partido de sustentação do regime militar, e seu avô, que era um dos principais líderes do MDB, partido da oposição civil.

Dois anos depois do fim de semana em Middlebush, Aécio Neves obteve um emprego na Câmara de Deputados. Foi contratado como assessor do próprio pai. A Câmara funcionava em Brasília, mas Aécio continuou morando no Rio de Janeiro. Cuidava da agenda do pai à distância, embora não houvesse internet naquele tempo. Mas não era um trabalho ilegal. A Câmara só passou a obrigar assessores parlamentares a atuar em Brasília a partir de 2010.

Mas, se pudesse refletir ao longo dos anos, o repórter Bob Bradis poderia avaliar o duradouro significado de uma frase em seu caderno de notas: “Eu nunca fiz minha própria cama.”

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

AOS MEUS AMIGOS QUE VOTARÃO EM AÉCIO



Por Milly Lacombe

Recentemente encuquei com a quantidade de pessoas que julgo inteligentes e que estão declarando voto-protesto em Aécio “para mudar tudo isso aí”. Sempre que alguém me diz que “do jeito que as coisas estão não dá mais” me pergunto se essa pessoa nasceu e cresceu na Dinamarca e chegou no Brasil há alguns anos apenas.

O que não dá mais exatamente? As coisas não estão ótimas, mas já foram imperialmente mais grotescas. Talvez tudo esteja melhor com exceção do trânsito nas capitais – e vamos combinar que trânsito na capital não é a rigor um problema do Governo Federal.
“Ah, mas a corrupção está insustentável”.

Como assim, meu amigo? A corrupção é esporte nacional desde que o tal Dom João aportou por aqui. Pode não ter melhorado, mas agora está aí para ser julgada e condenada, como de fato está sendo.

“O PT quer instalar a ditadura”, já escutei gente que sei que é do bem dizer.

Mas então me expliquem que tipo de ditadura demora 13 anos para ser instalada? E que ditadura mantém poderes independentes e uma Polícia Federal que investiga o pessoal da situação? Que ditadura manda para a cadeia alguns de seus líderes mais influentes? Que ditadura permite ser chamada de ditadura sem mandar prender quem falou isso?

A sensação de insatisfação é mundial. Recentemente, a Europa teve que escolher o novo Parlamento, votado pela população dos países da comunidade Europeia, e duas correntes saíram vitoriosas da eleição: as de extrema direita e as socialistas. Me parece um recado claro de que todos querem mudança.

Mas mudança do que? O que está pegando?

O que está pegando é a desigualdade social e o desemprego. O Brasil não vai mal em nenhum dos dois (desigualdade e desemprego diminuiram), mas a onda da mudança chegou aqui também.

Todos nós sabemos que um pouco de desigualdade faz parte do jogo, mas a desigualdade que vemos hoje é alarmante e dilacerante. E, com a quebradeira de 2008 e os altos níveis de desemprego na Europa e nos Estados Unidos, é natural – embora abominável – que a turma da extrema direita, a turma do nacionalismo, a turma do “volta pra casa imigrante de merda porque é por sua causa que estamos nessa situação” se agigante e saia elegendo seus representantes. A explicação para a catastófica situação de hoje não é, claro, o imigrante, mas situações limite tendem a tirar o pior ou o melhor do ser-humano; e no caso da extrema direita é sempre o pior.

Mas o que levou a economia mundial a esse ponto?

Vamos analisar o caso americano, o berço do neo-liberalismo, esse sistema tão idolatrado pelos psdbistas, e onde hoje quatrocentas pessoas têm mais dinheiro do que a riqueza de metade da população somada. Os parágrafos a seguir estão mais no estilo “economia para idiotas” (o meu caso precisamente), mas sigam comigo porque eu prometo levá-los até que completemos um círculo inteiro.

Setenta porcento da economia americana está no consumo, e quem sustenta o consumo de qualquer economia é sempre a classe média. Se a classe média para de consumir, a economia para de crescer. O salário de um trabalhador comum nos Estados Unidos não cresce desde os anos 70. Não cresce significa que o poder real de compra do salário não muda há 40 anos. Está estagnado há quase quatro décadas. E estagnado nem é a palavra correta. O trabalhador comum ganha menos hoje do que ganhava em 1970.

Em compensação, a produtividade só cresceu, e só faz crescer até hoje. Então: se o salário é o que o patrão dá ao trabalhador, e se produtividade é o que o trabalhador dá ao patrão a gente consegue entender onde foi parar essa diferença. É um gráfico simples que até eu entendo. Mais produtividade, mais lucro. Mais lucro sem aumentar o salário do trabalhador significa acúmulo de dinheiro nas mãos apenas daqueles que controlam os meios de produção (perdoem se aqui o discurso soa marxista, sei que isso assusta alguns, mas prometo não arrepiá-los pedindo que se instale o comunismo).

E o que o patrão fez com esse dinheiro acumulado? Em vez de devolver ao mercado, ele guardou. Guardou em ações, em capital especulativo — no mercado de capital enfim. É um dinheiro que não cria utilidade social, o que seria aceitável numa sociedade de iguais, e não é esse o caso. Em 1970 a diferença entre o que ganhava um trabalhador comum e o que ganhava o dono do negócio era de 40 vezes. Hoje essa diferença chega a ser 400 vezes maior. Não precisamos de muito mais para entender o tamanho da desigualdade.

No mesmo período, fortificou-se a ideia de que taxar o patrão não é um bom negócio porque ele é o cara que cria empregos e, afinal, precisamos de empregos. Então, impostos sobre os ricos só caíram. Um trabalhador comum nos Estados Unidos hoje paga em torno de 30% de impostos. Warren Buffet, uma das maiores fortunas do mundo, paga 11%.

O centro do universo econômico é o consumidor e não o empresário como gosta de pensar o neo-liberal. E toda a história de prosperidade econômica de uma comunidade é uma história de investimento social. Investimento nas classes mais baixas, e em coisas básicas como educação – gratuita e de qualidade. Se querem um exemplo de investimento social fiquemos com a Coreia do Sul porque assim poupo vocês de falar de Cuba e não perco leitores.

Não é preciso ser um gênio para entender que se a produtividade aumenta, o salário também precisa aumentar. Não apenas porque é legítimo e moral, mas porque se o salário aumenta, o trabalhador compra mais, e se ele compra mais a empresa cria mais empregos, e se a empresa emprega mais e fatura mais, ela paga mais impostos. E se ela paga mais impostos o governo ganha mais e investe mais em social e em educação e a economia cresce. Se em alguma dessas etapas o giro é interrompido para que alguma das partes possa acumular capital, a economia trava e a desigualdade aumenta.

Isso chamamos de neo-liberalismo: o mercado quase sem regulação federal, pouco ou nenhum investimento social, capital acumulado na mão daqueles que controlam os meios de produção.

O modelo neo-liberal, o modelo do PSDB, não prevê investimentos sociais (vamos apenas lembrar que o PT fez o Minha Casa Minha Vida, o Luz Para Todos, o ProUni e ampliou o Bolsa Família que era um programa nanico e anêmico durante os anos FHC), não prevê força sindical, não prevê taxação maior aos ricos, não prevê regulação mais forte do mercado em benefício das classes mais baixas.

O modelo PSDBista é uma cópia do modelo falido americano, e para que saiamos da abstração o melhor exemplo talvez seja a Cantareira e a falta de água em São Paulo. Quando a administração estadual decide não reformar o sistema que grita por melhorias para privilegiar a distribuição de dividendos a acionistas temos, na prática, o neo-liberalismo ferrando o social. Estamos sem água, mas os acionistas estão com seu lucro no bolso.

O modelo PTista, ao investir no social, mudou a cara do Brasil na última década. Fez ascender uma multidão de pessoas ao mercado consumidor, girou a economia, pagou o FMI, deu status ao país lá fora, diminuiu desigualdade, desemprego, tirou o Brasil do mapa mundial da fome, fortaleceu a Petrobrás (Ah, por favor. Sem essa de escândalo de corrupção. Está tudo aí, sendo investigado etc e tal. Veja apenas quanto valia a empresa com FH e quanto vale hoje).

Em outra palavras: você investe no social e nas classes mais baixas, todos ganham. Você investe no empresário, apenas o empresário ganha e a desigualdade aumenta.

É isso o que estaremos escolhendo no dia 26.

Não se trata de optar entre aqueles que fizeram o Mensalão ou aquele que construiu aeroporto particular com grana pública e empregou parentes em seu governo. Não se trata de escolher entre o “menor dos delitos”, ou em “alternar poder”. Não se trata de escolher entre o azul e o vermelho, entre o bom e o mau, entre o que fala bem e o que fala aos trancos, entre o filhinho de papai e a guerrilheira. Se trata de escolher um modelo de país. De optar entre o investimento no acionista ou o investimento no social. Entre a proteção ao dinheiro do rico ou à dignidade do pobre. É disso que se trata o dia 26.


Obs: Esse texto foi elaborado com base em ensaios e livros de Noam Chomsky e David Harvey, em documentário de Robert Reich (Inequality for All) e em dezenas de aulas do professor e economista Richard Wolff.