sábado, 4 de maio de 2013

O SEGREDO DE ÉDIPO




O grande contributo dos gregos para a cultura foi sua forma singular de ver o mundo, projetá-lo e defini-lo, dentro de conceitos que denominamos de antropocêntricos.

O homem (antropo) para os gregos é o centro do mundo. Arquiteto de seu destino. A medida de todas as coisas.

Essa valorização extraordinária do ser humano, que se encontra em toda cultura helênica, é primorosamente expostas em obras literárias tanto no estilo tragédia como no estilo comédia.

Um exemplo é a obra imortal de Sófocles, a tragédia “Édipo, o Rei”. Que é mais ou menos assim:

Laios, rei de Tebas foi amaldiçoado e avisado pelo oráculo de Delfos que seria morto pelo filho recém nascido e este desposaria a própria mãe. Apavorado, o rei ordena que o joguem de um penhasco. Fosse cumprida a ordem e a encrenca teria sido evitada. Mas, você sabe como são as mulheres, principalmente, quando mães, e dessa forma, Jocasta (a mãe) interfere na história, não permite a execução e sem que o marido saiba, entrega o filho a um pastor. Este agindo piedosamente entrega o bebê a Políbio, rei de Corinto, quando se encontram num deserto. Polibio resolve criá-lo como filho.

Anos mais tarde, jovem, Édipo descobre sobre a maldição que lhe pesava e, como a maioria dos jovens, de cabeça quente, foge de Corinto para Tebas, achando que assim evitaria o cumprimento da maldição (ele pensava que fosse natural de Corinto), sem saber que lá sim é que seus pais verdadeiros moravam.

No meio do caminho encontra o que parece ser um bando de mercadores, ocorre uma desavença e Édipo, um extraordinário guerreiro, mata todo mundo, inclusive o chefe mor dos mercadores, um tal de Laios (seu pai).

Ao chegar a Tebas, enfrenta e acaba com a esfinge e seus enigmas, personagem que dominava Tebas e fazia sofrer sua população.

Como recompensa, os cidadãos o elegem Rei, tendo em vista a morte recente do Rei Laios e a reboque recebe a mão e todo o resto da Rainha, viúva de Laios, Jocasta, uma mulher madura, lindíssima (na verdade sua mãe).

A vida passa, Édipo reina sobriamente e tem vários filhos com Jocasta.

Num determinado momento, durante uma crise sistêmica em Tebas, o oráculo de Delfos é consultado e este responde que os deuses estão irados com os tebanos já que o assassino de Laios ainda se encontra entre eles, livre, lépido e faceiro.

Édipo então lança uma maldição sobre o assassino (que é ele e ele não sabe) esperando que seja descoberto e castigado.

“(…) E ainda mais: rogo aos céus, solenemente, que o assassino, seja ele quem for, sozinho em sua culpa ou tenha cúmplices, tenha uma vida amaldiçoada e má, pela sua maldade, até o fim de seus dias”.

A maldição cai sobre seus próprios ombros quando ele, no mesmo dia descobre toda a verdade através do pastor que o encontrara ainda bebê e salvara sua vida.

Jocasta Suécia assim que descobre, e Édipo se cega, perfurando os próprios olhos e exilando-se, passando a viver como um andarilho maltrapilho.

Mais do que fértil imaginação do autor, a estória de Édipo carrega uma forte simbologia. Com Édipo, mais uma vez, os gregos estão falando de nós. Você não acredita? Não se identifica com Édipo?

Pois saiba que no século XIX Sigmund Freud depois de muito estudar o funcionamento da psique humana, constatou que quando a criança dá-se conta da diferença de sexos e de que ele e a mãe não são a mesma pessoa, tende a fixar a sua atenção libidinosa na figura materna, o que faz existir, entre os meninos, um desejo incestuoso pela mãe, e uma rivalidade com o pai.

Em outras palavras, todos nós quando bebês temos, inconscientemente, um desejo pela mãe e uma rivalidade com o pai, totalmente normal nos humanos. Isso posteriormente desaparece especialmente quando a criança percebe que o pai é o delimitador entre ele e a mãe. Quando esse lance inconsciente persiste, temos então um problema, porém, perfeitamente sanável com terapia.

Freud imediatamente lembrou da estória de Sófocles e chamou esse fenômeno de Complexo de Édipo. Mais tarde Carl Jung desenvolveu o conceito de Complexo de Electra (outro mito grego) entre as meninas.

Antropocentrismo. O homem definidor de seu próprio destino. O homem como medida de todas as coisas e causa e a solução de todos os seus problemas.

Édipo é o herói trágico, cuja estória incluía os sofrimentos universais da ignorância humana, a dor que surge de nós mesmos pela ignorância de nossos mecanismos mais íntimos.

O segredo de Édipo é que Édipo somos nós.




Prof. Péricles


sexta-feira, 3 de maio de 2013

CORRUPÇÃO NA DITADURA MILITAR



Por Thiago (Fiago) Viana

Não pretendo falar das atrocidades cometidas durante o regime militar (torturas, assassinatos, desaparecimentos forçados, execuções sumárias, censura), mas apenas demonstrar que as viúvas da ditadura, que ainda hoje choram lágrimas de sangue e pedem o retorno desse regime, alegam, sobretudo, que os militares prezavam pela lei, ordem, moral e bons costumes.


Lembro aqui bastante do Bolsonaro, esse nato defensor da moral e dos bons costumes (aprendidos no Exército, claro), que, recentemente, soltou a pérola de que no regime militar havia liberdade de ir e vir... Concordo: liberdade de ir para o DOPS, com direito a ser torturado, de ter a boca colocada junto ao escapamento de um jipe e ser arrastado por este no pátio de um quartel (caso de Stuart Angel, filho de Zuzu Angel), para a cova, de acordo com a vontade dos militares. Ele tem todo o direito de negar e espernear que houve um regime de exceção, mas a realidade o desmente. Quem dera, por ter sido no 1º de abril o golpe, que fosse tudo mentira...

Lembro aqui uma declaração do general Geisel, uma "pessoa séria", que desmistifica a tão famosa "incorruptibilidade" dos militares na época. Ronaldo Costa e Couto (1999, págs. 150 a 151), no fabuloso "História indiscreta da ditadura e da abertura –Brasil: 1964-1985" (Editora Record) discorre como se dava a corrupção entranhada nas Forças Armadas:

É fundamental levar em conta o apreço e apego de Geisel à ordem e à hierarquia. A verdade é que o sistema militar havia perdido o controle sobre o aparelho de segurança e de informação. Era preciso reprimir a repressão, conter seus excessos, enquadrá-la na hierarquia e disciplina militar. Impor-lhe a cadeia de comando. Para ele, a revolução envelhecera, estava na contramão da história. Mais que isso: desfigurara-se, deteriorara-se. A censura, travando a fiscalização da imprensa, facilitava a corrupção, inclusive de militares e ex-militares. Era essa a avaliação de Geisel, segundo o almirante Faria Lima: "Ele se instalou lá naquele Palácio do antigo Ministério da Agricultura para trabalhar na organização do seu programa de governo. Na verdade, ele já estava se preparando há muito tempo. Ele me disse, naquela ocasião que ia fazer a abertura. E eu disse a ele: 'O senhor acha que é a hora para fazer a abertura?' Ele me respondeu: 'É. Porque a corrupção nas Forças Armadas está tão grande, que a única solução para o Brasil é abertura.'" Por outro lado, a repressão política criara um poder militar paralelo, autônomo, enfraquecendo os comandos, prejudicando a hierarquia e a disciplina, ameaçando a ordem dentro das próprias Forças Armadas. A concentração excessiva de poder no governo, se por um lado significava força, por outro expunha o governante. E a tão temida ameaça comunista mostrava-se cada vez mais improvável, distante, descartada.

Que belo soco no estômago, não?

Chateia, no Brasil de hoje, perceber que, quando se trata dos militares serem insubordinados e desafiarem seu comandante-em-chefe comemorando aniversário da ditadura, a presidente Dilma, a Dama de ferro tupiniquim, se acovarda, seja para puni-los por isso, seja para instalar uma Comissão da Verdade que, de fato, resulte na punição dos responsáveis pelos crimes de Estado cometidos à época.


Sempre que uma viúva chorar, fale dessa declaração cristalina de Geisel para mostrar que de moral e bons costumes o regime militar não teve nada.

terça-feira, 30 de abril de 2013

GUERRAS E SUICÍDIOS



A taxa de suicídio entre agentes militares norte-americanos em serviço ativo, disparou em 2012, superando o número de soldados que morrem no campo de batalha e determinando um ritmo que pode bater o recorde anual registrado desde o início das guerras no Iraque e no Afeganistão há mais de uma década, informou o Pentágono.
O número de suicídios aumentou mesmo apesar de os militares americanos terem retirado suas tropas do Iraque e intensificado os esforços para fornecer assistência de saúde para problemas psicológicos, que visa limitar o uso de drogas e álcool, além de providenciar aconselhamento financeiro.

Os militares americanos afirmaram que houve pelo menos 154 suicídios entre soldados na ativa até 7 de junho. O número representa 18% de aumento em relação ao mesmo período em 2011, que registrou 130 suicídios entre militares na ativa. Foram 123 suicídios entre janeiro e junho de 2010 e 133 durante o mesmo período em 2009, informou o Pentágono.

Por outro lado, foram registradas 124 mortes de militares americanos no Afeganistão até o dia 1º de junho deste ano, segundo o Pentágono.

Os índices de suicídio entre militares subiram acentuadamente desde 2005, à medida que as guerras no Iraque e no Afeganistão se intensificaram. Recentemente, o Pentágono criou o Gabinete de Prevenção do Suicídio.

Na sexta-feira, a porta-voz do Departamento de Defesa Cynthia Smith afirmou que o Pentágono tenta lembrar os comandantes que aqueles que procuram aconselhamento não devem ser estigmatizados.

"Esta é uma questão preocupante e estamos empenhados em conseguir a ajuda que nossos membros necessitam", disse ela. "Quero enfatizar que a obtenção de ajuda não é um sinal de fraqueza, é um sinal de força."

Em uma carta a comandantes militares no mês passado, o secretário de Defesa Leon E. Panetta disse que "a prevenção do suicídio é uma responsabilidade da liderança", e acrescentou: "Comandantes e supervisores não podem tolerar qualquer ação que deprecie, humilhe ou ostracize qualquer indivíduo, especialmente aqueles que estão se comportando de maneira responsável ao procurar a ajuda profissional de que necessitam".

Mas grupos de veteranos disseram que o Pentágono não tem feito o suficiente para moderar o imenso stress vivido pelos soldados em combate, incluindo as várias implantações.


"Está claro para os militares que as coisas não estão sendo tratadas de maneira compreensiva", disse Bruce Parry, presidente da Coalizão de Organizações de Veteranos, um grupo com sede em Illinois. "Eles precisam entender de forma mais profunda o trauma que os soldados estão enfrentando."


Por Timothy Williams
The New York Times

sábado, 27 de abril de 2013

VIAGENS E UTOPIAS



Numa mensagem de Roberto Mitsuichi, a vida é comparada a uma viagem mais ou menos longa de trem.

Numa estrada maravilhosa, cheia de eventos e de diferentes paisagens, o trem segue seu rumo, como deve ser, nos levando do êxtase ao tédio.

Cheia de estações ao longo do caminho contamos, desde o início da viagem, com pessoas que mudarão nossa vida de alguma maneira e que nos deixarão ao longo da estrada, em diferentes estações.

Desde nossos pais, os primeiros passageiros de nosso vagão, que terão que descer do trem em algum ponto da estrada, antes de nós, passando por amigos de infância, namoradas, professoras, esposa, filhos...

Alguns descem de nosso vagão deixando-o mais vazio. Muitos levam um pouco de nós na bagagem nos deixando enormes vazios quando partem. Mas o trem segue.

Até que chega a nossa estação, e todos nós temos a estação marcada para descer.

Achei muito bela essa mensagem e fiquei pensando que o mesmo se aplica a nossas expectativas, nossos sonhos e utopias.

Quando crianças levamos uma coleção de sonhos brilhantes, de muitas cores e sons. Queremos ser médico, professor, bombeiro, policial... Queremos ser o destaque do colégio, dos irmãos, de tudo, pois quando crianças nossos sonhos são egoístas e exclusivistas.

Com o andar do trem barulhento ao longo do tempo, vamos nos definindo como seres sociais e nossos sonhos se tornam mais altruístas. E sem que a gente perceba nascem nossas utopias.

Então, percebemos que podemos sentar nos bancos da direita ou da esquerda do trem.

Se da esquerda iremos nos entender responsáveis pela própria sociedade em que habitamos e responsáveis não apenas por nossa comodidade, mas pela comodidade de todos os outros passageiros, sejam conhecidos nossos, ou totalmente anônimos. Iremos querer transformar o trem, torna-lo mais suave e acabar com as diferenças entre passageiros de primeira, segunda ou terceira classe. Provavelmente te acharão esquisito, maluco, um passageiro que talvez deva ser jogado pra fora do trem em movimento.

Se da direita, iremos sonhar sonhos já sonhados e conservados em vidros mágicos. Sonhos em conserva, capazes de suportar longo tempo, mantendo o sabor mesmo que rançoso e cruento. Nesse tipo de sonho, nos bancos da direita, a paisagem terá aspectos profundamente contrastantes e você os verá de acordo com a altura de seu banco. Se mais no alto você achará a viagem maravilhosa e talvez se dê por satisfeito se os dos bancos mais baixo não conseguiram subir à sua altura.

Num certo ponto da viagem, já próximo de sua estação você poderá perceber que seus sonhos envelheceram.
O médico, o professor, o bombeiro, o policial, já não habitam a sua alma. Não ligue. Sonhos envelhecem assim como a gente e como peles de cobras podemos trocá-los por outros.

Mas, mantenha viva suas utopias. Poderão até estarem gastas, desbotadas e doloridas. Mesmo assim, que estejam vivas.

Não sei exatamente como é o fim da viagem mas... algo me diz que serão as únicas coisas que poderemos levar. Não havendo roupas nos vestimos de utopias e foram elas que aqueceram nossos dias com esperança.

Cuide-se. Não chegue nu ao fim da linha.

Prof. Péricles

quinta-feira, 25 de abril de 2013

CONVERSA COM MR. DOPS




Aos 80 anos, José Paulo Bonchristiano conserva o porte imponente dos tempos em que era o “doutor Paulo”, delegado do Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo, “O DOPS era um órgão de inteligência policial, fazíamos o levantamento de todo e qualquer cidadão que tivesse alguma coisa contra o governo, chegamos a ter fichas de 200 mil pessoas durante a revolução”, diz, referindo-se ao golpe militar de 1964, que deu origem aos 20 anos de ditadura no Brasil.

Bonchristiano é um dos poucos delegados ainda vivos que participaram desse período, mas ele evita falar sobre os crimes. Prefere soltar o vozeirão para contar casos do tempo em que os generais e empresários o tratavam pelo nome. Roberto Marinho, da Globo, diz, “passava no DOPS para conversar com a gente quando estava em São Paulo”, e ele podia telefonar a Octávio Frias, da Folha de S. Paulo “para pedir o que o DOPS precisasse”.

Nas entrevistas, o ex-delegado resistiu duas tardes inteiras antes de admitir que se torturava e matava no “melhor departamento de polícia da América Latina” – o que hoje qualquer cidadão pode constatar através dos depoimentos reunidos no “Memorial da Resistência”, museu que desde 2002 ocupa as antigas instalações do DOPS, no centro de São Paulo.

“Uma vez prendi um cara em um aparelho no Tremembé, e quando estava chegando no DOPS, o Fleury pediu o preso emprestado, não lembro o nome dele. Depois de dois dias sem notícias do preso, fui perguntar para o Fleury, e ele me pediu desculpas, tinha matado o cara que eu nem ouvi”, relata, como se fosse um contratempo na repartição. “

Bonchristiano admitiu que frequentava os outros centros de tortura montados em São Paulo a partir de 1969, como a OBAN (Operação Bandeirante) e o DOI-CODI, comandados pelo Exército e compostos de policiais civis e militares instruídos a torturar. Só no período de 1970 a 1974, a Arquidiocese de São Paulo reuniu 502 denúncias de tortura no DOI-CODI paulista, apelidado jocosamente pelos policiais de “Casa da Vovó”.

“O pau-de-arara não é, assim, uma tortura, vai tensionando os músculos, se o cara falar logo não fica nem marca, mas se o cara for macho e segurar…”.

Em seus primeiros anos no DOPS, Bonchristiano se especializou em infiltrações em movimentos sindicais, mas a partir de 1968 os estudantes se tornaram prioridade. “Quem faz revolução é estudante, operário faz revolução na Rússia”, costumava dizer.

Uma das operações das quais mais se orgulha, que o levou às páginas de revistas e jornais, foi o desmantelamento do Congresso da União Nacional dos Estudantes em Ibiúna, em 12 de outubro de 1968, comandado por ele. “Prendi 1263 estudantes sem disparar um tiro”, diz – embora os policiais do DOPS e da Força Pública de Sorocaba tenham comprovadamente anunciado sua chegada com rajadas de metralhadora para o ar. “Coloquei a garotada em 100 ônibus cedidos pela (viação) Cometa e levei todo mundo para o DOPS. Separei os líderes e liberei o resto para ir para casa. Não tínhamos vontade de matá-los, eram estudantes”, ironiza.

“Eu sabia tudo o que o Dirceu fazia porque ele era metido a galã e eu coloquei uma agente nossa para seduzi-lo”, gaba-se o delegado. “Ela era muito bonita, a Maçã Dourada, e me contava todos os passos dele”, diz o delegado. A “estudante” Heloísa Helena Magalhães, uma das 40 moças contratadas pelo DOPS para esse tipo de serviço, segundo ele, chegou a ser secretária de Dirceu na UNE (na verdade, José Dirceu foi diretor da UEE).

“Depois que o presidente Truman criou a CIA, era a CIA que acompanhava o movimento dos subversivos”, continua. “Então trabalhávamos juntos, viajávamos juntos em muitos casos, mas nossas reuniões eram fora do DOPS, na happy hour de bares de hotéis como o Jandaia e o Jaraguá, no centro de São Paulo.

Dulce de Souza Maia, militante da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) oi presa na madrugada do dia 25 de janeiro de 1969, enquanto dormia na casa da mãe.

Dois dias antes, vários líderes da VPR tinham sido presos e os repressores já sabiam que ela havia participado de um atentado a bomba no II Exército, que matou o sentinela Mario Kozel Filho. Também havia sido erroneamente apontada como uma das autoras do atentado que em 1968 matou o capitão do Exército americano, Charles Chandler, acusado pelos guerrilheiros de dar aulas de tortura no Brasil a serviço da CIA.

Dulce não sabe dizer se todos que a torturaram no quartel da Polícia do Exército eram militares, mas sua lembrança mais forte é a cara redonda do homem que a estuprou, depois de dar choques em sua vagina. “Eu aguentei 48 horas”. “

Em 1983, os ventos democratas extinguiram o DOPS e trouxeram um novo delegado geral, Maurício Henrique Pereira Guimarães, que despachou Bonchristiano para uma obscura seção da Secretaria de Justiça, encarregada das viúvas dos soldados mortos na II Guerra.

“Preferi me aposentar, hoje não acredito mais em nada. Fiz o que o presidente queria, os militares queriam, e não ganhei nem aquelas medalhinhas que eles davam para todo mundo”, desdenha, referindo-se à Medalha do Pacificador, entregue pelos militares a torturadores famosos.

A família ainda sofre com o passado do delegado. A filha, uma artista plástica, escolheu o prédio do antigo DOPS como cenário de uma performance acadêmica. No Facebook, comenta que o pai ficou “do lado dos algozes da ditadura”, enquanto uma de suas filhas – neta de Bonchristiano – faz campanha pela Comissão da Verdade em seu perfil.

Quando entrei no taxi para ir embora, refletindo sobre quem afinal estaria ameaçando quem, lembrei de uma ocasião em que nossas relações eram mais amistosas e pude lhe perguntar por que “eles” tinham enterrado os corpos, em vez de atirá-los ao mar ou incendiá-los para apagar definitivamente as provas.

De pé, na sala decorada com os estofados confortáveis, rodeados por mesinhas enfeitadas com fotos de família e bibelôs de inspiração religiosa, Bonchristiano reagiu: “Nós somos católicos, pô!”.


Trechos selecionados de Reportagem postada em www.apublica.org/2012/02/conversas-mr-dops

sábado, 20 de abril de 2013

JANGO LIVRE



O carro cruza a fronteira de Uruguaiana vindo de Mercedes, Argentina, a 120 km por hora. Ele conduz uma carga macabra, um caixão lacrado.

Aparentemente toda a população de São Borja estava nas ruas, num silêncio tenso, acompanhado de perto por soldados armados.

O carro conduzindo o caixão lacrado chega até a catedral e dali, diminui a marcha e ruma, agora lentamente, em direção ao cemitério.

O carro é imediatamente cercado pelos soldados armados dispostos a seguir a risca a ordem de não permitir manifestações populares

De repente, vindo do meio da multidão, um grito, “Jango, Jango”. De forma contagiante o grito se espalha e se multiplica “Jango, Jango, Jango”. Toda a tropa percebe que é inútil tentar evitar o sentimento que brota da multidão.

João Goulart, o Jango, presidente do Brasil deposto em 1964, e desde então, exilado político, está de volta ao país.

Porém, da maneira mais triste e definitiva: morto, bem como sonharam seus inimigos e inimigos da democracia que o derrubaram no golpe de 31 de março.

Seu corpo foi enterrado a 40 metros do túmulo de Getúlio Vargas, por exigência dos militares.

Jango morreu de forma inesperada e até hoje não completamente explicada no dia 6 de dezembro de 1976.

Oficialmente o ex-presidente morreu de ataque cardíaco. Porém, o regime militar jamais permitiu autópsia, que muitos achavam necessária para esclarecer todas as dúvidas.

Exatamente naquele momento vários políticos ligados a regimes derrubados na América foram assassinados num plano orquestrado pelas ditaduras do Cone Sul denominado “Operação Condor” e que visava à eliminação física dos políticos mais populares e que inspiravam reação contra as ditaduras.

Sobre a morte de Jango estendeu-se um véu de mistério. Passou-se a falar a boca pequena, como dizem os gaúchos, que Jango, na verdade, também fora assassinado assim como outras lideranças como Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda.

Trinta e sete anos depois a Comissão da Verdade anuncia que, finalmente, seu corpo será autopsiado para, finalmente se estabelecer a verdade.

O Presidente João Goulart, o Jango, foi assassinado ou realmente morreu de causas naturais?

Esta é apenas uma, das muitas perguntas sobre esse período negro de nossa história, que precisa ser respondida.


Prof. Péricles