quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013
O SEGREDO DE ATLÂNTIDA
Quando o velho vulcão, tão conhecido, rugiu mais alto do que jamais havia sido ouvido, nuvens sombrias cobriram os olhos surpresos de todos. Mal podiam imaginar que o vulcão estivesse apenas limpando a garganta.
Aquela sociedade desenvolvida como nenhuma outra, havia se acostumado a ter o controle de tudo e algo tão surpreendente como aquele rugido assustou como um pressentimento de morte.
Assim, num tempo em que as cidades-estados gregas ainda não existiam, todas as atenções voltaram-se para a maior autoridade daquele mundo – a sacerdotisa.
A Ilha de Thera, a poucos quilômetros de Creta, era o centro orgulhoso da cultura minóica. Centro comercial dos quatro cantos da civilização. As leis desenvolvidas e o humanismo eram valorizados. Um oásis entre o inóspito mundo da força bruta. As mulheres eram protegidas pela lei diante de qualquer abuso masculino e valorizadas como somente dali a 4 mil anos seriam valorizadas no ocidente. Dessa forma, não é de estranhar que a maior autoridade religiosa, com poder equivalente ao poder político, fosse uma mulher, sendo sua sociedade essencialmente matriarcal.
Ao cair da tarde daquele dia, seguida por olhares aflitos, precedido por mais dois fortes abalos, a sacerdotisa dirigiu culto e oferendas à Posseidon, o deus protetor da cidade.
Mas, durante a noite e a madrugada, o mau humor do vulcão piorou e as erupções se seguiram espalhando o pânico e tornando impossível adormecer.
Nos primeiros raios de sol, a pedra pome, quente e ácida, passou a cair em quantidade. Mas, o pior eram as cinzas. Invadindo silenciosamente as vias aéreas e tomando o pulmão, as cinzas vulcânicas foram capazes de matar por asfixia, aos milhares.
Pela manhã o povo de Thera não veria o sol, tendo a impressão, devido às cinzas na atmosfera, que a noite havia se tornado eterna.
A população passou a guardar seus bens em poços e buracos, nas paredes das grutas e residências, com a intenção de recuperar tudo novamente quando o pesadelo passasse.
Muitos desses bens só seriam descobertos pela arqueologia, recentemente, nos anos 2000.
Um novo abalo perto do meio dia destruiu a parte norte da montanha vulcânica causando um barulho tão forte que pôde ser ouvido a quilômetros de distância provocando a surdes de várias pessoas. A partir desse instante o mar começou a deslocar-se em direção as lavas.
No início da tarde, enquanto a desmoralizada Sacerdotisa fazia solitariamente um último apelo a Posseidon, os primeiros barcos levando parte da população.
As 16 hs. as lavas incandescentes e as águas do mar se encontraram produzindo uma cortina de fumaça e ácido sulfuroso, verdadeiro fluído mortal que se espalhou em todas as direções. Esse fluído “caminhante” passou a deslizar sobre as terras da ilha e depois sobre as águas indo alcançando os navios que haviam partido em busca da salvação.
À tardinha, 24 horas depois de limpar a garganta, o vulcão explodiu no maior fenômeno sísmico da história da humanidade.
A explosão lançou material até na estratosfera. Por meses o sol não conseguiria romper as nuvens negras produzidas. O barulho da explosão foi tão grande que chegou a ser ouvido a milhares de quilômetros, no Egito. Quatro vezes pior que a explosão de Cracatoa, 40 mil vezes pior que a explosão de Hiroshima.
O tsunami de ondas gigantes foi tão destruidor que em muitas culturas foi descrito como o dilúvio do fim do mundo.
Nem Thera, nem Creta, nem a própria cultua minóica sobreviveram.
A destruição abalou de tal forma o mundo desenvolvido e precoce que, por milhares de anos deixaria sem respostas perguntas que fizeram crescer o mistério em torno de sua Armageddon. Embora a falta de registros e o atraso de qualquer cultura contemporânea, a recordação dolorosa permaneceu na forma de lendas e de histórias incompletas.
Muitos anos depois o filósofo ateniense Platão registraria a morte desse mundo fascinante e desenvolvido, engolido pelo mar em uma só noite.
Platão não deu maiores explicações (provavelmente porque não as tivesse) e seu relato passaria para a história como um estranho e misterioso relato.
Teria o discípulo de Sócrates tomado umas a mais?
Enquanto Platão a chamou simplesmente de Atlântida, nenhum outro pensador clássico fez qualquer citação ao fato.
Onde ficava essa terra exatamente? No Oceano Atlântico? No Caribe, no chamado Triângulo das Bermudas? No Egito ou até na Antártida, abaixo da camada de gelo.
Eles conheciam o avião, computador, armas de fogo? Imaginações dedicaram vidas inteiras a essas buscas.
Mas, agora sabemos que as testemunhas da extensão da destruição cataclísmica repousa em Thera, bela ilha que Posseidon, um dia, abandonou.
Finalmente, o mundo encontrou Atlântida.
Prof. Péricles
terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
ASSIM NASCEU A IGREJA
O homem sentado no meio da sala vazia estava muito preocupado. E sobravam razões para sua carranca.
O Homem era o Imperador Constantino, um político latino de visão larga e que percebia que o grande, o extraordinário Império agonizava.
Além de ter que enfrentar Licínio, outro candidato ao trono, Constantino se amargurava pela constante desvalorização da moeda, pelo desemprego urbano causado pelo excesso de escravos nas cidades e da baixa produtividade agrícola pela falta desses mesmos escravos no campo e ainda, pelas dificuldades naturais de administrar um Império de dimensões continentais cuja população não parava de crescer.
Constantino foi dormir naquela noite com a amarga sensação de fim de festa.
Durante a noite o imperador teve sonhos agitados e confusos, e ao despertar, um plano começava a tomar força em sua mente.
Usando a própria esposa como ouvinte-teste ele argumentou: “Nesse momento de crise intestina o que eu mais preciso para derrotar Licinio e para normalizar a vida do Império? Apoios. Mais que isso, dinheiro. Existe algum grupo hoje, em todo império que possa apoiar mais e contribuir mais? Existe claro que existe. Os cristãos”.
Fausta, a esposa, ansiosa para parecer mais inteligente que ex, Minervina, ousa levantar a mão (com a qual segurava a tiara) e contrapor: “mas o cristianismo não é proibido no Império? Não é por causa disso que eles se escondem nas catacumbas?”
“Eureka (como havia dito Arquimedes), isso mesmo!” Brada Constantino I, “devemos deixar de fazer de conta que não percebemos o crescimento do cristianismo, e os trazermos para a luz da legalidade (e da taxação)”.
“Mas você já ouviu falar no mestre deles?”, disse o secretário Calixtos entrando no salão, “É um homem que não concorda que Cezar seja também um deus. Nega a existência de nossos deuses e diz haver apenas um deus. Além do mais, fala em perdoar os inimigos e nosso império é um império guerreiro... E o pior de tudo, prega que todos são iguais, servos, nobres e imperador. Poderemos aceitar essas coisas?”
Constantino se ergueu e disse: “depende, meu caro Calixtos, se for ou não vantajoso. Iremos nos unir aos cristãos. Mas alteraremos o cristianismo. Faremos uma aliança com sua alta liderança (clero) e estabelecer que Cristo é esse, e quais os fundamentos do Cristianismo que nos interesse, claro”.
Em 313 Constantino assinou o Edito de Milão. O documento final afirmava que o Império Romano seria neutro em relação ao credo religioso acabando oficialmente com toda e qualquer perseguição ao cristianismo. As propriedades que haviam sido confiscadas, anteriormente, foram devolvidas aos cristãos.
Doze anos depois, em 325, após muitas negociações, Constantino e os líderes da Igreja (já chamados de Papas desde o século II) reúnem-se na cidade de Nicéia (atualmente área da Turquia) para estabelecer o Cristianismo que o Estado e a nobreza poderiam suportar.
É em Nicéia que se define a questão cristológica, isso é, quem deveria ser Jesus e quais dos seus ensinamentos deveriam ser ressaltados. Foi então que a figura de Jesus se afastou do homem comum e revolucionário, morto sob tortura, para se tornar o próprio Deus, fundindo Pai e Filho num só. É construído um credo (conjunto de pontos a serem aceitos), fixada a data da Páscoa, necessariamente uma Páscoa separada da Páscoa dos judeus, apagado o conceito de reencarnação e ocorre a promulgação da lei canônica que estabelece o jogo hierárquico e legal do clero (os degraus até chegar a Papa).
O plano de Constantino funcionou e ele pode morrer imperador de um Império inteiro e compacto.
Finalmente, em 27 de fevereiro de 380, foi decretado o Édito de Tessalônica, pequena cidade da Grécia (Província Romana) pelo imperador Teodósio, seguidor da política de Constantino. A religião Católica tornava-se a religião oficial e exclusiva do estado, sendo abolidas todas as praticas politeístas dentro do Império Romano e fechados todos os templos pagãos.
E foi assim que uma pequena religião do oriente se tornou a maior religião do ocidente. E atravessaria o tempo moldando destinos
Dessa forma surgiu uma igreja fortemente centralizada e hierarquizada. Estruturada umbilicalmente com o poder político e com as classes dominantes. Uma Igreja afastada dos excluídos e próxima do poder.
Foi dessa maneira que a forma se tornou mais importante que o conteúdo, a interpretação exclusividade do clero e o pobre perdeu Jesus para ganhar seu Papa.
O final dessa história? Bem, ela ainda não terminou.
Ela continua hoje com a renúncia anunciada de Bento XVI.
Num mundo em tremendas transformações que apresentam questões cruciais como homofobia e cidadania, células tronco e avanços da genética, a Igreja irá definir seus caminhos.
Ou elege o terceiro Papa ultra-conservador seguido e escolhe o caminho reacionário continuando a fingir não existir casos de pedofilia e nem escândalos financeiros, ou cingi um Papa da ala mais progressista que signifique discutir velhos dogmas e tabus e optar por mudanças corajosas.
O caminho escolhido poderá levar, ou não, ao maior racha que a Igreja já conheceu em tempos modernos ou o reencontro da Igreja com seu povo.
Prof. Péricles
domingo, 17 de fevereiro de 2013
JÁ VAI TARDE
Por Márcia Denser
Inspirada em várias fontes, eis algumas reflexões (e revelações para quem não sabe) sobre a renúncia de Beto XVI: um mix de dinheiro, poder e sabotagens, corrupção, espionagem, escândalos sexuais – a presença ostensiva desses ingredientes de filme de terror no noticiário constituía o dia-a-dia do Vaticano.
Tal frequência e a intensidade anunciavam algo nem sempre inteligível ao mundo exterior: o acirramento da disputa sucessória de Bento XVI nos bastidores da Santa Sé. Desta vez, mais do que nunca, a fumaça que anunciará o “habemus papam” refletirá o desfecho de uma fritura política de vida ou morte entre grupos radicais de direita na alta burocracia católica.
Mais que de saúde, razões de Estado teriam levado Bento XVI a anunciar a renúncia de seu papado. (...)
Sua desistência oficializa a entrega de um comando de que já não dispunha. Devorado pelos grupos dos quais inicialmente tentou ser o porta-voz e controlar, Bento XVI jogou a toalha. (...)
Quadro ecumênico da teologia, inicialmente um simpatizante das elaborações reformistas de pensadores como Hans Küng, Joseph Ratzinger escolheu o apoio da direita para galgar os degraus do poder interno no Vaticano.
Em meados dos anos 70/80, ele consolidaria essa comunhão emprestando seu vigor intelectual para se transformar em uma espécie de Joseph McCarthy do fundamentalismo católico. Foi assim que exerceu o comando da temível Congregação para a Doutrina da Fé. À frente desse arremedo da Santa Inquisição, Ratzinger foi diretamente responsável pelo desmonte da Teologia da Libertação.
O teólogo brasileiro Leonardo Boff, um dos intelectuais mais prestigiados desse grupo, dentro e fora da igreja, foi um dos seus alvos: advertido, punido e desautorizado, seus textos foram interditados e proscritos. Por ordem direta do futuro papa. Antes de assumir o cargo supremo da hierarquia, Ratzinger “entregou o serviço” cobrado pelo conservadorismo. (...)
E dá-lhe pedofilia por debaixo dos paramentos sacrossantos!
Sob a inspiração de Ratzinger, seu antecessor, João Paulo II, liquidou a rede de dioceses progressistas no Brasil, por exemplo. As pastorais católicas de forte presença no movimento de massas foram emasculadas em sua agenda “profana”. A capilaridade das comunidades eclesiais de base da igreja ficou restrita ao catecismo convencional e, naturalmente, à Nova Carismática e o nunca por demais esquecido Padre Marcelo Rossi (cruzes!).
Ratzinger recebeu o Anel do Pescador em 2005, no apogeu do ciclo histórico que ajudou a implantar. Durou pouco. Três anos depois, em setembro de 2008, as finanças do conservadorismo sofreriam um abalo do qual não mais se recuperaram. (...)
Fome, exclusão social, desolação juvenil não são mais ecos de um mundo distante. Formam a realidade cotidiana no quintal do Vaticano, em uma UE destroçada para a qual a Igreja Católica não tem mais nada a dizer há séculos. Sua tentativa de dar uma dimensão terrena ao credo conservador perdeu qualquer sentido perante a crise social devastadora.
Será lembrado (ou esquecido) como o Papa dos ricos e pedófilos.
Vade retro!
Ou melhor: já vai tarde.
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013
ESPAÇO AÉREO DE PORTO ALEGRE
O espaço aéreo de Porto Alegre sempre foi foco de atenção, expectativas e encantos.
Em agosto de 1961, durante os momentos mais críticos da Campanha pela Legalidade, que impediu o golpe militar que só ocorreria em março de 1964, olhava-se para o céu de Porto Alegre com grande aflição. Notícias desencontradas davam conta de um provável bombardeio ao centro da cidade, ao Palácio Piratini e arredores, onde a população armada pelo Governador Brizola transitava, disposta à luta. O bombardeio não veio, sabe-se hoje, graças a uma heróica resistência de militares gaúchos na Base Aérea de Canoas.
Antes, em 1923, os céus de Porto Alegre já haviam assistido gaúchos rumando para bombardear gaúchos, quando aviões do governador Borges de Medeiros atacaram forças de Assis Brasil, na chamada Revolução Assisista.
Hoje, felizmente, não se observam vôos de guerra mas, o espaço aéreo de Porto Alegre ainda apresenta seus mistérios.
Por exemplo: é conhecida de todos a presença de uma perigosa gang de papagaios na cidade.
Todos os dias eles partem da Praça da Alfândega, cruzam o centro histórico e se jogam debochadamente nas árvores do Parque Farroupilha (Redenção). Passam o dia por lá, matraqueando o tempo todo, discutindo política, a situação da dupla Grenal e, claro, falando das papagaias. À tardinha, retornam barulhentos para as Árvores da Praça da Alfândega e adjacências, onde fazem amor despudoradamente e dormem com as últimas luzes da cidade.
Já as centenas de pombos, mais antigos, são presença obrigatória em qualquer fotografia tirada na Praça Montevideo e do Mercado Público. E não adianta reclamar e pedir que se retirem pois, estranhamente, eles se sentem mais donos da cidade do que qualquer outro porto-alegrense.
Dia desses, um filhote apareceu no “fumódromo” localizado no 12º andar do prédio onde trabalho. Nasceu com a pata atrofiada e, sem poder voar, foi abandonada pela mãe. Foi adotada pelos freqüentadores daquele antro de perdição. Cuidamos dele com zelo, água, pão e carinho, talvez porque fumante saiba bem o que é ser discriminado. Duas semanas depois, crescido, ele finalmente conseguiu voar e se foi a povoar nosso céu, o que provou duas coisas: fumante também tem coração e pombinhas são mal agradecidas, pois se foi sem nem dizer adeus.
Porém, existem novidades nos céus de Porto Alegre.
Recentemente um casal de abutres aderiu ao cenário.
Esqueça o urubu, aquele bicho sinistro. Esses são abutres altivos, orgulhosos, cabeças erguidas e ar solene. Voam com estilo e olham pombos, papagaios e pessoas, literalmente de cima. Dão vôos longos (acho que apostam quem chega primeiro a próxima nuvem), descrevem curvas sinuosas e largas. Um menino e uma menina. Únicos. Sem bando. Provavelmente personagens de um amor não compreendido entre os abutres, que resolveram abandonar tudo, menos um ao outro e escolheram Porto Alegre como sua Verona.
Os biólogos e urbanistas não sabem explicar, pois não tem sentido biológico o que os dois fazem aqui. Fui um dos primeiros, mesmo antes dos jornais, a percebê-los enquanto queimava a vida no fumódromo aquele. Inclusive quando dei a notícia exultante, recebi frieza e ainda fui acusado de estar fumando outra coisa além do cigarro lá no12. Tudo bem, dessa vez eles estavam errados, mas não guardo rancor.
Tudo isso somado à presença inexplicável de alguns pequenos gaviões perdidos (provavelmente bêbados) fazem do espaço aéreo de Porto Alegre, moldurado pelo Guaíba que cerca a cidade como um caminho de prata brilhante, um espaço de encantos e de mistérios. Enquanto cidadãos apressados arrastam suas rotinas sem tempo de erguerem os olhos aos céus, seres alados, de outros tempos e de outros espaços, trazem beleza à vida, até mesmo de fumantes.
Prof. Péricles
segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013
A TRAGÉDIA DE SANTA MARIA
Dizem, na Sala dos Professores, que ensinar é um fato compartilhado e que quando transferimos conhecimento, um pouco de nós passa a fazer parte de quem conosco aprendeu.
Essa afirmação é totalmente procedente e ao longo de nossa carreira aprendemos ser impossível ensinar sem aprender junto, assim como é impossível educar sem doar uma boa parte de si mesmo.
Sendo isso verdadeiro, uma boa parte de mim morreu em Santa Maria na madrugada do dia 27 desse mês de janeiro.
Foram muitos os ex-alunos de pré-vestibular incluídos entre as vítimas da tragédia da boate Kiss.
Diante de tanta dor que vitimou tantos jovens e sabendo que muitos levaram consigo um pouco de nós, nos perguntamos se não é uma ilusão a morte por inteira e se na verdade não morremos por partes.
Se pedaços inteiros partiram, não partimos também?
O mesmo, evidentemente, ocorre com os pais, os primeiros e principais educadores de seus filhos.
Quando começamos a morrer de fato? Certamente antes, bem antes do nosso último suspiro.
Morremos, talvez nas pequenas tragédias do dia a dia, as vezes imperceptíveis, assim como nos grandes holocaustos como esse do dia 27.
Mas também renascemos. Talvez viver seja apenas uma continuidade infinita de mortes e renascimentos.
Fiquei com a sensação que o Brasil renasceu também nesse dia.
Milhões de pessoas, em todos os quadrantes desse país, foram capazes de sofrer e de chorar por pessoas que jamais conheceram pessoalmente.
Se somos capazes de sofrer sem segundas intenções e se somos capazes de chorar sem com isso negociar recompensas futuras, é porque, apesar de tudo, das crises econômicas, políticas, sociais, morais, midiáticas, etc, apesar de tudo isso, ainda não perdemos a nossa humanidade.
Deu para perceber que morremos por parte e em cada parte, formando uma só unidade. No altruísmo da dor renascemos como pais, mães, amigos, colegas.
E aí está mais uma verdade discutida nas Salas dos Professores: quem ensina é o primeiro a aprender e nossos jovens acabaram expondo esse Brasil renascido. Aprendemos também.
Dos nosso alunos que partiram restou a certeza de ter valido à pena cada parte doada.
Aos seus pais cuja dor intensa é imensurável, a certeza de que é necessária a resignação para poder continuar, sempre lembrando que resignar não implica em não sofrer, mas sim acreditar que tudo isso, um dia, fará sentido.
Dizem os poetas que, quando damos flores o melhor do perfume fica em nossas mãos.
Da mesma forma, quando produzimos filhos ao mundo ficamos eternamente com o brilho de seus sonhos.
Prof. Péricles
Essa afirmação é totalmente procedente e ao longo de nossa carreira aprendemos ser impossível ensinar sem aprender junto, assim como é impossível educar sem doar uma boa parte de si mesmo.
Sendo isso verdadeiro, uma boa parte de mim morreu em Santa Maria na madrugada do dia 27 desse mês de janeiro.
Foram muitos os ex-alunos de pré-vestibular incluídos entre as vítimas da tragédia da boate Kiss.
Diante de tanta dor que vitimou tantos jovens e sabendo que muitos levaram consigo um pouco de nós, nos perguntamos se não é uma ilusão a morte por inteira e se na verdade não morremos por partes.
Se pedaços inteiros partiram, não partimos também?
O mesmo, evidentemente, ocorre com os pais, os primeiros e principais educadores de seus filhos.
Quando começamos a morrer de fato? Certamente antes, bem antes do nosso último suspiro.
Morremos, talvez nas pequenas tragédias do dia a dia, as vezes imperceptíveis, assim como nos grandes holocaustos como esse do dia 27.
Mas também renascemos. Talvez viver seja apenas uma continuidade infinita de mortes e renascimentos.
Fiquei com a sensação que o Brasil renasceu também nesse dia.
Milhões de pessoas, em todos os quadrantes desse país, foram capazes de sofrer e de chorar por pessoas que jamais conheceram pessoalmente.
Se somos capazes de sofrer sem segundas intenções e se somos capazes de chorar sem com isso negociar recompensas futuras, é porque, apesar de tudo, das crises econômicas, políticas, sociais, morais, midiáticas, etc, apesar de tudo isso, ainda não perdemos a nossa humanidade.
Deu para perceber que morremos por parte e em cada parte, formando uma só unidade. No altruísmo da dor renascemos como pais, mães, amigos, colegas.
E aí está mais uma verdade discutida nas Salas dos Professores: quem ensina é o primeiro a aprender e nossos jovens acabaram expondo esse Brasil renascido. Aprendemos também.
Dos nosso alunos que partiram restou a certeza de ter valido à pena cada parte doada.
Aos seus pais cuja dor intensa é imensurável, a certeza de que é necessária a resignação para poder continuar, sempre lembrando que resignar não implica em não sofrer, mas sim acreditar que tudo isso, um dia, fará sentido.
Dizem os poetas que, quando damos flores o melhor do perfume fica em nossas mãos.
Da mesma forma, quando produzimos filhos ao mundo ficamos eternamente com o brilho de seus sonhos.
Prof. Péricles
quarta-feira, 16 de janeiro de 2013
O SOLDADO BRADLEY MANNING
O soldado Bradley Manning pode, finalmente, falar publicamente em sua defesa, em uma audiência preliminar ao conselho de guerra a que será submetido esse ano. Manning é a suposta fonte do maior vazamento de inteligência na história dos Estados Unidos. Ele trabalhava como analista de inteligência no Exército dos Estados Unidos e tinha acesso á informação ultra-secreta, foi enviado ao Iraque. Em abril de 2010, Wikileaks publicou um vídeo onde um helicóptero Apache, das Forças Armadas estadunidenses, dispara contra uma dezena de civis.
Um mês depois da publicação do vídeo, Manning foi preso no Iraque e acusado de ter vazado o vídeo e outras centenas de milhares de documentos. Assim começou seu calvário de encarceramento em confinamento solitário, em condições cruéis e degradantes que muitos sustentam equivaler à tortura, desde sua detenção no Kuwait até os meses de detenção na base militar Quantico, na Virgínia, Estados Unidos.
O advogado constitucionalista de longa trajetória, Michael Ratner, encontrava-se na sala de audiências em Fort Meade, Maryland, no dia em que Manning prestou seu depoimento. Ratner descreveu a cena: “Foi uma das cenas mais dramáticas que já vi em uma sala de audiências. Quando Bradley começou a falar não estava nervoso. Seu testemunho foi extremamente comovedor, realmente emotivo para todos nós, mas especialmente, como é evidente, para o próprio Bradley pelo que teve que suportar. Foi terrível o que aconteceu em dois anos, mas ele descreveu tudo com riqueza de detalhes, de um modo eloqüente, inteligente e consciente”.
Ratner disse que Manning descreveu como ficou detido em uma jaula no Kuwait: “Havia duas jaulas. Disse que eram como jaulas para animais. Estavam sob uma tenda, só estas duas jaulas, uma ao lado da outra. Uma delas continha alguns dos pertences de Manning, na outra, onde ele estava, havia uma pequena cama, uma estante e um vaso sanitário. Ele permaneceu nesta jaula escura durante quase dois meses. Ele foi retirado dela por curto espaço de tempo e depois, sem dar explicações, voltaram a colocá-lo na jaula (...) Bradley disse sobre esse período: “Creio que perdi a noção do tempo. Não sabia se era dia ou noite. Meu mundo se tornou muito pequeno. Converteu-se nessas duas jaulas”. Ratner acrescentou: “Isso quase o destruiu”.
Depois de sua detenção no Kuwait, Manning foi transferido para uma base militar em Quantico. Seu advogado, David Coombs, disse: “O modo pelo qual trataram Brad em Quantico ficará gravado para sempre na história de nosso país como um momento lamentável. Não foi somente estúpido e contraproducente. Foi criminoso.
Bradley contou como era estar nessa cela, na qual deve dormir em uma pequena cama, com uma luz frontal apontada na sua direção, que deixavam acesa para poder observá-lo. Se ele se movia para evitar a luz iam acordá-lo. Isso acontecia pela noite. Durante o dia, passava de 23 a 23 horas e meia na cela. Às vezes, tinha 20 minutos do que chamavam de “exercício ao sol”, o que não é nada. O que ele podia fazer? Porque supostamente está em serviço, devendo ou estar em pé ou sentado nesta cama de metal com os pés no solo e sem poder apoiar-se em nada. Isso durante 10 ou 15 horas por dia, o que deve se chamar de privação dos sentidos”.
O relator especial das Nações Unidas sobre a tortura, Juan Méndez, tentou visitar Manning, mas acabou se negando quando as forças armadas disseram que iriam vigiar e gravar a visita. Méndez informou: “A detenção em confinamento solitário é uma medida severa que pode provocar grave dano psicológico e fisiológico aos indivíduos, independentemente de sua situação específica”.
Os oficiais do exército descreverem o tratamento cruel aplicado a Manning como necessário, devido ao fato de que, segundo afirmaram, havia risco de que ele tentasse o suicídio. No entanto, o capitão da Marinha, William Hocter, um psiquiatra forense de Quantico, disse que não existia tal risco, mas que não o escutaram. “Sou médico chefe há 24 anos e nunca vi algo igual”, declarou Hocter. “Estava claro que estavam decididos a tomar um determinado curso de ação e pouco importavam minhas recomendações”.
A primeira etapa do conselho de guerra, que Coombs denomina “a etapa das moções de castigo ilícito antes do julgamento”, considerou uma moção da defesa pedindo o fim do caso. Embora seja improvável que isso aconteça, aqueles que seguem o caso sustentam que a defesa solicitou, como alternativa, que o conselho de guerra considere reduzir a pena de Manning resultante do julgamento a uma razão de dez dias por cada dia que teve que suportar o trato cruel e degradante no Kuwait e em Quantico, o que, em tese, poderia significar uma redução de seis anos em sua condenação à prisão.
Manning é acusado de vazar uma série de documentos para Wikileaks, que incluem o vídeo do massacre de Bagdá, duas grandes séries de documentos relacionados com os registros militares estadunidenses das guerras do Iraque e do Afeganistão e, talvez o mais importante, o vazamento de mais de 250 mil telegramas do Departamento de Estado dos EUA, conhecida como “Cablegate” (em referência a Watergate). Após uma avaliação realizada em agosto de 2010, o então Secretário de Defesa, Robert Gates, sustentou que a publicação dos documentos “não revelou fontes nem métodos de inteligência importantes”.
Ele concordou em se declarar culpado pelo vazamento dos documentos, mas não pelas acusações mais graves de espionagem e nem de ter ajudado o inimigo.
Bradley Manning completou 25 anos dia 17 de dezembro na prisão, data que também marcou o segundo aniversário da morte do jovem tunisiano que se imolou em protesto contra o governo corrupto de seu país, dando início à Primavera Árabe. Há um ano, quando a revista Time nomeou o “manifestante”, em termos genéricos, como Personagem do Ano, o lendário informante dos Documentos do Pentágono, Daniel Ellsberg, elogiou essa decisão em uma declaração que também se aplica à realidade atual: “A capa da revista Time nomeia o manifestante, um manifestante anônimo, o “Personagem do Ano”, mas é possível colocar um rosto e um nome nesta foto do “Personagem do Ano”. O rosto estadunidense que apareceria nesta capa seria o do soldado Bradley Manning”.
Amy Goodman - Democracy Now
Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.
Tradução: Katarina Peixoto
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