domingo, 6 de janeiro de 2013

A VEJA E O ESCARAVELHO


Com a morte de Oscar Niemeyer aos 104 anos de idade ouviram-se vozes do mundo inteiro cheias de admiração, respeito e reverência face a sua obra genial, absolutamente inovadora e inspiradora de novas formas de leveza, simplicidade e elegância na arquitetura. Oscar Niemeyer foi e é uma pessoa que o Brasil e a humanidade podem se orgulhar.

E o fazemos por duas razões principais: a primeira, porque Oscar humildemente nunca considerou a arquitetura a coisa principal da vida; ela pertence ao campo da fantasia, da invenção e do lúdico. Para ele era um jogo das formas, jogado com a seriedade com que as crianças jogam.

A segunda, para Oscar, o principal era a vida. Ela é apenas um sopro, passageira e contraditória. Feliz para alguns mas para as grandes maiorias cruel e sem piedade. Por isso, a vida impõe uma tarefa que ele assumiu com coragem e com sérios riscos pessoais: a da transformação. E para transformar a vida e torná-la menos perversa, dizia, devemos nos dar as mãos, sermos solidários uns para com os outros, criarmos laços de afeto e de amorosidade entre todos. Numa palavra, nós humanos devemos aprender a nos tratar humanamente, sem considerar as classes, a cor da pele e o nível de sua instrução.

Isso foi que alimentou de sentido e de esperança a vida desse gênio brasileiro. Por aí se entende que escolheu o comunismo como a forma e o caminho para dar corpo a este sonho, pois, o comunismo, em seu ideário generoso, sempre se propôs a transformação social a partir das vítimas e dos mais invisíveis. Oscar Niemeyer foi um fiel militante comunista.

Mas seu comunismo era singular: no meu modo de ver, próximo dos cristãos originários, pois era um comunismo ético, humanitário, solidário, doce, jocoso, alegre e leve. Foi fiel a esse sonho a vida inteira, para além de todos os avatares passados pelas várias formas de socialismo e de marxismo.

Na medida em que pudemos observar, a grande maioria da opinião pública mundial, foi unânime na celebração de sua arte e do significado humanista de sua vida. Curiosamente a revista VEJA de domingo, dedica-lhe 10 belas páginas. Outra coisa, porém, é a revista VEJA online de 7 de dezembro com um artigo do blog do jornalista Reinado Azevedo que a revista abriga.

Ele foi a voz destoante e de reles mau gosto. Até agora a VEJA não se distanciou daquele conteúdo, totalmente, contraditório àquele da edição impressa de domingo. Entende-se porque a ideologia de um é a ideologia do outro. Pouco importa que o jornalista Azevedo, de forma confusa, face às críticas vindas de todos os lados, procure se explicar. Ora se identifica com a revista, ora se distancia, mas finalmente seu blog é por ela publicado.

Notoriamente, VEJA se compraz em desfazer as figuras que melhor mostram nossa cultura e que mais penetraram na alma do povo brasileiro. Essa revista parece se envergonhar do Brasil, porque gostaria que ele fosse aquilo que não é e não quer ser: um xerox distorcido da cultura norte-americana. Ela dá a impressão de não amar os brasileiros, ao contrário expõe ao ridículo o que eles são e o que criam. Já o titulo da matéria referente a Oscar Niemeyer da autoria de Azevedo, revela seu caráter viciado e malevolente: "Para instruir a canalha ignorante. O gênio e o idiota em imagens".

Seu texto piora mais ainda quando, se esforça, titubeante, em responder às críticas em seu blog do dia 8/12 também na VEJA online com um título que revela seu caráter despectivo e anti-democrático: "Metade gênio e metade idiota- Niemeyer na capa da VEJA com todas as honras! O que o bloco dos Sujos diz agora?" Sujo é ele que quer contaminar os outros com a própria sujeira de uma matéria tendenciosa e injusta.

O que se quer insinuar com os tipos de formulação usados? Que brasileiro não pode ser gênio; os gênios estão lá fora; se for gênio, porque lá fora assim o reconhecem, é apenas em sua terceira parte e, se melhor analisarmos, apenas numa quarta parte. Vamos e venhamos: Quem diz ser Oscar Niemeyer um idiota apenas revela que ele mesmo é um idiota consumado. Seguramente Azevedo está inscrito no número bem definido por Albert Einstein: "conheço dois infinitos: o infinito do universo e o infinito dos idiotas; do primeiro tenho dúvidas, do segundo certeza". O articulista nos deu a certeza que ele e a revista que o abriga possuem um lugar de honra no altar da idiotice.

O que não tolera em Oscar Niemeyer que, sendo comunista, se mostra solidário, compassivo com os que sofrem, que celebra a vida, exalta a amizade e glorifica o amor. Tais valores não cabem na ideologia capitalista de mercado, defendida por VEJA e seu albergado, que só sabe de concorrência, de "greed is good" (cobiça é coisa boa), de acumulação à custa da exploração ou da especulação, da falta de solidariedade e de justiça em nível internacional.

Mas não nos causa surpresa; a revista assim fez com Paulo Freire, Cândido Portinari, Lula, Dom Helder Câmara, Chico Buarque, Tom Jobim, João Gilberto, frei Betto, João Pedro Stédile, comigo mesmo e com tantos outros. Ela é um monumento à razão cínica. Segue desavergonhadamente a lógica hegeliana do senhor e do servo; internalizou o senhor que está lá no Norte opulento e o serve como servo submisso, condenado a viver na periferia. Por isso tanto a revista quanto o articulista revelam um completo descompromisso com a verdade daqui, da cultura brasileira.

A figura que me ocorre deste articulista e da revista semanal, em versão online, é a do escaravelho, popularmente chamado de rola-bosta. O escaravelho é um besouro que vive dos excrementos de animais herbívoros, fazendo rolinhos deles com os quais, em sua toca, se alimenta. Pois algo semelhante fez o blog de Azevedo na VEJA online: foi buscar excrementos de 60 e 70 anos atrás, deslocou-os de seu contexto (ela é hábil neste método) e lançou-os contra Oscar Niemeyer. Ela o faz com naturalidade e prazer, pois, é o meio no qual vive e se realimenta continuamente. Nada de surpreendente, portanto.

Paro por aqui. Mas quero apenas registrar minha indignação contra esta revista, em versão online, travestida de escaravelho por ter cometido um crime lesa-fama. Reproduzo igualmente dois testemunhos indignados de duas pessoas respeitáveis: Antonio Veronese, artista plástico vivendo em Paris e João Cândido Portinari, filho do genial pintor Cândido Portinari, cujas telas grandiosas estão na entrada do edifício da ONU em Nova York e cuja imagem foi desfigurada e deturpada, repetidas vezes, pela revista-escaravelho.

De Leonardo Boff

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

MENINA DA ÍNDIA


Eu choro por ti, menina sem nome,

Menina que jamais vi embora te conheça por outras.

Eu choro pela violência da qual fosse vítima.

Pela dor impiedosa que te fizeram passar.

Eu choro por ti, filha da Índia, terra de Gandhi, que tanto lutou contra a violência.

Eu choro por ti, garota bonita, estudante de 23 anos, morta pela estupidez primitiva dos homens.

As aulas que assistias de medicina estarão mais vazias, sem ti.

O ônibus eternamente mais vazio e vagaroso.

Que direito tinham teus carrascos de tocarem teu corpo para apagarem teu sorriso e teus sonhos?

Eu choro por tantas outras meninas sem nome vítimas da mesma abominação, na Índia, na África, nos vários Brasis, e em todo o planeta.

Somos todos culpados, embora por ti, sejamos também as vítimas.

Consequências de uma sociedade subumana, subnutrida, sub-informada, sub-sensível.

Uma sociedade que permite que a mulher seja violada todos os dias de todas as formas.

Eu choro por ti menina da Índia e por nós todos filhos desse mundo de distância tão curta entre a razão e a bestialidade.

Chore por nós, menina da Índia, que morremos um pouco mais com tua morte.




Morreu dia 29 em um hospital de Cingapura, onde tinha sido levada para tratamento especializado, a jovem de 23 anos de idade, vítima de violência sexual na Índia.

Ela já havia passado por três cirurgias em Nova Déli antes de ser transferida para Cingapura. De acordo com os médicos, a causa da morte foi dada como falência múltipla dos órgãos causada por severos ferimentos ao corpo e ao cérebro além de hemorragia interna por introdução de uma barra de ferro.

Seu corpo deverá ser levado de volta para a Índia.

O ataque realizado no dia 16 de Dezembro desencadeou violentos protestos de rua na Índia.

Os líderes dos protestos afirmam que casos assim são comuns na Índia não havendo punição aos agressores.

Seis homens foram presos em conexão com o estupro e dois policiais foram suspensos.
A equipe do Hospital Mount Elizabeth, em Cingapura, onde a jovem estava internada, disse que ela ”faleceu em paz”, neste sábado, tendo sua família a seu lado.

Seu quadro era extremamente delicado, ela sofrera uma parada cardíaca, uma infecção no pulmão e no abdômen, além de dano cerebral.

Ela havia pegado um ônibus com seu amigo na região de Dwarka, no sudoeste de Nova Delhi. Dentro do ônibus ela foi violentada durante uma hora por diversos homens (no mínimo 6, incluindo o motorista). Depois, ela e o amigo foram lançados para fora do ônibus nus e com o veículo em movimento.

Somente neste ano, mais de 630 casos de estupro já foram registrados em Nova Delhi, conhecida no país como “capital do estupro”.


Prof. Péricles

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

ORAÇÕES DO ANO NOVO



Saudamos o ano novo com as orações de Frei Betto:


Pai-nosso que estais no céu,
e sois nossa Mãe na Terra,
amorosa orgia trinitária,
criador da aurora boreal e dos olhos enamorados
que enternecem o coração.
Senhor avesso ao moralismo desvirtuado
e guia da trilha peregrina das formigas do meu jardim,

Santificado seja o vosso nome
gravado nos girassóis de imensos olhos de ouro,
no enlaço do abraço e no sorriso cúmplice,
nas partículas elementares e na candura da avó ao servir sopa.

Venha a nós o vosso Reino
para saciar-nos a fome de beleza
e semear partilha onde há acúmulo,
alegria onde irrompeu a dor,
gosto de festa onde campeia desolação,

Seja feita a vossa vontade
nas sendas desgovernadas de nossos passos,
nos rios profundos de nossas intuições,
no vôo suave das garças e no beijo voraz dos amantes,
na respiração ofegante dos aflitos
e na fúria dos ventos subvertidos em furacões,

Assim na Terra como no céu,
e também no âmago da matéria escura
e na garganta abissal dos buracos negros,
no grito inaudível da mulher aguilhoada
e no próximo encarado como dessemelhante,
nos arsenais da hipocrisia
e nos cárceres que congelam vidas.

O pão nosso de cada dia nos dai hoje,
e também o vinho inebriante da mística alucinada,
a coragem de dizer não ao próprio ego,
o domínio vagabundo do tempo,
o cuidado dos deserdados e o destemor dos profetas,

Perdoai as nossas ofensas e dívidas,
a altivez da razão e a acidez da língua,
a cobiça desmesurada e a máscara a encobrir-nos a identidade,
a indiferença ofensiva e a reverencial bajulação,
a cegueira perante o horizonte despido de futuro
e a inércia que nos impede fazê-lo melhor,

Assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido
e aos nossos devedores, aos que nos esgarçam o orgulho
e imprimem inveja em nossa tristeza de não possuir o bem alheio,
e a quem, alheio à nossa suposta importância,
fecha-se à inconveniente intromissão,

E não nos deixeis cair em tentação
frente ao porte suntuoso dos tigres de nossas cavernas interiores,
às serpentes atentas às nossas indecisões,
aos abutres predadores da ética,

Mas livrai-nos do mal,
do desalento, da desesperança, do ego inflado
e da vanglória insensata, da dessolidariedade
e da flacidez do caráter,
da noite desenluada de sonhos
e da obesidade de convicções inconsúteis.


Ave Maria grávida das aspirações de nossos pobres,
o Senhor é convosco,
bendita sois vós entre os oprimidos,
benditos os frutos de libertação do vosso ventre.

Santa Maria, mãe latino-americana
rogai por nós, para que confiemos no Espírito de Deus,
agora que o nosso povo assume a luta por justiça
e na hora de realizá-la em liberdade,
para um tempo de paz.

Amém!

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

SOMOS TODOS ASTRONAUTAS



Viajando nessa nave incansável, no seu rodopiar maluco sobre sua estrela e sobre si mesma, somando dias, contando tempo e envelhecendo pois faz parte do ensinamento.

Alguns sem enxergar além de seu umbigo, não se importam além dos seus interesses não ousam nem acrescentam.

Outros se endureceram, mas não perderam a ternura jamais acreditando num futuro mais cúmplice.

Há os que percebem o real sentido de sua viagem e buscam escalar os seus mais loucos sonhos, como desbravadores, pioneiros em terras desconhecidas. Também tem os que preferem o recolhimento sobre si mesmo, o recesso do indefinido apostando apenas no concreto, que na verdade, na verdade, é mais inconstante que o grão de areia no deserto.

Muitas vezes o olhar queimado pelas fogueiras das horas que a tudo aniquila, se recolhe entre as estrelas e o questionamento do significado da vida desponta com desapontamento. Mas, nem por isso na primeira madrugada tudo deixa de reiniciar afoito quando até fazemos amor, alguns como famintos e desesperados, outros porém fartos e saciados.

Somos meninos e meninas viajantes de uma estrada cujas curvas são apenas miragens. Rumamos para o infinito, cada um com sua máscara preferida. Há princesas e príncipes, guerreiros e covardes, e também mendigos e loucos mambembes donos de calçadas. Existem as bruxas e os fantasmas, existem reis, as baronesas, os sem terra e os sem consciência.

No grande carnaval da vida, todos querem experimentar todas as máscaras, mas poucos, vão além da primeira experiência.

E juntos, nesse momento de aparente recomeço nos juramos melhores daqui pra frente. Puro engano, pois só se melhora por dentro e com tempo, e não na simples troca de roupa dos anos, como por encanto.

Somos astronautas voando juntos pelo cosmos. Tolos nem mesmo nos conhecemos preferindo o isolamento de nossos casulos. Não nos curtimos, não nos sorrimos, não trocamos poesia nem brincamos de esconde-esconde, muito menos nos amamos, e quando amamos queremos a propriedade com papel passado, testemunha e tudo.

Somos astronautas num louco vôo de mariposa que busca a luz, mesmo sendo ela nosso final de vôo.

Que em 2013 todos os amigos que nos prestigiaram tenham tempo e vontade para tecer planos de crescimento humano como a aranha tece a teia, pois na verdade estamos todos interligados e somos um, e não milhões.

Sejamos mais serenos e mais fraternos. Que a sensibilidade nos permita o choro, pois só não chora quem nunca viveu de verdade.

Desejo a todos, muitos banhos de chuva, muito cheiro de terra molhada nas narinas, muitos amores mesmo que dêem em nada. Muitas risadas de piadas idiotas e tempo jogado fora com os amigos. Desejo muitos e muitos atrasos no serviço devido o excesso de carinho e de amor com a pessoa amada.

Que tenhamos no olhar a inocência das crianças, e que realmente nos importe a felicidade alheia, e que nos comova a dor dos outros.

FELIZ 2013, e muito obrigado por sua companhia.

Prof. Péricles

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

CHIMANGOS E MARAGATOS - FIM



A Revolução Federalista terminou com a vitória política e militar completa dos Chimangos Republicanos. O poder de Júlio de Castilhos não sofreria mais contestações.

As lideranças maragatas foram duramente perseguidas e, muitos acabaram mortos ou se exilando no Uruguai.

Júlio de Castilhos se manteria no poder até 1898, ano em que abandonou a vida política, tendo o cuidado, entretanto, de assegurar a posse de seu sucessor Borges de Medeiros (foto).

Borges de Medeiros governaria o Estado por trinta anos (até 1928) tendo apenas um pequeno lapso fora do poder entre 1909 e 1913.

Durante o governo de Borges de Medeiros o Rio Grande do Sul se consolidou com 3ª maior oligarquia nacional. Embora nenhum gaúcho chegue à presidência da República (Hermes da Fonseca, nascido em São Gabriel e Presidente entre 1910 e 1914 não representava o grupo gaúcho), o estado era uma espécie de eminência parda no poder, representado por Pinheiro Machado, senador de livre Trânsito no poder.

Apesar da sincronia com o poder federal o estado permaneceu sendo predominantemente positivista, ao contrário do restante do país de características liberais.

Nos anos que se seguiram o Brasil e o Rio Grande do Sul conheceriam mudanças importantes, principalmente a partir da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Nesse período, envolvida em combates, a Europa diminuiria drasticamente sua produção industrial de bens, abrindo espaço para o crescimento industrial em outros pontos da terra. Um desses pontos foi o Brasil.

A indústria que surgiu aqui era uma indústria simples, de bens de consumo (diferentemente da indústria de base da Era Vargas), e em dois estados houve possibilidades reais para o seu crescimento: São Paulo graças ao acúmulo de capital e infraestrutura gerado pelo café e o Rio Grande do Sul, por sua visão positivista favorável a esse tipo de economia.

O estado gaúcho vê surgir as primeiras metalúrgicas (Bertha) e indústrias de bens (Wallig e Renner). Cresce a população urbana composta por operários da indústria e diversifica-se o comércio.

Porém, o Rio Grande do Sul ainda é um estado governado pelos mesmos setores que haviam vencido a Revolução Federalista, representados por Borges de Medeiros. Estes novos estamentos sociais não encontram no velho caudilho, qualquer representatividade. Por isso, irão se apoiar numa figura que representará as novas idéias, os novos tempos.

Essa figura será o veterano político Joaquim Francisco de Assis Brasil e o seu Partido Federalista.

Nas eleições de 1922, as forças que disputariam o governo do estado estavam claramente postadas: de um lado o PRR do eterno Borges de Medeiros e do outro Assis Brasil, representando as novas forças econômicas.

A campanha se desenrolou com extrema violência, sendo os partidários de Assis Brasil perseguidos, agredidos e alguns mortos.

Além de anti-democrática a vitória de Borges de Medeiros provocaria ainda, inúmeras acusações de fraude.

Os tambores da guerra voltaram a ser ouvidos nos Pampas e em todas as estâncias.

Os velhos maragatos iriam colocar novamente o lenço vermelho no pescoço, dando origem a uma segunda Revolução Federalista, a Revolução Assisista de 1923.

A 2ª Revolução Federalista ou Revolução Assisista iria transcorrer durante todo o ano de 1923, findando apenas com a assinatura do Pacto de Pedras Altas em 14 novembro daquele ano (foto).
Por esse pacto, Borges de Medeiros cumpriria seu mandato, mas seria afastado da vida política no final de 1928,
Isso possibilitaria ascensão de Getúlio Vargas como Presidente do Rio Grande do Sul, o que o lançaria, dois anos depois ao poder supremo da Presidência da República como líder da Revolução de 30.
Mas isso, já é outra história.


Prof. Péricles

domingo, 23 de dezembro de 2012

CHIMANGOS E MARAGATOS - OS MITOS (2)


Gumercindo Saraiva é considerado um dos maiores estrategistas da Revolução Federalista (1893/1895) ocorrida no Rio Grande do Sul. Certamente, o mais destacado militar entre os Maragatos.

Após uma batalha vencida pelos lenços vermelhos, Gumercindo, como estrategista que era, passou em revista o campo de batalha. Sozinho, no lombo de seu cavalo, percorreu o terreno onde se dera o entrevero, buscando entender melhor, o que fizera de correto e o que poderia ter sido feito melhor.

Um pouco além as forças dos Chimangos batia em retirada. Haviam perdido o confronto, mas ainda assim, levavam consigo alguns prisioneiros. Um desses prisioneiros, olhando para trás, reconhecendo a figura quase mítica de seu líder, exclamou, baixo, porém audível, “o general”!

Os Chimangos estancaram. Quem? O prisioneiro não repete, nega a informação involuntária, mas é tarde. Os federalistas já sabiam que, aquele senhor montado a cavalo, absolutamente sozinho, era Gumercindo Saraiva, caudilho responsável pela resistência e pelas vitórias maragatas.

Fiel ao ódio e a total falta de cavalheirismo, que caracterizaram aquele conflito, um atirador de elite foi enviado o mais próximo possível do homem a cavalo. Na distância de um tiro, o soldado chimango fez pontaria, calma e demoradamente e então, disparou.

O projétil atingiu Gumercindo no abdômen. Ele se curvou para a frente, mas agarrou a crina de sua montaria, e não caiu. Enquanto o atirador se afastava, feliz e sorrateiro, Gumercindo foi alcançado por suas ordenanças. O pânico se estabeleceu. O ferimento era gravíssimo.

Sendo a estratégia federalista (maragatos), o deslocamento constante, para evitar o certo dos republicanos (chimangos), em número muito maior, ao meio da tarde já se encontravam longe de onde acontecera a batalha, Gumercindo perdia muito sangue e também a consciência. Ao cair da noite, entre revoltados e desesperados, seus homens perceberam que o Patrão Velho chamava o velho caudilho para os Pagos celestes. Gumercindo Saraiva estava morto.

Seu corpo foi enterrado numa cova à beira da estrada, em local não identificado. Foi coberto com terra entre soluços disfarçados de seus guerrilheiros (pois Maragato não chora), que inconscientemente percebiam que a guerra estava sendo perdida ali. Em seguida, partiram como o General teria ordenado, mas agora, numa montaria muito mais solitária, acompanhada apenas, pelo clarão da lua. Não puderam nem mesmo colocar uma cruz na sepultura improvisada, para não chamar a atenção do inimigo.

O inimigo, aliás, reforçado por outras tropas, chegou logo no primeiro canto do Quero-Quero naquele ponto da estrada. Seguiam a pista deixada pelos cavalos dos maragatos, e sabiam do grave ferimento de seu comandante. Olhos atentos em qualquer indício de parada, ou movimento estranho. Foi então que um batedor percebeu a terra remexida, no início de uma curva.

Excitados pela possibilidade do que poderiam encontrar, desenterraram a cova, com as próprias mãos. Ao retirar o último punhado de terra que recobria o rosto do morto, urraram de prazer.

Impulsos cruéis levaram a que se decapitasse a cabeça do defunto, que foi, em seguida, colocada numa caixa de chapéu. Um emissário, usando o mais rápido cavalo disponível, voou para Porto Alegre. Missão: entregar a carga macabra ao Presidente do estado e líder máximo republicano: Júlio de Castilhos. Em dois dias no lombo do tordilho o mensageiro atinge o Palácio governamental.

A coisa que Júlio de Castilhos mais queria, era saber da prisão ou morte de Gumercindo Saraiva, ciente do seu valor como líder militar e estrategista. Porém, Júlio de Castilhos, jornalista e político positivista, não pertencia às batalhas, dirigidas pelo seu estado-maior. Não se contaminara pela barbárie e pelo sadismo daquela guerra. Sua civilidade estava intacta. Por isso, longe de se rejubilar com o “presente”, se horrorizou diante da visão bestial e jogou para distante a caixa com a cabeça, já em decomposição. Em seguida, recuperado do susto, ordenou a seu secretário que levasse dali aquele inominável “troféu” e o enterrasse com todo o respeito que o falecido merecia.

A partir daqui, os fatos se confundem com as lendas. A cabeça do comandante, jamais foi enterrada, ou se foi, o local de seu repouso, jamais foi revelado. Dizem os velhos guerreiros que Gumercindo ressurgiu da morte devido à grave ofensa que seu corpo insepulto sofrera. Dizem os sobreviventes daqueles tempos de ódio, que Gumercindo Saraiva vaga pelas noites de Porto Alegre, procurando sua cabeça e vingança.

Por isso, forasteiro, observe o silêncio das ruas do centro antigo. Da Duque de Caxias ao Mercado Público. Da Praça D. Feliciano ao Gasômetro. Na Riachuelo (Rua da Ponte), na General Câmara (Rua do Ouvidor), na Caldas Júnior ou na Borges de Medeiros. Se a sensação de ser observado acelerar teu coração, ou se um arrepio, sem motivo aparente, percorrer a tua espinha...evite olhar para trás. Se o fizer, talvez veja, entre as brumas noturnas que vem do Guaíba, um homem, com um chapéu na mão e encoberto por um velho ponche. Não estranhe se ele estiver sem cabeça. Nesse caso, não corra, nem grite. Faça a saudação dos maragatos e tente seguir o seu caminho... talvez consiga.

Prof. Péricles
Texto postado no Blog em 04/2011