Sendo o homem um ser gregário e entendendo o consumo das drogas como uma necessidade para preencher vazios, fácil é a conclusão que, a incapacidade humana em criar uma sociedade justa, sem excluídos, pode ser apontada como uma das principais causas do uso abusivo de drogas.
Há 7 mil anos atrás o homem já consumia o álcool, seja como cerveja (Egito) ou como vinho (Europa meridional) conhecido como a “dádiva de todos os deuses”.
Há mais de 6 mil anos os Sumerianos utilizavam a papoula (uma flor de onde se extrai o ópio) como a “planta da alegria”, que traduzia o contato com os deuses.
Quase na mesma época o povo Cita queimava a maconha (cânhamo) em pedras aquecidas e inalavam os vapores dentro de suas barracas ou tendas.
Já em nossa era, aproximadamente no ano 1500, o cactus peyote (de substância alucinógena) era utilizado em cerimônias religiosas na América, enquanto o ópio (base da morfina e da heroína) era cultivado livremente por camponeses, como fonte de alívio de sua realidade sofredora. Na mesma época os espanhóis utilizavam as drogas alucinógenas como uma forma de auto-castigo, pois, para este povo (os espanhóis) droga significa “demônio”.
O consumo de ópio foi fartamente incentivado na Guerra Civil Americana (1860-1865), utilizado também para fornecer alívio à dolorosa vida dos soldados.
Nesse mesmo século (XIX) os ingleses utilizam a proibição do consumo do ópio por parte do governo chinês para declarar guerra a esse povo, invadir o país, e, claro, liberar o consumo da droga aos chineses (embora fosse proibido na Inglaterra).
Na década de 20, depois da I Guerra Mundial (onde, aliás, o consumo de morfina foi indiscriminado), os Estados Unidos instalam a “Lei Seca”, simplesmente proibindo o consumo de bebidas alcoólicas no país. O consumo não só continuou existindo como ainda gerou um mercado negro que faturou, em estimativas moderadas, cerca de 200 bilhões de dólares, controlado por gangster como o famigerado Al Capone.
Na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) prosperou o consumo de anfetaminas para combater a fadiga, não só entre militares, como também entre a população civil.
Barbitúricos/hipnóticos, como por exemplo, o Gardenal, tiveram seu auge a partir dos anos 50. “Viva Melhor Com A Química” era o apelo de marketing usado pelos laboratórios.
Já a década de 60 conheceu o apogeu do LSD (ácidolicérgico). Muitos defenderam em debates televisivos o seu consumo para, entre outros benefícios, possibilitar a entrada da mente em novas dimensões da realidade (mais ou menos como se imaginava o peyote).
Também na década de 60, mas principalmente na década de 70, ocorreu uma vertiginosa proliferação do uso da cocaína e de drogas sintéticas (além do LCD) como o Ecstasy.
Atualmente, derivados de cocaína, como o crack e a merla são as drogas predominantes, mas, percebe-se um crescimento muito significativo da produção e consumo das drogas sintéticas (feitas em laboratório).
O maior produtor mundial de ópio é o Afeganistão, de cocaína a Colômbia e a Bolívia, de maconha o Paraguai e drogas sintéticas os países desenvolvidos como os Estados Unidos.
Prof. Péricles
quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
domingo, 15 de janeiro de 2012
MERCADO DE VAIDADES
Talvez você já conheça a história:
Há alguns anos atrás nas Olimpíadas Especiais de Seatle, nove participantes, todos com deficiência mental ou física, alinharam-se para a largada da corrida dos 100 metros rasos.
Ao sinal, todos partiram, não exatamente em disparada, mas com vontade de dar o melhor de si, terminar a corrida e ganhar. Todos, com exceção de um garoto, que tropeçou no asfalto, caiu rolando e começou a chorar.
Os oito ouviram o choro. Diminuíram o passo e olharam para trás. Então eles viraram e voltaram. Todos eles.
Uma das meninas com Síndrome de Down, ajoelhou, deu um beijo no menino e disse:
- Pronto, agora vai sarar.
E todos os nove competidores deram os braços e andaram juntos até a linha de chegada.
O estádio inteiro se levantou e os aplausos duraram muitos minutos. E as pessoas que estavam ali, naquele dia, continuam repetindo a história até hoje.
Talvez os atletas fossem deficientes mentais.
Mas, com certeza não eram deficientes de sensibilidade.
Por quê? Porque, lá no fundo, todos nós sabemos que o que importa nesta vida é mais do que ganhar sozinho.
O que importa nesta vida é ajudar os outros a vencer, mesmo que isso signifique diminuir o passo e mudar de curso.
Precisamos, com urgência, usar o direito à rebeldia e à subversão diante do sistema que criou a lenda do "primeiro", do "único", da idéia de que fora do primeiro lugar não existe vida.
Tudo no capitalismo envolve a cultura de ser o vencedor, de ser o máximo. Ter as melhores jóias, o melhor emprego, o carro mais avançado, a mulher (vista como objeto) mais bela. Ostentar pois a ostentação implica em ter posse e em provocar respeito.
Uma vida em que ter é infinitamente mais importante do que ser.
Todos os passos do capitalismo levam à comparação, ao culto do vencedor e da exclusão do perdedor.
É belo ser um vencedor. É feio, decrepto, ser um perdedor.
Logo na infância aprendemos isso.
Tudo o que nos dizem possui uma forte conotação de elogio ou de censura. Aprendemos que temos que ser os melhores. Logo buscamos agradar para receber a recompensa/elogio. Essa "coleção" do que pensam de nós forma o que chamamos de ego. Nos tortura a censura, o ato envergonhado. Em pouco tempo vivemos em função das opiniões dos outros sobre nós e não sobre o que realmente queremos acreditamos que somos ou gostaríamos de ser.
Em pouco tempo a nossa vaidade torna-se nosso guia.
Os elogios são substituídos por melhores salários, pelo título de doutor.
Fazemos o que causa mais admiração aos outros, o que provoca mais “inveja” aos outros. Vivemos segundo os outros. Temos que ser melhores. Temos que ter mais.
O capitalismo criou a egolatria.
Assim como no mercado as empresas competem e, buscam conquistar o mercado e garantir consumidores. Assim como o consumo determina os investimentos e por isso novos antigripais possuem muito mais recursos para pesquisa do que remédios para o mal de Aizeimer, nós reproduzimos toda essa louca concorrência em nossas vidas, determinando a nossa individualidade.
Dar as mãos, só se houver “publicidade”.
Ceder o primeiro lugar... jamais.
Por isso o gesto das Olimpíadas Especiais de Seatle causou tanta comoção.
Por isso ela é lembrada até hoje...
Porque definitivamente o que os jovens fizeram foi, revolucionário.
Foi subversivo à ordem capitalista e contrário aos ditames da vaidade capitalista.
Prof. Péricles
Há alguns anos atrás nas Olimpíadas Especiais de Seatle, nove participantes, todos com deficiência mental ou física, alinharam-se para a largada da corrida dos 100 metros rasos.
Ao sinal, todos partiram, não exatamente em disparada, mas com vontade de dar o melhor de si, terminar a corrida e ganhar. Todos, com exceção de um garoto, que tropeçou no asfalto, caiu rolando e começou a chorar.
Os oito ouviram o choro. Diminuíram o passo e olharam para trás. Então eles viraram e voltaram. Todos eles.
Uma das meninas com Síndrome de Down, ajoelhou, deu um beijo no menino e disse:
- Pronto, agora vai sarar.
E todos os nove competidores deram os braços e andaram juntos até a linha de chegada.
O estádio inteiro se levantou e os aplausos duraram muitos minutos. E as pessoas que estavam ali, naquele dia, continuam repetindo a história até hoje.
Talvez os atletas fossem deficientes mentais.
Mas, com certeza não eram deficientes de sensibilidade.
Por quê? Porque, lá no fundo, todos nós sabemos que o que importa nesta vida é mais do que ganhar sozinho.
O que importa nesta vida é ajudar os outros a vencer, mesmo que isso signifique diminuir o passo e mudar de curso.
Precisamos, com urgência, usar o direito à rebeldia e à subversão diante do sistema que criou a lenda do "primeiro", do "único", da idéia de que fora do primeiro lugar não existe vida.
Tudo no capitalismo envolve a cultura de ser o vencedor, de ser o máximo. Ter as melhores jóias, o melhor emprego, o carro mais avançado, a mulher (vista como objeto) mais bela. Ostentar pois a ostentação implica em ter posse e em provocar respeito.
Uma vida em que ter é infinitamente mais importante do que ser.
Todos os passos do capitalismo levam à comparação, ao culto do vencedor e da exclusão do perdedor.
É belo ser um vencedor. É feio, decrepto, ser um perdedor.
Logo na infância aprendemos isso.
Tudo o que nos dizem possui uma forte conotação de elogio ou de censura. Aprendemos que temos que ser os melhores. Logo buscamos agradar para receber a recompensa/elogio. Essa "coleção" do que pensam de nós forma o que chamamos de ego. Nos tortura a censura, o ato envergonhado. Em pouco tempo vivemos em função das opiniões dos outros sobre nós e não sobre o que realmente queremos acreditamos que somos ou gostaríamos de ser.
Em pouco tempo a nossa vaidade torna-se nosso guia.
Os elogios são substituídos por melhores salários, pelo título de doutor.
Fazemos o que causa mais admiração aos outros, o que provoca mais “inveja” aos outros. Vivemos segundo os outros. Temos que ser melhores. Temos que ter mais.
O capitalismo criou a egolatria.
Assim como no mercado as empresas competem e, buscam conquistar o mercado e garantir consumidores. Assim como o consumo determina os investimentos e por isso novos antigripais possuem muito mais recursos para pesquisa do que remédios para o mal de Aizeimer, nós reproduzimos toda essa louca concorrência em nossas vidas, determinando a nossa individualidade.
Dar as mãos, só se houver “publicidade”.
Ceder o primeiro lugar... jamais.
Por isso o gesto das Olimpíadas Especiais de Seatle causou tanta comoção.
Por isso ela é lembrada até hoje...
Porque definitivamente o que os jovens fizeram foi, revolucionário.
Foi subversivo à ordem capitalista e contrário aos ditames da vaidade capitalista.
Prof. Péricles
A ÚLTIMA SOBREVIVENTE DA CELA 4
Morreu, aos 102 anos, Beatriz Bandeira, a última sobrevivente da famosa cela 4 – onde foram presas, na Casa de Detenção, no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, as poucas mulheres que participaram da revolta comunista de 1935 no Brasil.
Foi na cela 4 que ficaram confinadas Olga Benário (esposa do líder da intentona, Luiz Carlos Prestes), a futura psicanalista Nise da Silveira, a advogada Maria Werneck de Castro e as jornalistas Eneida de Moraes e Eugênia Álvaro Moreyra.
Por conta dessa passagem, Beatriz virou personagem de livros como “Memórias do Cárcere”, o relato biográfico de Graciliano Ramos, que também esteve preso por causa da revolta.
Pouco antes, como militante comunista e da Aliança Nacional Libertadora (ANL), Beatriz conheceu seu marido, Raul, que viria a ser jornalista e secretário de Imprensa do governo João Goulart (1961-1964). Com ele se casou três vezes.
Os dois foram exilados duas vezes. Em 1936, depois da libertação, foram expulsos para o Uruguai. Em 1964, após o golpe militar, receberam abrigo na Iugoslávia e, posteriormente, na França.
Ao regressar ao Brasil, Beatriz continuou a militância política nos anos 70 e 80. Foi uma das fundadoras do Movimento Feminino pela Anistia e Liberdades Democráticas, que lutou pelo fim da ditadura no País.
Além de militante política, Beatriz foi poeta (publicou “Roteiro” e “Profissão de Fé”) e professora (foi demitida pelo regime militar da cadeira de Técnica Vocal do Conservatório Nacional de Teatro). Também escreveu crônicas e colaborou para o jornal A Manhã e as revistas Leitura e Momento Feminino. Há dez anos ela contou um pouco de sua história em uma entrevista à TV Câmara.
Beatriz morreu na noite de segunda (dia 2) após um AVC. Foi enterrada no final da tarde do dia 3 no Cemitério São João Batista, em Botafogo.
Uma nota pessoal:
Beatriz Bandeira Ryff era minha avó. Nos últimos anos de sua vida centenária a senilidade tinha lhe tirado totalmente a visão. Ela quase não falava e mal se comunicava com o mundo.
Há uns dez dias, fui visitá-la levado pelo meu filho de 8 anos que queria dar um beijo na “bisa”. Encontramos ela mais presente do que em todas as visitas nos anos anteriores. Chegou a cantarolar algumas músicas que costumava embalar o sono dos netos quando pequenos, como os hinos revolucionários “Internacional”, “A Marselhesa” (embora ela também cantasse obras não políticas, entre elas a “Berceuse”, de Brahms).
Ao me despedir, perguntei-lhe se lembrava o trecho do poema “Canção do Tamoio”, de Gonçalves Dias, que ela costumava recitar. Ela assentiu levemente com a cabeça e começou, puxando do fundo da memória. Foram suas últimas palavras para mim.
“Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos,
Só pode exaltar.”
(“Canção do Tamoio”, Gonçalves Dias)
Autor: Luiz Antonio Ryff
Foi na cela 4 que ficaram confinadas Olga Benário (esposa do líder da intentona, Luiz Carlos Prestes), a futura psicanalista Nise da Silveira, a advogada Maria Werneck de Castro e as jornalistas Eneida de Moraes e Eugênia Álvaro Moreyra.
Por conta dessa passagem, Beatriz virou personagem de livros como “Memórias do Cárcere”, o relato biográfico de Graciliano Ramos, que também esteve preso por causa da revolta.
Pouco antes, como militante comunista e da Aliança Nacional Libertadora (ANL), Beatriz conheceu seu marido, Raul, que viria a ser jornalista e secretário de Imprensa do governo João Goulart (1961-1964). Com ele se casou três vezes.
Os dois foram exilados duas vezes. Em 1936, depois da libertação, foram expulsos para o Uruguai. Em 1964, após o golpe militar, receberam abrigo na Iugoslávia e, posteriormente, na França.
Ao regressar ao Brasil, Beatriz continuou a militância política nos anos 70 e 80. Foi uma das fundadoras do Movimento Feminino pela Anistia e Liberdades Democráticas, que lutou pelo fim da ditadura no País.
Além de militante política, Beatriz foi poeta (publicou “Roteiro” e “Profissão de Fé”) e professora (foi demitida pelo regime militar da cadeira de Técnica Vocal do Conservatório Nacional de Teatro). Também escreveu crônicas e colaborou para o jornal A Manhã e as revistas Leitura e Momento Feminino. Há dez anos ela contou um pouco de sua história em uma entrevista à TV Câmara.
Beatriz morreu na noite de segunda (dia 2) após um AVC. Foi enterrada no final da tarde do dia 3 no Cemitério São João Batista, em Botafogo.
Uma nota pessoal:
Beatriz Bandeira Ryff era minha avó. Nos últimos anos de sua vida centenária a senilidade tinha lhe tirado totalmente a visão. Ela quase não falava e mal se comunicava com o mundo.
Há uns dez dias, fui visitá-la levado pelo meu filho de 8 anos que queria dar um beijo na “bisa”. Encontramos ela mais presente do que em todas as visitas nos anos anteriores. Chegou a cantarolar algumas músicas que costumava embalar o sono dos netos quando pequenos, como os hinos revolucionários “Internacional”, “A Marselhesa” (embora ela também cantasse obras não políticas, entre elas a “Berceuse”, de Brahms).
Ao me despedir, perguntei-lhe se lembrava o trecho do poema “Canção do Tamoio”, de Gonçalves Dias, que ela costumava recitar. Ela assentiu levemente com a cabeça e começou, puxando do fundo da memória. Foram suas últimas palavras para mim.
“Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos,
Só pode exaltar.”
(“Canção do Tamoio”, Gonçalves Dias)
Autor: Luiz Antonio Ryff
quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
VÍTIMAS DA DITADURA 7 - FINAL
É muito difícil fazer um inventário sobre as vítimas da ditadura militar brasileira.
Poderíamos dizer que a primeira vítima da ditadura foi a frágil democracia brasileira que, desde 1946 quando havia sido elaborada a mais liberal de suas Constituições, lutava em terreno movediço para se consolidar.
Essa frágil democracia havia sobrevivido ao suicídio do Presidente Getúlio Vargas em agosto de 1954 graças ao povo nas ruas que impediram um golpe militar já articulado. Sobreviveu às tramas golpistas de Carlos Lacerda que tentou impedir a posse de Juscelino em 1956, ironicamente, devido à atuação enérgica de um militar, o General Henrique Teixeira Lott, e ainda no governo de Juscelino sobreviveu a pelo menos duas articulações golpistas graças ao traquejo político do presidente.
Sobreviveu também a própria renúncia de Jânio Quadros, um ato que deve ser entendido como uma tentativa de centralização política que não deu certo e principalmente, sobreviveu ao golpismo que se seguiu a essa renúncia quando os militares impediram a posse do vice João Goulart. Sem dúvida, a sobrevida de nossa democracia em 1961 deve muito ao heroísmo do Governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola e aos apoiadores da Campanha da Legalidade, especialmente ao Comandante do 3º Exército, General José Machado Lopes.
Mas, não sobreviveu aos arranjos norte-americanos aliados às elites brasileiras e à sua conservadora e hipócrita classe média, em 1964.
Outra vítima da ditadura foi toda uma geração de brasileiros das mais diferentes matizes sociais que não aceitou o cabresto e lutou pela democracia, da sua forma e do seu jeito, alguns participando da oposição consentida do MDB, dos que militaram pela democracia em organizações que discordavam da luta armada como o PCB, ou mesmo dos que não militaram em nenhuma organização oposicionista, mas que, fizeram do seu silêncio e do seu amargor uma arma para lembrar que viviam no arbítrio.
Vítimas da ditadura foram os estudantes brasileiros, secundaristas e universitários, que optaram pela luta armada. Jovens que deram suas vidas em organizações como o PC do B, ALN (de Carlos Marighela), VPR e MR-8 (de Carlos Lamarca), da Colina e da VAR-Palmares (como Dilma Roussef), e especialmente dos sonhadores, apaixonados e livres, porque nunca aceitaram a escravidão, os heróicos guerrilheiros do Araguaia.
Foram também intelectuais, expoentes da música, das letras e das artes cênicas, como o genial Glauber Rocha ou o talentosíssimo Taiguara, músico campeão de perseguição ao seu trabalho.
Lideranças e militâncias sindicais e camponesas também foram suas vítimas.
Também foram vítimas os nacionalistas que percebiam com clareza a forma entreguista com que o Brasil foi governado nesse período, vendendo-se aos interesses estrangeiros, especialmente ianques, por um punhado de dólares.
Os servidores públicos civis e militares demitidos arbitrariamente por real ou suposta simpatia ao governo deposto.
Foram presos políticos de todas as idades torturados de forma desumana e cruel nos porões da ditadura, massacrados por sádicos servidores do estado, pagos pelo contribuinte.
Foram os mortos, assassinados pelo aparelho da repressão, em crimes quase sempre não assumidos por seus carrascos.
Foram vítimas da ditadura os “desaparecidos”. Brasileiros que, sabemos todos, estão mortos, mas cujos corpos jamais foram encontrados. Cuja sepultura clandestina permanece um mistério.
Essa série “Vítimas da Ditadura” apresentada por esse Blog a partir de farto material arquivado pela “Revista O Berro” se encerra aqui com uma homenagem especial aos familiares desses desaparecidos.
Nas palavras da mãe de uma dessas desaparecidas:
“Eu sei, eu sei que ela morreu. Mas, enquanto não me disserem onde está seu corpo, enquanto não me permitirem enterrar seus restos mortais e fazer uma prece sobre eles, eu sempre terei a ilusão que ela vai romper por essa porta a qualquer momento, me abraçando e beijando enquanto me chama de mama, como sempre fez”.
A essas vítimas da ditadura, suas maiores vítimas, pois seu sofrimento não conheceu anistia e que sofrem hoje na mesma intensidade que sofreram naquela época. A essas vítimas da ditadura para quem a ditadura ainda não terminou, a nossa mais humilde e singela, porém verdadeira, homenagem.
Prof. Péricles
Poderíamos dizer que a primeira vítima da ditadura foi a frágil democracia brasileira que, desde 1946 quando havia sido elaborada a mais liberal de suas Constituições, lutava em terreno movediço para se consolidar.
Essa frágil democracia havia sobrevivido ao suicídio do Presidente Getúlio Vargas em agosto de 1954 graças ao povo nas ruas que impediram um golpe militar já articulado. Sobreviveu às tramas golpistas de Carlos Lacerda que tentou impedir a posse de Juscelino em 1956, ironicamente, devido à atuação enérgica de um militar, o General Henrique Teixeira Lott, e ainda no governo de Juscelino sobreviveu a pelo menos duas articulações golpistas graças ao traquejo político do presidente.
Sobreviveu também a própria renúncia de Jânio Quadros, um ato que deve ser entendido como uma tentativa de centralização política que não deu certo e principalmente, sobreviveu ao golpismo que se seguiu a essa renúncia quando os militares impediram a posse do vice João Goulart. Sem dúvida, a sobrevida de nossa democracia em 1961 deve muito ao heroísmo do Governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola e aos apoiadores da Campanha da Legalidade, especialmente ao Comandante do 3º Exército, General José Machado Lopes.
Mas, não sobreviveu aos arranjos norte-americanos aliados às elites brasileiras e à sua conservadora e hipócrita classe média, em 1964.
Outra vítima da ditadura foi toda uma geração de brasileiros das mais diferentes matizes sociais que não aceitou o cabresto e lutou pela democracia, da sua forma e do seu jeito, alguns participando da oposição consentida do MDB, dos que militaram pela democracia em organizações que discordavam da luta armada como o PCB, ou mesmo dos que não militaram em nenhuma organização oposicionista, mas que, fizeram do seu silêncio e do seu amargor uma arma para lembrar que viviam no arbítrio.
Vítimas da ditadura foram os estudantes brasileiros, secundaristas e universitários, que optaram pela luta armada. Jovens que deram suas vidas em organizações como o PC do B, ALN (de Carlos Marighela), VPR e MR-8 (de Carlos Lamarca), da Colina e da VAR-Palmares (como Dilma Roussef), e especialmente dos sonhadores, apaixonados e livres, porque nunca aceitaram a escravidão, os heróicos guerrilheiros do Araguaia.
Foram também intelectuais, expoentes da música, das letras e das artes cênicas, como o genial Glauber Rocha ou o talentosíssimo Taiguara, músico campeão de perseguição ao seu trabalho.
Lideranças e militâncias sindicais e camponesas também foram suas vítimas.
Também foram vítimas os nacionalistas que percebiam com clareza a forma entreguista com que o Brasil foi governado nesse período, vendendo-se aos interesses estrangeiros, especialmente ianques, por um punhado de dólares.
Os servidores públicos civis e militares demitidos arbitrariamente por real ou suposta simpatia ao governo deposto.
Foram presos políticos de todas as idades torturados de forma desumana e cruel nos porões da ditadura, massacrados por sádicos servidores do estado, pagos pelo contribuinte.
Foram os mortos, assassinados pelo aparelho da repressão, em crimes quase sempre não assumidos por seus carrascos.
Foram vítimas da ditadura os “desaparecidos”. Brasileiros que, sabemos todos, estão mortos, mas cujos corpos jamais foram encontrados. Cuja sepultura clandestina permanece um mistério.
Essa série “Vítimas da Ditadura” apresentada por esse Blog a partir de farto material arquivado pela “Revista O Berro” se encerra aqui com uma homenagem especial aos familiares desses desaparecidos.
Nas palavras da mãe de uma dessas desaparecidas:
“Eu sei, eu sei que ela morreu. Mas, enquanto não me disserem onde está seu corpo, enquanto não me permitirem enterrar seus restos mortais e fazer uma prece sobre eles, eu sempre terei a ilusão que ela vai romper por essa porta a qualquer momento, me abraçando e beijando enquanto me chama de mama, como sempre fez”.
A essas vítimas da ditadura, suas maiores vítimas, pois seu sofrimento não conheceu anistia e que sofrem hoje na mesma intensidade que sofreram naquela época. A essas vítimas da ditadura para quem a ditadura ainda não terminou, a nossa mais humilde e singela, porém verdadeira, homenagem.
Prof. Péricles
domingo, 8 de janeiro de 2012
CLEÓPATRA, A ÚLTIMA LUZ DO EGITO
Ela nasceu no ano 69 a.C. na cidade de Alexandria. Filha de Ptolomeu XII, rei de uma dinastia de reis gregos que Alexandre, da Macedônia, enfiara guela abaixo dos egípcios quando conquistou o país.
Enquanto seu pai e seus irmãos e irmãs (eram 5) disputavam o poder, literalmente, Cleópatra estudava. Aprendeu 7 idiomas, entre eles o egípcio (era a única da família real que falava a própria língua nacional) e se informou sobre o mundo em que vivia.
Irritado com seus filhos ambiciosos que tinham a mania de querer matá-lo, seu pai ordenou que seus dois preferidos, ela e o caçula, Ptolomeu XIII casassem para sucede-lo no trono. Cleópatra tinha então 18 anos, e seu irmão 15.
Aos 20 anos conheceu o bam-bam-bam de sua época, Júlio Cesar (militar e político romano) no famoso episódio do tapete. Segundo Plutarco na “Biografia dos Césares” Cleópatra mandara recado a Júlio Cesar dizendo que lhe daria um precioso tapete, como presente. Júlio Cesar não estava nem aí pra tapetes, mas, os escravos o levaram à sala do trono e ao ser desenrolado o tal tapete... Uauu! Cleopatra apareceu linda, pálida e vestida apenas de seus anéis (um em cada dedinho). Desconfiado, o veterano conquistador perguntou porque estava sendo tão fácil ao que ela, arrumando o anelzinho, teria respondido que não era “dessas”, ora bolas, mas coisa da maldita curiosidade feminina sobre as histórias que contavam sobre ele (diziam que Julinho era um amante insaciável e criativo que deixava a mulherada doida na hora do “ai meu Deus”). Júlio César, como todo homem que se acha, acreditou.
Depois daquela noite, Júlio Cesar nunca mais se livrou de Cleópatra.
Tornou-se seu amante provocando a fúria dos romanos (ele era casado e para os romanos, como hoje, não era necessário ser fiel, mas parecer fiel era excessial).
Em Junho de 47 a.C., aos 22 anos, Cleópatra deu à luz a Cesarion, filho de Júlio, que reconheceu a paternidade da criança.
Apesar do escândalo e do ódio que a relação produzia, o Egito continuava independente, mesmo com toda pressão do senado romano sobre Cesar.
Em 46 a.C., a convite de César, Cleópatra instala-se em Roma, com o filho, fixando residência próximo à casa da esposa de César (a terceira), Calpurnia. Isso, definitivamente era uma afronta ao povo romano que se compadecia do sofrimento da esposa, humilhada por aquela rainha estrangeira. Com certeza, se existisse uma “Caras” em Roma, o escândalo seria a capa da revista.
César, totalmente apaixonado (homem apaixonado adora fazer coisas idiotas) foi além, e ordenou que fosse colocada uma estátua de sua amada no templo da deusa Venus, a deusa do amor e da beleza da forma feminina. Blasfêmia, Blasfêmia! Bradavam as velhas fofoqueiras.
Então, a tragédia. César foi assassinado nas ecscadarias do Senado. O povo enfurecido procurava culpados e Cleópatra teve que fugir para não ser morta.
Em 42 a.C., Marco Antônio, o novo bam-bam-bam, exige conhecê-la pessoalmente (a história do tapete deixava ele doido). Cleópatra, então com 27 anos, mais bela que nunca, o encontrou na cidade de Tarso com grande pompa.
Depois daquele dia, Marco Antônio nunca mais se livrou de Cleópatra.
Passaram juntos o inverno de 42 a.C. em Alexandria. Ficou grávida pela segunda vez, e teve gêmeos: Cleópatra Selene e Alexandre Hélio.
Tentando pacificar os ânimos de Otávio, que disputava com ele o poder, e achando que uma simples aproximação familiar acalmaria o bundão (como Marco Antônio pensava ser Otávio), Marquinhos casou com a irmã deste (Otaviana, uma chata e excessivamente fofa), mas, num casamento formalmente político. Dizem de Antônio nem olhava para a esposa.
Em 37 a.C., Marco António pirou de vez. Mudou-se em definitivo para Alexandria passando a viver com Cleópatra (segundo alguns, como Suetônio, casaram-se secretamente). Definitivamente esse ato representaria seu fim político, pois perderia o que restava de apoio da opinião pública e daria a Otávio o discurso, não só de defensor de Roma contra o poder da megera, como também o discurso do irmão que defende a irmã traída e humilhada.
Então, Cleópatra deu à luz outro filho, o último, Ptolomeu Filadelfo.
Em 31 a.C, aos 38 anos, ainda batendo um bolão, após fragorosa derrota na batalha do Áccio para as forças de Otávio, Cleópatra, a última rainha do Egito foi morta. Deixava 4 filhos (um de Júlio Cesar e 3 de Marco Antônio) e uma lenda que jamais deixaria de crescer alimentada por escritores, historiadores e poetas.
Logo após a sua morte, Otávio decreta a invasão e o Egito, que perderia para sempre sua independência (esse Egito moderno, é árabe, é outro Egito).
Para muitos Cleópatra foi apenas uma mulher extremamente linda, sedutora, além de astuta e oportunista que usou o sexo em favor de seus interesses.
Para outros foi uma política e diplomata hábil, mulher inteligente, autora de livros sobre pesos e medidas, cosméticos e magia que, ao perceber antes dos outros que os destinos do mundo seriam ditados por Roma, usou sua inteligência, sua cultura e carisma para manter a independência de seu país.
Para Suetônio, que conviveu com ela, a única inverdade a seu respeito é sobre a extrema beleza, pois, segundo ele, Cleópatra tinha uma beleza comum, nada superior às mulheres de seu tempo (mas a gente nunca sabe se não era inveja do Suetônio). Também, segundo ele, Júlio Cesar e Marco Antônio foram seus únicos homens, desautorizando a imagem de libertina.
Ela conquistou os dois homens mais poderosos de seu tempo, e enquanto viveu o Egito manteve a independência.
Ela morreu deixando mistérios e segredos, até porque
"depois de sua história, o Mundo nunca mais se livrou de Cleópatra"
Prof. Péricles
Enquanto seu pai e seus irmãos e irmãs (eram 5) disputavam o poder, literalmente, Cleópatra estudava. Aprendeu 7 idiomas, entre eles o egípcio (era a única da família real que falava a própria língua nacional) e se informou sobre o mundo em que vivia.
Irritado com seus filhos ambiciosos que tinham a mania de querer matá-lo, seu pai ordenou que seus dois preferidos, ela e o caçula, Ptolomeu XIII casassem para sucede-lo no trono. Cleópatra tinha então 18 anos, e seu irmão 15.
Aos 20 anos conheceu o bam-bam-bam de sua época, Júlio Cesar (militar e político romano) no famoso episódio do tapete. Segundo Plutarco na “Biografia dos Césares” Cleópatra mandara recado a Júlio Cesar dizendo que lhe daria um precioso tapete, como presente. Júlio Cesar não estava nem aí pra tapetes, mas, os escravos o levaram à sala do trono e ao ser desenrolado o tal tapete... Uauu! Cleopatra apareceu linda, pálida e vestida apenas de seus anéis (um em cada dedinho). Desconfiado, o veterano conquistador perguntou porque estava sendo tão fácil ao que ela, arrumando o anelzinho, teria respondido que não era “dessas”, ora bolas, mas coisa da maldita curiosidade feminina sobre as histórias que contavam sobre ele (diziam que Julinho era um amante insaciável e criativo que deixava a mulherada doida na hora do “ai meu Deus”). Júlio César, como todo homem que se acha, acreditou.
Depois daquela noite, Júlio Cesar nunca mais se livrou de Cleópatra.
Tornou-se seu amante provocando a fúria dos romanos (ele era casado e para os romanos, como hoje, não era necessário ser fiel, mas parecer fiel era excessial).
Em Junho de 47 a.C., aos 22 anos, Cleópatra deu à luz a Cesarion, filho de Júlio, que reconheceu a paternidade da criança.
Apesar do escândalo e do ódio que a relação produzia, o Egito continuava independente, mesmo com toda pressão do senado romano sobre Cesar.
Em 46 a.C., a convite de César, Cleópatra instala-se em Roma, com o filho, fixando residência próximo à casa da esposa de César (a terceira), Calpurnia. Isso, definitivamente era uma afronta ao povo romano que se compadecia do sofrimento da esposa, humilhada por aquela rainha estrangeira. Com certeza, se existisse uma “Caras” em Roma, o escândalo seria a capa da revista.
César, totalmente apaixonado (homem apaixonado adora fazer coisas idiotas) foi além, e ordenou que fosse colocada uma estátua de sua amada no templo da deusa Venus, a deusa do amor e da beleza da forma feminina. Blasfêmia, Blasfêmia! Bradavam as velhas fofoqueiras.
Então, a tragédia. César foi assassinado nas ecscadarias do Senado. O povo enfurecido procurava culpados e Cleópatra teve que fugir para não ser morta.
Em 42 a.C., Marco Antônio, o novo bam-bam-bam, exige conhecê-la pessoalmente (a história do tapete deixava ele doido). Cleópatra, então com 27 anos, mais bela que nunca, o encontrou na cidade de Tarso com grande pompa.
Depois daquele dia, Marco Antônio nunca mais se livrou de Cleópatra.
Passaram juntos o inverno de 42 a.C. em Alexandria. Ficou grávida pela segunda vez, e teve gêmeos: Cleópatra Selene e Alexandre Hélio.
Tentando pacificar os ânimos de Otávio, que disputava com ele o poder, e achando que uma simples aproximação familiar acalmaria o bundão (como Marco Antônio pensava ser Otávio), Marquinhos casou com a irmã deste (Otaviana, uma chata e excessivamente fofa), mas, num casamento formalmente político. Dizem de Antônio nem olhava para a esposa.
Em 37 a.C., Marco António pirou de vez. Mudou-se em definitivo para Alexandria passando a viver com Cleópatra (segundo alguns, como Suetônio, casaram-se secretamente). Definitivamente esse ato representaria seu fim político, pois perderia o que restava de apoio da opinião pública e daria a Otávio o discurso, não só de defensor de Roma contra o poder da megera, como também o discurso do irmão que defende a irmã traída e humilhada.
Então, Cleópatra deu à luz outro filho, o último, Ptolomeu Filadelfo.
Em 31 a.C, aos 38 anos, ainda batendo um bolão, após fragorosa derrota na batalha do Áccio para as forças de Otávio, Cleópatra, a última rainha do Egito foi morta. Deixava 4 filhos (um de Júlio Cesar e 3 de Marco Antônio) e uma lenda que jamais deixaria de crescer alimentada por escritores, historiadores e poetas.
Logo após a sua morte, Otávio decreta a invasão e o Egito, que perderia para sempre sua independência (esse Egito moderno, é árabe, é outro Egito).
Para muitos Cleópatra foi apenas uma mulher extremamente linda, sedutora, além de astuta e oportunista que usou o sexo em favor de seus interesses.
Para outros foi uma política e diplomata hábil, mulher inteligente, autora de livros sobre pesos e medidas, cosméticos e magia que, ao perceber antes dos outros que os destinos do mundo seriam ditados por Roma, usou sua inteligência, sua cultura e carisma para manter a independência de seu país.
Para Suetônio, que conviveu com ela, a única inverdade a seu respeito é sobre a extrema beleza, pois, segundo ele, Cleópatra tinha uma beleza comum, nada superior às mulheres de seu tempo (mas a gente nunca sabe se não era inveja do Suetônio). Também, segundo ele, Júlio Cesar e Marco Antônio foram seus únicos homens, desautorizando a imagem de libertina.
Ela conquistou os dois homens mais poderosos de seu tempo, e enquanto viveu o Egito manteve a independência.
Ela morreu deixando mistérios e segredos, até porque
"depois de sua história, o Mundo nunca mais se livrou de Cleópatra"
Prof. Péricles
quinta-feira, 5 de janeiro de 2012
VÍTIMAS DA DITADURA 6 - SOBREVIVENTES
Fui preso às seis e meia da manhã de 29 de setembro de 1969. Na época eu trabalhava no Jornal da Tarde, de São Paulo, cobrindo a área policial e naquela noite ficara até as quatro da madrugada conversando e bebendo com dois policiais - o escrivão Waldemar de Paula e o delegado Luiz Orsatti, ambos lotados no DOPS.
Cheguei em casa, um apartamento de terceiro andar na esquina das avenidas São João e Duque de Caxias, às quatro e meia da manhã e, cansado e meio alto, fui me deitar no quarto do meu irmão Aton Fon Filho, que se encontrava viajando.
Dormi duas horas e acordei com algo frio encostado no nariz. Abri os olhos e o quarto estava cheio de homens armados de fuzis e metralhadoras. O objeto frio encostado no meu nariz era o cano de uma pistola calibre 45, empunhada pelo delegado Raul Nogueira - que eu já conhecia como integrante do grupo clandestino de extrema-direita Comando de Caça aos Comunistas, um policial que encontrava um estranho prazer em espancar estudantes.
Fui algemado, com as mãos à frente do corpo, e levado por dois policiais.
As mãos de Raul tremiam, não sei por que, mas na hora me pareceu medo. Ao nos aproximarmos do elevador, ele engatilhou a 45 e encostou-a na minha cabeça. Lembro perfeitamente de que senti medo - um arrepio que percorreu a espinha - e não reclamei porque um pensamento passou-me pela cabeça: "Diante de um covarde armado, o melhor é obedecer sem conversar". O outro policial também percebeu a situação. "Prá que isso, doutor?", ele chegou a perguntar. Raul Nogueira respondeu que "essa gente é muito perigosa, muito perigosa".
O carro estacionou no pátio dos fundos do 34° Distrito Policial e eu fui levado aos empurrões para a porta do pequeno prédio de três pavimentos onde funcionava a "Operação Bandeirantes". Eu ainda tinha alguma esperança de que aquela situação se esclarecesse rapidamente, mas ela se desvaneceu logo: "Esse é daqueles que não sabem de nada", explicou o delegado Raul "Careca" ao entregar-me a dois homens que esperavam na porta.
Fui levado para a câmara de torturas, no segundo andar, e durante três horas submetido a "pau-de-arara", espancamentos e choques elétricos. De tudo isto, lembro-me de que nada era mais terrível que os choques elétricos na cabeça, com um fio preso ao lóbulo da orelha e outro percorrendo os lábios, o pescoço ou o nariz. Esses
choques provocam uma contração tão forte dos músculos da face que a língua é mordida e estraçalhada pelos dentes. Fiquei vários dias sem poder comer, até que um enfermeiro do Exército obteve autorização para levar-me um pouco de gelo, que anestesiava momentaneamente a língua, permitindo que eu me alimentasse.
Fiquei 17 dias na "Operação Bandeirantes". A alimentação era levada do quartel da Polícia do Exército e servida uma vez por dia, à noite. Isto tem um motivo. Uma pessoa alimentada não pode ser pendurada no "pau-de-arara" ou submetida a choques elétricos, sob o risco de morrer de congestão. Então, nós éramos alimentados apenas à noite, para ficarmos disponíveis durante o dia para sermos torturados.
Lembro-me de que uma vez ganhei uma dúzia de pães do capitão Roberto ontuschka. Esse capitão Roberto era um homem estranho. Durante o dia, torturava-nos; à noite, descia aos xadrezes para distribuir bíblias e tentar salvar nossas almas. Uma noite, procuramos conversar com ele, pedindo-lhe que explicasse como podia um homem tão religioso torturar seus semelhantes. "Eu trago a palavra de Deus", ele explicou, "mas, para quem se recusa a ouvi-la, eu uso esta outra linguagem", disse,
apontando a pistola calibre 45 que trazia na cintura. Pedi-lhe pão e ele respondeu que só quando eu revelasse onde se encontrava meu irmão, a quem a "Operação Bandeirantes" procurava: "Acaso serei eu guardião do meu irmão?", respondi-lhe com as palavras do Gênese. Ele ficou muito satisfeito com a resposta e deu o pão.
Alguns de nós sequer sabiam por que estavam presos. Recordo de três casos extremos: Osvaldo, Pardal e um japonês. Pardal havia sido preso porque um de seus alunos, aborrecido com as notas baixas que recebia, o havia denunciado como comunista. O japonês fora preso na Faculdade de Economia da USP. Os homens da "Operação Bandeirantes" haviam tentado prender um grupo de estudantes, que fugiu. Só ficou na escola o japonesinho, que estava vendendo livros e não sabia o que acontecia.
O caso de Osvaldo talvez seja tragicômico. Ele embebedou-se em uma boate e foi preso. Acordou no xadrez da "Operação Bandeirantes" sem conseguir se lembrar por que fora preso. O agente que o detivera, provavelmente também bêbado, não conseguia lembrar-se por que o havia prendido. E durante um mês Osvaldo foi torturado para contar o motivo pelo qual havia ido parar na "Operação Bandeirantes".
Gasparzinho e o nissei Daniel haviam sido presos sob a acusação de envolvimento com o PC do B. Junto com eles havia sido detido um terceiro rapazinho. Os três eram quase meninos, nenhum chegara aos vinte anos. Na "Operação Bandeirantes", os policiais tentaram destruí-los moralmente, mandando que um torturasse o outro. Os três se recusaram e, por isso, foram condenados a ser torturados em conjunto. De volta à cela, os três, estropiados, contavam emocionados como haviam se sentido mais fortes para enfrentar o suplício vendo que o amigo se mantivera firme.
Depois de 17 dias na "Operação Bandeirantes", fui transferido para o DOPS. Onde fiquei vinte dias e só fui torturado mais uma vez - duas horas de "pau-de-arara" e choques elétricos, comandados pelo delegado Roberto Guimarães e pelo investigador Moretto. Esta sessão de torturas aconteceu na véspera de minha transferência para o Presídio Tiradentes e, devido ao "pau-de-arara", fiquei com as pernas paralisadas alguns dias.
Fiquei mais quinze dias no Presídio Tiradentes, até à noite do dia 19 de novembro, quando fui levado de volta para o DOPS. Naquela noite mesmo fui colocado em liberdade. E lembro-me, ainda, das palavras de despedida do delegado que me libertou: "Que bela reportagem, se você pudesse escrever, hein?"
Antonio Carlos Fon
Antonio Carlos Fon nasceu em Salvador, Bahia. Começou no jornalismo em 1967, no jornal O Dia, de São Paulo, como repórter-policial. Daí transferiu-se para o Diário Popular e, mais tarde, Jornal da Tarde, onde trabalhou durante seis anos, sempre cobrindo a área policial.
Em 1974 transferiu-se para a revista Visão onde, durante um ano, cobriu as áreas de economia e política. Fez parte do grupo que lançou, em 1975, o jornal Aqui São Paulo, antes de se transferir para Veja, onde voltou a se dedicar à reportagem policial.
Cheguei em casa, um apartamento de terceiro andar na esquina das avenidas São João e Duque de Caxias, às quatro e meia da manhã e, cansado e meio alto, fui me deitar no quarto do meu irmão Aton Fon Filho, que se encontrava viajando.
Dormi duas horas e acordei com algo frio encostado no nariz. Abri os olhos e o quarto estava cheio de homens armados de fuzis e metralhadoras. O objeto frio encostado no meu nariz era o cano de uma pistola calibre 45, empunhada pelo delegado Raul Nogueira - que eu já conhecia como integrante do grupo clandestino de extrema-direita Comando de Caça aos Comunistas, um policial que encontrava um estranho prazer em espancar estudantes.
Fui algemado, com as mãos à frente do corpo, e levado por dois policiais.
As mãos de Raul tremiam, não sei por que, mas na hora me pareceu medo. Ao nos aproximarmos do elevador, ele engatilhou a 45 e encostou-a na minha cabeça. Lembro perfeitamente de que senti medo - um arrepio que percorreu a espinha - e não reclamei porque um pensamento passou-me pela cabeça: "Diante de um covarde armado, o melhor é obedecer sem conversar". O outro policial também percebeu a situação. "Prá que isso, doutor?", ele chegou a perguntar. Raul Nogueira respondeu que "essa gente é muito perigosa, muito perigosa".
O carro estacionou no pátio dos fundos do 34° Distrito Policial e eu fui levado aos empurrões para a porta do pequeno prédio de três pavimentos onde funcionava a "Operação Bandeirantes". Eu ainda tinha alguma esperança de que aquela situação se esclarecesse rapidamente, mas ela se desvaneceu logo: "Esse é daqueles que não sabem de nada", explicou o delegado Raul "Careca" ao entregar-me a dois homens que esperavam na porta.
Fui levado para a câmara de torturas, no segundo andar, e durante três horas submetido a "pau-de-arara", espancamentos e choques elétricos. De tudo isto, lembro-me de que nada era mais terrível que os choques elétricos na cabeça, com um fio preso ao lóbulo da orelha e outro percorrendo os lábios, o pescoço ou o nariz. Esses
choques provocam uma contração tão forte dos músculos da face que a língua é mordida e estraçalhada pelos dentes. Fiquei vários dias sem poder comer, até que um enfermeiro do Exército obteve autorização para levar-me um pouco de gelo, que anestesiava momentaneamente a língua, permitindo que eu me alimentasse.
Fiquei 17 dias na "Operação Bandeirantes". A alimentação era levada do quartel da Polícia do Exército e servida uma vez por dia, à noite. Isto tem um motivo. Uma pessoa alimentada não pode ser pendurada no "pau-de-arara" ou submetida a choques elétricos, sob o risco de morrer de congestão. Então, nós éramos alimentados apenas à noite, para ficarmos disponíveis durante o dia para sermos torturados.
Lembro-me de que uma vez ganhei uma dúzia de pães do capitão Roberto ontuschka. Esse capitão Roberto era um homem estranho. Durante o dia, torturava-nos; à noite, descia aos xadrezes para distribuir bíblias e tentar salvar nossas almas. Uma noite, procuramos conversar com ele, pedindo-lhe que explicasse como podia um homem tão religioso torturar seus semelhantes. "Eu trago a palavra de Deus", ele explicou, "mas, para quem se recusa a ouvi-la, eu uso esta outra linguagem", disse,
apontando a pistola calibre 45 que trazia na cintura. Pedi-lhe pão e ele respondeu que só quando eu revelasse onde se encontrava meu irmão, a quem a "Operação Bandeirantes" procurava: "Acaso serei eu guardião do meu irmão?", respondi-lhe com as palavras do Gênese. Ele ficou muito satisfeito com a resposta e deu o pão.
Alguns de nós sequer sabiam por que estavam presos. Recordo de três casos extremos: Osvaldo, Pardal e um japonês. Pardal havia sido preso porque um de seus alunos, aborrecido com as notas baixas que recebia, o havia denunciado como comunista. O japonês fora preso na Faculdade de Economia da USP. Os homens da "Operação Bandeirantes" haviam tentado prender um grupo de estudantes, que fugiu. Só ficou na escola o japonesinho, que estava vendendo livros e não sabia o que acontecia.
O caso de Osvaldo talvez seja tragicômico. Ele embebedou-se em uma boate e foi preso. Acordou no xadrez da "Operação Bandeirantes" sem conseguir se lembrar por que fora preso. O agente que o detivera, provavelmente também bêbado, não conseguia lembrar-se por que o havia prendido. E durante um mês Osvaldo foi torturado para contar o motivo pelo qual havia ido parar na "Operação Bandeirantes".
Gasparzinho e o nissei Daniel haviam sido presos sob a acusação de envolvimento com o PC do B. Junto com eles havia sido detido um terceiro rapazinho. Os três eram quase meninos, nenhum chegara aos vinte anos. Na "Operação Bandeirantes", os policiais tentaram destruí-los moralmente, mandando que um torturasse o outro. Os três se recusaram e, por isso, foram condenados a ser torturados em conjunto. De volta à cela, os três, estropiados, contavam emocionados como haviam se sentido mais fortes para enfrentar o suplício vendo que o amigo se mantivera firme.
Depois de 17 dias na "Operação Bandeirantes", fui transferido para o DOPS. Onde fiquei vinte dias e só fui torturado mais uma vez - duas horas de "pau-de-arara" e choques elétricos, comandados pelo delegado Roberto Guimarães e pelo investigador Moretto. Esta sessão de torturas aconteceu na véspera de minha transferência para o Presídio Tiradentes e, devido ao "pau-de-arara", fiquei com as pernas paralisadas alguns dias.
Fiquei mais quinze dias no Presídio Tiradentes, até à noite do dia 19 de novembro, quando fui levado de volta para o DOPS. Naquela noite mesmo fui colocado em liberdade. E lembro-me, ainda, das palavras de despedida do delegado que me libertou: "Que bela reportagem, se você pudesse escrever, hein?"
Antonio Carlos Fon
Antonio Carlos Fon nasceu em Salvador, Bahia. Começou no jornalismo em 1967, no jornal O Dia, de São Paulo, como repórter-policial. Daí transferiu-se para o Diário Popular e, mais tarde, Jornal da Tarde, onde trabalhou durante seis anos, sempre cobrindo a área policial.
Em 1974 transferiu-se para a revista Visão onde, durante um ano, cobriu as áreas de economia e política. Fez parte do grupo que lançou, em 1975, o jornal Aqui São Paulo, antes de se transferir para Veja, onde voltou a se dedicar à reportagem policial.
Assinar:
Postagens (Atom)