sábado, 27 de fevereiro de 2016

O SHORTINHO DAS EVAS DO ANCHIETA

A sociedade judaico-cristã forjada no ocidente a partir, especialmente, dos séculos III e IV alterou profundamente a visão que se tinha sobre o sexo no período anterior, da cultura helênica.

Foi construída em cima do medo, da ideia de que somos fracos diante das tentações e que quando cedemos à essas tentações cometemos pecados.

Todo pecado possuí seus agentes causadores (seus demônios) e suas vítimas.

Como a sociedade judaico-cristã é fruto do patriarcalismo latino somado ao patriarcalismo judeu, determinou-se que, o agente causador do sexo pecador é a mulher e a vítima, o homem.

Nessa visão tudo começa na fraqueza, na natureza perversa (Eva que iludiu Adão) e na provocação feminina.

As mulheres, diabólicas, provocam o olhar dos homens que, coitadinhos, não conseguindo se controlar, cometem os maiores desatinos.

O estupro, o abandono da família e da esposa, as paixões arrasadoras teriam origem, na provocação da mulher e na inocência masculina.

Oras, essa argumentação consciente, ou inconsciente, reforça a dominação do homem numa sociedade sempre ameaçada pela sedução diabólica das filhas de Eva.

Na sua gênese, portanto, está o machismo e a necessidade de submeter para não competir e que justifica toda violência contra a mulher.

Na Antiguidade (nem tão antiga assim) a prostituta era bem remunerada e elogiada no privado, mas condenada à morte, geralmente sob apedrejamento, no público.

A sociedade machista é montada sob a hipocrisia. Você pode transar com todas desde que não seja descoberto, ou reconhecido.

As mesmas mãos que acariciavam no isolamento jogavam as pedras quando em grupo.

Ainda ontem substituímos as pedras pela fogueira e mais recentemente a fogueira pelas balas dos revólveres e mais recentemente ainda, as balas pela condenação moral.

"Coma todas meu filho, mas jamais seja descoberto e se o for negue pois o que é a palavra de uma mulher diante da palavra de um homem?"

Apesar de toda evolução da cidadania burguesa ainda definimos os homens como vítimas e as mulheres como as culpadas.

Algo tão absurdo como culpar a presa e não o caçador pelo crime ambiental da caçada. Quem manda ela ter a carne tão gostosa quando acompanhada de batatas e ainda por cima caminhar livre nas matas expondo suas costeletas...

Por isso, a polêmica do shortinho no Colégio Anchieta, aqui de Porto Alegre, nada tem a ver com o shortinho propriamente dito, mas com o objeto e o olhar.

Onde está o descontrole, no shortinho ou no olhar dos meninos?

Onde está a origem dos abusos, no objeto ou no olhar?

É uma questão que transcende o shortinho pois poderíamos transportar essas dúvidas para inúmeros outros fatos geradores dos mesmos questionamentos.

Mulheres pioneiras no uso de minissaias em Porto Alegre foram encurraladas na rua da Praia e foi necessário a intervenção da polícia que... prendeu as moças.

Leila Diniz respondeu a processo por ousar mostrar a barrigona de oito meses de gravidez desnuda na praia.

Pobres homens ameaçados por essas diabólicas mulheres.

O instinto sexual dos coitadinhos é incontrolável elas sim, as mulheres, são abusadoras.

Eles são inocentes pois foram provocados e são impotentes diante do próprio instinto.

Esse posicionamento está tão consolidado no inconsciente coletivo ocidental que até mulheres e gente bem nutrida de ensino formal repete a argumentação hipócrita.

Geralmente as mesmas que demonizam os muçulmanos e suas burcas e abusos contra suas mulheres.

Pobre de nós que crescemos tão pouco mas nos achamos tanto.

Que o Colégio Anchieta não perca essa grande oportunidade de, reconhecendo a verdadeira extensão do que está em jogo, demonstre sua seriedade como instituição e compromisso com a cidadania.

Um brinde às meninas do Anchieta e sua luta pelo exercício pleno da cidadania.

Elas são maravilhosas e representam milhões de outras mulheres na luta contra outros “shortinhos proibidos” como as que são agredidas pelos maridos no silêncio dos lares ou as que exercendo as mesmas funções ainda recebem salários menores que os homens.



Prof. Péricles













2 comentários:

Unknown disse...

Texto maravilhoso....parabéns prof. Péricles pela sua coragem, pela sua hombridade, pela sua gentileza, pela sua sabedoria e obrigado pela aula maravilhosa !!!!!!!!!!!!

Harry Weslay disse...

Esse texto disse tudo que tentei dizer, mas não encontrava as palavras certas. Fico feliz, porque eu disse algo que está nesse texto: So falta as meninas usarem burca!
Abraço professor, sou sua admiradora.