Numa
noite intranquila em que o sono chegou apenas em hora distante da madrugada, o
sonho se fez e nele, ela apareceu.
O
mesmo sorriso acolhedor e olhos irrequietos e grandes como querendo enxergar
além do que é visível.
Bela,
no seu jeito singelo de uma beleza sem escândalos.
- Oi
guria... você está linda, como sempre.
- É a
vantagem de estar morta amor. A gente fica viva na memória de quem fica assim
como era, sem envelhecer.
A
mesma inteligência irônica e provocativa.
- Já
você me parece muito abatido...
- É a
desvantagem de estar vivo, respondi, a gente envelhece.
Rimos,
nós dois.
Depois
o silêncio e com ele o meu medo dela desaparecer dos meus sonhos, pois sabia
que estava sonhando.
- Por
onde tu andas menina?
- Por
aí, disse ela ficando séria. Entre uma estrela e outra, pulando entre as cores
que não existem nas aquarelas, pensando nas coisas feitas e principalmente nas
que foram deixadas de fazer... e você?
- Por
aí, entre dias marcados na folhinha, clics de teclados e trabalhos que não
bastam.
Acho
que ela não gostou de minha resposta.
-
Morfeu, sei muito bem que tu faz o que é possível e ninguém poderá te pedir
mais do que isso... o possível.
- Mas
talvez seja pouco. Não é raro se estabelecer o desânimo. Acho que me falta
talento.
Sabe
guria doida, tu não deverias ter morrido por eles. Hoje te chamam de terrorista
e glorificam gente que esteve no lado do terror e...
-Mas
eu não morri por eles, Morfeu. Eu lutei por mim. E não me importa o que digam,
importa as razões que estão no meu coração.
Novo
silêncio.
Um
silêncio que se faz no sonho é mais completo e distante.
-
Valeu a pena, perguntei, quase envergonhado.
- Da
luta, não. Da forma, talvez. Mas, nem sempre somos nós que escrevemos o nosso
próprio destino.
Sorrindo
para disfarçar a minha dor, perguntei:
- Tu
dá aula de história para os anjos?
Ela
também sorriu. “Tu continuas o mesmo, brincando sempre que está nervoso”.
Ela se
moveu e percebi que se distanciava, tentei de alguma forma segui-la, mas não
consegui.
Ainda
ouvi um “estou indo” antes de abrir a boca para dizer qualquer coisa, mas
quando dei por mim olhava a parede vazia, levemente iluminada pela luz da luz.
Virei
para o lado e arrumei o travesseiro.
Essa é
uma vantagem de estar vivo... entre sonhos e saudades podemos sonhar de novo.
Prof.
Péricles