"...Quem arrancou à força dezenas de milhões de pessoas de seus lares na África e em outras regiões do mundo, durante o sombrio período da escravidão, fazendo daquelas pessoas vítimas da mais cega ganância materialista?
Quem ocupou terras e massivamente assaltou recursos naturais que eram patrimônio de outros povos, quem destruiu talentos e empurrou para a destruição os idiomas, as culturas e as identidades de tantos povos?
Quem deflagrou a primeira e a segunda guerras mundiais, que fizeram 70 milhões de mortos e centenas de milhões de feridos, de mutilados e de sem-tetos?
Quem criou a guerra na península da Coréia e no Vietnã?
Quem impôs e apoiou durante décadas ditaduras militares e regimes totalitários em países da Ásia, da África e da América Latina?
Quem atacou com armas atômicas população indefesa e desarmada e guarda milhares de ogivas nucleares em seus arsenais?
Quais são as economias que dependem, para crescer, de criar guerras e vender armas?
Quem provocou e estimulou Saddam Hussein a invadir e impor guerra de oito anos contra o Irã?
Quem usou os misteriosos incidentes de 11 de setembro como pretexto para atacar o Afeganistão e o Iraque – matando, ferindo, deslocando milhões de seres humanos de seus locais tradicionais de vida nos dois países –, exclusivamente para alcançar a ambição de controlar o Oriente Médio e seus recursos de petróleo?
Qual o país cujos gastos militares superam anualmente uma centena de bilhões de dólares, mais que todos os orçamentos militares de todos os povos do mundo, somados?
Quem domina o Conselho de Segurança da ONU, ao qual caberia zelar pela segurança internacional?
Se os EUA e seus aliados da OTAN cortassem pela metade seus gastos militares e usassem esses valores para ajudar a resolver os problemas econômicos em seus próprios países, estariam aqueles povos padecendo os sofrimentos da atual crise econômica mundial?
Que mundo teríamos, se a mesma quantidade de recursos fossem alocados nas nações mais pobres?...”
Trechos do discurso do Presidente do Irã na Assembléia Geral das Nações Unidas
quinta-feira, 29 de setembro de 2011
VÍTIMAS DA DITADURA 2: SOLANGE GOMES E A DOR QUE PERSEGUE
Paulista de Campinas, Solange Lourenço Gomes vivia no Rio de Janeiro e fez o curso clássico no Colégio Andrews e começou a estudar Psicologia na UFRJ em 1966.
Manteve por algum tempo ligações com o PCBR. Em 1968 vinculou-se à Dissidência da Guanabara, que posteriormente adotaria o nome MR-8, tendo de passar à clandestinidade por volta de setembro ou outubro de 1969.
Morava com Daniel Aarão Reis Filho, dirigente daquela organização, e após o seqüestro do embaixador norte-americano, foi identificada pelos órgãos de segurança a fiadora do imóvel em que o casal residia. Documentos policiais informam que Solange participou de várias ações armadas entre 1969 e 1970. No final de 1970 foi deslocada para a Bahia.
Nos primeiros dias de março de 1971, depois de participar de uma panfletagem no jogo de reinauguração do estádio da Fonte Nova, em Salvador, quando ocorreu uma perigosa correria entre a multidão, Solange parece ter sofrido um grave surto psicótico e teria se apresentado a uma dependência policial afirmando ser subversiva e fornecendo informações sobre o MR-8. Há documentos comprovando que ela foi interrogada pelo DOI-CODI do Rio e também em Salvador, sendo barbaramente torturada.
Em julho, a grande imprensa divulgou amplas matérias preparadas pelo aparelho de repressão do regime, apresentando-a como arrependida. Adotando a postura de cumplicidade com o regime militar que pautou boa parte da imprensa naquele período, um grande diário carioca de circulação nacional, em 28/07/1971, estampou com estardalhaço a manchete: Sexo é arma para atrair jovens à subversão.
Um ano depois, em 06/07/1972 foi julgada pela Justiça Militar, na 2ª Auditoria do Exército, no Rio, que determinou sua internação no manicômio judiciário pelo prazo mínimo de dois anos.
Depois de solta, em 1973, cursou Medicina e se casou em 1980 com Celso Pohlmann Livi. O marido informou que ela se manteve em tratamento psiquiátrico desde que saiu da prisão.
O Psiquiatra, Dr. Alberto Quielli Ambrósio, CRM 52 1830-3, relata: Durante anos pude testemunhar seu enorme esforço para recuperar-se do grave quadro psiquiátrico, psicótico, conseqüência de sua prisão em 1971. As torturas físicas e mentais a que foi submetida enquanto presa fizeram-na revelar nomes de companheiros de movimentos políticos, bem como esse depoimento no qual se dizia arrependida e renegava sua militância, foi amplamente divulgado em jornais, denegrindo sua moral enquanto mulher. Estes fatos fizeram-na sentir-se sempre culpada pela desgraça e morte das pessoas. Ajudada por nossos esforços, de sua família e marido, Solange obteve muitas e significativas melhoras, mas não conseguiu conviver com tantas marcas – insuperáveis.
Em 1o de agosto de 1982, Solange atirou-se da janela de seu apartamento, no terceiro andar da rua Barão da Torre, no Rio, vindo a falecer no hospital Miguel Couto. Tinha 34 anos.
Embora a data de sua morte seja muito posterior ao episódio da prisão e dos maus-tratos sofridos nos órgãos de segurança do regime militar, considera-se comprovado que o suicídio decorreu dos traumas irreversíveis sofridos em 1971.
Livremente adaptado do Jornal "O BERRO"
Manteve por algum tempo ligações com o PCBR. Em 1968 vinculou-se à Dissidência da Guanabara, que posteriormente adotaria o nome MR-8, tendo de passar à clandestinidade por volta de setembro ou outubro de 1969.
Morava com Daniel Aarão Reis Filho, dirigente daquela organização, e após o seqüestro do embaixador norte-americano, foi identificada pelos órgãos de segurança a fiadora do imóvel em que o casal residia. Documentos policiais informam que Solange participou de várias ações armadas entre 1969 e 1970. No final de 1970 foi deslocada para a Bahia.
Nos primeiros dias de março de 1971, depois de participar de uma panfletagem no jogo de reinauguração do estádio da Fonte Nova, em Salvador, quando ocorreu uma perigosa correria entre a multidão, Solange parece ter sofrido um grave surto psicótico e teria se apresentado a uma dependência policial afirmando ser subversiva e fornecendo informações sobre o MR-8. Há documentos comprovando que ela foi interrogada pelo DOI-CODI do Rio e também em Salvador, sendo barbaramente torturada.
Em julho, a grande imprensa divulgou amplas matérias preparadas pelo aparelho de repressão do regime, apresentando-a como arrependida. Adotando a postura de cumplicidade com o regime militar que pautou boa parte da imprensa naquele período, um grande diário carioca de circulação nacional, em 28/07/1971, estampou com estardalhaço a manchete: Sexo é arma para atrair jovens à subversão.
Um ano depois, em 06/07/1972 foi julgada pela Justiça Militar, na 2ª Auditoria do Exército, no Rio, que determinou sua internação no manicômio judiciário pelo prazo mínimo de dois anos.
Depois de solta, em 1973, cursou Medicina e se casou em 1980 com Celso Pohlmann Livi. O marido informou que ela se manteve em tratamento psiquiátrico desde que saiu da prisão.
O Psiquiatra, Dr. Alberto Quielli Ambrósio, CRM 52 1830-3, relata: Durante anos pude testemunhar seu enorme esforço para recuperar-se do grave quadro psiquiátrico, psicótico, conseqüência de sua prisão em 1971. As torturas físicas e mentais a que foi submetida enquanto presa fizeram-na revelar nomes de companheiros de movimentos políticos, bem como esse depoimento no qual se dizia arrependida e renegava sua militância, foi amplamente divulgado em jornais, denegrindo sua moral enquanto mulher. Estes fatos fizeram-na sentir-se sempre culpada pela desgraça e morte das pessoas. Ajudada por nossos esforços, de sua família e marido, Solange obteve muitas e significativas melhoras, mas não conseguiu conviver com tantas marcas – insuperáveis.
Em 1o de agosto de 1982, Solange atirou-se da janela de seu apartamento, no terceiro andar da rua Barão da Torre, no Rio, vindo a falecer no hospital Miguel Couto. Tinha 34 anos.
Embora a data de sua morte seja muito posterior ao episódio da prisão e dos maus-tratos sofridos nos órgãos de segurança do regime militar, considera-se comprovado que o suicídio decorreu dos traumas irreversíveis sofridos em 1971.
Livremente adaptado do Jornal "O BERRO"
sexta-feira, 23 de setembro de 2011
TORTURADORES E CONSCIÊNCIAS
O advogado João Lucena Leal, radicado em Rondônia há trinta anos, chocou o Brasil, em rede nacional de televisão, com um depoimento frio sobre mortes e torturas durante o regime militar.
Lucena, que é considerado um dos maiores torturadores ainda vivos, falou ao jornalista Roberto Cabrini, do programa Conexão Repórter, do SBT.
Agente da repressão a serviço dos militares que tomaram o poder no País com o golpe de março de 1964, João Lucena Leal foi descrito como o típico homem dos porões da ditadura. Na entrevista, Lucena descreveu, com tranqüilidade e frieza, o que viu e o que fez com os adversários políticos do regime. "O sujetio amarrado, algemado e o executor puxava o gatilho e matava", disse ele ao narrar uma das cenas entre as inúmeras das quais presenciou e participou.
Para Lucena, a tortura se justifica "para extrair uma informação ardente".
Fazia parte de seu trabalho extrair tais informações dos ativistas políticos. "Eu executava com nobreza", acrescentou. Ex-delegado da Polícia Federal, mesmo acusado de cometer atrocidades, Lucena disse estar orgulhoso de tudo o que fez.
Com a saúde severamente abalada após um ataque cardíaco e acusado de ser um torturador impiedoso, mesmo assim o homem da repressão diz ter a consciência e um sono tranqüilos.
Na entrevista, informou ter apenas um remorso. Foi quando viu o corpo de uma moça de 17 anos morta pelos militares. "Peguei no corpo dela e ainda estava quente. A moça não tinha ideologia nenhuma".
Em Rondônia, Lucena ficou rico como advogado de traficantes e de notórios assassinos, como o fazendeiro Darli Alves, que matou a tiros, no Acre, o líder seringueiro Chico Mendes.
Mostrando profundo conhecimento no assunto, o advogado disse que, na sua época, o método mais utilizado era o pau de arara, nas suas palavras , "um instrumento cruel, devastador, que deixa seqüelas. Tem muita gente que não resiste meia hora e conta tudo. Às vezes, é só mostrar o instrumento e ele (a vítima) abre".
O hoje professor José Auri Pinheiro, professor na época, foi torturado barbaramente por dois dias. Ele reconheceu Lucena durante a entrevista a Roberto Cabrini, que lhe mostrou uma foto do advogado quando ainda era mais novo. "O Lucena é um torturador conhecido aqui no Ceará. Em 1973 fui torturado por ele, que é um sujetio explosivo, impulsivo e malvado, que só falava em matar, em destruir as pessoas", contou Auri. Segundo ele, Lucena torturava as vítimas ” com sadismo, com convicção”.
Lucena afirmou ter visto de dez a 15 execuções de guerrilheiros do PC do B no Araguaia, entre elas, a morte de uma jovem identificada por ele como Sônia, que foi assassinada pelo hoje major reformado do Exército Sebastião Curió.
No meio da entrevista, João Lucena disse que, no Araguaia, foi preso o então estudante José Genoíno, que viria a ser presidente do Partido dos Trabalhadores e atualmente é assessor do Ministério da Defesa.
Segundo Lucena, Genoíno não foi torturado e fez um acordo para delatar os companheiros de guerrilha. O major Sebastião Curió confirma a afirmação de Lucena sobre o ex-dirigente petista. "O Genoíno não foi torturado e entregou todo mundo".
Tanto Curió quanto Lucena participaram das investigações e prisão da hoje presidente Dilma Rousseff, então militante política. "Ela (Dilma) era uma menina de 17 ou 18 anos de idade que foi presa e levada para a Operação Bandeirantes e entregue ao delegado Fleury (Sérgio Paranhos Fleury, notório torturador".
Por Nilva de Souza
Do Pragmatismo Político
Lucena, que é considerado um dos maiores torturadores ainda vivos, falou ao jornalista Roberto Cabrini, do programa Conexão Repórter, do SBT.
Agente da repressão a serviço dos militares que tomaram o poder no País com o golpe de março de 1964, João Lucena Leal foi descrito como o típico homem dos porões da ditadura. Na entrevista, Lucena descreveu, com tranqüilidade e frieza, o que viu e o que fez com os adversários políticos do regime. "O sujetio amarrado, algemado e o executor puxava o gatilho e matava", disse ele ao narrar uma das cenas entre as inúmeras das quais presenciou e participou.
Para Lucena, a tortura se justifica "para extrair uma informação ardente".
Fazia parte de seu trabalho extrair tais informações dos ativistas políticos. "Eu executava com nobreza", acrescentou. Ex-delegado da Polícia Federal, mesmo acusado de cometer atrocidades, Lucena disse estar orgulhoso de tudo o que fez.
Com a saúde severamente abalada após um ataque cardíaco e acusado de ser um torturador impiedoso, mesmo assim o homem da repressão diz ter a consciência e um sono tranqüilos.
Na entrevista, informou ter apenas um remorso. Foi quando viu o corpo de uma moça de 17 anos morta pelos militares. "Peguei no corpo dela e ainda estava quente. A moça não tinha ideologia nenhuma".
Em Rondônia, Lucena ficou rico como advogado de traficantes e de notórios assassinos, como o fazendeiro Darli Alves, que matou a tiros, no Acre, o líder seringueiro Chico Mendes.
Mostrando profundo conhecimento no assunto, o advogado disse que, na sua época, o método mais utilizado era o pau de arara, nas suas palavras , "um instrumento cruel, devastador, que deixa seqüelas. Tem muita gente que não resiste meia hora e conta tudo. Às vezes, é só mostrar o instrumento e ele (a vítima) abre".
O hoje professor José Auri Pinheiro, professor na época, foi torturado barbaramente por dois dias. Ele reconheceu Lucena durante a entrevista a Roberto Cabrini, que lhe mostrou uma foto do advogado quando ainda era mais novo. "O Lucena é um torturador conhecido aqui no Ceará. Em 1973 fui torturado por ele, que é um sujetio explosivo, impulsivo e malvado, que só falava em matar, em destruir as pessoas", contou Auri. Segundo ele, Lucena torturava as vítimas ” com sadismo, com convicção”.
Lucena afirmou ter visto de dez a 15 execuções de guerrilheiros do PC do B no Araguaia, entre elas, a morte de uma jovem identificada por ele como Sônia, que foi assassinada pelo hoje major reformado do Exército Sebastião Curió.
No meio da entrevista, João Lucena disse que, no Araguaia, foi preso o então estudante José Genoíno, que viria a ser presidente do Partido dos Trabalhadores e atualmente é assessor do Ministério da Defesa.
Segundo Lucena, Genoíno não foi torturado e fez um acordo para delatar os companheiros de guerrilha. O major Sebastião Curió confirma a afirmação de Lucena sobre o ex-dirigente petista. "O Genoíno não foi torturado e entregou todo mundo".
Tanto Curió quanto Lucena participaram das investigações e prisão da hoje presidente Dilma Rousseff, então militante política. "Ela (Dilma) era uma menina de 17 ou 18 anos de idade que foi presa e levada para a Operação Bandeirantes e entregue ao delegado Fleury (Sérgio Paranhos Fleury, notório torturador".
Por Nilva de Souza
Do Pragmatismo Político
sábado, 17 de setembro de 2011
O QUE O BRASIL ESCONDE
Revista IstoÉ
Edição nº 2184 | 16.Set.11
O que se sabe é que perduram pelo menos quatro grandes vertentes de mistérios a ser desvendados na história recente do País:
O primeiro desses grupos refere-se à fase inicial da revolução (sic), de 1964 até o sequestro do embaixador suíço Giovanni Butcher, em 1970, quando a matança de inimigos ainda não havia se constituído propriamente numa clara política de governo. Mesmo assim, o aparelho de repressão produziu uma série de vítimas. Os episódios foram pontuais e não há documentos oficiais conhecidos capazes de esclarecê-los. Entre os mais emblemáticos está a morte do ex-sargento Manoel Raimundo Soares, cujo cadáver foi encontrado boiando no rio Jacuí, em Porto Alegre, no que ficou conhecido como “caso das mãos amarradas”, de 1966. Também é dessa fase o assassinato do ex-deputado Rubens Paiva. Sequestrado em 20 de janeiro de 1971 dentro de sua própria casa, no Rio de Janeiro, Paiva foi morto após dois dias de tortura no Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). A ocultação da morte envolveu esforços da cúpula do governo e até hoje pouco se sabe dela. O assassinato do jornalista Vladimir Herzog, embora tenha ocorrido um pouco depois, em 1974, também pode ser incluído entre casos pontuais ainda sem explicação.
A outra vertente de mistério pertence à fase da chamada política de extermínio urbano, que vitimou militantes que retornaram de Cuba, banidos pelo regime militar e dirigentes de organizações de esquerda. É o momento em que começa a ficar claro que a repressão e a tortura fazem parte de uma política de Estado e não são apenas obras de agentes descontrolados dos porões da tortura. Uma das vítimas famosas do período é o estudante Frederico Eduardo Mayr, morto sob tortura. Os documentos conhecidos sobre sua prisão são típicos daqueles anos de chumbo: contraditórios e inconclusivos.
O terceiro grupo de episódios pendentes de esclarecimento refere-se aos fatos ocorridos a partir de outubro de 1973 durante a Guerrilha do Araguaia, quando todos os que estavam em batalha morreram. Integrante do grupo de trabalho criado pelo Ministério da Defesa para reconstituir o conflito, Myrian Alves sustenta que é no movimento organizado pelo PCdoB que estão os principais “esqueletos” escondidos tanto pela ditadura quanto pelo próprio partido. Entre eles, o sumiço do soldado Valdir de Paula, que pertencia ao comando militar do Pará.
O quarto e último grande grupo de mistérios do período da repressão remete já ao fim da ditadura militar, quando são exterminados dirigentes do PCB, durante a chamada Operação Radar. São casos como o de Orlando Bonfim Júnior, um dos “desaparecidos” do perío¬do. Não há sinais de Bonfim desde que ele foi levado por agentes da repressão ao presídio Castelo Branco, em outubro de 1975. “A resposta que buscamos é única: a verdade, o que aconteceu, onde estão os desaparecidos. Vamos esclarecer e virar essa página”, diz o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Para Paulo Abrão, secretário nacional de Justiça, a Comissão chega num instante em que o efeito do tempo é benéfico, “porque a distância dos fatos permite que hoje eles possam ser administrados de forma menos apaixonada”.
Pelo acordo fechado com o colégio de líderes pelos ministros José Eduardo Cardozo (Justiça), Celso Amorim (Defesa) e Maria do Rosário (Direitos Humanos), é provável que o projeto que cria a Comissão da Verdade seja aprovado na íntegra, como quer o governo. Por ele, a Comissão terá dois anos de vigência, seus sete integrantes serão insubstituíveis e terão ainda completa autonomia para revirar a história em busca da verdade. Ex-militante do PCdoB, preso na Guerrilha do Araguaia, torturado e condenado pela Justiça Militar, o ex-deputado José Genoino, assessor especial do Ministério da Defesa, afirma que não há riscos de a investigação descambar para o revanchismo nem de recolocar na agenda a lei de anistia ou a punição dos torturadores. Ele diz que o que foi pactuado pacifica o País, repõe a verdade histórica e afasta as animosidades que alimentaram a “guerra fria” entre esquerda e direita nos últimos 50 anos. “A comissão não será palanque e nem discutirá o que já foi resolvido pela anistia”, garante Genoino.
Edição nº 2184 | 16.Set.11
O que se sabe é que perduram pelo menos quatro grandes vertentes de mistérios a ser desvendados na história recente do País:
O primeiro desses grupos refere-se à fase inicial da revolução (sic), de 1964 até o sequestro do embaixador suíço Giovanni Butcher, em 1970, quando a matança de inimigos ainda não havia se constituído propriamente numa clara política de governo. Mesmo assim, o aparelho de repressão produziu uma série de vítimas. Os episódios foram pontuais e não há documentos oficiais conhecidos capazes de esclarecê-los. Entre os mais emblemáticos está a morte do ex-sargento Manoel Raimundo Soares, cujo cadáver foi encontrado boiando no rio Jacuí, em Porto Alegre, no que ficou conhecido como “caso das mãos amarradas”, de 1966. Também é dessa fase o assassinato do ex-deputado Rubens Paiva. Sequestrado em 20 de janeiro de 1971 dentro de sua própria casa, no Rio de Janeiro, Paiva foi morto após dois dias de tortura no Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). A ocultação da morte envolveu esforços da cúpula do governo e até hoje pouco se sabe dela. O assassinato do jornalista Vladimir Herzog, embora tenha ocorrido um pouco depois, em 1974, também pode ser incluído entre casos pontuais ainda sem explicação.
A outra vertente de mistério pertence à fase da chamada política de extermínio urbano, que vitimou militantes que retornaram de Cuba, banidos pelo regime militar e dirigentes de organizações de esquerda. É o momento em que começa a ficar claro que a repressão e a tortura fazem parte de uma política de Estado e não são apenas obras de agentes descontrolados dos porões da tortura. Uma das vítimas famosas do período é o estudante Frederico Eduardo Mayr, morto sob tortura. Os documentos conhecidos sobre sua prisão são típicos daqueles anos de chumbo: contraditórios e inconclusivos.
O terceiro grupo de episódios pendentes de esclarecimento refere-se aos fatos ocorridos a partir de outubro de 1973 durante a Guerrilha do Araguaia, quando todos os que estavam em batalha morreram. Integrante do grupo de trabalho criado pelo Ministério da Defesa para reconstituir o conflito, Myrian Alves sustenta que é no movimento organizado pelo PCdoB que estão os principais “esqueletos” escondidos tanto pela ditadura quanto pelo próprio partido. Entre eles, o sumiço do soldado Valdir de Paula, que pertencia ao comando militar do Pará.
O quarto e último grande grupo de mistérios do período da repressão remete já ao fim da ditadura militar, quando são exterminados dirigentes do PCB, durante a chamada Operação Radar. São casos como o de Orlando Bonfim Júnior, um dos “desaparecidos” do perío¬do. Não há sinais de Bonfim desde que ele foi levado por agentes da repressão ao presídio Castelo Branco, em outubro de 1975. “A resposta que buscamos é única: a verdade, o que aconteceu, onde estão os desaparecidos. Vamos esclarecer e virar essa página”, diz o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Para Paulo Abrão, secretário nacional de Justiça, a Comissão chega num instante em que o efeito do tempo é benéfico, “porque a distância dos fatos permite que hoje eles possam ser administrados de forma menos apaixonada”.
Pelo acordo fechado com o colégio de líderes pelos ministros José Eduardo Cardozo (Justiça), Celso Amorim (Defesa) e Maria do Rosário (Direitos Humanos), é provável que o projeto que cria a Comissão da Verdade seja aprovado na íntegra, como quer o governo. Por ele, a Comissão terá dois anos de vigência, seus sete integrantes serão insubstituíveis e terão ainda completa autonomia para revirar a história em busca da verdade. Ex-militante do PCdoB, preso na Guerrilha do Araguaia, torturado e condenado pela Justiça Militar, o ex-deputado José Genoino, assessor especial do Ministério da Defesa, afirma que não há riscos de a investigação descambar para o revanchismo nem de recolocar na agenda a lei de anistia ou a punição dos torturadores. Ele diz que o que foi pactuado pacifica o País, repõe a verdade histórica e afasta as animosidades que alimentaram a “guerra fria” entre esquerda e direita nos últimos 50 anos. “A comissão não será palanque e nem discutirá o que já foi resolvido pela anistia”, garante Genoino.
A TERRA SE DEFENDE
Por Leonardo Boff
Hoje é vastamente aceita e entrou já nos manuais de ecologia mais recentes (cf.R. Barbault, Ecologia Geral, Vozes 2011) a ideia de que a Terra é viva.
Primeiramente, ela foi proposta pelo geoquímico russo W. Vernadsky na década de 1920 e retomada, nos anos de 1970, com mais profundidade por J. Lovelock e entre nós por J. Lutzenberger, chamando-a de Gaia. Com isso se quer significar que a Terra é um gigantesco superorganismo que se autorregula, fazendo com que todos os seres se interconectem e cooperem entre si. Nada está à parte, pois tudo é expressão da vida de Gaia, inclusive as sociedades humanas, seus projetos culturais e suas formas de produção e consumo.
Ao gerar o ser humano, consciente e livre, a própria Gaia se pôs em risco. Ele é chamado a viver em harmonia com ela mas pode também o romper o laço de pertença. Ela é tolerante, mas quando a ruptura se torna danosa para o todo, ela nos dá amargas lições.
Todos estão lamentando o baixo crescimento mundial, especialmente nos países centrais. As razões aduzidas são múltiplas. Mas para uma visão da ecologia radical, não se deveria excluir a interpretação de que tal fato resulte de uma reação da própria Terra face à excessiva exploração pelo sistema produtivista e consumista que tomou conta do mundo. Ele levou tão longe a agressão ao sistema-Terra a ponto de, como afirmam alguns cientistas, inauguramos uma nova era geológica: o antropoceno, o ser humano como uma força geológica destrutiva, acelerando a sexta extinção em massa que já há milênios está em curso.
Gaia estaria se defendendo, debilitando as condições do arraigado mito de todas as sociedades atuais, inclusive a do Brasil: do crescimento, o maior possível, com consumo ilimitado.
Já em 1972 o Clube de Roma se dava conta dos limites do crescimento, este não sendo mais suportável pela Terra. Ela precisa de um ano e meio para repor o que extraímos dela num ano. Portanto, o crescimento é hostil à vida e fere a resiliência da Mãe Terra. Mas não sabemos nem queremos interpretar os sinais que ela nos dá. Queremos continuar a crescer mais e mais e, consequentemente, a consumir à tripa forra. O relatório “Perspectivas Econômicas Mundiais” do FMI, prevê para 2012 um crescimento mundial de 4,3%. Vale dizer, vamos tirar mais riquezas da Terra, desequilibrando-a como se mostra pelo aquecimento global.
A “Avaliação Sistêmica do Milênio” realizada entre 2001 e 2005 pela ONU, ao constatar a degradação dos principais itens que sustentam a vida advertiu: ou mudamos de rota ou pomos em risco o futuro de nossa civilização.
A crise econômico-financeira de 2008 e retornada agora em 2011 refuta o mito do crescimento. Há uma cegueira generalizada que não poupa sequer os 17 Nobeis da economia, como se viu recentemente no seu encontro no lago Lindau no sul da Alemanha. À exceção de J. Stiglitz, todos eram concordes em sustentar que o marco teórico da atual economia não teve nenhuma responsabilidade pela crise atual (Página 12, B. Aires, 28/08/2011). Por isso, ingenuamente postularam seguir a mesma rota de crescimento, com correções, sem se dar conta de que estão sendo maus conselheiros.
Mas importa reconhecer um dilema de difícil solução: há regiões do planeta que precisam crescer para atender demandas de pobres, obviamente, cuidando da natureza e evitando a incorporação da cultura do consumismo; e outras regiões já superdesenvolvidas precisam ser solidárias com as pobres, controlar seu crescimento, tomar apenas o que é natural e renovável, restaurar o que devastaram e devolver mais do que retiraram para que as futuras gerações também possam viver com dignidade, junto com a comunidade de vida.
A redução atual do crescimento representaria uma reação sábia da própria Terra que nos passa este recado: “parem com a idéia tresloucada de um crescimento ilimitado, pois ele é como um câncer que vai comendo todas as células sãs; busquem o desenvolvimento humano, dos bens intangíveis que, este sim, pode crescer sem limites como o amor, o cuidado, a solidariedade, a compaixão, a criação artística e espiritual”.
Não incorro em erro na crença de que está havendo ouvidos atentos para essa mensagem e que faremos a travessia ansiada.
Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor.
Hoje é vastamente aceita e entrou já nos manuais de ecologia mais recentes (cf.R. Barbault, Ecologia Geral, Vozes 2011) a ideia de que a Terra é viva.
Primeiramente, ela foi proposta pelo geoquímico russo W. Vernadsky na década de 1920 e retomada, nos anos de 1970, com mais profundidade por J. Lovelock e entre nós por J. Lutzenberger, chamando-a de Gaia. Com isso se quer significar que a Terra é um gigantesco superorganismo que se autorregula, fazendo com que todos os seres se interconectem e cooperem entre si. Nada está à parte, pois tudo é expressão da vida de Gaia, inclusive as sociedades humanas, seus projetos culturais e suas formas de produção e consumo.
Ao gerar o ser humano, consciente e livre, a própria Gaia se pôs em risco. Ele é chamado a viver em harmonia com ela mas pode também o romper o laço de pertença. Ela é tolerante, mas quando a ruptura se torna danosa para o todo, ela nos dá amargas lições.
Todos estão lamentando o baixo crescimento mundial, especialmente nos países centrais. As razões aduzidas são múltiplas. Mas para uma visão da ecologia radical, não se deveria excluir a interpretação de que tal fato resulte de uma reação da própria Terra face à excessiva exploração pelo sistema produtivista e consumista que tomou conta do mundo. Ele levou tão longe a agressão ao sistema-Terra a ponto de, como afirmam alguns cientistas, inauguramos uma nova era geológica: o antropoceno, o ser humano como uma força geológica destrutiva, acelerando a sexta extinção em massa que já há milênios está em curso.
Gaia estaria se defendendo, debilitando as condições do arraigado mito de todas as sociedades atuais, inclusive a do Brasil: do crescimento, o maior possível, com consumo ilimitado.
Já em 1972 o Clube de Roma se dava conta dos limites do crescimento, este não sendo mais suportável pela Terra. Ela precisa de um ano e meio para repor o que extraímos dela num ano. Portanto, o crescimento é hostil à vida e fere a resiliência da Mãe Terra. Mas não sabemos nem queremos interpretar os sinais que ela nos dá. Queremos continuar a crescer mais e mais e, consequentemente, a consumir à tripa forra. O relatório “Perspectivas Econômicas Mundiais” do FMI, prevê para 2012 um crescimento mundial de 4,3%. Vale dizer, vamos tirar mais riquezas da Terra, desequilibrando-a como se mostra pelo aquecimento global.
A “Avaliação Sistêmica do Milênio” realizada entre 2001 e 2005 pela ONU, ao constatar a degradação dos principais itens que sustentam a vida advertiu: ou mudamos de rota ou pomos em risco o futuro de nossa civilização.
A crise econômico-financeira de 2008 e retornada agora em 2011 refuta o mito do crescimento. Há uma cegueira generalizada que não poupa sequer os 17 Nobeis da economia, como se viu recentemente no seu encontro no lago Lindau no sul da Alemanha. À exceção de J. Stiglitz, todos eram concordes em sustentar que o marco teórico da atual economia não teve nenhuma responsabilidade pela crise atual (Página 12, B. Aires, 28/08/2011). Por isso, ingenuamente postularam seguir a mesma rota de crescimento, com correções, sem se dar conta de que estão sendo maus conselheiros.
Mas importa reconhecer um dilema de difícil solução: há regiões do planeta que precisam crescer para atender demandas de pobres, obviamente, cuidando da natureza e evitando a incorporação da cultura do consumismo; e outras regiões já superdesenvolvidas precisam ser solidárias com as pobres, controlar seu crescimento, tomar apenas o que é natural e renovável, restaurar o que devastaram e devolver mais do que retiraram para que as futuras gerações também possam viver com dignidade, junto com a comunidade de vida.
A redução atual do crescimento representaria uma reação sábia da própria Terra que nos passa este recado: “parem com a idéia tresloucada de um crescimento ilimitado, pois ele é como um câncer que vai comendo todas as células sãs; busquem o desenvolvimento humano, dos bens intangíveis que, este sim, pode crescer sem limites como o amor, o cuidado, a solidariedade, a compaixão, a criação artística e espiritual”.
Não incorro em erro na crença de que está havendo ouvidos atentos para essa mensagem e que faremos a travessia ansiada.
Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor.
sexta-feira, 16 de setembro de 2011
VÍTIMAS DA DITADURA: STUART EDGAR ANGEL JONES
Stuart Edgar Angel Jones era filho da estilista de alta costura Zuzu Angel com o norte-americano Norman Angel Jones. Nasceu em Salvador, em 11/01/1945 e cresceu no Rio de Janeiro. Era estudante de Economia na Universidade Federal do Rio de Janeiro, tendo trabalhado também como professor. Em 18/08/1968, havia casado com Sonia Maria Lopes de Moraes e Moravam na Tijuca.
Era militante do Militante do MR-8
Foi preso por volta das 9h da manhã do dia 14 de maio de 1971, na avenida 28 de Setembro, em Vila Isabel, zona norte do Rio de Janeiro.
As circunstâncias de sua morte sob torturas foram narradas, em carta à sua mãe, Zuzu, pelo preso político Alex Polari de Alverga, que esteve com ele, preso na unidade da Aeronáutica, na Base Aérea do Galeão.
“Em um momento retiraram o capuz e pude vê-lo sendo espancado depois de descido do pau-de-arara. Antes, à tarde, ouvi durante muito tempo um alvoroço no pátio. Havia barulho de carros sendo ligados, acelerações, gritos, e uma tosse constante de engasgo e que pude notar que se sucedia sempre às acelerações. Consegui com muito esforço olhar pela janela que ficava a uns dois metros do chão e me deparei com algo difícil de esquecer: junto a um sem número de torturadores, oficiais e soldados, Stuart, já com a pele semi-esfolada, era arrastado de um lado para outro do pátio, amarrado a uma viatura e, de quando em quando, obrigado, com a boca quase colada a uma descarga aberta, a aspirar gases tóxicos que eram expelidos.”
Presume-se que os militares o torturaram com tamanha brutalidade porque pretendiam, através dele, chegar a Carlos Lamarca, recentemente integrado à organização.
Zuzu Angel procurou o filho infatigavelmente, abordando autoridades nacionais e internacionais e concedendo entrevistas a quantos veículos de imprensa tivessem a coragem de publicá-las. Conseguiu fazer chegar sua denúncia ao então senador Edward Kennedy, que levou o caso à tribuna do Senado dos Estados Unidos.
Pessoalmente, conseguiu entregar ao secretário de Estado Henry Kissinger, em visita ao Brasil em fevereiro de 1976, uma carta com a denúncia e um exemplar do livro de Hélio Silva, onde era relatada a morte de Stuart. Todos os principais jornais estrangeiros registraram o fato, em especial o Washington Post e Le Monde.
Zuzu foi morta, em março de 1976, sem nunca descobrir qualquer indício do paradeiro do filho. O desaparecimento de Stuart e a luta de Zuzu foram evocados por Chico Buarque e Miltinho na canção Angélica, de 1977, e levados ao cinema, em 2006, pelo diretor Sérgio Rezende, tendo a atriz Patrícia Pilar atuado como a mãe de Stuart.
No livro “Desaparecidos Políticos”, Reinaldo Cabral e Ronaldo Lapa escrevem:
“Para o desaparecimento do corpo existem duas versões. A primeira é de que teria sido transportado por um helicóptero da Marinha para uma área militar localizada na restinga de Marambaia, na Barra de Guaratiba, próximo à zona rural do Rio, e jogado em alto-mar pelo mesmo helicóptero. Mas, de acordo com outras informações, o corpo de Stuart teria sido enterrado como indigente, com o nome trocado, num cemitério de um subúrbio carioca, provavelmente Inhaúma.”
Muito mais que um exemplo de coragem, a estilista Zuleika Angel Jones, mais conhecida como Zuzu Angel, foi uma mãe determinada a dizer ao mundo como é cruel ter um filho assassinado sob torturas e não ter o direito de sepultá-lo com dignidade.
Longe de ser uma ativista política, Zuzu Angel era apenas uma estilista reconhecida do Brasil e no exterior preocupada em fazer o seu trabalho.
Zuzu Angel gostava de mostrar aos amigos a última carta que recebera de seu filho:
“Mãe,
Você me pergunta se eu acredito em Deus e eu te pergunto, que Deus? Tem sido minha missão te mostrar Deus dentro do homem, pois, somente no homem ele pode existir.
Não há homem pobre ou insignificante que pareça ser, que não tenha uma missão. Todo homem por si só influencia a natureza do futuro. Através de nossas vidas nós criamos ações que resultam na multiplicação de reações.
Esse poder, que todos nós possuímos, esse poder de mudar o curso da história, é o poder de Deus. Confrontado com essa responsabilidade divina eu me curvo diante do Deus dentro de mim.
Adaptado do Jornal "O Berro"
Era militante do Militante do MR-8
Foi preso por volta das 9h da manhã do dia 14 de maio de 1971, na avenida 28 de Setembro, em Vila Isabel, zona norte do Rio de Janeiro.
As circunstâncias de sua morte sob torturas foram narradas, em carta à sua mãe, Zuzu, pelo preso político Alex Polari de Alverga, que esteve com ele, preso na unidade da Aeronáutica, na Base Aérea do Galeão.
“Em um momento retiraram o capuz e pude vê-lo sendo espancado depois de descido do pau-de-arara. Antes, à tarde, ouvi durante muito tempo um alvoroço no pátio. Havia barulho de carros sendo ligados, acelerações, gritos, e uma tosse constante de engasgo e que pude notar que se sucedia sempre às acelerações. Consegui com muito esforço olhar pela janela que ficava a uns dois metros do chão e me deparei com algo difícil de esquecer: junto a um sem número de torturadores, oficiais e soldados, Stuart, já com a pele semi-esfolada, era arrastado de um lado para outro do pátio, amarrado a uma viatura e, de quando em quando, obrigado, com a boca quase colada a uma descarga aberta, a aspirar gases tóxicos que eram expelidos.”
Presume-se que os militares o torturaram com tamanha brutalidade porque pretendiam, através dele, chegar a Carlos Lamarca, recentemente integrado à organização.
Zuzu Angel procurou o filho infatigavelmente, abordando autoridades nacionais e internacionais e concedendo entrevistas a quantos veículos de imprensa tivessem a coragem de publicá-las. Conseguiu fazer chegar sua denúncia ao então senador Edward Kennedy, que levou o caso à tribuna do Senado dos Estados Unidos.
Pessoalmente, conseguiu entregar ao secretário de Estado Henry Kissinger, em visita ao Brasil em fevereiro de 1976, uma carta com a denúncia e um exemplar do livro de Hélio Silva, onde era relatada a morte de Stuart. Todos os principais jornais estrangeiros registraram o fato, em especial o Washington Post e Le Monde.
Zuzu foi morta, em março de 1976, sem nunca descobrir qualquer indício do paradeiro do filho. O desaparecimento de Stuart e a luta de Zuzu foram evocados por Chico Buarque e Miltinho na canção Angélica, de 1977, e levados ao cinema, em 2006, pelo diretor Sérgio Rezende, tendo a atriz Patrícia Pilar atuado como a mãe de Stuart.
No livro “Desaparecidos Políticos”, Reinaldo Cabral e Ronaldo Lapa escrevem:
“Para o desaparecimento do corpo existem duas versões. A primeira é de que teria sido transportado por um helicóptero da Marinha para uma área militar localizada na restinga de Marambaia, na Barra de Guaratiba, próximo à zona rural do Rio, e jogado em alto-mar pelo mesmo helicóptero. Mas, de acordo com outras informações, o corpo de Stuart teria sido enterrado como indigente, com o nome trocado, num cemitério de um subúrbio carioca, provavelmente Inhaúma.”
Muito mais que um exemplo de coragem, a estilista Zuleika Angel Jones, mais conhecida como Zuzu Angel, foi uma mãe determinada a dizer ao mundo como é cruel ter um filho assassinado sob torturas e não ter o direito de sepultá-lo com dignidade.
Longe de ser uma ativista política, Zuzu Angel era apenas uma estilista reconhecida do Brasil e no exterior preocupada em fazer o seu trabalho.
Zuzu Angel gostava de mostrar aos amigos a última carta que recebera de seu filho:
“Mãe,
Você me pergunta se eu acredito em Deus e eu te pergunto, que Deus? Tem sido minha missão te mostrar Deus dentro do homem, pois, somente no homem ele pode existir.
Não há homem pobre ou insignificante que pareça ser, que não tenha uma missão. Todo homem por si só influencia a natureza do futuro. Através de nossas vidas nós criamos ações que resultam na multiplicação de reações.
Esse poder, que todos nós possuímos, esse poder de mudar o curso da história, é o poder de Deus. Confrontado com essa responsabilidade divina eu me curvo diante do Deus dentro de mim.
Adaptado do Jornal "O Berro"
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