sábado, 28 de janeiro de 2017

A PIOR DAS DROGAS


O primeiro sintoma foi quase imperceptível... uma risadinha, meio de lado e escondida. Mas, ele percebeu e se preocupou. Fora uma piada infame e racista, porque aquela risadinha?

Mas, no segundo sinal ele se assustou de verdade. Foi quando numa noite qualquer ele se percebeu assistindo uma partida de basquete da NBA. Ele nunca gostou de basquete... o que estaria acontecendo?

Depois disso ele teve a primeira crise. Foi num domingo que ele jamais esquecerá.

Assistiu à partida de futebol e mergulhou direto no programa do âncora gordo e sem graça. Até hoje se arrepia ao lembrar sua passividade em permanecer sentado na poltrona enquanto seus olhos, e, pior, sua audição, eram agredidas de maneira tão desumana.

Teve que se arrastar para chegar até o controle remoto em cima da estante para impedir que o programa do final de domingo concluísse a tragédia.

Passou a sentir um misto de vergonha e de medo.

Pensou em pedir ajuda, mas temia os olhares de compaixão que poderia receber.

Um médico, talvez um médico pudesse auxilia-lo. Ele não sabia.

Enquanto temia ser descoberto, uma segunda crise quase acabou com sua sanidade. Num dia da semana que sua memória se recusa a detalhar ele assistiu todo o jornal noturno, que ele lembra bem, ficava entre novelas... oh Deus!.

Tentando evitar o pânico, encheu-se de coragem e, num rompante que lhe custou toneladas de suor, contou tudo para a namorada, uma estudante de psicologia da PUC.

A moça ouviu tudo de boca aberta, nem Freud, nem Jung a prepararam para aquele relato, mas, quando ele terminou, tentou mostrar calma e lucidez. Disse que deveria existir alguma terapia, uma simpatia ou uma boa mãe de santo que pudesse ajudar. O importante era ele assumir que precisava de ajuda e ela, sua namorada, não iria lhe faltar.

Ele nunca mais a viu.

Mas não a culpa, não é qualquer amor que sobrevive às expiações desse tipo.

Porém, ele lutaria, e muito, por sua vida.

Buscou grupos de autoajuda. Confessou entre lágrimas que fazia duas semanas que começara a acreditar no que aquele canal televiso dizia. Foi abraçado pelos companheiros emocionados e voltou pra casa se sentindo melhor.

Hoje ele já está há dois meses “limpo”. Não assistiu mais, nesse período, aquele canal, nem mesmo uma espiadinha. Mas teme as sequelas. As vezes se surpreende chamando alguém de viadinho e sabe que isso talvez nunca saia de sua mente.

Voltou a ler bons livros, discutir sobre política, voltou a conversar com amigos de esquerda e até a namorada tentou voltar, mas ele, achou melhor deixar assim, pois time que está ganhando não se mexe.

Ele sabe que não está curado. A midiotia não tem cura. Mas tem controle, ô se tem.

Toda vez que lembra da intolerância que repetiu sem perceber, dos preconceitos e da homofobia subliminares que disseminou, sente-se infeliz. Mas, já fez uma listinha de todos com quem conversou naquela fase e prejudicou com as besteiras que disse e prometeu pra si mesmo procurar um a um para pedir perdão.

Para os mais jovens que o procuram para saber de sua experiência, ele não nega que foi e está sendo difícil retornar ao mundo dos que pensam por si mesmos e geralmente termina suas horripilantes narrativas com uma frase que se tornou seu mantra:

A alienação enferruja o coração, meninos, enferruja sim, e concluiu com um olhar de que muito sofreu: não experimentem... evitem as olhadinhas ligeiras quando atravessa a sala. A midioia é a pior das drogas, ela mata os neurônios, polui os ideais e atinge nosso sistema imunológico contra a estupidez.


Prof. Péricles









quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

O AVC MAIS LETAL

Nunca na história desse país, um ex-presidente foi tão perseguido, como se governar o país tivesse sido um ato criminoso, imperdoável.

Nunca, na história desse país, um ex-presidente foi tão odiado e tratado como nem mesmo bandidos o são nas esferas do poder.

Houve um presidente, Prudente de Moraes, que ordenou uma ação militar que matou 25 mil brasileiros no Arraial de Canudos, mas esse presidente, era advogado, doutor, jamais foi tão odiado.

Teve um outro que prometeu no exterior pagar a dívida externa, criou um plano econômico chamado “funding Loan” (língua da metrópole, claro) e promoveu um arrocho insuportável aos brasileiros mais pobres, mas esse, Campos Sales, também era advogado, representante da elite cafeeira e, claro, nunca foi odiado além de um apelido irritadiço, Campos Selos.

Depois dele teve mais um advogado, Nilo Peçanha, que criou um órgão de terror chamado SPI (Serviço de Proteção ao Índio) que exterminou quem deveria proteger além de roubar suas terras, mas Nilo, oras, jamais foi odiado por ninguém além dos mortos.

Já seu sucessor, Hermes da Fonseca, perseguiu os sertanejos do Padre “santo” Cícero Romão Batista, criou uma estrada de ferro às custas da morte de dezenas de trabalhadores que ligava o nada para lugar nenhum, mas, era marechal, e ninguém odeia um militar no Brasil.

No nosso país, teve um governador da elite paulista cujo slogan era “esse rouba mas faz”, um ministro da ditadura militar famoso no exterior por contrabandear pedras preciosas nativas para lá, um outro governador da elite paulista cuja fortuna em seu nome ele apenas dizia não lhe pertencer, um presidente eleito pela mídia que pagava até gastos domésticos com “sobras de campanha”, mas nunca se percebeu a existência da corrupção como agora, simplesmente para perseguir pessoas.

O uso da corrupção como arma política é abjeto na medida em que quem a usa posa de moralista impoluto, no meio do pântano da corrupção.

Um dos grandes enigmas da humanidade é entender esse ódio.

Por que tanto ódio contra alguém que mesmo depois de dois mandatos não tem apartamento em Paris, Iate, ou qualquer ato corrupto comprovado?

Será que é por que é nordestino? Por que não é doutor? Ou por que é tão parecido com aqueles que o odeiam e se sentem covardes diante de sua coragem diante dos poderosos?

Ironia ainda maior é saber que apenas aqui, na terra brasilis esse homem é tão odiado.

Vejam, por exemplo, a notícia de rodapé do “Estadão On-line” de 20/01/2017, que com certeza não se ouvirá na mídia que manda no Brasil:

“O presidente Luiz Inácio Lula da Silva receberá o prêmio de Estadista Global do Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), no dia 29 desse mês de janeiro). Esta é a primeira edição da homenagem, criada para marcar o aniversário de 40 anos do Fórum.

Conforme a organização do evento, o prêmio tem o objetivo de destacar um líder político que tenha usado o mandato para melhorar a situação do mundo.

“O presidente do Brasil tem demonstrado verdadeiro compromisso com todas as áreas da sociedade”, disse o fundador e presidente do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab, em nota à Agência Estado.

Segundo ele, esse compromisso tem seguido de mãos dadas com o objetivo de integrar crescimento econômico e justiça social. “O presidente Lula é um exemplo a ser seguido para a liderança global. ”

A entrega do prêmio será feita pelo ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan, e está prevista para às 11h30 [horário local; 8h30 de Brasília] do dia 29, quando o presidente brasileiro fará um discurso. Em seguida, terá início um painel de discussão sobre o Brasil. O objetivo é debater os atuais condutores do crescimento do País e os desafios à frente”.

Esse tipo de acontecimento deveria ser aplaudido, reconhecido e comemorado como um fato histórico de relevância num país tão carente de reconhecimento internacional, como o nosso. Mas é escondido como se fosse algo degradante.

Nunca na história desse país, alguém foi tão invejado e odiado assim.

Que mal fez esse homem para o brasileiro médio, trabalhador assalariado, despossuído de latifúndios e de interesses coorporativos?

Esse ódio é de difícil explicação epistemológica, sociológica, racional.

Sua esposa, Marisa Letícia, ex-primeira dama (a mídia costuma não citar essa expressão dedicada às esposas dos doutores) provavelmente desgastada por tanta sordidez, agora padece vítima de um AVC.

A mulher que um dia ganhou a vida fazendo faxina e combatendo a sujeira, não está mais resistindo à sujeira que não pode ser extirpada por uma boa faxina... a sujeira moral.

Provavelmente o homem mais odiado do Brasil esteja para se tornar também, o mais solitário.

Talvez faça bem a esquerda brasileira em geral e o PT em particular, em se preparar para viver sem a presença física desse grande líder agonizante, vítima de um ódio patológico crônico e inexplicável.

O AVC da mágoa costuma ser mais letal que o AVC hemorrágico.




Prof. Péricles

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

FIDEL VIVE NA REVOLUÇÃO VITORIOSA



Por Sergio Nogueira Lopes

A morte do comandante Fidel Castro, líder de uma revolução heroica e vitoriosa, simboliza o desaparecimento de parcela da Humanidade. Morrem com ele, símbolo de luta sem trégua contra o fascismo e o imperialismo que ora se impõem, no Ocidente, os sonhos de todos aqueles que, até o último suspiro, lançaram-se no enfrentamento à miséria e à exploração do homem pelo homem.

Nesse ciclo da vida, não há outro de sua estatura.

Fidel mostrou ao mundo que a arma mais quente dos idealistas não é aquela carregada de pólvora e chumbo. Mas com o respeito à fragilidade humana.

O líder de uma Nação tratada como quintal, bordel, pocilga de corruptos e entreguistas, pegou em armas. Sua coragem e a de tantos companheiros, a exemplo de Camilo Cienfuegos e Ernesto Che Guevara, expulsaram das fronteiras cubanas a potência imperialista da vez.

A vitória no campo militar, por mais relevante e significativa, no entanto, equilibra-se com as conquistas sociais. Ao longo de quase um século, Cuba tornou-se exemplo de solidariedade e humanismo.

Os vizinhos do Norte exportam armas e guerras. Mas os cubanos enviam os médicos e o modelo de Educação que curam do analfabetismo e do descaso os pobres, os desvalidos.

“Milhares de crianças estão passando fome no mundo hoje. Nenhuma delas é cubana” disse Fidel, em pronunciamento histórico. Enquanto os poderosos tentavam assassiná-lo — e falharam por mais de uma centena de vezes — Fidel devotava sua vida à resistência. Enfrentou o pior embargo já imposto a um país, desde a existência das Nações Unidas.

Como nenhum outro líder político, na face da Terra, Fidel elegeu a Saúde e a Educação como forma de consolidar uma nova realidade.

Cuba, hoje, é um exemplo para as futuras gerações de que um outro mundo é possível. Uma aliada de todas as outras nações que lutam contra o imperialismo e a opressão. Perdeu, com a morte de Fidel, o seu filho mais querido. Ainda assim, o legado que fica de uma vida exemplar será a inspiração para que nenhum povo se submeta ao egoísmo.

Que jamais um país seja anexado aos interesses de qualquer outro, por mais poderoso que possa parecer. Que não ceda um milímetro sequer na autodeterminação de se manter digna e honrada.

Quando tudo parecia dominado pela potência distante 140 quilômetros de Havana, que submetia seus desafetos aos desígnios do capitalismo mais selvagem, Fidel lidera a revolução que liberta a Ilha das garras da miséria. Promove o fim da exploração pelos Estados Unidos, sob a gerência de mafiosos, traficantes e bandidos de toda ordem. Mesmo sob a mais intensa pressão internacional, cria um Estado igualitário. Resgata da fome e da corrupção um contingente humano que, hoje, alcança Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) semelhante ao dos países nórdicos.

Cercada por todos os lados pela mediocridade que se alastra, nesses tempos perigosos, a Ilha de Fidel é um ponto de referência. Em pleno Caribe, estende-se um farol para aqueles que vivem os mesmos ideais um dia defendidos por um jovem judeu. Ele que, hoje, é representado na Terra por um homem bom, chamado Francisco. Talvez seja este a derradeira voz das pessoas bem que vagam por essa existência.

Desde que visitei Cuba pela primeira vez, ainda na década de 90, guardo comigo a leveza dos passos da minha filha. A luminosidade nas aulas de balé da professora Alícia Alonso, uma referência mundial que somente a Revolução Cubana poderia gerar.

Preferimos a aconchegante habanera e os seus tons calientes, às frias, comportadas e entediantes classes estabelecidas em Londres, Nova York e Paris.

Hasta Siempre, comandante!





Sergio Nogueira Lopes é sociólogo e embaixador da SPB/Brasil.

sábado, 21 de janeiro de 2017

DE QUASE NÃO SE VIVE



Existem países que quase chegaram lá. Alguns chutaram no gol, a bola bateu nas duas traves e saiu. Não entrou. Não foi gol, mas foi quase.


O Paraguai, por exemplo.


Seu modelo de país independente após deixar a condição de colônia, foi inédito.


Sem grande dívida externa e em marcha acelerada visando à industrialização, o Paraguai, no século XIX foi o sonho da América Latina. Governado por ditadores populares, aboliu o analfabetismo, promoveu uma reforma agrária corajosa e tinha índices de mortalidade infantis menores do que a maioria dos países europeus.


Quase. Mas não concretizou seu modelo, já que foi destruído, num genocídio sem precedentes praticado pelo Brasil, que alguns chamam de ‘Guerra do Paraguai”.


Tornou-se um pária, um molambento país claudicante e condenado.


O Haiti também.


Primeiro país latino-americano a se tornar independente após um processo único em que a metrópole (França) se despiu de qualquer intenção de manter a colonização já que estava envolvida em sua própria revolução, o Haiti teve a chance única de fazer suas opções sem interferência externa e sem uma elite pra atrapalhar e manter a desigualdade como norma, já que essa elite composta por brancos livres e mulatos (10% da população) foi perseguida e massacrada pelos 90% de escravos que compunham o povão.


Mas, a própria violência do massacre isolou o país diante do resto do mundo e isolado, o Haiti sucumbiu.


Na Europa também teve país que quase.


Portugal, por exemplo.


Grande líder das grandes navegações Portugal alcançou de forma pioneira o “novo mundo” e o rico comércio do oriente que poderia fazer dele, Portugal, a maior potência do mundo. Era só questão de detalhes diplomáticos e comerciais para coroar seus esforços exploratórios com a dominação econômica indiscutível de seu tempo.


Mas, Portugal teve um rei que se meteu numa guerra religiosa estúpida, morreu sem deixar herdeiros  e o trono de Portugal foi ocupado por um rei espanhol. Para recuperar a independência o país teve que vender a alma para a Inglaterra a quem perdeu quase toda sua vantagem como país metropolitano.


A História relata esses e outros exemplos de quase lá.


O Brasil  teve momentos em que poderia ter alçado voos mais altos.


Quando proclamou a independência e a República os brasileiros tiveram a folha em branco nas mãos para escrever que país queriam. Em ambas as oportunidades a escolha se fez por sua elite que assim, manteve o país que já existia, que pelo menos para eles, estava bom. Uma economia primário-exportadora que enriquecia poucos e empobrecia o resto.


Quando optou pela busca da industrialização de fato, com Getúlio Vargas, novamente tivemos a chance de reescrever nossa história, e mais uma vez, as elites fizeram dessa experiência apenas um rascunho, não um trabalho final, fazendo morrer a esperança e o próprio presidente


Atualmente, após três mandatos da esquerda, o Brasil ameaçou caminhar na direção de ser um país de todos, uma pátria educadora e menos desigual.


Pagou suas dívidas, fez crescer o PIB e pela primeira vez o crescimento foi acompanhado pela diminuição das misérias e desigualdades.


Parecia, mas não foi... O lado oculto da força se organizou dirigido e patrocinado por interesses outros e a presidente que não cometeu nem um crime caiu, a dívida voltou, a esperança sumiu.


A bola bateu nas duas traves, correu pela linha do gol, e saiu para fora.


Dá até pra desconfiar que o problema, então, não seja o time, mas a torcida.


Quem sabe, para essa torcida que apenas torce e xinga o juiz, já não tenha chegado a hora de uma boa invasão de campo para mostrar que cansou de esperar pelo cumprimento do tal destino de gigante, prometido, mas sempre amordaçado, pelos que sempre ganham com a miséria alheia?


Ou então, sejamos sempre, apenas um, quase.



Prof. Péricles





quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

CRISE ENTRE OS PODERES


Por Luciano Martins Costa



O Brasil corre o risco de acordar com as instituições irremediavelmente fragmentadas.

Esse é o resultado da operação que rompeu a ordem democrática ao desfazer a decisão tomada nas urnas em 2014 pela maioria dos brasileiros.

Os últimos dias registraram um embate inglório entre o Congresso Nacional e os integrantes da força-tarefa que tocam a Operação Lava-Jato.

Inglório, porque ambos os lados têm razão ao acusar os desafetos de desonestidade – e neste caso nenhum deles está com a verdade.

Embora a causa matriz da desavença seja absolutamente defensável, por se tratar de uma necessária atualização da lei de 1965 que coíbe o abuso de autoridade, há nessa iniciativa apressada um indisfarçado objetivo de blindar certas autoridades que estão na mira das investigações.

As mais reluzentes delas são o presidente do Senado e o presidente transitório da República.

Por outro lado, não se justifica que também sejam blindados os operadores da Justiça: nenhum juiz, procurador ou integrante da Polícia Federal pode se colocar acima das demais instituições em sua missão de apurar crimes de corrupção.

Acontece que os abusos nunca foram denunciados ou sequer considerados como tais enquanto a ousadia dos agentes públicos ajudava a derrubar o governo eleito nas urnas.

Apenas quatro meses depois de tomar posse, com a promessa de “resgatar a força da economia e recolocar o Brasil nos trilhos”, o inquilino do Planalto se vê sitiado pelos antigos aliados e vai sendo arrastado pela sucessão de escândalos rumo ao seu lugar na História: a “cesta” seção.

A mídia tradicional lança combustível na fogueira das vaidades, de olho na chance de trocar Michel Temer por alguém mais palatável e mais confiável: um prócer do PSDB paulista, por exemplo, ou, num caso extremo, o senador cearense Tasso Ribeiro Jereissati.

Pode-se afirmar que grande parte das opiniões divulgadas nasce enviesada pelo processo de criminalização da política, que cresce como um tsunami no rastro das denúncias de corrupção.

A leitura do projeto recomenda cautela: não há sinais de incoerência no texto que prevê punições para magistrados e integrantes do Ministério Público quando suas condutas forem incompatíveis com o cargo.

Porém, pode-se interpretar a letra da proposta como uma ameaça a juízes e procuradores que extrapolam de suas funções e usam dois pesos e duas medidas conforme a ideologia ou a posição político-partidária do acusado.

Pode-se apostar que 9 entre dez leitores de jornais e telespectadores dos noticiários da TV opinam sem ter lido o texto, mas é certo que muitos deles sairão às ruas de verde e amarelo.

Até mesmo advogados, que sofrem o risco de se tornarem irrelevantes diante das alianças entre promotoria e magistratura, têm aderido aos protestos.

O caos está instalado.

À sombra do edifício da Fiesp, na Avenida Paulista, os defensores da volta da ditadura tomam carona outra vez no carro de som dos indignados.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

A CONSTRUÇÃO DA INTOLERÂNCIA


A intolerância não se adquire pronta e acabada.

Na verdade, a melhor imagem que se faz não é a de um produto que já vem pronto e embalado, mas uma pequena planta irrigada desde os tempos de semente até tornar-se frondosa árvore.

O intolerante não nasce intolerante, é feito, embora depois trate de se aprimorar.

Quando os pais ensinam seus filhos que o coleguinha negro do colégio é diferente e que, em certas ocasiões, como o aniversário em casa com os amiguinhos, deve ser evitado, se está regrando a plantinha.

Quando o professor permite o bulling ao menino com trejeitos que segundo a regra da maioria da turma, e dele mesmo, são efeminados, está também, dando sua contribuição.

Além dos pais e mestres existem ainda os plantadores oficiais de intolerância.

A mídia, por exemplo, ao apresentar programações que separam e rivalizam meninas e meninos ou quando desfilam filmes e programas que cultuam a violência e o machismo, faz a sua parte com maestria.

Em geral, o preconceito se enraiza junto com convicções precipitadas mas póstas como verdades incontenstáveis.

Nesse processo de construção de ódios algumas nuances são tão sutis que nem os agentes diretos no processo o percebe.

Exemplo são as muitas mães que cultuam um machismo desacerbado e imprudente cujas origens estão na própria educação que recebeu e que que transmite sem parar para pensar. 

O pessoal que coleciona piadas homofóbicas, também participam e até mesmo o culto à mulher virgem e frágil cujo valor está na beleza e que muitos acham ser elegante tem sua dose forte na desigualdade nos tratamentos.

Depois da cobra criada falta apenas o aprimoramento e aí, a personalidade de cada um faz o resto, mas o caminho foi previamente construído.

Então a barra pesa, pois, a intolerância nunca anda sozinha e tem uma família unida. Ela é filha do ódio, irmã do orgulho e do preconceito, mãe da hipocrisia.

Dificilmente alguém anda acompanhado de apenas um desses pares.

Quem caminha com essa turma carrega o ódio escondido no bolso já que a hipocrisia exige um comportamento dissimulado, mas que sempre se trai quando algum tipo de valor está em julgamento.

Os que andam com essas companhias participam da violência da qual se julgam vítimas, defendendo a violência do estado e bradando que bandido bom é bandido morto.

Com a visão tapada por tanta coisa ruim são instrumentos úteis para aqueles que buscam manter a sociedade desigual e excludente como a conhecemos. É a maneira de fazer crer que a exclusão é natural e, de certa forma, uma opção do excluído.

Assim, a desconstrução dessas anomalias passa, não apenas pela necessária transformação social, mas antes de tudo, na transformação da própria cidadania.

Não será por decreto nem por atos revolucionários, pois a Lei sem a vivência nas criaturas é efêmera, como o demonstra a Lei Maria da penha.

É dever de todos lutar pela desmistificação da intolerância como coisa natural entre as pessoas.

Enquanto isso, jovens pais, procurem saber exatamente, que tipo de semente está sendo plantada no terreno fértil da personalidade de seus filhos.




Prof. Péricles