O primeiro sintoma foi quase imperceptível... uma risadinha, meio de lado e escondida. Mas, ele percebeu e se preocupou. Fora uma piada infame e racista, porque aquela risadinha?
Mas, no segundo sinal ele se assustou de verdade. Foi quando numa noite qualquer ele se percebeu assistindo uma partida de basquete da NBA. Ele nunca gostou de basquete... o que estaria acontecendo?
Depois disso ele teve a primeira crise. Foi num domingo que ele jamais esquecerá.
Assistiu à partida de futebol e mergulhou direto no programa do âncora gordo e sem graça. Até hoje se arrepia ao lembrar sua passividade em permanecer sentado na poltrona enquanto seus olhos, e, pior, sua audição, eram agredidas de maneira tão desumana.
Teve que se arrastar para chegar até o controle remoto em cima da estante para impedir que o programa do final de domingo concluísse a tragédia.
Passou a sentir um misto de vergonha e de medo.
Pensou em pedir ajuda, mas temia os olhares de compaixão que poderia receber.
Um médico, talvez um médico pudesse auxilia-lo. Ele não sabia.
Enquanto temia ser descoberto, uma segunda crise quase acabou com sua sanidade. Num dia da semana que sua memória se recusa a detalhar ele assistiu todo o jornal noturno, que ele lembra bem, ficava entre novelas... oh Deus!.
Tentando evitar o pânico, encheu-se de coragem e, num rompante que lhe custou toneladas de suor, contou tudo para a namorada, uma estudante de psicologia da PUC.
A moça ouviu tudo de boca aberta, nem Freud, nem Jung a prepararam para aquele relato, mas, quando ele terminou, tentou mostrar calma e lucidez. Disse que deveria existir alguma terapia, uma simpatia ou uma boa mãe de santo que pudesse ajudar. O importante era ele assumir que precisava de ajuda e ela, sua namorada, não iria lhe faltar.
Ele nunca mais a viu.
Mas não a culpa, não é qualquer amor que sobrevive às expiações desse tipo.
Porém, ele lutaria, e muito, por sua vida.
Buscou grupos de autoajuda. Confessou entre lágrimas que fazia duas semanas que começara a acreditar no que aquele canal televiso dizia. Foi abraçado pelos companheiros emocionados e voltou pra casa se sentindo melhor.
Hoje ele já está há dois meses “limpo”. Não assistiu mais, nesse período, aquele canal, nem mesmo uma espiadinha. Mas teme as sequelas. As vezes se surpreende chamando alguém de viadinho e sabe que isso talvez nunca saia de sua mente.
Voltou a ler bons livros, discutir sobre política, voltou a conversar com amigos de esquerda e até a namorada tentou voltar, mas ele, achou melhor deixar assim, pois time que está ganhando não se mexe.
Ele sabe que não está curado. A midiotia não tem cura. Mas tem controle, ô se tem.
Toda vez que lembra da intolerância que repetiu sem perceber, dos preconceitos e da homofobia subliminares que disseminou, sente-se infeliz. Mas, já fez uma listinha de todos com quem conversou naquela fase e prejudicou com as besteiras que disse e prometeu pra si mesmo procurar um a um para pedir perdão.
Para os mais jovens que o procuram para saber de sua experiência, ele não nega que foi e está sendo difícil retornar ao mundo dos que pensam por si mesmos e geralmente termina suas horripilantes narrativas com uma frase que se tornou seu mantra:
A alienação enferruja o coração, meninos, enferruja sim, e concluiu com um olhar de que muito sofreu: não experimentem... evitem as olhadinhas ligeiras quando atravessa a sala. A midioia é a pior das drogas, ela mata os neurônios, polui os ideais e atinge nosso sistema imunológico contra a estupidez.
Prof. Péricles