Em 1914, o jornal conservador Le Figaro vinha massacrando o ministro da Fazenda, Joseph Caillaux, de esquerda. Caillaux, para o jornal, era pacifista demais um momento em que a Alemanha flexionava seus músculos.
O Figaro conseguira uma correspondência íntima de Caillaux dirigida a uma mulher da sociedade parisiense, Henriette.
Eram cartas em que se misturavam lascívia e inconfidências políticas e datavam da época em que Caillaux e Henriette mantinham um caso clandestino.
Quando o Figaro obteve as cartas, Caillaux e Henriette já eram marido e mulher, depois de cada qual se divorciar para viver plenamente o seu relacionamento.
O editor do Figaro, Gaston Colmette, era o jornalista mais poderoso da França.
Henriette queria que Joseph o desafiasse para um duelo para preservar a honra e a carreira. Mas depois teve uma segunda ideia.
Dirigiu-se à sede do jornal e pediu para ser recebida por Calmette, num final de dia.
Dirigiu-se à sede do jornal e pediu para ser recebida por Calmette, num final de dia.
Um amigo de Calmette lhe recomendou que não a recebesse, dadas as circunstâncias da campanha movida contra o marido dela.
Mas Calmette era um francês, e respondeu que não poderia deixar de atender uma dama sozinha.
Henriette tinha um véu na mão.
“Você sabe para que eu vim aqui, não?”, disse ela, segundo testemunhas. Sem perder um só minuto, Henriette mostrou o que carregava: uma Browning automática. Descarregou-a em Calmette. Quatro tiros acertaram seu peito, e o mataram em poucos minutos.
A polícia não tardou a aparecer. Os policiais iam levar Henriette a uma delegacia na viatura que estava estacionada na frente da sede do Figaro.
“Não toquem em mim”, disse ela. “Je suis une dame”.
Ela foi para a polícia em seu próprio carro.
Poucas semanas depois, num julgamento que chacoalhou a França e a Europa, e obscureceu entre os franceses os acontecimentos que logo levariam à Primeira Guerra Mundial, o caso foi examinado por um júri composto apenas de homens.
Henriette acabou inocentada. O júri decidiu, em legítima defesa da honra, e sob intensa emoção.
A opinião pública, no julgamento, se inclinou por Madame Caillaux e não pelo jornalista morto, ou pela causa deste.
Houve entre os franceses um consenso de que Calmette e o Figaro tinham cometido um abuso intolerável de poder, e o veredito refletiu isso.
Acabou assim espetacularmente, pelas mãos de Madame Caillaux, une damme, o jornalismo que assassinava reputações na França.
O Brasil o Calmette brasileiro era o “Corvo”, o jornalista e político Carlos Lacerda, que se lançou a uma campanha selvagem que levaria Getúlio Vargas ao suicídio, em 1954.
É um exercício fascinante imaginar o que teria ocorrido se Vargas tivesse a seu lado uma Madame Caillaux.
Mas não tinha.
Lacerda foi vítima de um atentado em que saiu apenas com um pé ferido. O mandante, segundo a polícia, foi o chefe da guarda pessoal de Getúlio. Sob a pressão da imprensa, Getúlio poucos dias depois se mataria.
Madame Caillaux, na Paris de 1914, acabou de uma só vez com Calmette e com um tipo de jornalismo que os franceses julgaram destrutivo e nocivo ao interesse público. Lacerda pôde seguir, revigorado, sua carreira deletéria.
O Corvo seria o nome essencial para justificar, pela imprensa, a instalação de uma ditadura militar que, sob o pretexto infame de impedir “o triunfo do comunismo”, viria a matar milhares de brasileiros e faria do Brasil um campeão mundial da desigualdade social.
Henriette, com seu gesto extremo e desesperado, forçou a França a avaliar o jornalismo que se fazia então.
O Brasil jamais passou por este tipo de avaliação, e isso explica em grande parte o jornalismo sem limites que vigora entre nós ainda hoje, um século depois de os franceses terem imposto limites imprescindíveis ao interesse público.
Mas Calmette era um francês, e respondeu que não poderia deixar de atender uma dama sozinha.
Henriette tinha um véu na mão.
“Você sabe para que eu vim aqui, não?”, disse ela, segundo testemunhas. Sem perder um só minuto, Henriette mostrou o que carregava: uma Browning automática. Descarregou-a em Calmette. Quatro tiros acertaram seu peito, e o mataram em poucos minutos.
A polícia não tardou a aparecer. Os policiais iam levar Henriette a uma delegacia na viatura que estava estacionada na frente da sede do Figaro.
“Não toquem em mim”, disse ela. “Je suis une dame”.
Ela foi para a polícia em seu próprio carro.
Poucas semanas depois, num julgamento que chacoalhou a França e a Europa, e obscureceu entre os franceses os acontecimentos que logo levariam à Primeira Guerra Mundial, o caso foi examinado por um júri composto apenas de homens.
Henriette acabou inocentada. O júri decidiu, em legítima defesa da honra, e sob intensa emoção.
A opinião pública, no julgamento, se inclinou por Madame Caillaux e não pelo jornalista morto, ou pela causa deste.
Houve entre os franceses um consenso de que Calmette e o Figaro tinham cometido um abuso intolerável de poder, e o veredito refletiu isso.
Acabou assim espetacularmente, pelas mãos de Madame Caillaux, une damme, o jornalismo que assassinava reputações na França.
O Brasil o Calmette brasileiro era o “Corvo”, o jornalista e político Carlos Lacerda, que se lançou a uma campanha selvagem que levaria Getúlio Vargas ao suicídio, em 1954.
É um exercício fascinante imaginar o que teria ocorrido se Vargas tivesse a seu lado uma Madame Caillaux.
Mas não tinha.
Lacerda foi vítima de um atentado em que saiu apenas com um pé ferido. O mandante, segundo a polícia, foi o chefe da guarda pessoal de Getúlio. Sob a pressão da imprensa, Getúlio poucos dias depois se mataria.
Madame Caillaux, na Paris de 1914, acabou de uma só vez com Calmette e com um tipo de jornalismo que os franceses julgaram destrutivo e nocivo ao interesse público. Lacerda pôde seguir, revigorado, sua carreira deletéria.
O Corvo seria o nome essencial para justificar, pela imprensa, a instalação de uma ditadura militar que, sob o pretexto infame de impedir “o triunfo do comunismo”, viria a matar milhares de brasileiros e faria do Brasil um campeão mundial da desigualdade social.
Henriette, com seu gesto extremo e desesperado, forçou a França a avaliar o jornalismo que se fazia então.
O Brasil jamais passou por este tipo de avaliação, e isso explica em grande parte o jornalismo sem limites que vigora entre nós ainda hoje, um século depois de os franceses terem imposto limites imprescindíveis ao interesse público.